ARTIGO ORIGINAL

Estado funcional de pacientes com quadro crônico de ciatalgia

Functional status of patients with chronic sciatica

 

Renato Santos de Almeida*, Eduardo Machado**, Letícia Amaral Correa***, Raíza de Sousa Cabral****, Vivian Pinto de Almeida*****, Leandro Alberto Calazans Nogueira******

 

*Departamento de Fisioterapia, Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, Rio de Janeiro, Faculdade de Fisioterapia, Centro Universitário Serra dos Órgãos, Teresópolis, Programa de Pós-graduação em Ciências da Reabilitação, **Departamento de Fisioterapia, Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, Rio de Janeiro/RJ, ***Programa de Pós-graduação em Ciências da Reabilitação do Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM), Rio de Janeiro/RJ, Departamento de Fisioterapia, Instituto Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/RJ, ****Programa de Pós-graduação em Ciências da Reabilitação do Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM), Rio de Janeiro/RJ, *****Departamento de Fisioterapia, Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, Rio de Janeiro/RJ, Programa de Pós-graduação em Ciências da Reabilitação do Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM), Rio de Janeiro/RJ, ******Programa de Pós-graduação em Ciências da Reabilitação do Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM), Rio de Janeiro/RJ, Departamento de Fisioterapia, Instituto Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/RJ

 

Recebido em 12 de outubro de 2016; aceito em 20 de dezembro de 2017.

Endereço para correspondência: Leandro Alberto Calazans Nogueira, Instituto Federal do Rio de Janeiro, Campus Realengo, Rua Carlos Wenceslau, 343, Realengo, 21715-000 Rio de Janeiro RJ, E-mail: leandro.nogueira@ifrj.edu.br; Renato Santos de Almeida: renato.fisio@gmail.com; Eduardo Machado: eduscm@hotmail.com; Leticia Amaral Corrêa: leticia.amaral@live.com; Raíza de Sousa Cabral: raizacabral@live.com; Vivian Pinto de Almeida: vivipinto84@gmail.com

 

Resumo

Introdução: Dor lombar persistente e ciatalgia são queixas comuns na população geral. A dor lombar é amplamente estudada, porém o estado funcional de pacientes com quadro crônico de ciatalgia é pouco descrito. Objetivo: O objetivo deste estudo foi descrever o estado funcional de pacientes com ciatalgia. Métodos: Estudo transversal foi conduzido em 44 pacientes com ciatalgia. Os pacientes preencheram a Escala Numérica de Dor (END) e o questionário Oswestry Disability Index (ODI). Um exame físico foi realizado com avaliação clínica e os testes funcionais: teste de caminhada de 10 metros e a Síndrome de Disfunção de Movimento (SDM). Foi realizada a estatística descritiva e a correlação das variáveis. Resultados: A média de idade observada foi de 58,1 anos, com alta intensidade (END = 7,57) e duração (31,22 meses) de dor. A média de incapacidade autopercebida foi 32,79% e foi observada redução da velocidade de caminhada em 97,7% dos participantes. A intensidade da dor, levantar, ficar de pé e sentar foram os itens mais prejudicados. A SDM mais prevalente foi rotação com extensão (48,6%). O Índice de Massa Corporal e desempenho da caminhada se correlacionaram. Conclusão: A velocidade da caminhada e a capacidade funcional estão comprometidas nos pacientes com ciatalgia.

Palavras-chave: ciática, avaliação da deficiência, fisioterapia, marcha.

