ARTIGO
ORIGINAL
Efeitos
da fisioterapia aquática na função motora de indivíduos com paralisia cerebral:
ensaio clínico randomizado
Effects of aquatic physical therapy in motor functional in subjects with
cerebral palsy: randomized clinical trial
Luize Bueno de Araujo, M.Sc.*,
Talita de Castro Silva, Ft.**, Laís Cardoso Oliveira, Ft.***, Lilian C Tomasetto****, Mirna S Kanashiro*****, Douglas Martins
Braga******
*Doutoranda
em Atividade Física e Saúde e Mestre em Comportamento Motor pelo Departamento
de Educação Física da UFPR, **UNIFESP, São Paulo/SP, ***Especialista em
intervenção em neuropediatria pela UFSCAR, ****UNIP,
*****Especialista em Fisioterapia motora hospitalar e ambulatorial em
neurologia pela UNIFESP/EPM, ******Mestrando em Neurologia e Neurociências
UNIFESP/EPM
Recebido em 27 de
fevereiro de 2018; aceito em 17 de agosto de 2018.
Endereço
para correspondência:
Luize Bueno de Araujo,
Avenida Cândido de Abreu, 347/1204 Centro Cívico 80530-000 Curitiba PR, E-mail:
luizebueno@hotmail.com; Talita de Castro Silva: castro.talitaa@gmail.com; Laís
Cardoso Oliveira: layscardoso@hotmail.com; Lilian C Tomasetto:
celinatomasetto@gmail.com; Mirna S Kanashiro: mirnask@hotmail.com: Douglas
Martins Braga: douglasbraga78@hotmail.com
Resumo
Objetivo: Avaliar os efeitos
de um protocolo terapêutico para controle de tronco em ambiente aquático e sua
repercussão na função motora de indivíduos com Paralisia Cerebral (PC) diparética espástica,
classificados no nível II ou III do GMFCS. Métodos:
Trata-se de um ensaio clínico randomizado, estratificado e cego. Os
participantes foram selecionados por meio de triagem dos prontuários do banco
de dados da Clínica de PC da instituição. Da triagem de 1.599 prontuários, 20
crianças foram incluídas e 16 finalizaram o estudo. Os pacientes foram alocados
por estratificação pelo nível do GMFCS em grupo controle (GC) que realizou
fisioterapia convencional e grupo intervenção (GI) que realizou o protocolo de
exercícios aquáticos. Ambos os grupos foram submetidos à avaliação pré e pós-intervenção com os seguintes instrumentos: Gross Motor Function
Measurement (GMFM), Trunk Control Measurement
Scale (TCMS), Eletromiografia de superfície (EMG)
dos músculos reto abdominal e latíssimo do dorso, Teste de Caminhada de 6
minutos (TC6), Timed up and Go (TUG), Escala Visual
Analógica (EVA) da marcha, Flexômetro de Wells e Child Health Questionnaire
(CHQ) PF-50. Resultados: A
amostra apresentou-se homogênea para as análises. Na análise intergrupo
observa-se melhora no equilíbrio dinâmico sentado (p = 0,001) e reações de
equilíbrio (p=0,015) para o GI, houve melhora da flexibilidade da musculatura
posterior do tronco e membros inferiores no GC (p = 0,017), para os demais
instrumentos não teve diferença significativa nas análises intergrupos. Na
análise intragrupo para o GI, constatou melhora no
equilíbrio estático e dinâmico do tronco nas três subescalas
da TCMS, equilíbrio estático sentado (p= 0,033), equilíbrio dinâmico sentado (p
= 0,012) e reações de equilíbrio (p = 0,027), assim como para a pontuação total
da escala (p = 0,012); no GMFM, o aumento da pontuação das dimensões D (p =
0,012) e E (p = 0,020), bem como a média das três
dimensões (p = 0,012); na EMG observa-se melhora da ativação muscular para o
músculo LD; melhora da dor (p = 0,026); ambos os grupos melhoraram
significativamente (p = 0,012) a distância percorrida no TC6 e o tempo no TUG,
GC (p = 0,017) e GI (p = 0,036). Conclusão:
O protocolo de exercícios aquáticos apresentou benefícios para o controle de
tronco de indivíduos com PC diparética espástica classificados no nível II ou III do GMFCS sendo
efetivo na melhora das reações de equilíbrio e no equilíbrio dinâmico.
