ARTIGO ORIGINAL

Protocolo de atendimento e seguimento fisioterapêutico na fibrose cística

Protocol for physical therapy follow-up and monitoring in cystic fibrosis patients

 

Camila Isabel Santos Schivinski, D.Sc.*, Maria Ângela Gonçalves de Oliveira Ribeiro, D.Sc.**, Renata Tiemi Okuro, D.Sc.***, Juliana Cardoso****, Renata Pedrolongo Basso, D.Sc.*****, José Dirceu Ribeiro, D.Sc.******

 

*Professor efetivo dos cursos de graduação e pós-graduação em fisioterapia pela Universidade do Estado de Santa Catarina/UDESC, Florianópolis/SC, Colaboradora dos cursos de especialização e aprimoramento em Fisioterapia Pediátrica - EXTECAMP-FCM/ FUNDAP, Departamento de Pediatria / Unicamp, **Coordenadora de Pesquisa do Laboratório de Fisiologia Pulmonar (LAFIP) do Centro de Investigação em Pediatria (CIPED) - FCM / Unicamp; Coordenadora dos cursos de especialização e aprimoramento em fisioterapia pediátrica - EXTECAMP-FCM/ FUNDAP e da equipe de fisioterapia pediátrica do Departamento de Pediatria / FCM, Unicamp, Campinas, ***Laboratório Fisiologia da Respiração, Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/RJ, ****Graduanda em bacharelado em fisioterapia na Universidade do Estado de Santa Catarina/ UDESC, *****Laboratório de Espirometria e Eletromiografia, Unidade Especial de Fisioterapia Respiratória do Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)/ São Paulo, ******Professor Associado (livre docente) do Departamento de Pediatria, Ambulatório de Pediatria do Hospital de Clínicas da Unicamp - Laboratório de Fisiologia Pulmonar (LAFIP) do Centro de Investigação em Pediatria (CIPED), Departamento de Pediatria da FCM / Unicamp, Campinas/SP

 

Recebido em 2 de abril de 2018; aceito em 25 de julho de 2018.

Endereço de correspondência: Camila Isabel Santos Schivinski, Rua Pascoal Simone, 358, 88080-350 Florianópolis SC, E-mail: cacaiss@yahoo.com.br; Maria Ângela Gonçalves de Oliveira Ribeiro: ribeiromago@gmail.com; Renata Tiemi Okuro: renataokuro@gmail.com; Juliana Cardoso: juccardosoo@gmail.com; Renata Pedrolongo Basso: renata.fisio@gmail.com; José Dirceu Ribeiro: jdirceuribeiro@gmail.com

 

Resumo

A Fibrose Cística (FC) requer uma abordagem multidisciplinar culminando em um complexo regime terapêutico. A fisioterapia tem papel fundamental na depuração das vias aéreas, melhora da ventilação pulmonar e da tolerância ao exercício. No entanto, aspectos como acompanhamento da evolução clínica do paciente, identificação de períodos de exacerbação pulmonar e avaliação da adesão ao tratamento também fazem parte da rotina fisioterapêutica. Com o objetivo de contemplar os principais instrumentos disponíveis que auxiliam em um melhor controle, acompanhamento e avaliação de pacientes com FC, elaborou-se o PASFIC - Protocolo de Atendimento e Seguimento Fisioterapêutico na Fibrose Cística. Este protocolo inclui 10 critérios: 1) fisioterapia respiratória, 2) escore de gravidade, 3) escores de exacerbação pulmonar, 4) avaliação do peso e da estatura, 5) avaliação respiratória, 6) espirometria, 7) coleta de secreção das vias respiratórias, 8) aderência, 9) habilidades funcionais, 10) anormalidades posturais. A finalidade do PASFIC é caracterizar a população, identificar as alterações clínicas e acompanhar a evolução clínica e o atendimento fisioterapêutico de pacientes com FC, viabilizando suporte assistencial individualizado, uma melhor adesão ao tratamento e intervenção precoce durante as agudizações pulmonares, facilitando a monitorização pela equipe multiprofissional, otimizando o atendimento de pacientes com FC.

Palavras-chave: fibrose cística, fisioterapia, protocolos, continuidade da assistência ao paciente.

