ARTIGO
ORIGINAL
Queixas
dolorosas em participantes no método mãe canguru
Painful complaints of participants in the kangaroo-mother care method
Jacqueline Maria
Gomes Pessoa da Silva, Ft.*, Maria do Amparo Andrade**, Eduardo José
Nepomuceno**, Carolina Maria Pires Cunha**, Juliana Netto Maia**
*Graduada
pela Faculdade Maurício de Nassau, **Prof.
Departamento Fisioterapia da Universidade Federal de Pernambuco
Recebido em 12 de
outubro de 2016; aceito em 28 de novembro de 2017.
Endereço
para correspondência:
Carolina Maria Pires Cunha, Universidade Federal de Pernambuco, Departamento de
Fisioterapia, Av. Professor Moraes Rego, 1235, Cidade Universitária, 50670-901
Recife PE, E-mail: cunhacarolina81@gmail.com; Jacqueline Maria Gomes Pessoa da
Silva: jac_quel@hotmail.com; Maria do Amparo Andrade: mamparoandrade@yahoo.com;
Eduardo José Nepomuceno: eduardo3montenegro@gmail.com; Juliana Netto Maia: juliananettomaia@yahoo.com.br
Resumo
O método mãe canguru
(MMC) propõe que o contato pele a pele da mãe com o bebê ajude no
desenvolvimento do recém-nascido de baixo peso (RNBP). No entanto estas mães
podem apresentar queixas musculoesqueléticas. Assim este trabalho teve como
objetivo mensurar através da escala visual analógica (EVA) as principais
queixas dolorosas em participantes do MMC e verificar a correlação entre estas
queixas com idade e peso do RNBP. Estudo realizado com 26 mulheres com RNBP
internadas no alojamento canguru. Aplicou-se uma ficha de avaliação em dois
momentos, primeiro na admissão e depois no sétimo dia de internamento. A
puérpera era questionada sobre desconforto musculoesquelético, e quantificava
através da EVA. Observou-se que 46,16% relataram alguma queixa álgica no
momento da admissão e, no sétimo dia, este percentual foi de 50%. O local mais
acometido foi a região lombar com 66,7% e 61,3% nos
dois momentos da análise sendo classificada como uma dor moderada para 100% e
84,6% respectivamente, houve correlação entre aumento da dor e ganho do peso do
recém-nascido. O MMC parece não interferir no surgimento e agravamento da dor
musculoesquelética. Porém puérperas apresentam desconforto muscular importante
que pode aumentar de acordo com o ganho de peso do RNBP, sendo o MMC benéfico
para o recém-nascido. Um acompanhamento adequado destas mulheres pode ajudar na
adesão ao método.
Palavras-chave: método canguru,
dor, período pós-parto.
Abstract
Objective: To measure
the main pain complaints in participants of the Kangaroo-mother care method
(KMCM) using the visual anolog scale (VAS). Methods: This study was conducted in a
public hospital located in Recife. The sample consisted of 26 mothers who had
low weight newborn hospitalized in the Kangaroo accommodation. It was applied
an evaluation form at two different times, the first evaluation was conducted
in the day of admission; the second evaluation was conducted on the seventh day
of hospitalization. During the evaluation the mothers were questioned about
their musculoskeletal discomfort, quantified by the VAS method, and then they
pointed at a figure to show their pain location. Results: 46.16% reported some pain complaint at the admission’s
day, on the seventh day this percentage was 50%. The most commonly affected
area was the lumbar region with 66.7% and 61.3% in both time of the analysis.
That pain was classified as moderate pain in 100% and 84.6% of the cases,
respectively. Another finding was the correlation between the pain increase of the
mother and the newborn gain of weight. Conclusion:
The KMCM does not seem to interfere in the emergence and worsening of
musculoskeletal pain. However women in the postpartum period have muscular
discomfort that should be observed, considering that KMCM implies in great
benefits to the newborn and that an appropriate monitoring of these women can
help in adherence to the method.
Key-words:
Kangaroo-mother care method, pain, postpartum period.