Palavras-chave: paralisia cerebral,
hidroterapia, tronco.
Abstract
Objective: To evaluate
the aquatic trunk control effects and its impact on functionality in
individuals with diparetic spastic type of CP,
classified at level II or III on the GMFCS. Methods: This is a randomized,
controlled, stratified and blind clinical trial. Participants were selected
through the sorting of medical records of the institution's PC Clinic database.
1599 records were screened, 20 children were included and 16 completed the
study. Patients were allocated by GMFCS in control group (CG) which underwent
conventional therapy, and intervention group (IG) which performed an aquatic
exercises protocol. Both groups underwent pre and post intervention evaluation
with Gross Motor Function Measurement (GMFM), Trunk Control Measurement Scale
(TCMS), rectus femuris and latissimus
dorsi EMG, 6 Minute Walk Test (6MWT), Average Speed,
Energy Expenditure Index, TUG, Gait EVA, Wells Flexometer
and CHQ PF-50. Results: The sample
was homogeneous for the analysis. In the intergroup analysis, there was an
improvement in the sitting dynamic balance (p = 0.001) and balance reactions (p
= 0.015) for the GI. We oberved an improvement in the
flexibility of the posterior trunk and lower limbs muscles in the CG (p =
0.017). The other instruments did not have significant difference in the
intergroup analyzes. In the intragroup analysis for the GI, we observed
improvement in the static and dynamic trunk balance in the three subscales of
the TCMS, sitting static balance (p = 0.033), sitting dynamic balance (p =
0.012) and equilibrium reactions (p = 0.027), as for the total score of the
scale (p = 0.012); at GMFM score increased D (p = 0.012) and E (p = 0.020), as
well as the mean of the three dimensions (p = 0.012); in the EMG we observed an
improvement of the muscular activation for the DL muscle; improvement of pain
(p = 0.026); both groups significantly improved the distance walked on the 6MWT
and the time on the TUG, CG (p = 0.017) and IG (p = 0.036). Conclusion: There was an improvement of
balance reactions and dynamic balance in individuals with CP.
Key-words: cerebral
palsy, hydrotherapy, trunk.
O controle de tronco
é uma habilidade motora básica necessária para a execução de tarefas funcionais
e muitas vezes se encontra prejudicado em indivíduos com Paralisia Cerebral
(PC), podendo variar de acordo com a topografia e gravidade da lesão [1].
Indivíduos com diparesia espástica apresentam
déficit no controle de tronco, o qual pode interferir na função motora [1,2].
Tais alterações ocasionam consequências funcionais nas atividades de vida
diária, com maior probabilidade de quedas, redução da mobilidade, necessidade
de maior auxílio do cuidador, resultando em restrições da participação nas
atividades sociais [2,3].
Sabe-se que existe
relação do controle do tronco com a marcha no paciente com PC, e que seu
impacto pode interferir na distância percorrida e velocidade da marcha, porém
esses fatores estão interligados também com a mobilidade e flexibilidade
muscular e consequentemente podem exigir uma maior demanda muscular, resultando
em maior gasto energético, para o desempenho na deambulação [3-5].
No Brasil, estima-se
a prevalência de 17 a 20 mil casos novos ao ano de PC, sendo uma das formas
mais comuns a diparética espástica,
com a característica de maior comprometimento dos membros inferiores e tronco
[4]. Esses indivíduos necessitam de um longo período de reabilitação e a
fisioterapia aquática é um dos recursos utilizados. Essa modalidade é muitas
vezes a terapia de primeira escolha entre os fisioterapeutas [6], uma vez que o
ambiente aquático é diferenciado pelas suas propriedades hidrodinâmicas [7],
com o objetivo de que as habilidades treinadas no ambiente líquido possam
aprimorar o desempenho da função realizada em solo [8].