 

Abstract

Cystic Fibrosis (CF) requires multidisciplinary approach culminating in a complex treatment regimen. Physical therapy is an important factor for better management of the disease, playing a key role in airway clearance, lung ventilation and exercise tolerance improvement. However, aspects such as monitoring of patients clinical evolution, identification of periods of acute pulmonary exacerbations and assessment of treatment adherence are also part of the physical therapy routine. In order to cover all instruments that help improve control, monitoring and evaluation of CF patients, a systematic protocol has been developed to qualify and quantify CF patients` interventions data. It includes 10 criteria: 1) Monitoring of physiotherapy techniques, 2) Application of severity score, 3) Application of pulmonary exacerbation scores, 4) Weight and height measurements, 5) Evaluation of respiratory system, 6) Systematic spirometry, 7) Airway secretion collection and register, 8) Monitoring of adherence to treatment, 9) Assessment of functional abilities, and 10) Postural abnormalities. The aim is to characterize the CF population, to identify clinical alterations and to follow up on the disease evolution and physiotherapy assistance for CF patients, as well as to allow individualized care and support, better treatment adherence, and early intervention for pulmonary exacerbations.

Key-words: cystic fibrosis, physical therapy specialty, protocols, continuity of patient care.

 

Introdução

 

A fibrose cística (FC) é uma doença genética, com acometimento multissistêmico e de grande complexidade. Desta forma, é fundamental a atuação de uma equipe multiprofissional para o melhor manejo da doença [1,2]. No Brasil, o tratamento da FC ganhou maior evidência nos últimos 25 anos, resultado das atividades de centros de tratamento de fibrocísticos, do esforço das associações de pais representados pela ABRAM (Associação Brasileira de Assistência à Mucoviscidose) e, mais recentemente, pelo Grupo Brasileiro de Estudos em Fibrose Cística (GBEFC). O manejo da FC, no país, tem se tornado cada vez mais eficiente, com medidas para a promoção da educação continuada, diagnóstico precoce e tratamento multidisciplinar.

Dentro de um complexo regime terapêutico que inclui inaloterapia, antibioticoterapia, suporte nutricional e prescrição de exercícios, a fisioterapia é parte essencial no tratamento da doença, principalmente no manejo do quadro pulmonar. Deve ser iniciada precocemente, no momento do diagnóstico, e integra os consensos de tratamento da doença como um importante recurso terapêutico não farmacológico [1,3]. É considerada suporte imprescindível no acompanhamento e manutenção da função pulmonar e da capacidade de exercício, bem como no cuidado rotineiro com a higiene brônquica e adequação ventilatória. O fisioterapeuta deve ser qualificado e atualizado quanto aos diferentes recursos terapêuticos disponíveis e deve respeitar os diferentes níveis de comprometimento da doença, ajustando a terapia a cada paciente, de forma personalizada. [1,4].

Apesar da evolução no tratamento, poucos serviços brasileiros apresentam protocolos sistematizados de atendimento interdisciplinar ou fisioterapêutico para atendimento da FC. No estado do Espírito Santo foi proposto um protocolo de referência para tratamento desses pacientes, contando com o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar e respeitando-se a competência de atuação de cada profissional da equipe [5]. Diferente do PASFIC aqui proposto, não há sistematização dos atendimentos da fisioterapia, nem dos outros profissionais, tendo cada membro da equipe a liberdade de conduta. De certa forma, a liberdade dificulta a padronização e registro das terapêuticas, por isso, a implantação e utilização de protocolos de atendimentos em FC podem melhorar a adesão, promover melhor acompanhamento e controle da gravidade da doença, e assim otimizar o trabalho da equipe multidisciplinar [6].

Com o intuito de suprir uma necessidade de controle, acompanhamento, padronização e avaliação da assistência fisioterapêutica de um centro de referência, elaborou-se o Protocolo de Atendimento e Seguimento de Fisioterapia na Fibrose Cística (PASFIC). O objetivo do PASFIC é caracterizar a população, identificar as alterações clínicas e acompanhar o atendimento fisioterapêutico de pacientes com FC, para viabilizar suporte assistencial individualizado, além de ser um instrumento de informação para todas as especialidades da equipe multidisciplinar, tanto para assistência quanto para estruturação de banco de dados e pesquisas.