O método mãe canguru
(MMC) se baseia em três pilares: amamentação frequente e exclusiva, tentativa
de alta hospitalar mais rápida e, o principal,contato
pele a pele entre a mãe e o bebê. Para este contato o bebê posição vertical
elevada entre as mamas, de frente para mãe, cabeça lateralizada, membros
superiores flexionados, aduzidos com cotovelos próximos ao tronco e membros
inferiores flexionados e aduzidos, envolvendo a díade com uma faixa de algodão
é colocado firmemente, sem roupas ou apenas de fralda, verticalmente em posição
flexionada contra o peito dos pais [1,2].
Vários são os
benefícios descritos na literatura para o bebê inserido no método. Recente
revisão sistemática com meta análise aponta os seguintes benefícios para o bebê
de baixo peso ao nascer: diminuição da mortalidade e risco de sepse, melhora da
hipotermia e hipoglicemia, diminuição do número de re-internações
e aumento da amamentação exclusiva [3]
Apesar de todos os
grandes benefícios para o bebê, vastamente apresentados na literatura, há uma
grande lacuna sobre as repercussões que o MMC gera sobre a mãe envolvida no
método. Em busca recente no Pubmed (setembro 2017),
foram encontrados apenas quinze artigos [4-18]. Estas publicações versam sobre
o lado emocional e motivações desta mãe. Entendendo que esta mulher se encontra
na fase do puerpério e ainda sob várias influências
hormonais e estruturais, acreditamos ser bastante relevante investigar queixas
físicas destas mulheres.
Devido às alterações
fisiológicas que são pertinentes ao período gestacional e puerperal, à escassez
da literatura sobre as dificuldades, limitações e queixas álgicas das mães no
MMC, este trabalho teve como objetivo mensurar através da escala visual
analógica (EVA) as principais queixas dolorosas em participantes do MMC e
verificar a correlação entre estas queixas com idade e peso do bebê.
Trata-se de um estudo longitudinal, realizado em uma maternidade pública da cidade do Recife. A pesquisa
foi previamente aprovada pelo comitê de ética e pesquisa do Centro Integrado de
Saúde Amaury de Medeiros (CISAM) sob o parecer 038/11. O presente estudo seguiu
os preceitos do código de ética, artigo 196/96 do CNS, respeitando o anonimato
das pacientes e exclusão de sua participação a qualquer momento da pesquisa.
Após orientação sobre as etapas da pesquisa, as participantes assinaram o Termo
de Consentimento Livre Esclarecido.
O processo de
amostragem se deu de forma não probabilística, as participantes eram triadas
segundo preenchimento dos critérios de elegibilidade. Foi composta por mães que
possuíam recém-nascido de baixo peso (RNBP) internadas no alojamento canguru do
Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (CISAM).
Os critérios para
participação da pesquisa: mães que estivessem ingressando no MMC, sem
complicações decorrentes do parto e que aceitassem participar da pesquisa.
Foram considerados como fatores de exclusão: mães menores de 18 anos e maiores
de 40, histórico de doença musculoesquelética grave anterior ao período
puerperal.
Os seguintes dados
foram coletados através de uma ficha de avaliação individualizada: idade,
escolaridade, peso, altura, história gestacional, antecedentes obstétricos,
dados do recém-nascido, localização e intensidade da dor.
As mães participantes
responderam as perguntas em dois momentos distintos, sendo o primeiro na
admissão no alojamento canguru e um segundo momento no sétimo dia de
internamento, quando a pesquisadora repetia as perguntas sobre a existência de
algum tipo de dor musculoesquelética, sua localização e intensidade.
Para localização da
dor, era mostrada a participante, uma figura do corpo humano nos planos frontal
e posterior. Através desta figura a participante apontava o local onde sentia a
dor.
A quantificação da
dor foi avaliada pelo uso da escala visual analógica (EVA). A pesquisadora
mostrava uma régua escalada de 1 a 10, tendo nos seus extremos os termos “sem
dor” e a “pior dor imaginável”. Sendo classificado como dor leve quando a
participante indicava na escala um valor inferior a 3
cm, moderada de 3 a 7 cm e intensa quando fosse acima de 7 cm da linha da
escala.