Diante dessas
perspectivas teóricas, o presente estudo justifica-se, pois pacientes
classificados nos nível II ou III do Gross
Motor Function Classification
System (GMFCS) possuem sedestação independente ou
requerem no máximo um apoio externo limitado para sentar-se e andam com
limitações, com ou sem a ajuda de um dispositivo manual de mobilidade,
diferente dos demais níveis I (independente na marcha sem recursos auxiliares),
IV e V (dependente na locomoção muitas vezes necessita de cadeira de rodas),
sendo assim o controle de tronco é fundamental para estas crianças níveis II e
III para auxiliar no deslocamento, portanto o objetivo deste estudo foi avaliar
os efeitos de um protocolo de controle de tronco em ambiente aquático e sua
repercussão na função motora de indivíduos com PC diparética
espástica classificados no nível II ou III do GMFCS.
Trata-se de um ensaio
clínico, prospectivo, analítico, randomizado, controlado, cego. Os
participantes foram selecionados por meio de triagem de 1599 prontuários do
banco de dados da Clínica de PC da instituição. A triagem foi realizada por
meio dos critérios de inclusão, conforme os dados disponíveis nos prontuários.
Dentre os 67 indivíduos recrutados para o estudo, 35 não cumpriram os critérios
de elegibilidade e 12 se recusaram a participar (Figura 1). Foram selecionados
20 pacientes que preencheram os critérios de inclusão: diagnóstico clínico de
PC do tipo diparesia espástica,
classificados nos níveis II ou III do GMFCS, idade entre 7
e 15 anos e 11 meses. Os critérios de exclusão foram: pacientes não
colaborativos, incapazes de compreender as atividades propostas, submetidos à
cirurgia ortopédica há menos de 12 meses e a bloqueios periféricos há menos de 6 meses. Os 20 pacientes selecionados foram alocados por
estratificação pelo GMFCS, 10 no grupo controle (GC), que realizou fisioterapia
convencional e 10 no grupo intervenção (GI).
Figura
1 - Fluxograma do estudo.
Foi respeitada toda a
legislação sobre ética e cuidados éticos em pesquisa com seres humanos e grupos
vulneráveis. O estudo teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da
instituição (689.175), bem como o Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos
(RBR-93qtv5). Todos os responsáveis pelas crianças que participaram do estudo
assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.
O cálculo do tamanho
da amostra foi realizado pelo teste de t Student.
Foram analisadas as variáveis relacionadas à função motora deste estudo, os
itens da TCMS: Equilíbrio Estático Sentado; Equilíbrio Dinâmico Sentado;
Reações de Equilíbrio, poder de 71,9%, e p < 0,05; Gross Motor Function Measure
(GMFM), Timed up and Go (TUG) e distância total
com poder de 83,65% e p < 0,05. O cálculo do tamanho da
amostra foi estimado levando em consideração a possibilidade de
melhorar em 20% no controle de tronco (EMG itens 07 e 13) do grupo de
intervenção em relação ao grupo controle. Para tanto pode ser considerado o
erro tipo I (alfa) de 5% e poder do teste de 80% e p< 0,05, determinando o
mínimo de seis crianças para cada grupo. A amostra foi aumentada em 40% para
compensar possíveis desistências, levando a um total de dez crianças em cada
grupo. Assim, a amostra total foi composta por 20 crianças.
Os participantes
foram aleatoriamente alocados para os diferentes grupos (GC e GI) usando
cartões fechados e sorteio. Os responsáveis pela criança sortearam um cartão
fechado, no qual estava descrito em qual grupo a criança estaria alocada. Esse
processo foi realizado por um membro da equipe que não estava envolvido no
processo de recrutamento ou desenvolvimento do estudo. O grupo controle (GC)
realizou fisioterapia convencional duas vezes por semana e o grupo intervenção
(GI) realizou o protocolo de exercícios aquáticos com ênfase para o tronco duas vezes por semana (Figura 3). Os examinadores e
responsáveis não tinham conhecimento das diferenças entre os dois tipos de
intervenções e estavam cegos para a atribuição dos menores para os diferentes
grupos. Após a finalização do estudo, o GC teve a oportunidade de receber o
mesmo protocolo.
Avaliações
Os responsáveis
responderam a um questionário para caracterização dos dados demográficos da
criança, foi realizada a categorização pela Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) [11] e foram submetidas aos
instrumentos de avaliação com base nos componentes da CIF [11] (Figura 2) pré e após as intervenções.