 

Material e métodos

 

O Protocolo de Atendimento e Seguimento Fisioterapêutico na Fibrose Cística (PASFIC) foi estabelecido para o atendimento fisioterapêutico do centro de referência em atendimento de pacientes com FC do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil. Sua estruturação surgiu da prática clínica da equipe multidisciplinar, reuniões científicas na instituição e a consulta de manuais e materiais internacionais de fundações e centros de referência de assistência aos pacientes. O PASFIC aborda 10 itens: 1) Monitorização das técnicas de fisioterapia; 2) Aplicação de escores de gravidade; 3) Aplicação de escores de exacerbação pulmonar; 4) Avaliação pondero-estatural; 5) Avaliação do sistema respiratório; 6) Realização sistematizada de espirometria; 7) Obtenção e registro da cultura de secreção das vias respiratórias; 8) Monitorização da adesão; 9) Verificação de habilidades funcionais; 10) Avaliação de anormalidades posturais (Quadro 1).

Um item 11, que corresponde à rotina dos exames laboratoriais e do atendimento médico é utilizado pelo centro de referência, mas não faz parte do escopo deste artigo.

 

Quadro 1Itens contemplados no Protocolo de Atendimento e Seguimento Fisioterapêutico na Fibrose Cística (PASFIC).

 

CFCS = Cystic Fibrosis Clinical Score; CFFS = Cystic Fibrosis Foundation Score; IMC = índice de massa corporal; FR = frequência respiratória; FC = frequência cardíaca; SpO2 = saturação de pulso de oxigênio; * = realizado em todas as consultas no centro de referência; ** = realizado duas vezes ao ano.

 

O PASFIC contempla uma ficha de avaliação inicial, (primeiro atendimento) (Quadro 2) para a caracterização do paciente. Cada um dos dez itens do PASFIC tem uma escala de 0 até um ponto. A pontuação máxima do protocolo é de 10 e corresponde a uma situação favorável ao paciente em relação aos itens avaliados (fisioterapia, adesão, exacerbação, postura) (Quadro 2).

 

Quadro 2 - Sistema de pontuação do PASFIC.

 

VEF1 = volume expiratório forçado no primeiro segundo; SpO2 = saturação de pulso de oxigênio; CFCS = Cystic Fibrosis Clinical Score; CFFS = Cystic Fibrosis Foundation Score; TC6 =Teste de caminhada de 6 minutos; * = realizar em todas as consultas no centro de referência; ** = realizar duas vezes ao ano.

 

A ficha para aplicação prospectiva e controle da evolução dos pacientes é apresentada nos Quadros 2 e 3. Todos os critérios são avaliados duas vezes ao ano, retratando o perfil clínico de cada indivíduo e o monitoramento quantificado de sua evolução. Com base na primeira avaliação, o seguimento é realizado comparando-se as subsequentes. A diminuição da pontuação é acompanhada por toda equipe multiprofissional e o item comprometido é avaliado de forma mais minuciosa. Caso o paciente apresente pontuação do PASFIC igual ou inferior a cinco pontos, ou apresente a pontuação zero ou diminuída em algum dos 10 itens citados, o paciente é convocado para consulta extra, na qual novas condutas são indicadas e orientações feitas aos pais, e a equipe interdisciplinar discute estratégias de melhora dos itens de baixa pontuação. Quando o PASFIC se apresenta acima de cinco pontos, a rotina de atendimento é mantida. Outros itens do PASFIC são avaliados em toda consulta, subsidiando a assistência e dinâmica do atendimento ambulatorial.

 

Quadro 3 - Ficha de seguimento do PASFIC

 

DN = data de nascimento, Shwach: escore de Shwachman; CFCS = Cystic Fibrosis Clinical Score; CFFS = Cystic Fibrosis Foundation Score; SpO2 = saturação de pulso de oxigênio; VEF1 = volume expiratório forçado no primeiro segundo; DP = distância percorrida no TC6; NI: avaliação postural de Nova Iorque.

 

Monitorização das técnicas de fisioterapia respiratória

 

Para avaliação do critério relacionado à fisioterapia, monitora-se a realização de técnicas fisioterapêuticas propostas segundo o Standards of Care and Good Clinical Practice for the Physiotherapy Management of Cystic Fibrosis Clinical Guidelines for Physiotherapy Management of CF Trust de 2011 [7]. As mães ou acompanhantes respondem a um questionário sobre o acompanhamento da fisioterapia respiratória (Quadro 4) e, nesta entrevista, também são feitas orientações com relação à aplicação das técnicas adequadas à idade e quadro de cada paciente. Essa monitorização quanto à fisioterapia é feita em toda consulta ambulatorial.

 

Quadro 4Acompanhamento do tratamento fisioterapêutico.