 

Abstract

Introduction: Persistent back pain and sciatica are common complaint in the general population. Back pain is widely studied, but the functional status of sciatica patients is poorly described. Objective: The aim of this study was to describe the functional status of patients with sciatica. Methods: This cross-sectional study was conducted in 44 sciatica patients. The patients filled a Numeric Rating Pain Scale (NRPS) and the Oswestry Disability Index (ODI). A physical examination was performed with clinical examination and functional tests: ten meters walk test (TWT) and Lumbar Movement Impairment. A descriptive statistics and variables correlation was performed. Results: The mean age observed was 58.1 years, with a high intensity (NRPS = 7.57) and duration (31.22 months) of pain levels. Self-perceived disability average was 32.79% and lower walking speed was observed on 97.7% of the sample. Pain intensity, lifting, standing, and siting section were the most impaired sections. The most prevalent lumbar syndrome was rotation with extension (48.6%). Body mass index and gait performance were correlated. Conclusion: The walking speed and functional capacity are affected in patients with sciatica.

Key-words: sciatica, disability valuation, physical therapy specialties, walking.

 

Introdução

 

Dor lombar é a principal causa de incapacidade no mundo [1]. No Brasil, a Pesquisa Nacional de Saúde evidenciou que cerca de 27 milhões de adultos (18,5% da população) são acometidos por problemas de coluna, sendo a região lombar o principal local acometido [2]. A lombalgia pode ter várias causas e diferentes classificações. A dor lombar não específica é a classificação mais comum, enquanto a lombociatalgia é uma das variações mais comuns. A prevalência de lombociatalgia ou ciática ao longo da vida pode alcançar 43% na população geral [3]. A maioria do pacientes apresenta um desfecho favorável, porém um acompanhamento longitudinal evidenciou que 53% dos casos permaneciam com sintomas após quatro anos [4].

O quadro clínico da ciatalgia é caracterizado pela presença de dor que irradia para a região posterior do membro inferior [5]. O diagnóstico da ciática pode ser confirmado clinicamente. O exame clínico é confiável e válido no diagnóstico da ciática [6,7], e a combinação da positividade dos testes físicos aumenta a especificidade [8]. A distribuição da área de dor no membro inferior, a presença de parestesia e o exame neurológico são os itens mais importantes a serem considerados para o diagnóstico da ciática [9].

O paciente com dor ciática apresenta maior incapacidade, maior intensidade de dor e pior qualidade de vida quando comparado ao paciente com dor lombar apenas [10]. Com isso, o tratamento do paciente com dor ciática é considerado mais complexo do que a dor lombar não específica. Apesar do conhecimento da maior gravidade dessa população, pouco se sabe sobre o comprometimento funcional. Um recente consenso definiu que a avaliação da função é um importante aspecto a ser avaliado [9].

Para a avaliação da região lombar já foram descritos alguns testes funcionais. Os mais utilizados são os testes de padrão de movimento durante tarefas funcionais. Existem cinco classificações baseadas em movimento amplamente utilizadas [11], sendo a classificação de síndrome de disfunção de movimento proposta por Sahrmann [12] a mais difundida. A incapacidade autorreferida e a velocidade da caminhada são outras formas de avaliação da funcionalidade da coluna lombar. Algumas associações entre testes funcionais (equilíbrio, força e resistência muscular, atividades de vida diária) e dor lombar já foram descritas [13-15], entretanto a capacidade funcional de pacientes com ciatalgia é descrita de forma inconclusiva [16]. Desta forma, o objetivo do presente estudo foi avaliar a função de pacientes com quadro crônico de ciatalgia e correlacionar com o exame clínico.

 

Material e métodos

 

Desenho do estudo e sujeitos

 

Foi conduzido um estudo transversal em 44 pacientes com diagnóstico clínico de ciatalgia, selecionados a partir de 432 pacientes com distúrbio musculoesquelético do departamento de fisioterapia do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG), Rio de Janeiro, Brasil, um serviço terciário de saúde pública. Os pacientes foram selecionados de maio até novembro de 2010 e o diagnóstico clínico de dor ciática foi feito por um fisioterapeuta.

Todos os participantes incluídos no estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Este estudo foi conduzido de acordo com as diretrizes da resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde, em conformidade com a Declaração de Helsinque de 1975 e obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do HUGG sob o número 25/2010.