Figura
2 - Relação de medidas de avaliação com os
componentes da CIF (adaptado de OMS, 2003) [17].
A avaliação do tronco
foi realizada por meio da Trunk Control Measurement Scale (TCMS) [12], escala que avalia o controle de
tronco para PC, composta por: equilíbrio estático sentado, equilíbrio dinâmico
sentado e reações de equilíbrio. O Gross
Motor Function Measure
(GMFM-88) avalia a função motora grossa, nesse estudo foram aplicadas as
dimensões B, D e E [13]. Para verificar os sinais de
ativação muscular utilizou-se a Eletromiografia de Superfície (EMG) (Miotec®). Os eletrodos foram posicionados
nos músculos latíssimo do dorso (LD) e reto abdominal (RA) [14]. A
Contração Voluntária Isométrica Máxima foi realizada 3
vezes para cada grupo muscular avaliado com manutenção na postura por 5
segundos e intervalo de 2 minutos. A EMG foi coletada durante duas atividades
funcionais da escala TCMS (Itens 7 e 13).
O Teste de Caminhada
de 6 minutos (TC6) avalia a capacidade funcional submáxima para andar uma
distância de 30 metros. A Velocidade Média (VM) da marcha e o Índice de Gasto
Energético (IGE) foram calculados por meio de fórmula pré-estabelecida com os
dados obtidos no TC6 [15]. A mobilidade funcional foi verificada pelo Timed up and
Go (TUG) [16]. A Escala Visual Analógica (EVA) da
marcha foi utilizada para verificar a percepção dos pais quanto à qualidade da
marcha da criança [17]. O Flexômetro de Wells foi
utilizado para medir a flexibilidade da musculatura posterior do tronco e
membros inferiores [18]. O Child Health Questionnaire (CHQ PF-50) foi aplicado com os
responsáveis, essa escala está relacionada com a qualidade de vida da criança
[19].
Intervenção
Os indivíduos do GI
foram submetidos ao protocolo de 16 sessões individuais de fisioterapia
aquática, cada uma com duração de 35 minutos, realizadas duas vezes por semana,
com intervalo de pelo menos um dia entre as sessões, durante 8
semanas consecutivas [6,8,9].
As sessões foram
realizadas no setor de fisioterapia aquática da instituição, em uma piscina
coberta, terapêutica, com temperatura média de 33ºC, aplicadas por três
fisioterapeutas com experiência no tratamento em meio líquido de indivíduos com
distúrbios neurológicos. O protocolo, desenvolvido pelos pesquisadores,
consistiu em exercícios de alongamento, mobilização e ativação muscular do
tronco (Tabela I).
Tabela
I - Protocolo de exercícios aquáticos para o
controle de tronco.
O grupo controle (GC)
realizou fisioterapia convencional duas vezes por semana ao longo de 8 semanas, com duração de 30 a 40 minutos. Os exercícios
foram realizados no solo, e consistiu em exercícios de alongamentos e
fortalecimento dos membros inferiores, treino de marcha e de equilíbrio.
Análise
estatística
Para análise da normalidade
dos dados foi utilizado o teste de Kolmogorov-Smirnov,
após a constatação da não normalidade no momento pré
e pós-período de intervenção da análise intergrupo foi utilizado o teste não
paramétrico de Mann-Whitney e para a análise intragrupo
foi utilizado o teste de Wilcoxon, os dados são
apresentados em mediana. Para análises dos testes foi considerado um intervalo
de confiança de 95%, nível de significância de p < 0,05. Para o cálculo do
tamanho da amostra da escala TCMS foi utilizado o teste de t Student com um poder de 80% e p < 0,05. A análise para
verificar o efeito da intervenção foi realizada utilizando-se o método por
intenção de tratamento, considerando a amostra de 20 indivíduos. Foram
utilizados os softwares SPSS V17, Minitab 16 e Excel
Office 2010. A significância estatística foi estipulada em 5% (p < 0,05).
A amostra final foi
composta por 20 indivíduos que atenderam aos critérios estipulados, dessas,
duas foram excluídas do GC por falta na reavaliação e duas do GI por falta de
aderência nas terapias, totalizando 16 indivíduos, GC (n=8) e GI (n=8), porém
considerando a intenção de tratar os dados foram analisados com os 20
pacientes.
