ARTIGO ORIGINAL

Análise do estado funcional de pacientes críticos internados em unidade de terapia intensiva

Functional status analysis of critically ill patients in the intensive care unit

 

Débora Melissa Petry Moecke, Ft.*, Roberta Rodolfo Mazzali Biscaro, Ft., M.Sc.**

 

*Graduação em Fisioterapia pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis/SC e pós-graduação pelo Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis/SC, **Graduação e mestrado em Fisioterapia pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis/SC, Especialização em Fisioterapia em Clínica Médica pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e Fisioterapeuta do Hospital Universitário da UFSC, Florianópolis/SC

 

Recebido em 20 de fevereiro de 2018; aceito em 28 de dezembro de 2018.

Endereço para correspondência: Débora Melissa Petry Moecke, Servidão Santíssima Trindade, 68/303, Trindade, 88036-655 Florianópolis SC, E-mail: deboramelissapetry@gmail.com; Roberta Rodolfo Mazzali Biscaro: betamazz@hotmail.com

 

Resumo

O comprometimento físico funcional é um aspecto significativo em pacientes críticos e para que seja possível intervir de forma precoce, torna-se importante analisar o estado funcional destes indivíduos. Este é um estudo longitudinal e prospectivo, do qual participaram 40 indivíduos internados na UTI do HU/UFSC em Ventilação Mecânica (VM) por pelo menos 48h. Na inclusão ao estudo (AV1) foram coletados dados referentes ao estado funcional e fragilidade prévios; na segunda etapa (AV2) - avaliação da força muscular e do estado funcional; e na alta clínica (AV3) – reavaliação da força muscular, estado funcional e check list dos marcos funcionais. De forma geral, os pacientes apresentaram prejuízo significativo na funcionalidade no despertar, com Índice de Barthel médio de 3,33 ± 6 e Escore Perme de 8,18 ± 3,99 e também na alta da UTI, com Índice de Barthel médio de 12,7 ± 13,99 e Escore Perme de 13,68 ± 6. O estado funcional e a fragilidade prévios se relacionaram com os desfechos clínicos (p = 0,022 e p = 0.019, respectivamente). O estado funcional no despertar teve correlação com o desfecho funcional (p < 0,001). A força muscular periférica se alterou juntamente com o estado funcional tanto no despertar (p = 0,005 e p < 0,001) quanto na alta da UTI (p = 0,002). Sendo assim, pode-se dizer que o estado funcional dos pacientes reduziu significativamente durante a internação na UTI, comparada há um mês antes da admissão, e manteve-se baixa após a alta dessa unidade. Verificou-se ainda que o estado funcional e a fragilidade prévios se relacionam com o desfecho clínico e que o estado funcional no despertar se relaciona com o desfecho funcional. A força muscular periférica também se alterou juntamente com o estado funcional.

Palavras-chave: unidade de terapia intensiva, estado funcional, paciente crítico, mobilização precoce.

 

Abstract

Functional physical impairment is a significant aspect in critically ill patients and in order to be able to intervene at an early stage, it is important to analyze the functional status of these individuals. This is a longitudinal and prospective study, in which participated 40 patients hospitalized at ICU of the HU/UFSC in mechanical ventilation for at least 48 hours. At inclusion in the study (AV1) data was collected regarding the previous functional status and frailty, at second stage (AV2) - evaluation of muscle strength and functional status and clinical discharge (AV3) – revaluation of muscle strength, functional status and a check list of functional milestones. In general, the patients presented significant impairment of functionality at awakening, with a Barthel Index mean of 3.33 ± 6 and Perme Score of 8.18 ± 3.99, and at ICU discharge, with a Barthel Index with mean of 12.7 ± 13.99 and a Perme Score of 13.68 ± 6. The previous functional and frailty status was related to the clinical outcome (p = 0.022 and p=0.019, respectively). The functional status at awakening had a correlation with the functional outcome (p<0.001). The peripheral muscle strength modifies with functional status in both the awakening (p=0,005 e p<0,001) and discharge of the ICU (p=0,002). Therefore, the functional status of patients has significantly reduced during ICU stay, compared with the status one month prior, and remains low after discharge. It was also find that the functional status and previous frailty relate with the clinical outcome and that the functional status at awakening correlated to functional outcome. The peripheral muscle strength also modifies with functional status.