 

Escores de avaliação da gravidade da doença

 

Para avaliação da gravidade da doença o protocolo inclui dois escores: Shwachman modificado (ESM) [8] e escore tomográfico de Bhalla (EB) [9]. A aplicação desses escores deve acontecer duas vezes por ano, durante o atendimento ambulatorial dos pacientes com FC.

O ESM é aplicado, pela equipe médica, com o paciente fora de período de exacerbação da doença. É dividido em quatro itens: atividade geral, exame físico, nutrição e achados radiológicos (Quadro 5). Para cada um, a pontuação máxima é de 25 pontos e a mínima de cinco. Quanto menor o valor, pior o quadro clínico do paciente. O ES é graduado em excelente (86-100), bom (71-85), médio (56-70), moderado (41-55) e grave (≤ 40). Deve ser aplicado por três profissionais médicos, sendo o valor final a média de pontos dos avaliadores. Para aplicação deste escore, a equipe de fisioterapia se mobiliza para obtenção das informações, auxilia no exame físico e na captação dos exames radiológicos para posterior análise.

 

Quadro 5Escore de Shwachman modificado (Quadro elaborado a partir da referência 7)

 

MV = murmúrio vesicular; FC = frequência cardíaca; FR = frequência respiratória; SpO2 = saturação de pulso de oxigênio.

 

No EB a pontuação é feita por 9 categorias, com valor de 3 pontos cada, e a pontuação máxima é sinônimo de gravidade. O resultado final do escore deve ser subtraído de 25, e quanto menor esse resultado, mais grave o paciente (Quadro 6). A avaliação dever ser feita por 3 radiologistas, através da técnica de quantificação morfológica. Os exames tomográficos, realizados a cada dois anos, são entregues pelos pais ou responsáveis para equipe de fisioterapia durante atendimento ambulatorial, para que este profissional encaminhe à equipe médica.

 

Quadro 6Escore de Bhalla (quadro elaborado a partir do artigo original de Bhalla, 1991) [8].

 

BP = bronco pulmonar.

 

Avaliação da exacerbação pulmonar

 

Para avaliação da exacerbação pulmonar, aplicam-se dois escores, o Cystic Fibrosis Clinical Score (CFCS) [10], e a pontuação dos onze sinais de exacerbação pulmonar padronizados pela Cystic Fibrosis Foundation (CFFS) [11]. Na aplicação do CFCS, o fisioterapeuta considera 5 critérios objetivos e 5 subjetivos. Os sinais e sintomas são graduados numa escala de 0 a 5 pontos, recebendo maior pontuação quanto pior a clínica, totalizando um máximo de 50 pontos (Quadro 7). A quantificação dos critérios objetivos do escore é feita pela avaliação física e, para os critérios subjetivos, através das informações colhidas em entrevista com a mãe ou acompanhante [10].

 

Quadro 7 - Escores Cystic Fibrosis Clinical Score (CFCS). Quadro elaborado a partir do

artigo original de Kanga, 1994 [9].

 

FR = frequência respiratória, SD = desvio padrão.

 

O sistema de pontuação da CFFS [11] avalia a presença ou ausência de sinais e sintomas de exacerbação pulmonar, conforme o quadro 8. A presença de 5 ou mais sinais, de um total de 11, sugere exacerbação pulmonar aguda. Ambos os escores são aplicados em todas as consultas em que o paciente comparece ao centro de referência.

 

Quadro 8Onze sinais e sintomas de exacerbação pulmonar padronizados pela Cystic Fibrosis Foundation (CFFS) [10].

 

VEF1 = volume expiratório forçado no primeiro segundo, SpO2 = saturação periférica de oxigênio.

 

Avaliação pondero estatural

 

A medida minuciosa do peso e da estatura do paciente, para verificação da adequação do crescimento e desenvolvimento linear, é realizada pela equipe médica ou de enfermagem. Após avaliação, a equipe de fisioterapia realiza o registro dos resultados, de acordo com a classificação por percentil [12] e acompanha o crescimento pondero-estatural do paciente a cada retorno às consultas ambulatoriais.

 

Exame do sistema respiratório

 

Em todas as consultas ambulatoriais, o fisioterapeuta verifica os parâmetros de frequência respiratória, frequência cardíaca, saturação periférica de oxigênio, sinais de desconforto respiratório e a ausculta pulmonar em duas situações: 1) medidas basais apresentadas nos dias de consulta ambulatorial e 2) avaliação pré e pós-intervenção fisioterapêuticas. Essa sistematização de coleta de dados permite controlar a resposta do paciente ao procedimento de fisioterapia respiratória, monitorar as condições clínicas do paciente e avaliar necessidade de oxigenioterapia.