Na tabela II é
apresentada a caracterização da amostra e verifica-se a homogeneidade entre os
grupos para idade, GMFCS e CIF. Os demais resultados estão dispostos na tabela
III, na qual é possível verificar os resultados das medidas de avaliação
intergrupo e intragrupo.
Tabela
II -
Caracterização da amostra
GC = Grupo Controle;
GI = Grupo Intervenção; n = número de indivíduos; Total = Total de indivíduos
por grupo; AT= andador Triangular; AAA = Andador Triangular com Apoio de
Antebraço; MC = Muletas Canadenses; NU = Não Utiliza.
Tabela
III
- Resultados das medidas de avaliação
intergrupo e intragrupo.
GC = Grupo Controle;
GI = Grupo Intervenção; *p < 0,05. TCMS = Trunk Control Measurement Scale; GMFM = Gross Motor Function
Measurement; EMG = Eletromiografia de Superfície; TC6
= Teste de caminhada de 6 minutos; TUG = Timed up and Go;
EVA da marcha = Escala Visual Analógica da Marcha; CHQ-PF5 = Child Health Questionnaire; RA =
Reto abdominal; LD = Latíssimo do dorso.
Durante as análises
intergrupo dos itens da TCMS que visa o controle de tronco, sendo esse o
principal desfecho deste estudo, observa-se melhora em dois subitens da escala,
equilíbrio dinâmico sentado (p=0,001) e reações de equilíbrio (p=0,015), com
aumento médio de 22% na pontuação total após a intervenção. Para o GC nota-se
um decréscimo nos valores das medianas das três subescalas,
e na pontuação total.
Assim como na análise
intergrupo, na análise intragrupo, o GI também
apresentou diferenças no momento pós-intervenção nas escala TCMS, e constatou melhora
no equilíbrio estático e dinâmico do tronco para o GI nas três subescalas da TCMS, equilíbrio estático sentado (p =
0,033), equilíbrio dinâmico sentado (p = 0,012) e reações de equilíbrio (p =
0,027), assim como para a pontuação total da escala (p = 0,012), com aumento
médio de 25,52% na pontuação total após a intervenção. O GC apresenta
decréscimo nos valores das médias das três subescalas,
assim como a pontuação total.
Durante a análise
intergrupo da função motora grossa, constata-se que a pontuação da dimensão B
(sentado), dimensões D (em pé) (p = 0,343) e E
(andando, correndo e pulando) (p = 0,650), aumentou na média no GI, 1,1%, 9,2%
e 5,9%, respectivamente, porém não foram alterações relevantes. Na análise da
função motora grossa intragrupo, constata-se que a
pontuação da dimensão B (sentado) aumentou na média de ambos os grupos, porém
não foram alterações significativas. Para o GI (intragrupo)
a pontuação das dimensões D (em pé) (p = 0,012) e E
(andando, correndo e pulando) (p = 0,020), bem como a média das três dimensões
(p = 0,012), é verificado aumento de 11,5%, 7,4% e 6,8%, respectivamente.
Para a
eletromiografia de superfície (EMG), na análise intragrupo,
observa-se melhora da ativação muscular para o músculo LD no item 7 da TCMS para o GI, com aumento médio de 9,5 micro volts
(mµ), na análise intergrupo o músculo RA no item 7 da TCMS apresentou maior
ativação para o GC (p = 0,096).
Na análise intragrupo pré e pós-intervenção
para o TC6 foi possível observar aumento para a distância total percorrida,
para o GC a média passou de 273,6m para 324m, para o GI a média passou de
305,3m para 360,6m (p = 0,012), o que evidencia um aumento médio de 4,9m a mais
de distância percorrida para o GI do que para o GC. Por meio do mesmo teste foi
calculada a VM e o IGE. Houve também aumento da VM na avaliação final nos dois
grupos, no GC a média pré-intervenção passou de
45,6m/min para 54m/min pós-intervenção e no GI de 50,9m/min para 60,1m/min (p =
0,012), o que demonstra um aumento de 0,8m/min a mais para o GI comparado ao
GC. Houve diminuição do IGE, para ambos os grupos, o GI ficou próximo do limite
de aceitação com uma diminuição de 0,289bpm/m/min (p = 0,069). Já na análise
intergrupo pré e pós-intervenção para o TC6 não foi
possível observar aumento para a distância total percorrida, para ambos os
grupos.