Key-words: intensive care unit, functional status, critically ill patient, early mobilization.

 

Introdução

 

A diminuição da taxa de mortalidade de doentes críticos na última década está associada aos avanços tecnológicos e científicos na assistência à saúde [1,2]. A melhora no tratamento leva a uma conversão da mortalidade em maior sobrevida dos pacientes, que consequentemente acabam permanecendo mais tempo nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) e desenvolvendo desordens neuromusculares [1,3] – consequências graves e muitas vezes de longa duração.

A disfunção muscular é uma complicação comum que pode estar associada à doença de base, efeitos adversos da terapia, sedação e principalmente a imobilização no leito [2-4]. Esta diminuição da força muscular em sobreviventes de doenças críticas tem impacto direto no estado funcional [2,5] e consequente redução da qualidade de vida [2, 6].

Há um estudo na literatura no qual foi encontrada associação positiva entre a diminuição da força de preensão manual com a mortalidade hospitalar, em pacientes críticos que necessitaram de pelo menos cinco dias de ventilação mecânica (VM) e sem evidência de desordem neuromuscular prévia. A fraqueza muscular tem sido estudada após a alta hospitalar em pacientes que estiveram internados em UTI, e um estudo verificou que mais da metade permaneceram com restrições no desempenho das atividades de vida diária (AVD) e, destes, 60% evoluíram com limitações funcionais graves [7]. Corroborando este resultado, outro estudo observou que dos 70 pacientes que participaram da avaliação 1 ano após a alta hospitalar, apenas 43% tiveram condições de retornar às suas atividades laborais [8].

O impacto na qualidade de vida e na condição socioeconômica dos indivíduos que sobreviveram a uma condição crítica aponta para a importância de identificar fatores de risco e desenvolver estratégias preventivas [9]. Para que seja possível intervir de forma precoce, torna-se necessária a avaliação periódica do estado funcional à beira do leito.

Tendo em vista a importância de se avaliar o estado funcional de doentes críticos a fim de minimizar as consequências graves associadas à internação na UTI e considerando a possibilidade de se utilizar escalas como forma de avaliação periódica à beira leito, este estudo tem como objetivo principal analisar o estado funcional de pacientes críticos internados em uma UTI e verificar as possíveis relações com desfechos funcionais, clínicos e com a força muscular.

 

Material e métodos

 

Caracterização da pesquisa

 

Estudo longitudinal e prospectivo, realizado na UTI do Hospital Professor Polydoro Ernani de São Thiago, localizado no Campus da Universidade Federal de Santa Catarina (HU/UFSC). Projeto no. 1.985.320, aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CAAE: 63092516.0.0000.0121).

 

Sujeitos da pesquisa

 

O tamanho da amostra foi calculado através do programa Sestatnet (UFSC), com valor estimado da população de 112, de acordo com o número de pacientes internados na UTI do HU/UFSC que utilizaram ventilação mecânica por mais de 48h no ano anterior (1 de janeiro de 2016 até 31 de dezembro de 2016). A partir dessa população estimou-se uma amostra de 40 pacientes, com desvio padrão de 8, o erro amostral 2 e o nível de confiança 95%. Participaram do estudo 40 indivíduos adultos internados nesta UTI com necessidade de ventilação mecânica por pelo menos 48h, que foram selecionados de maneira intencional, não probabilística e por acessibilidade.

Todos os representantes dos indivíduos participantes, quando não o próprio indivíduo, aceitaram participar do estudo após lerem e assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os critérios de inclusão adotados foram: Pacientes internados na UTI do HU/UFSC, maiores de 18 anos e que completaram 48h de ventilação mecânica, além da adequação na assinatura do TCLE. Os critérios de exclusão foram: Pacientes que fossem a óbito durante a internação na UTI ou não tivessem nível de consciência necessário para realizar as avaliações do estado funcional, reinternações sucessivas na UTI (> 3 vezes), indivíduos institucionalizados, presidiários, pacientes que apresentassem desordens neuromusculares importantes prévias (tetraplegia, paraplegia ou outras doenças neuromusculares) e pacientes e/ou familiares que declinassem sua participação.

