ARTIGO
ORIGINAL
Risco de
quedas e fatores associados: comparação entre idosos longevos e não-longevos
Risk
of falls and associated factors: comparison between elderly and very elderly
persons
Guilherme
Tavares de Arruda, Ft.*, Áureo Júnior Weschenfelder**, Cyntia Scher Strelow, Ft.***, Michele
Adriane Froelich****, Hedioneia
Maria Foletto Pivetta,
D.Sc.*****, Melissa Medeiros Braz, D.Sc.******
*Mestrando
do Programa de Pós-graduação em Ciências da Reabilitação da Universidade
Federal de Santa Catarina, Araranguá/SC, **Graduando em Fisioterapia,
Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria/RS, ***Universidade Federal de
Santa Maria, Santa Maria/RS, ****Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria/RS,
*****Professora Adjunta do curso de Fisioterapia, Universidade Federal de Santa
Maria, Santa Maria/RS
Recebido em 21 de abril
de 2018; aceito em 7 de fevereiro de 2019.
Endereço
para correspondência:
Guilherme Tavares de Arruda, Rua General Osório, 330, 97060-270 Santa Maria RS,
E-mail: gui_tavares007@hotmail.com; Áureo Júnior Weschenfelder:
aureojw@hotmail.com; Cyntia Scher
Strelow: cyntia_strelow@hotmail.com; Michele Adriane Froelich: michelefroelich@gmail.com; Hedioneia
Maria Foletto Pivetta:
hedioneia@yahoo.com.br; Melissa Medeiros Braz: melissabraz@hotmail.com
Resumo
O objetivo deste estudo
foi comparar o risco de quedas e os fatores associados em idosos longevos e
não-longevos. Trata-se de um estudo do tipo observacional, quantitativo e de
caráter transversal, realizado com 32 idosos, de ambos os sexos, divididos em
dois grupos: não-longevos e longevos. Para avaliar o risco de quedas, foi utilizado
o questionário Fall Risk Score de Downton
e, caso o idoso relatasse alguma queda sofrida nos últimos 12 meses, eram
questionados os fatores extrínsecos e intrínsecos da queda. Para a análise
estatística, utilizaram-se o teste de normalidade de Shapiro-Wilk, teste t de Student e Teste
U de Mann-Whitney; e nível de significância p ≤ 0,05. Ambos os grupos
apresentaram alto risco de quedas, sendo significativos o uso de
antidepressivos (p = 0,043), com predomínio de uso entre os idosos longevos, e
o fator “dificuldade para caminhar” (p = 0,035), mais prevalente entre os
idosos não-longevos. Ressalta-se, assim, a importância do cuidado com essa
população, visando à prevenção de quedas, por meio da identificação do risco de
quedas e de seus fatores associados, pelos profissionais de saúde.
Palavras-chave: idoso, idosos de 80
anos ou mais, acidente por quedas.
Abstract
The
aim of this study was to compare the risk of falls and associated factors in
elderly and very elderly persons. This is an observational, quantitative and
cross-sectional study, carried out with 32 elderly people of both sexes,
divided into two groups: elderly and very elderly people. To evaluate the risk
of falls, the Downton's Fall Risk Score questionnaire was used and, if the aged
reported any fall suffered in the last 12 months, the extrinsic and intrinsic
factors of the fall were questioned. For statistical analysis, the normality
test of Shapiro-Wilk, Student's t-test and Mann-Whitney U-test were used; and
significance level p ≤ 0.05. Both groups had a high risk of falls, with
use of antidepressants (p = 0,043), with predominance of use among very elderly
people, and "walking difficulty" factor (p = 0,035) more prevalent
among the elderlies. Thus, the importance of care with this population is
emphasized, aiming at the prevention of falls, through the identification of
the risk of falls and their associated factors, by health professionals.
Key-words: aged, aged 80
and over, accidental falls.
O envelhecimento é
considerado um fenômeno mundial de caráter acelerado. Atualmente, idosos com 80
anos ou mais (“longevos”) representam apenas 1% da população mundial [1]. No
Brasil, aproximadamente, 1,53% da população era constituída por essa faixa
etária em censo demográfico de 2010, enquanto idosos entre os 60 e 79 anos de
idade (“não-longevos”) representavam cerca de 9,25% da população [2].
Sabe-se que o processo
de envelhecer está relacionado a causas multifatoriais, interligadas aos
hábitos de vida, à genética e à idade do indivíduo. Ocorrem mudanças bio-psicofuncionais e estruturais que predispõem os idosos
a doenças crônico-degenerativas e incapacitantes, que tendem a aumentar em
idosos longevos [3]. Do ponto de vista funcional, a associação dessas mudanças
pode comprometer o equilíbrio postural do idoso e, assim, predispô-lo a quedas,
cujo risco tende a aumentar com o decorrer da idade [4].
Dentre os fatores
intrínsecos associados a quedas em idosos, encontram-se as modificações
fisiológicas decorrentes do envelhecimento, presença de doenças crônicas, polifarmácia, distúrbios da marcha, entre outros. Já os
fatores extrínsecos resultam de condições sociais e ambientais que proporcionam
desafios aos idosos, como superfícies irregulares, pisos escorregadios, pouca/falta
de iluminação do ambiente, tapetes e escadas sem corrimão [5]. Associados à
fragilidade física do idoso, estes fatores intensificam o risco de quedas com
predominância entre os longevos [3].