Durante a análise
intergrupo não foi possível verificar melhora na mobilidade funcional
avaliados pelo TUG (p = 0,880) considerado os momentos pré e pós- intervenção, já os resultados intragrupo indicam melhora da mobilidade funcional,
comprovado pela diminuição no tempo em segundos para a realização do teste para
ambos os grupos, GC (p = 0,017) e GI (p = 0,036).
Quanto à percepção do
cuidador com relação à qualidade da marcha, ambos os grupos apresentam melhora,
o GI (p = 0,088) apresentou uma tendência à significância na análise intragrupo, e não apresentou diferenças na análise
intergrupo.
Houve melhora da
flexibilidade da musculatura posterior do tronco e membros inferiores no GC (p
= 0,021), fato esse também observado na análise intergrupo (p = 0,017), o que
não foi significante no GI.
Na avaliação da
qualidade de vida, o instrumento CHQ-PF50 mostrou melhora da percepção dos pais
quanto à dor corporal apresentado por seus filhos para o GI (p = 0,026) na
análise intragrupo. Os domínios da escala, saúde
mental, alteração de saúde, impacto no tempo dos pais, atividades familiares e
coesão familiar apresentaram resultados próximo ao limite de aceitação com
tendência a significância para o GI, porém esses achados não foram sensíveis
durante a análise intergrupo.
O achado principal
deste estudo foi a melhora do controle de tronco de
indivíduos com PC, por meio de um protocolo de exercícios aquáticos, fundamentado
na literatura [16], o qual respeitou o tempo de aplicação, o intervalo entre as
sessões, e a viabilidade para a prática clínica.
A
intervenção e as
medidas de mensuração foram baseadas no conceito do
sistema de classificação da
CIF, também utilizado para crianças com PC [11,20]. Os
instrumentos de
avaliação foram sensíveis às
modificações do indivíduo após a
reabilitação, com
boa validade e confiabilidade [11-19].
O presente estudo
evidenciou que o controle de tronco é prejudicado em indivíduos com PC nível II
ou III do GMFCS, uma vez que a pontuação total inicial da TCMS estava abaixo do
encontrado em outros estudos para indivíduos com PC [1,5] e crianças com
desenvolvimento típico [15]. Ao final do protocolo, observa-se melhora do controle
de tronco no GI, atribuímos esses ganhos aos exercícios que foram elaborados
buscando a ativação dos músculos extensores, flexores e rotadores de tronco, no
qual as propriedades físicas da água eram utilizadas para dificultar o
movimento, oferecendo resistência na execução das atividades [20].
Considerando a
melhora da função motora grossa nas dimensões D e E,
atribui-se a sensibilidade do GMFM específica para alterações quantitativas,
excluindo a detecção das alterações na qualidade do desempenho da dimensão B,
que avalia a posição sentada [9], uma vez que as crianças avaliadas já haviam
adquirido esta postura. Já os itens D e E
relacionados à posição em pé e andar, correr e pular apresentaram melhoras nas
medianas, o que corrobora achados da literatura que relacionam o GMFM, o
controle de tronco e a TCMS [8]. Esses resultados sugerem que o controle de
tronco é um componente essencial para a postura ortostática e tem repercussões
clínicas funcionais.
Na literatura há
evidências por meio da EMG, que anteriormente ao passo ocorre uma pré-ativação da musculatura flexora e extensora do tronco
[21]. Com este estudo, verificou-se que melhora da ativação LD, resultando em
uma postura extensora, e consequentemente melhor controle do tronco, já o GC aumentou
a ativação dos RA, resultando em postura flexora.
Por meio do TC6
verificou-se aumento na distância percorrida e na velocidade, sabe-se que o TC6
pode refletir a tolerância ao exercício necessário para o desempenho das AVD’s e a capacidade de caminhar na comunidade [22], o que
sugere que o protocolo de exercícios repercutiu nas habilidades funcionais,
especificamente na deambulação.