A caracterização da radiculopatia de L5 e/ou S1 foi realizada através dos sintomas relatados pelo paciente, como dor abaixo do joelho e/ou parestesia. Uma avaliação neurológica clássica foi realizada para confirmar as hipóteses, composta por testes neurodinâmicos de nervos ciático e femoral, além do teste na posição Slump; fraqueza muscular em miótomos de L5/S1, sensibilidade de dermátomos e esclerótomos; reflexo Patelar e Aquileu. O diagnóstico de radiculopatia foi confirmado quando o paciente apresentou dois ou mais achados positivos nestes procedimentos. Todos os pacientes observados com diagnóstico de ciatalgia foram incluídos na pesquisa, independentemente do gênero, idade ou nível de atividade física diária. Foram excluídos pacientes com histórico de cirurgia lombar ou abdominal, síndromes reumatológicas ou estenose lombar.

 

Procedimentos

 

Os pacientes preencheram a Escala Numérica de Dor (END) para classificar a intensidade da dor e o questionário Oswestry Disability Index (ODI) para avaliar a incapacidade lombar. O questionário ODI é um questionário validado para a língua portuguesa [17]. Os testes funcionais utilizados foram: teste de caminhada de 10 metros e a Síndrome de Disfunção de Movimento (SDM) [12].

Um exame físico complementar foi realizado para encontrar alguns possíveis pontos de aprisionamento do nervo. A sensação final de movimento e a dor causada pelo movimento de rotação interna do quadril (abordagem passiva com a posição neutra do quadril em decúbito dorsal) foram comparadas bilateralmente, assim como a presença de dor à palpação do músculo piriforme.

 

Instrumentos de medida

 

Intensidade da dor – A intensidade de dor foi avaliada pela escala numérica de dor, que possui valores variando de zero (ausência de dor) a dez (pior dor imaginável) [18]. Os pacientes responderam a seguinte pergunta: “Qual é a sua intensidade de dor no momento, considerando zero ausência de dor e dez a pior dor possível?” Os pacientes foram orientados a escolher o valor numérico que melhor identifica a sua intensidade dolorosa no momento para a região que motivou sua procura por tratamento fisioterapêutico. A escala numérica de dor é fácil de administrar, sendo uma medida de dor comum em pesquisas que envolvem pacientes com dor lombar crônica [15].

Incapacidade lombar – A versão brasileira do Oswestry Disability Index (ODI) foi adotada para avaliar a incapacidade relacionada à coluna lombar [17]. O instrumento contém 10 questões, que podem ser pontuadas através de seis alternativas de valor unitário variando entre 0 e 5, resultando numa pontuação mínima de 0 e máxima de 50 pontos. O escore final do ODI é dado em porcentagem. Quanto maior a porcentagem, maior o grau de incapacidade, considerada mínima quando na faixa entre 0 e 20% e invalidez quando entre 81 e 100%.

Velocidade da caminhada - O teste de caminhada de 10 metros foi utilizado para investigar a velocidade da caminhada. Neste teste os pacientes são instruídos a andar de forma independente com os pés descalços, sem dispositivos de apoio e em velocidade autosselecionada, por uma distância de 10 metros, sem mudar de direção. O resultado do teste foi expresso na velocidade da caminhada (metros/segundo) e cadência (passos/minuto).

Síndrome de Disfunção de Movimento (SDM) - A SDM é um sistema que tem como hipótese primária de que posturas e movimentos específicos que produzem dor devem ser identificadas e corrigidas. Uma hipótese secundária é que ao longo do tempo, adotar um alinhamento e desempenhar movimentos que desviam de um padrão cinesiológico ideal, leva a dor em muitos pacientes [19]. A confiabilidade e validade desta classificação já foi confirmada [19,20]. Dessa forma, o paciente com dor lombar pode ser classificado entre cinco síndromes: flexão, extensão, rotação, rotação com extensão e rotação com flexão [12].