 

Espirometria

 

A espirometria é realizada duas vezes ao ano em pacientes com idade acima de seis anos e segue as normas da American Thoracic Society [13]. O fisioterapeuta registra no protocolo os valores de volume expiratório forçado no primeiro segundo, capacidade vital forçada, pico e fluxo expiratório forçado entre 25 e 75% da capacidade vital forçada, obtidos no último exame, compara com resultados anteriores e colabora na monitorização da evolução da doença pulmonar.

 

Cultura de secreção de orofaringe ou de escarro obtido

 

O fisioterapeuta realiza a coleta de secreção das vias respiratórias, por meio do escarro ou “swab” de orofaringe, acompanha o resultado e faz o registro do(s) microorganismo(s) encontrado(s) [2,7,14]. Estes dados permitem as definições de colonização aguda, colonização crônica, infecção aguda (exacerbação pulmonar) e infecção crônica. Também permite o acompanhamento das exacerbações pulmonares e facilita o controle de infecção cruzada dentro do serviço. A coleta das secreções do trato respiratório e seu registro são feitos em todas as consultas.

 

Adesão

 

A aplicação do PASFIC, em todas as consultas ao centro de referência, auxilia a monitorização da adesão dos pacientes aos diversos tratamentos. Contabiliza-se o número de consultas médicas, o número de sessões de fisioterapia, a medicação prescrita e a utilizada, as técnicas de fisioterapia indicadas e as realizadas, a frequência sugerida e a frequência referida pelos responsáveis (Quadro 9).

 

Quadro 9Ficha do controle do atendimento ambulatorial.

 

 

Habilidades funcionais

 

A equipe de fisioterapia faz o registro das atividades de vida diária, atividade física, esportes, ocupação e frequência escolar (Quadro 9). Duas vezes ao ano, aplica-se o teste de caminhada de seis minutos (TC6) nos pacientes acima de seis anos de idade, segundo normas da American Thoracic Society (2014), para uma avaliação quantificada da tolerância e capacidade ao exercício [15]. O teste é realizado com os pacientes fora do quadro de exacerbação pulmonar aguda, conforme o CFCS e o CFFS.

 

Anormalidades posturais

 

Para avaliação postural dos pacientes, o fisioterapeuta aplica o Teste de Nova Iorque, que contempla treze itens, sendo 5,0 pontos para o padrão normal, 3,0 para alteração moderada e 1,0 para grave (Quadro 10) [16]. Cada indivíduo é avaliado no perfil posterior e lateral, recebendo uma classificação final de acordo com a soma de todos os itens. É classificado como normal (56 a 65), moderado (40 a 55) e grave (01 a 39) [16]. A verificação do padrão postural é realizada duas vezes ao ano.

 

Quadro 10 - Avaliação Postural de Nova Iorque. Quadro elaborado a partir do artigo original de Santos et al. [15].

 

 

A sistematização na aplicação dos itens de 1 a 10, (Quadro 1) é a estrutura do PASFIC. A proposta é de que esse instrumento seja aplicado duas vezes por ano durante os atendimentos ambulatoriais nos centros de referência em FC.

A aplicação do PASFIC possibilita armazenar dados sobre adesão às terapêuticas propostas, evolução clínica, a gravidade, o estado de colonização ou de infecção do trato respiratório, os aspectos nutricionais e comparação de dados dos pacientes com FC.

 

Discussão

 

Em razão do acometimento multissistêmico e cronicidade característica, a FC é a doença que impõe um dos maiores e mais intensos regimes de tratamento [2,14].

As necessidades de atendimento interdisciplinar levaram os fisioterapeutas e os médicos de um centro universitário de referência no atendimento em FC, a elaborar um protocolo de atendimento e seguimento com o objetivo de viabilizar o atendimento multiprofissional e auxiliar na monitorização e acompanhamento da evolução clínica da doença, de forma individualizada.

O estímulo ao diagnóstico precoce, o acesso a um arsenal terapêutico específico, a humanização do atendimento, a preocupação com a qualidade de vida de pacientes e seus familiares, bem como métodos para incentivar a adesão à terapia medicamentosa e à fisioterapia, transformaram-se nos pilares que contribuíram para modificar a sobrevida media dos fibrocísticos nas últimas três décadas, com uma idade média predita de 27 para 41 anos [17,21].