 

Procedimento de coleta

 

O protocolo de coleta foi composto por três momentos. Uma vez incluídos no estudo (AV1) foram coletados os dados referentes ao estado funcional prévio por meio do Índice de Barthel Modificado e a fragilidade prévia através da Escala Clínica de Fragilidade, sendo ambos os dados adquiridos de forma recordativa com os acompanhantes considerando 30 dias antes da internação hospitalar.

A segunda etapa (AV2) ocorreu quando o paciente despertou e cumpriu com os critérios de colaboração: abrir e fechar os olhos, olhar para o examinador, mexer a cabeça, abrir a boca e colocar a língua para fora e levantar as sobrancelhas. Cumprindo esses comandos, foi realizada a avaliação da força muscular através da Escala Medical Research Council (MRC) e do estado funcional através do Escore Perme de Mobilidade em UTI e novamente do Índice Modificado de Barthel.

Na alta clínica da UTI (AV3) todas as avaliações feitas anteriormente foram coletadas novamente, além de preencher um checklist elaborado pelas avaliadoras para verificação dos seguintes marcos funcionais: sedestação à beira leito, saída do leito e deambulação.

O paciente que já estava incluído no estudo e foi reintubado e permaneceu pelo menos 48h em VM ou ainda recebeu alta da UTI e necessitou de reinternação e pelo menos 48h de VM teve seus dados recoletados. Nestes casos, foram considerados os dados da última avaliação.

Uma ficha de avaliação foi utilizada durante o período em que o participante esteve internado na UTI, para coleta de dados pessoais (nome, idade, sexo, comorbidades, hábito tabagístico e histórico de internações prévias) e de rotina (procedência, causa da internação na UTI, causa da intubação oro traqueal (IOT), índice de gravidade da doença aguda (SAPS III), dias de VM, sedação, droga vasoativa (DVA), bloqueador neuromuscular (BNM), etc.).

Esta avaliação se estendeu após a alta da UTI, para acompanhamento do desfecho clínico dos pacientes até a alta hospitalar. As avaliações foram realizadas pela pesquisadora principal do estudo e por outra fisioterapeuta que recebeu devido treinamento prévio. O organograma, representando na figura 1, sintetiza as fases de coleta de dados.

 

 

Figura 1 - Organograma com as fases da coleta de dados.

 

Neste estudo, consideramos como estado funcional as pontuações das escalas de funcionalidade (Índice Modificado de Barthel e Escore Perme de Mobilidade em UTI) e como desfecho funcional as pontuações das mesmas escalas na alta clínica da UTI (AV3). Como desfecho clínico, considerou-se alta, óbito ou transferência da UTI.

Além de identificar o estado funcional no momento do despertar e na alta da UTI, este estudo se propõe a verificar se existe associação entre o estado funcional e a fragilidade pré-internação com os desfechos clínico, funcional e a força muscular. Da mesma forma, tem o intuito de verificar se existe relação entre o estado funcional no despertar com desfechos clínico e funcional. Pretende ainda, relacionar o estado funcional com a força muscular e com alguns dados da admissão/internação na UTI.

 

Análise dos dados

 

Os dados coletados foram armazenados em planilhas do programa Microsoft Excel 2007, sistematizados no programa SPSS versão 20.0 (SPSS Inc., USA). Medidas de dispersão como média aritmética, desvio-padrão (DP), mediana, intervalo interquartil (25-75%) e intervalo de confiança 95% (IC95%) foram aplicadas. A normalidade dos dados foi verificada por meio do teste de Shapiro - Wilk.

O teste de Friedman foi utilizado para comparar as médias dos escores do Índice Modificado de Barthel (pré-admissão/ despertar/ alta). Para verificar as possíveis correlações entre o estado funcional e as demais variáveis contínuas do estudo foi empregado o coeficiente de correlação de Spearman, já para verificar as possíveis associações entre o estado funcional e as demais variáveis categóricas será realizado o teste Exato de Fisher. Foi utilizado o teste Wilcoxon para verificar a diferença das variáveis contínuas do estado funcional em momentos distintos. Os testes U de Mann-Whitney ou Kruskall Wallis foram utilizados para comparar variáveis contínuas com categorias em diferentes momentos da avaliação. O nível de significância adotado para o tratamento estatístico foi de 5%.