 

Análise estatística

 

Os dados foram tabulados em Excel® e analisados com o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS, versão 17). São apresentados os resultados referentes aos valores absolutos, proporções, média e o desvio padrão. A distribuição dos dados foi avaliada pelo teste de Shapiro-Wilk. A velocidade de caminhada foi comparada com os dados normativos estratificados por idade e sexo descrito por Bohannon and Williams [21]. Os dados dos testes funcionais foram analisados utilizando teste Anova bicaudal. Foram realizadas análises de correlac?a?o entre as variáveis funcionais e as variáveis do exame clínico, utilizando o coeficiente de correlac?a?o de Spearman (Rho) devido à natureza não paramétrica da distribuição dos dados. Os resultados foram interpretados da seguinte forma: valores de Rho acima de 0,90 indicam correlação muito alta; entre 0,70 e 0,89, alta; entre 0,50 e 0,69, moderada; entre 0,30 e 0,49, baixa e os valores abaixo de 0,29 indicavam correlação discreta. Foi considerado o valor de significância estatística menor que 5% (p < 0,05).

 

Resultados

 

A média de idade da amostra foi de 58,5 anos, variando entre 21 e 77 anos. A maioria dos pacientes era do sexo feminino (80%). O excesso de peso estava presente em mais de dois terços dos pacientes. A intensidade média da dor foi de 7,34 na END, e 75,7% dos pacientes tiveram dor acima de 6. A maioria dos pacientes tinha somente um lado afetado (81,8%) e a percentagem de incapacidade encontrada foi de 32,79% por meio do ODI. Os resultados são apresentados na Tabela I.

 

Tabela IDados demográficos e clínicos dos pacientes com ciatalgia (n = 44).

 

A avaliação neurológica evidenciou um comprometimento da primeira raiz sacral em mais da metade dos pacientes nas avaliações de dermátomos, miótomos e esclerótomos. O reflexo de Aquiles estava alterado em mais de metade dos pacientes (56,8%), enquanto que o reflexo Patelar em apenas 18,9%.

Ao exame físico, foram observados resultados positivos para o teste neurodinâmico ciático em 34 (91,9%) pacientes, Slump test em 25 pacientes (67,6%) e femoral em 14 pacientes (37,8%). A palpação do músculo piriforme foi dolorosa em mais da metade dos pacientes (62,2%) e coincidiu com o membro inferior mais afetado.

Quase todos os pacientes apresentaram redução da velocidade de caminhada (97,7%). A média de redução velocidade de caminhada foi de 32,7%, quando comparado com os dados normativos recentes estratificados por idade e gênero descrito por Bohannon & Williams [21]. A SDM mais prevalente foi de rotação com a extensão. Estes dados podem ser vistos na Tabela II.

 

Tabela IIExames físicos complementares dos pacientes com ciatalgia (n=44).

 

 

A intensidade da dor, levantar, ficar de pé e sentar foram os setores mais prejudicados, respectivamente. Andar e cuidados pessoais foram os setores menos prejudicados no questionário de incapacidade autopercebida. Os valores do ODI estão descritos na Figura 1.

 

 

Figura 1Avaliação da incapacidade autopercebida devido à ciatalgia mensurada pelo Oswestry Disability Index (n=44).

 

Na avaliação musculoesquelética, a principal correlação foi encontrada na região do quadril. Dor à palpação do músculo piriforme foi correlacionada com a limitação de rotação interna do quadril e a presença de dor na rotação interna passiva do quadril (rho = 0,72 p <0,01, rho = 0,44, p <0,01, respectivamente).