O curso típico da FC é pontuado por exacerbações pulmonares agudas em que há necessidade de internação e intensificação das terapias. Durante os episódios de exacerbação pulmonar ocorre piora dos sinais e sintomas respiratórios, sendo necessária à hospitalização para tratamento com antibioticoterapia intravenosa, intensificação da fisioterapia respiratória e do suporte nutricional [2,14,22-24]. Os sinais e sintomas associados a estes episódios incluem: inapetência, perda de peso, febre, aumento da frequência e intensidade da tosse, aumento na produção de escarro, alteração na reologia e coloração das secreções do trato respiratório, aumento da frequência respiratória, absenteísmo escolar ou do trabalho. O uso da musculatura acessória durante a respiração, presença de retrações, taquicardia, diminuição da tolerância ao exercício, alteração da ausculta pulmonar, presença de infiltrados na radiografia de tórax, diminuição da saturação de oxigênio e dos valores espirométricos também são observados [24]. Na maioria dos centros, somente a espirometria é utilizada para monitorar a evolução da doença pulmonar nos pacientes com FC. Sendo assim, crianças abaixo de 6 anos não são contempladas.

Para a identificação, quantificação e qualificação dos sinais e sintomas na exacerbação pulmonar aguda, vários escores têm sido utilizados [25]. Dentre os principais escores o Cystic Fibrosis Clinical Score (CFCS) ou escore de Kanga [10] avalia a exacerbação pulmonar aguda, preconizando assim uma intervenção precoce, prediz melhora ou piora da função pulmonar e os efeitos de diferentes terapêuticas, sendo um método barato e de simples aplicabilidade, o que justifica sua aplicação na rotina nos serviços de referência para FC. Sua aplicação sistematizada pode contribuir com o sucesso do manuseio dos regimes de tratamento da doença, uma vez que estimula a adesão e a habilidade da família aos cuidados com o paciente [10].

No manejo do paciente com FC dois fatos são fundamentais: que o atendimento seja realizado em centros de atendimentos interdisciplinares e que haja adesão ao tratamento pelos pacientes. Alguns trabalhos relatam que a adesão ao tratamento multiprofissional pode ser maior quando o paciente mantém um contato regular com o fisioterapeuta [6,26,27]. Pacientes que não realizam acompanhamento fisioterapêutico com frequência devem realizar anualmente uma sessão completa e avaliação detalhada em um centro de referência para tratamento da doença.

O fisioterapeuta é o profissional do centro de referência em FC que, por se encontrar em contato direto com o paciente e com seus familiares, pode aplicar o PASFIC e discutir com a equipe de saúde, o manejo dos pacientes, baseado em sua pontuação e evolução dos escores.

Há de se considerar também que os escores são caracterizados por avaliação qualitativa e quantitativa de sinais e sintomas respiratórios, como tosse e secreção, elementos monitorados rotineiramente pelo fisioterapeuta.

A literatura reforça que o papel do fisioterapeuta não está limitado à depuração das secreções brônquicas, mas também inclui a coleta de secreção, manutenção da função pulmonar e o encorajamento nas terapias de suporte [7,28], conforme apresentado neste protocolo. Além disso, o fisioterapeuta pode desempenhar um importante papel para a transição do cuidado do paciente pediátrico para um programa de assistência na vida adulta, o que pode impactar na aderência ao tratamento neste processo.

A participação da fisioterapia na equipe multiprofissional é um instrumento positivo. Morton et al. [26] relataram que o fibrocístico que mantém contato regular com o fisioterapeuta tem melhor entendimento, adesão e efetividade quanto aos programas de tratamento. Essa expressividade está positivamente associada ao grau de adesão da família [6], embora existam poucas publicações sobre medidas de adesão ao tratamento fisioterapêutico na FC.