Para realização da
análise estatística, utilizou-se o programa Excel 2003 da Microsoft na
formatação dos dados e construção dos gráficos, juntamente com o programa
estatístico R, considerando um nível de significância de 5% para os resultados
encontrados, com base nos objetivos traçados para o trabalho, que são de
identificar as principais queixas álgicas das participantes no 1° e no 7° dia
de internamento no alojamento canguru, analisar relação da idade e peso do bebê
com as queixas de dor das pacientes e identificar região corporal das pacientes
com maior alteração no MMC.
Foi utilizado o teste
T pareado para avaliar se houve uma significância do aumento/diminuição na
média desse nível de dor nas pacientes para os dois momentos do alojamento
canguru. A realização dos testes se deu ao nível de 5% de significância, ou
seja, p < 0,05.
O coeficiente de
Pearson foi utilizado para se medir o grau de associação entre as variáveis de
perfil da amostra com a intensidade da dor para os dois momentos de análise.
Durante o período do
estudo foram admitidas no alojamento canguru 32 RNBP, a amostra final resultou
em 26 mães que estavam nos critérios propostos, pois 4
delas tinham idade inferior a 18 anos, 1 possuía mais de 40 anos e 1 era a tia
do recém-nascido. A tabela I demonstra a caracterização da amostra quanto à
idade materna, peso, altura e IMC, bem como o peso do bebê.
Tabela
I - Caracterização da amostra quanto à idade,
peso, altura, índice de massa corporal (IMC) e peso do recém-nascido.
Valores apresentados
em máximo, mínimo, média e desvio padrão.
Na tabela II está
descrito o comportamento da dor durante o período do estudo. A amostra foi bem
distribuída percentualmente quanto à presença ou ausência de alguma dor
muscular nas participantes, tanto no início da internação quanto no sétimo dia.
Para as que referiram dores musculares, houve uma predominância da região
lombar com 66,7% e 61,53%, para os dois momentos, respectivamente. A dor
moderada foi a mais citada pelas participantes. Apenas uma participante evoluiu
com dor de moderada para intensa.
Tabela
II -
Caracterização da dor: presença da dor,
classificação qualitativa e quantitativa através da com relação à dor no
primeiro e no sétimo dia de internamento.
Não houve um aumento
significativo da média do nível de dor nas pacientes após o sétimo dia de
internação (Tabela III).
Tabela
III
- Resultado do Test t pareado para o
nível de dor, através dos valores quantitativos, da Escala
Visual Analógica (EVA).
Na análise de
correlação estatística, pode ser visto que após o sétimo dia de internação
houve uma relação positiva forte, r = 0,68, indicando que o aumento de peso dos
bebês acompanhou um crescimento do nível de dor das participantes (Tabela IV).
Tabela
IV -
Correlações estatísticas de Pearson
estabelecidas entre nível de dor e peso do recém-nascido.
O desconforto
musculoesquelético é uma queixa comum entre as puérperas associado geralmente à
sobrecarga física que está relacionada aos cuidados com o bebê e à amamentação.
Durante o estudo foi verificado que na admissão 46,16% das entrevistadas já
relataram alguma queixa álgica e no sétimo dia este percentual foi de 50%, pois
durante a pesquisa uma das participantes adquiriu processo dolorosos durante a
inserção no MMC.
Este achado sugere
que o MMC, nos primeiros sete dias, parece não influenciar no surgimento e
agravamento da dor musculoesquelética.
O local mais
acometido foi a região lombar nos dois momentos da
análise sendo classificada mais comumente como uma dor moderada. Este achado
não corrobora os descritos em outro estudo que apresentava objetivo semelhante.
No caso o estudo avaliou 15 mães inseridas no MMC, porém a dor mais relatada
foi na região torácica [19].
No entanto, um estudo
avaliando queixas álgicas em 42 mulheres na fase da amamentação encontrou a dor
lombar como a segunda mais referida (23,5%), ficando atrás apenas de dor na
mama, em sua maioria decorrente de fissura [20].
Sabe-se que, durante
a gestação, o corpo da mulher sofre uma série de alterações para permitir o
desenvolvimento do feto. Na fase do puerpério, o corpo da mãe começa o período
de recuperação, entretanto, espera-se que o corpo feminino apresente ainda
efeitos da gravidez e parto [21]. Uma série de alterações ainda será necessária
para que o organismo volte as condições anteriores à
gestação. Este processo de retorno estará intensamente associado às
transformações gestacionais experimentadas [22]. A dor lombar certamente é uma
das mais comuns no período gestacional e parece se agravar no terceiro
trimestre [23].