Houve uma correlação entre a cadência e velocidade da caminhada com a classificação do IMC (rho = -0,49; p <0,01, rho = -0,35, p <0,05, respectivamente). Assim, os valores mais altos de IMC foram correlacionados com pior desempenho no teste de caminhada. O nível de incapacidade foi significativamente correlacionado com a intensidade da dor (rho = 0,47, p <0,05) e IMC (rho = 0,46, p <0,05). Os pacientes classificados com síndrome de rotação com flexão mostraram uma correlação positiva com o teste de elevação da perna reta (SLR) de 0 a 30 graus (rho = 0,40, p <0,05) e sexo feminino (rho = -0,35, p<0,05).

O teste Anova bicaudal não revelou diferença significativa entre a classificação SDM e avaliação da incapacidade e velocidade da caminhada (Figura 2 e Figura 3, respectivamente).

 

 

Figura 2Comparação da avaliação de incapacidade de acordo com a classificação da Síndrome da Disfunção do Movimento para pacientes com ciatalgia. Valores expressos em percentagem.

 

 

Figura 3Comparação da menor velocidade ao caminhar com a classificação da Síndrome da Disfunção do Movimento para pacientes com ciatalgia. Valores expressos em percentagem.

 

Discussão

 

Baixa velocidade de caminhada foi observada na maioria dos pacientes com dor ciática, embora este resultado não tenha sido considerado como uma importante incapacidade pelo ponto de vista dos participantes. A rotação com extensão foi a principal classificação SDM observada e diferentes classificações SDM não foram relacionadas com o estado funcional. O nível de incapacidade encontrado foi de 32,79%, semelhante a outros estudos em populações com lombalgia crônica [20,22].

Pacientes com dor ciática do presente estudo apresentaram idade média de 58,5 anos e predominância do sexo feminino (80%). Os dados da literatura apresentam um perfil misto de pacientes de dor ciática, uma vez que a idade média varia entre 45 e 54 anos [23,24], e nem sempre a maioria são mulheres [25,26]. Gênero e peso da população pareceram não afetar o resultado. Foi observado no presente estudo um padrão de dor crônica, com altos valores de intensidade (média de 7,34) e duração da dor (média de 30.95 meses).

Em uma revisão sistemática recente, Mehta et al. [27] mostraram que a intensidade da dor e a capacidade funcional são medidas recomendadas para avaliação de pacientes com dor neuropática. Outros autores têm demonstrado que pacientes com dor lombar e dor abaixo do joelho apresentam maior intensidade da dor do que pacientes somente com dor lombar [28]. A intensidade da dor é um preditor importante para incapacidade nas atividades de vida diária [29], (medido pelo END) e incapacidade (medido pelo ODI). Já foi demonstrado que a intensidade da dor foi mais intensa em pacientes com dor lombar crônica com dor em membro inferior comparado com os pacientes com dor em menor extensão [30]. Nossos resultados demonstraram que a intensidade da dor foi a parte mais prejudicada no questionário de incapacidade autopercebida, apesar de terem sido encontrados resultados conflitantes em uma revisão sistemática recente em relação à associação da intensidade da dor com o resultado em pacientes com dor ciática [26].

A longa duração da dor foi relacionada com maior limitação do SLR e a maior limitação da amplitude de movimento em teste neurodinâmico está relacionada com a gravidade dos resultados da eletromiografia [31]. O teste SLR foi positivo na maioria da população testada, mas, curiosamente, o teste neurodinâmico femoral foi positivo em cerca de um terço dos pacientes. O teste neurodinâmico femoral apresenta alta sensibilidade e especificidade na detecção de compressão de raiz lombar (L2-L4) [32], e aumenta em 4,76 as chances de um paciente apresentar disfunção lombar em comparação com pacientes com disfunção articular em quadril [33]. O teste neurodinâmico femoral positivo pode representar um sinal de sensibilização central uma vez que os pacientes com dor ciática apresentam um padrão de dor crônica.