Sabe-se que a adesão ao tratamento é mais satisfatória quando os pacientes recebem orientações em grandes centros, mesmo que a continuidade da terapêutica seja realizada em unidades de saúde mais próximas do domicílio [6,26]. A adesão ao tratamento global da FC é uma questão complexa e multifatorial. Investigações indicam que o tratamento medicamentoso tem maior adesão, enquanto o tratamento nutricional e de higiene brônquica são mais críticos. Além disso, há um número de fatores que influenciam a aderência aos regimes terapêuticos, incluindo o conhecimento dos pais e da criança, a compreensão quanto ao tratamento prescrito, o estresse e a estratégia dos pais para gerenciar o tratamento [28-30]. A participação e envolvimento dos familiares é um fator importante na adesão ao tratamento e melhora clínica [6,7,28,32]. A baixa adesão autorrelatada às recomendações fisioterapêuticas associou-se com piores achados radiológicos, maior número de hospitalizações e diminuição da qualidade de vida em pacientes pediátricos com FC [33].

Uma dificuldade no manejo fisioterapêutico é a necessidade do tratamento diário que demanda tempo prolongado e sem resultados imediatos. O conhecimento das condições e habilidades funcionais de cada paciente, de seus hábitos e atividades de vida diária também facilitam a inserção da fisioterapia na rotina do paciente, podendo adaptar melhor o regime terapêutico de acordo com sua rotina. Outra dificuldade é a variabilidade da manifestação clínica entre os pacientes e a preferência dos mesmos por procedimentos independentes e autônomos. Portanto, a melhora da adesão depende da indicação de técnicas que melhor se ajustam à idade, à manifestação da doença pulmonar e à condição socioeconômica do paciente e seus familiares.

O acompanhamento do crescimento e desenvolvimento do paciente, garantindo o treinamento das técnicas de maior independência durante a terapia de desobstrução brônquica domiciliar, também contribui para maior aceitação da terapêutica. Isso fica cada vez mais evidente de acordo com o avanço da idade. O Flutter®, apesar do alto custo, é referido como técnica de escolha por grande parte dos pacientes, pela fácil aplicabilidade e por não requerer ajuda. A literatura aponta este recurso fisioterapêutico como preferido pelos pacientes em relação à fisioterapia convencional [16,24].

Outro motivo para baixa adesão à fisioterapia pode ser atribuído à dificuldade na avaliação do efeito de cada técnica, inviabilizando a comparação entre as muitas utilizadas [34]. Os trabalhos e experiências clínicas apresentam diferenças na aplicação dos procedimentos, na intensidade, frequência e duração do tratamento nas diversas partes do mundo [35]. Essas limitações de método de pesquisa dificultam os estudos sobre os efeitos das técnicas fisioterapêuticas, sendo raras às evidências científicas de nível adequado (1 e 2) [4,7,25,34-38].

A orientação também é importante para adesão ao tratamento. Como não há uma técnica considerada "gold standard" em fisioterapia respiratória na FC, é importante adequar o tratamento à necessidade individual e oferecer ao paciente e a família a oportunidade de escolher a melhor terapia [28,39,40].

O fisioterapeuta é um membro integrante da equipe multidisciplinar e tem a atuação claramente definida na condução e orientação de técnicas das terapias inalatórias em relação à indicação dos aparelhos mais adequados, no treinamento dos pais e pacientes quanto ao uso, manutenção e limpeza destes; na escolha das técnicas mais adequadas e treinamento dos familiares e pacientes; indicação, orientação e monitoramento de atividade física; no ensino, treinamento e atualizações sobre novas técnicas fisioterapêuticas dos pais, pacientes e outros fisioterapeutas envolvidos; em medidas para assegurar e encorajar a adesão ao tratamento dos pacientes e familiares; no auxílio na adaptação e adesão ao uso de ventilação mecânica não invasiva e oxigenioterapia; na intensificação do tratamento nas exacerbações da infecção pulmonar; na manutenção de um adequado alinhamento postural, para prevenir complicações musculoesqueléticas; na colaboração e aplicação de protocolos de avaliações baseados em escores de gravidade e exacerbações; na prevenção e tratamento da incontinência urinária e suporte durante a gravidez e na cooperação com pacientes e familiares para a realização dos ajustes ao tratamento de maneira individualizada e eficiente [14,22,23].

Segundo Button et al. [28] e Prasad et al. [1], há evidências clínicas de que a fisioterapia respiratória ajude a retardar a progressão da doença pulmonar em crianças e adolescentes com FC. Considerando que os sintomas respiratórios, como a função pulmonar prejudicada e as exacerbações respiratórias foram os fatores que mais impactaram na qualidade de vida de adolescentes e adultos com FC, a atuação do fisioterapeuta torna-se essencial junto ao cuidado multidisciplinar envolvido no que diz respeito à visão subjetiva do paciente em relação à doença [41].