 

Resultados

 

Foram considerados elegíveis para o estudo 106 pacientes, porém 66 foram excluídos por apresentar algum dos critérios de exclusão. A amostra final foi composta por 40 indivíduos com média de idade de 55,05 ± 15,49 anos, sendo 22 (55%) homens. A média do índice de gravidade da doença aguda SAPS III foi de 64,70 ± 16,88, o que equivale a uma mortalidade de aproximadamente 58%. A causa da internação na UTI mais prevalente foi pós-operatório de urgência (25%), seguido por sepse (15%), pneumonia (10%), exacerbação da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) (10%), estado de mal epiléptico (10%) e outras com menor expressão. A caracterização da amostra está representada na tabela I.

A maioria dos indivíduos era independente do ponto de vista funcional previamente a internação, com Índice Modificado de Barthel prévio médio de 89,53 ± 18,82 pontos. De acordo com a Escala Clínica de Fragilidade, a maioria dos indivíduos (40%) tinha um status “controlado”, ou seja, comorbidades controladas, sintomas das doenças não controlados e sem atividade física para além da marcha habitual.

 

Tabela I - Caracterização dos pacientes internados na UTI.

 

DP = desvio padrão; IC95% = intervalo de confiança de 95%; LS = limite superior; LI: limite inferior; SAPS III = Simplified Acute Physiology Score; TOT = tubo orotraqueal; TQT = traqueostomia; VNI = ventilação não invasiva.

 

Nos dados da internação os pacientes apresentaram mediana de 6 (4-11) dias de VM e de sedação. Cinco pacientes utilizaram Bloqueador Neuromuscular (BNM), com média de 6,2 ± 6,45 dias e 34 fizeram uso de DVA, com mediana de 5 (3-7) dias. O tempo de internação na UTI obteve mediana de 11 (8 – 18) dias enquanto o tempo de internação hospitalar foi de 23 (16-39) dias. Na alta da UTI, dos 40 pacientes incluídos no estudo, 29 sentaram a beira leito, 12 saíram do leito e 2 atingiram a mobilidade máxima obtida através da deambulação. O desfecho hospitalar prevalente foi à alta em 72,5% dos pacientes, e sete evoluíram para óbito. Os dados referentes ao período de internação na UTI e desfecho hospitalar estão representados na tabela II.

 

Tabela II - Dados da internação em UTI e hospitalar.

 

*Média ± DP; IIQ = Intervalo interquartil.

 

Os dados da tabela III representam as pontuações médias das escalas de funcionalidade pré-internação, no despertar e na alta da UTI. Ao comparar as pontuações do Índice Modificado de Barthel nos três momentos da avaliação, houve diferença (p < 0,001) entre todos eles. Ao comparar o estado funcional do despertar com a alta, 30 pacientes obtiveram maior pontuação e 10 pacientes mantiveram a mesma pontuação de acordo com as escalas. A diferença de médias do Índice de Barthel do despertar para alta foi de 9,37 pontos, representando 9,37% da pontuação total da escala. Já a diferença de médias do Escore Perme do despertar para alta foi de 5,5 pontos (p < 0,001), representando 17,19% da pontuação total da escala.

 

Tabela III - Médias e medianas das pontuações das escalas funcionais nos três momentos da avaliação.

 

*Mediana (IIQ); ∆ = diferença entre as médias das escalas no despertar e na alta.

 

Quando comparado o estado funcional prévio com desfecho clínico, houve diferença entre os grupos que evoluíram para alta/transferência e óbito (p=0,022), os pacientes que tiveram alta/transferência obtiveram pontuações mais altas, pontuando em média 21,59 pontos a mais na escala do que quem foi a óbito. Também foi verificada associação entre a fragilidade prévia e o desfecho clínico, com diferença entre os grupos alta/transferência e óbito (p=0.019) e o valor de j=0,53 indicando que aproximadamente 53% da variação na contagem das frequências dos pacientes com alta hospitalar pode ser explicada pela fragilidade. Não houve relação do estado funcional e da fragilidade prévios com os desfechos funcionais e com a força muscular na alta da UTI.

Os gráficos apresentados na Figura 2 representam a correlação do estado funcional no despertar com os desfechos funcionais. Foi verificada correlação do Índice de Barthel (AV2 e AV3), com correlação moderada e do Escore Perme (AV2 e AV3), também com correlação moderada. Entre as diferentes escalas e os momentos da avaliação, pode-se verificar correlação entre o Escore Perme (AV2) e o Índice de Barthel (AV3) e não foi encontrada correlação entre o Índice de Barthel (AV2) e o Escore Perme (AV3).