A palpação do músculo piriforme provocou dor em mais da metade dos pacientes e foi associada à dor durante a rotação interna do movimento do quadril. O movimento limitado de rotação interna do quadril está associado a distúrbios articulares [33]. A manobra de rotação interna associada à flexão do quadril é uma ferramenta de diagnóstico para a síndrome do piriforme, especialmente se acompanhada de dor à palpação do músculo piriforme e ao resultado positivo do SLR [34]. Filler et al. [35] diagnosticaram a síndrome do piriforme através de neurografia por ressonância magnética em 67,8% de pacientes com dor ciática que não obtiveram melhora após tratamento cirúrgico. Além do músculo piriforme e da articulação do quadril, a disfunção da articulação sacro-ilíaca pode se assemelhar a dor ciática [36], bem como vários outros pontos que podem contribuir para uma síndrome de dupla compressão [37].

A obesidade foi observada em muitos pacientes (29,5%). Este achado está de acordo com outros autores que encontraram 39,1% dos pacientes com dor ciática com obesidade, sendo mais comum entre as mulheres [23]. Nossos resultados mostraram que o IMC também influenciou o desempenho da caminhada. Foi observado que a associação da obesidade e dor lombar afeta de forma mais grave o padrão de marcha do que somente a obesidade. Pacientes obesos e com dor nas costas apresentam duração mais prolongada da fase de apoio, menor velocidade na caminhada e menor comprimento do passo quando comparado ao grupo de obesos sem dor lombar e ao grupo de indivíduos saudáveis [38]. Uma pesquisa avaliando a análise da marcha mostrou que os pacientes que têm sintomas mais distais apresentam fase de apoio reduzida, enquanto os pacientes com sintomas mais proximais apresentam o comprimento de passo reduzido [39].

A categoria de rotação com extensão foi a SDM mais frequente, assim como em outros estudos [20,40] e Sahrmann [12] indica que esta categoria é mais prevalente em pacientes com lombalgia crônica, especialmente em indivíduos com mais de 55 anos de idade. O uso do SDM melhora os resultados no programa de reabilitação para pacientes com dor lombar [41] quando comparado a um grupo de tratamento inespecífico generalizado. Além disso, observamos correlação entre SDM e atividades ocupacionais. Estudos prévios demonstraram que indivíduos que trabalham em posturas de flexão ou torção são até 2,6 vezes mais propensos a desenvolver dor ciática [3,42].

A menor velocidade de caminhada foi um achado comum em nossa amostra (97,7%) e mostrou valor médio significativo de redução (32%), quando comparados com dados normativos. Este achado é frequente em pacientes com dor ciática, no entanto, não parece ser um achado clínico relevante para os pacientes aqui avaliados, visto que a seção de caminhada foi a menos prejudicada na incapacidade autopercebida. A categorização do paciente utilizando SDM não apresentou relevância funcional para pacientes com dor ciática visto que a velocidade da caminhada e pontuações do questionário de autopercepção não mostraram diferenças significativas entre os grupos, embora a classificação SDM seja relevante para o processo de reabilitação destes pacientes.

O pequeno tamanho da amostra limita a generalização de nossos resultados e a falta de pesquisas sobre o estado funcional dos pacientes com dor ciática reduz a comparação dos dados. A avaliação do estado funcional foi realizada por meio de questionário autoaplicável e um exame clínico subjetivo. Instrumentos mais precisos devem contribuir para elucidar os resultados funcionais em pacientes com dor ciática. Apesar destas limitações, os resultados intrigantes sugerem a realização de futuras pesquisas.

 

Conclusão

 

Pacientes com dor ciática apresentaram alta intensidade e duração da dor. Excesso de peso, diminuição da velocidade de caminhada e valores elevados de incapacidade também foram observados nesta amostra. O subgrupo de pacientes utilizando a classificação SDM não apresentou relevância funcional para pacientes com dor ciática uma vez que as variáveis funcionais verificadas não apresentaram diferenças entre os grupos. O exame clínico identificou a palpação dolorosa do músculo piriforme e a redução da mobilidade da articulação do quadril como possíveis fatores contribuintes para a ciatalgia.

 

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