O que pode ser visto
na literatura é que várias regiões do corpo podem sofrer com processos
dolorosos na fase do puerpério. Um estudo com 76 mulheres comparando as que amamentavam
com as que não amamentavam, aponta elevada frequência de desconfortos na região
lombar, seguida de ombros e cervical, sendo a amamentação referida como a
segunda causa de seu desconforto [24].
Durante o
internamento no alojamento canguru, as mães ainda encontram-se no período
puerperal, recuperando-se das diversas alterações adquiridas na fase
gestacional. Convém ressaltar que as mulheres estão no processo de amamentação,
podendo ficar várias horas durante o dia na mesma posição e se esta postura for
inadequada, ocorre uma sobrecarga especialmente da coluna vertebral, cintura
escapular e membros superiores podendo surgir desconfortos musculoesqueléticos
[24].
Este estudo encontrou
uma relação direta entre o peso do recém-nascido e o aumento da dor no sétimo
dia de internamento. Para atingir o peso mínimo, os recém-nascidos inseridos no
MMC levam cerca de 5 dias, com velocidade absoluta de
ganho de 11,2g/dia [25]. Somado a isto vale lembrar que as mães passam um longo
período de tempo com o seu bebê na posição preconizada pelo método, inclusive
durante o sono, isso significa que a mãe deve dormir em posição semi-sentada em uma
almofada-encosto que permite uma inclinação entre 30 a 45 graus, o que pode
contribuir para aquisição de problemas na coluna [26].
Atualmente, a dor é
um desafio para os profissionais, envolve mecanismos não apenas os biológicos,
mas integrada vários trajetos e sistemas e interage ativamente com o estado
afetivo-motivacional de cada pessoa [27]. Para mensuração e quantificação da
dor, as escalas unidimensionais são amplamente empregadas pela literatura como
um instrumento prático e fidedigno, e devem dar subsídios aos profissionais
para que identifiquem as alterações presentes no paciente e use a intervenção adequada
permitindo traçar um programa de manejo e controle da dor [28].
O desconforto
musculoesquelético pode surgir ou já está presente nas mulheres inseridas no
MMC e vir a interferir nos cuidados ao bebê nesta fase tão importante na vida
de ambos. No entanto, tratar-se de um método em que há uma melhora da
temperatura corporal, aumento da saturação periférica de oxigênio, melhora da
oxigenação tecidual, e redução na frequência respiratória, promovendo maior
conforto respiratório aos RNPT [29].
O Ministério da Saúde
[2] define o método canguru como sendo um tipo de assistência neonatal que
implica contato pele a pele o mais precoce possível entre a mãe e o seu bebê,
de forma crescente e pelo tempo que ambos entenderem ser prazeroso e suficiente
o que permite desta forma, uma maior participação dos pais nos cuidados com o
bebê. Assim, acreditando nos benefícios para o RNPT, é necessária uma avaliação
precisa e detalhada na tentativa de buscar estratégias eficazes para prevenção
e tratamento dos desconfortos que possam surgir neste período.
Portanto novas
pesquisas que estudem as mães inseridas neste método e as repercussões físicas
que ele pode ocasionar são necessárias. A partir daí pode-se promover a
inserção de um fisioterapeuta, por exemplo, neste serviço. Este profissional
pode intervir nos processos dolorosos instalados ou que possam acometer as mães
inseridas no MMC.
Os dados deste
trabalho sugerem que a inserção da mãe no MMC parece não interferir no
desenvolvimento e agravamento da dor musculoesquelética nos primeiros sete dias
de internamento. No entanto, pode-se perceber que quase metade da amostra
estudada inicia no MMC com queixa álgica moderada, sendo esta queixa mais comum
em região lombar.
Sendo assim, para que
o método seja aplicado de maneira plena e eficaz, é importante o completo
bem-estar físico da genitora. Embora ainda não faça parte da rotina dos
hospitais, a atuação do fisioterapeuta no alojamento canguru pode vir a
minimizar as alterações da biomecânica que essas mães tendem a apresentar
durante a aplicação do método canguru objetivando promover o sucesso do método
mãe canguru.