 

 

Figura 2 - Correlação do estado funcional com desfechos funcionais.

 

Na análise da relação entre o estado funcional e a força muscular periférica no despertar, o Índice de Barthel correlacionou-se com a pontuação do MRC (p = 0,005). A pontuação total do MRC no despertar correlacionou-se ainda com a pontuação do Escore Perme (p < 0,001), correlação moderada (r = 0,58). Ao comparar estas duas variáveis também se obteve diferença significativa (p = 0,006), as maiores pontuações no Escore Perme estão relacionados com MRC > 48, e os pacientes que tiveram MRC > 48 pontuaram em média 2,92 pontos a mais no Escore Perme do despertar. Por fim, também houve correlação entre o Escore Perme e o MRC na alta da UTI (p = 0,002).

Quando verificada a relação do estado funcional com alguns marcadores clínicos, pode-se verificar que o Índice de Barthel na alta correlacionou-se com o índice de gravidade da doença aguda SAPS III (p = 0,004 e r = -0,44), com o total de dias em VM (p=0,035 e r =-0,33) e com o total de dias de sedação (p = 0,046 e r =- 0,31). Quando comparados os marcos funcionais com as escalas na alta da UTI, houve diferença na pontuação do Índice Barthel entre os pacientes que saíram do leito (p = 0,015). Já a pontuação do Escore Perme apresentou-se diferente para os pacientes que sentaram (p = 0,02), saíram do leito (p < 0,001) e deambularam (p = 0,015).

 

Discussão

 

A maioria dos indivíduos do estudo apresentou-se independente do ponto de vista funcional previamente a internação de acordo com o Índice Modificado de Barthel e a maior parte dos pacientes foram categorizados como “Controlado” na escala clínica de Fragilidade. No despertar, apresentaram-se funcionalmente muito limitados de acordo com as escalas de funcionalidade. Já na alta da UTI, houve acréscimo nas pontuações de ambas as escalas, porém ainda representando dependência total funcional de acordo com o Índice de Barthel e uma pontuação média baixa considerando a máxima de 32 pontos do Escore Perme.

Os dados encontrados convergem para as evidências atuais, onde sobreviventes de doenças críticas apresentam comprometimento fisico funcional importante [10]. Um estudo demonstrou que a maioria dos pacientes críticos que necessitou de VM por pelo menos 48h tem limitações funcionais substanciais nas AVD’s imediatamente após a alta da UTI [7]. Limitações essas estudadas em pacientes sobreviventes a síndrome do desconforto respiratório agudo (ARDS) com tempo prolongado de internação em UTI, que apresertaram limitações nas AVD’s mesmo 5 anos após a doença aguda, além da diminuição da qualidade de vida relacionada à saúde que foi atribuída principalmente ao declínio da capacidade física [11]. Em uma coorte de sobreviventes a lesão pulmonar aguda (LPA), também verificou-se declínio substancial na função física e na qualidade de vida relacionada a saúde, que persistiram após 24 meses [12].

Houve diferença quando comparado o estado funcional prévio com o desfecho clínico. Pacientes que foram de alta/transferência obtiveram pontuações mais altas na escala do que os que foram a óbito. Corroborando esse achado, um estudo prospectivo multicêntrico encontrou que os pacientes com limitação funcional antes da internação na UTI apresentaram maior risco de mortalidade hospitalar [13]. Outro estudo, prospectivo e observacional, avaliou 271 pacientes adultos com pneumonia que necessitaram de internação na UTI, e os autores encontraram que o estado funcional completamente dependente antes da internação teve uma correlação extremamente forte e independente com a mortalidade tanto a curto quanto a longo prazo [14].

No presente estudo, a fragilidade prévia também teve associação com a mortalidade. Um trabalho de coorte retrospectivo investigou o efeito do estado de fragilidade prévia na internação em UTI e na mortalidade e desfechos clínicos da UTI, e encontraram que o grupo frágil apresentou taxas de mortalidade hospitalar (17,3%) e 3 anos após a alta (58,8%) superiores aos pacientes robustos ou não frágeis [15]. Resultados similares foram encontrados por um estudo no qual a prevalência de pacientes com fragilidade prévia de 30,3%, e as médias do tempo de UTI e de mortalidade hospitalar (69,2 e 73,1%, respectivamente) foram maiores em pacientes frágeis do que não frágeis, e a fragilidade foi associada de forma independente a todas as causas de mortalidade na UTI [16].