O PASFIC inclui a avaliação postural com objetivo de avaliar as repercussões e prevenir as alterações de postura em pacientes com FC. A atuação da fisioterapia nas alterações posturais destes pacientes também tem sido discutida. Alguns estudos têm observado relação entre presença de alteração postural, idade, infecção pulmonar e diminuição da densidade mineral óssea nesse grupo [42-44], assim como a alta prevalência de deformidades torácicas que podem, a longo prazo, prejudicar a função pulmonar [45]. Desta forma, a intervenção fisioterapêutica também é importante para esta abordagem.

O fisioterapeuta contribui com informações e realização de avaliações específicas que agilizam e colaboram com equipe multiprofissional e, na prática, tem subsídios para aplicação de escores clínicos, organização e registro de exames laboratoriais, monitorização da clínica e das atividades funcionais do paciente, procedimento estes que podem ser incorporadas sistematicamente ao atendimento do paciente com FC.

Com o objetivo de definir um padrão na rotina de avaliação, monitoramento e tratamento da FC na Europa, Eitan Kerem et al. [2] publicaram uma proposta de um modelo de centro de referência para o tratamento dessa enfermidade. Segundo estes autores, o estabelecimento de uma equipe de profissionais experientes é essencial para a otimização terapêutica, aumento da sobrevida e melhora na qualidade de vida. Dentre os profissionais, o fisioterapeuta tem papel importante na equipe multidisciplinar, pois é aquele que faz parte da rotina de vida dos pacientes, uma vez que a fisioterapia respiratória deve ser diária. Sendo assim, o instrumento aqui proposto - PASFIC – garante a esses profissionais uma maior segurança na monitorização do quadro, com observação sistematizada da evolução do quadro pulmonar e físico, assessorando no prognóstico da doença. Além disso, as medidas terapêuticas são focadas nas avaliações clínicas frequentes, monitorização das complicações e intervenções precoces por médicos e outros profissionais da saúde, e as informações obtidas no modelo padronizado aqui proposto pode auxiliar nesse sentido.

Considerando uma das definições da palavra protocolo, que contempla a ”padronização de procedimentos que são dispostos para a execução de uma determinada tarefa”, a proposta do PASFIC é expor aos profissionais de centros de referência em FC as atividades inerentes a este profissional no manejo efetivo deste grupo de pacientes.

 

Conclusão

 

Pouco se tem publicado sobre protocolos de atendimento fisioterapêutico no tratamento de fibrocísticos. A aplicação sistematizada de escores de avaliação clínica para pacientes com FC, bem como a avaliação física e o questionamento aos responsáveis com relação ao tratamento multidisciplinar permitem caracterizar a população atendida, ajustar a terapêutica e comparar a eficácia e efetividade do manejo interdisciplinar.

O PASFIC foi desenvolvido em um centro de atendimento a FC com mais de 30 anos de experiência. A aplicação regular do PASFIC, que considera as diferentes manifestações de gravidade da doença, a rotina de fisioterapia respiratória, técnicas e intervenções utilizadas pelo paciente e os quadros de exacerbação pulmonar, pode auxiliar equipes multiprofissionais e uniformizar dados para pesquisa e atendimento de outros centros de tratamento em FC.

 

Eventos

 

Trabalho apresentado em 2006 no Primeiro Congresso Brasileiro Interdisciplinar de FC (São Paulo/Brasil), organizado pelo Grupo Brasileiro de Fibrose Cística, tendo sido agraciado com o Prêmio de Primeiro lugar na Categoria dos trabalhos apresentados na forma de pôsteres comentados e o segundo lugar na categoria Pôster.

 

Agradecimentos

 

Os autores agradecem aos membros da equipe interdisciplinar de atendimento a fibrose cística do ambulatório de pediatria do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas/ São Paulo, Brasil.

 

 

Referências

 

  1. Prasad SA, Main E, Dodd ME. Finding consensus on the physiotherapy management of assymptomatic infants with Cystic Fibrosis. Pediatr Pulmonol 2008;43:236-44.
  2. Kerem E, Conway S, Elborn S, Heijerman H. Standards of care for patients with cystic fibrosis: a European Consensus. J Cyst Fibros 2005;4:7-26.
  3. Smyth AR, Bell SC, Bojcin S, Bryon M, Duff A, Flume P et al. European cystic fibrosis society standards of care: best practice guidelines. J Cyst Fibros 2014; 13:23-42.
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