A percepção dos pais
de crianças com PC com relação à capacidade de caminhada na comunidade do seu
filho se correlacionam com os resultados do TC6, fornecendo evidências de
validade convergente [23]. Neste estudo, a percepção dos pais quanto à
qualidade da marcha dos seus filhos melhorou, corroborando a melhora no TC6 e
consequentemente diminuição do IGE.
Ao verificar a
mobilidade funcional observa-se melhora em ambos os grupos. O TUG pode ser
utilizado como preditor de quedas, quanto menor o
escore, menor o risco de quedas [22], neste estudo o GI apresentou menor
pontuação pós-protocolo que o GC, o que implica em menor chance de queda para o
GI.
Ao final do estudo,
houve melhora da flexibilidade da musculatura posterior do tronco e membros
inferiores no grupo intervenção. Acredita-se que esse resultado se deve ao fato
de que, na fisioterapia convencional, pelo fato do solo ser um ambiente
estático e mais estável, quando comparado ao aquático, é mais propício para a
realização dos exercícios de alongamentos. Já o protocolo aquático enfatizou
exercícios para ativação muscular, o que justifica os resultados do GI [6,24].
O GI apresentou maior
recrutamento de unidades motoras para o músculo LD durante a atividade
funcional após intervenção. Uma das hipóteses que poderia fundamentar esse
resultado é que durante a intervenção, o músculo ficou em vantagem mecânica de
comprimento-tensão, possibilitando o comprimento facilitatório
e consequente geração de tensão [25].
Supõem que os
exercícios em que a criança tinha que vencer a resistência oferecida pela água
e ultrapassar a linha média para alcançar o objeto promoveram ativação de maior
número de unidades motoras do músculo, uma vez que o meio líquido proporciona
maior segurança e tempo de resposta para trabalhar a estabilidade de tronco
devido à pressão hidrostática e turbulência, que são efeitos físicos que
facilitam as reações de equilíbrio, estimulando o aumento dos limites de
estabilidade laterais, e o empuxo associado aos manuseios do terapeuta atuou na
postura antigravitacional [10,20,26].
Durante a análise do
músculo RA, não se observa melhora da sua ativação, atribui-se isso ao
protocolo estar voltado principalmente para exercícios no plano transverso, com
maior atividade dos músculos oblíquos, e menor atividade do músculo RA que tem
sua vantagem mecânica no plano frontal [27,28]. Além disso, durante a execução
do item 7 da TCMS os membros inferiores ficaram livres
por escolha dos pesquisadores para manter a atividade sem interferência,
repercutindo em movimento em bloco, sem seletividade muscular.
Na avaliação da
qualidade de vida constatou-se melhora da percepção dos pais quanto à dor
corporal. Os efeitos fisiológicos sobre o corpo em imersão parecem influenciar
os níveis de dor, pelo mecanismo de redução de sensibilidade das terminações
nervosas e relaxamento muscular, que pode ser resultado da vasodilatação e
diminuição da sobrecarga corporal [10,26]. Resultados semelhantes são
evidenciados na literatura que investigou a eficácia de exercícios aquáticos
nos níveis de dor [28].
O aspecto lúdico foi
abordado constantemente, pois é sabido que exercícios do protocolo podem se
tornar cansativos e desmotivantes e, uma vez motivada
a criança poderá contribuir para uma melhor resposta
terapêutica [10,29]. Estas questões podem ter influências nos domínios da
qualidade de vida do GI. Esses dados podem ser correlacionados com outro estudo
que observou que crianças com PC após terem realizado um programa de atividade
aquática apresentaram além da melhora motora, benefícios na função social [29].
Como limitações do
estudo, apontamos o tamanho da amostra, o acompanhamento a
longo prazo, a análise de outros grupos musculares de tronco e membros inferiores
durante atividades funcionais. Portanto, sugere-se a realização de pesquisas
futuras com adequação das limitações apontadas nesse estudo.
O protocolo de
exercícios aquáticos para os pacientes que participaram da intervenção apresentou
benefícios para o controle de tronco para indivíduos com PC diparética
espástica classificados no nível II ou III do GMFCS
sendo efetivo na melhora das reações de equilíbrio e no equilíbrio dinâmico.