Quando avaliada a correlação do estado funcional no despertar com os desfechos funcionais, verificou-se que de forma geral, quem obteve um bom estado funcional no despertar evoluiu funcionalmente bem até a alta. Apenas não houve correlação entre o Índice de Barthel (AV2) e o Escore Perme (AV3), pois o Barthel parece não ser sensível para este momento em que o paciente apresenta-se muito limitado funcionalmente. O Índice de Barthel tem sido amplamente utilizado tanto na prática clínica como para pesquisas, porém a escala não foi desenvolvida e validada com a finalidade de avaliar a funcionalidade de pacientes internados em UTI [17]. A validação da escala, no Brasil, foi feita para idosos atendidos em ambulatórios [18]. Alguns itens como toalete, subir escadas e vestuário dificilmente vão ocorrer no ambiente de terapia intensiva, principalmente quando o paciente acaba de acordar após um período sedado e em VM. Outra limitação é que existem condições extrínsecas ao paciente que interferem em sua mobilidade no leito na UTI, tais como, a presença de acessos, tubos e drenos torácicos, e isso não é levado em conta na pontuação da escala [19].

Outra análise deste estudo que apresentou correlação foi entre o estado funcional no despertar e na alta com a força muscular periférica. Estudos tem mostrado que após uma semana de repouso na cama, a força muscular pode diminuir até 20%, com uma perda adicional de 20% da força restante ocorrendo cada semana subsequente [20]. A perda de força e resistência muscular pode levar ao comprometimento funcional, [20] e há estudos demonstrando que a redução da força de membros superiores e a dificuldade em caminhar são os fatores explicativos independentes na diminuição do estado funcional imediatamente após a alta da UTI, de acordo com o Índice de Barthel [7].

De maneira geral, quando verificada a relação das escalas de funcionalidade na alta da UTI com marcadores clínicos, o Índice de Barthel demonstrou maior associação, já ao comparar com marcadores funcionais, o Escore Perme demonstrou maior associação. Após extensa revisão da literatura, não foram encontrados artigos que demonstrassem tais associações, da forma como foi realizado neste estudo. Tampouco há estudos que relacionem o estado funcional no despertar e na alta da UTI com os desfechos clínicos, e a análise deste estudo demonstrou não haver associação.

A principal limitação do presente estudo foi o tamanho da amostra. Como a intenção do estudo era que se tivessem as avaliações dos três momentos de coleta, os pacientes que evoluíram para óbito na UTI foram excluídos, podendo esses indivíduos ter pior estado funcional prévio e/ou no despertar modificando os resultados encontrados. O mesmo poderia ocorrer com os pacientes que foram reinternados na UTI mais que três vezes sucessivas e por essa razão foram excluídos. A aplicação do Escore Perme de Mobilidade em UTI pode ter sido uma limitação uma vez que não foi possível aplicar a escala inteira nos momentos da avaliação. As informações foram preenchidas de acordo com o relato da equipe, que pode ter subestimado o potencial de mobilidade/funcionalidade dos pacientes.

 

Conclusão

 

Pacientes críticos apresentam prejuízo significativo na funcionalidade tanto no despertar quanto na alta da UTI. Neste estudo, verificou-se que o estado funcional e a fragilidade prévios se relacionam com o desfecho clínico. Pacientes mais frágeis e menos funcionais antes da internação na UTI apresentaram maior mortalidade. O estado funcional no despertar teve correlação com o desfecho funcional, indicando que aqueles pacientes que tiveram bom estado funcional no despertar evoluíram funcionalmente bem até a alta, porém não houve relação com o desfecho clínico. A força muscular periférica se alterou juntamente com o estado funcional tanto no despertar quanto na alta da UTI. O índice de Barthel demonstrou maior associação com alguns marcadores clínicos como o SAPS III, total de dias de VM e total de dias de sedação, já o Escore Perme apresentou maior associação com os marcos funcionais.

 

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