Na literatura, a
ocorrência de quedas está entre as principais consequências do envelhecimento
[6,7], atingindo cerca de um quarto de idosos acima de 65 anos e afetando até
metade dos idosos longevos [4]. Além disso, as quedas podem gerar consequências
graves ao idoso, elevando gastos médicos devido aos traumas físicos e
psicológicos, tornando-o dependente de instituições para idosos e até
ocasionando a morte [8]. Isso torna as quedas um problema para a saúde pública,
pois influenciam na qualidade de vida e bem-estar desses indivíduos [9].
Também, observa-se uma lacuna na literatura sobre a comparação do risco de
quedas entre idosos longevos e não-longevos e seus fatores associados.
Desta forma, o presente
estudo objetivou comparar o risco de quedas e os fatores associados em idosos
longevos e não-longevos.
Pesquisa do tipo
observacional, quantitativa e de caráter transversal, oriunda de projeto
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa
Maria sob número de parecer 1.029.550.
A coleta de dados foi
realizada com idosos por meio de um questionário que avalia o risco de quedas e
seus fatores associados, intrínsecos e extrínsecos, aplicado somente após o
aceite e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE),
conforme Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.
Foram incluídos idosos
acima de 60 anos de idade, residentes de uma cidade do interior do sul do
Brasil e que aceitaram responder ao questionário. A exclusão deu-se somente aos
questionários incompletos. A amostra foi de 32 indivíduos de ambos os sexos. Os
idosos foram divididos em dois grupos: longevos (n = 16) e não-longevos (n =
16).
Para avaliar o risco de
quedas, foi utilizado o questionário Fall Risk Score de Downton, constituído por 5 itens: quedas anteriores,
medicação utilizada, déficit sensorial, estado mental e modo de andar. Cada
item recebe uma pontuação, variando de zero a onze, dado que pontuações iguais
ou superiores a três indicam que o idoso possui alto risco de quedas [10].
Além do Fall Risk Score, caso o idoso relatasse uma
ou mais quedas sofridas nos últimos 12 meses, eram questionados os fatores
(extrínsecos ou intrínsecos) causadores dessa(s) queda(s) [11]. O instrumento
inclui questões sobre o local da queda, dificuldade para caminhar (utilização
de dispositivos auxiliares para a marcha), falta de iluminação, tapetes soltos,
pisos irregulares ou com buracos, pisos escorregadios ou molhados, degrau alto
ou desnível no solo, banheiro sem apoio/barra, uso de calçados inadequados, bem
como alterações de equilíbrio, fraqueza muscular, tontura/vertigem, desmaio e
uso de medicamentos.
Após a coleta dos
dados, foi realizada a digitação dos mesmos no programa Excel 2013 para
armazenamento. As análises foram realizadas por meio do software SPSS 17.0.
Para as variáveis continuas, foi realizado inicialmente o teste de normalidade
de Shapiro-Wilk. Para as comparações entre os grupos,
foi utilizado teste t de Student para amostras
independentes na comparação de variáveis simétricas e Teste U de Mann-Whitney
para as assimétricas. Foi utilizado o teste qui-quadrado
para as comparações das variáveis categóricas. O nível de significância adotado
foi de 5% em todos os testes.
Como benefícios deste
estudo, os idosos participantes receberam avaliação do risco de quedas e
orientações para evitar quedas. O constrangimento em responder algumas
perguntas do questionário foi o único risco da pesquisa, no qual o idoso era
aconselhado a não responder caso não o quisesse.
Foram avaliados 32
idosos, divididos em G1 (não-longevos; n=16; 69,56 ± 5,47 anos de idade) e G2
(longevos; n=16; 84,06 ± 5,05 anos de idade). Quanto ao sexo, 13 (81,25%) dos
indivíduos de cada um dos grupos eram do sexo feminino.
Os fatores de alto
risco de quedas para os dois grupos estão expressos na tabela I.
Tabela I - Fatores de alto risco de quedas entre os idosos não-longevos (G1) e
longevos (G2).
G1 = idosos
não-longevos; G2 = idosos longevos.
Dentre as medicações
utilizadas (tranquilizantes/sedativos, diuréticos, anti-hipertensivos, drogas antiparkinsonianas e antidepressivos), houve diferença
estatisticamente significativa entre o uso de antidepressivos (p = 0,043), com
predomínio de uso entre os idosos longevos. Em relação ao risco de quedas, não
foi significativa essa variável entre os grupos.
Para os itens acerca
dos fatores causadores das quedas, 11 (68,75%) idosos, de ambos os grupos, que
caíram nos últimos 12 meses responderam ao restante do questionário. Cada
indivíduo poderia responder mais de uma alternativa. Os dados estão
apresentados na Tabela II.
Tabela II - Fatores causadores das quedas entre os grupos.
G1 = idosos
não-longevos; G2 = idosos longevos. *p ≤ 0,001.
Na análise dos dados,
foi significativo o fator “dificuldade para caminhar” (p = 0,035), sendo maior
entre os idosos não-longevos. Para os demais fatores extrínsecos e intrínsecos
da queda, não foram encontradas diferenças significativas. No entanto, merece
atenção o uso de calçados inadequados durante a queda, mais prevalente entre os
idosos não-longevos (62,5%).
A queda é um dos
maiores problemas na vida do idoso e, com o avanço da idade, o risco de quedas
aumenta consideravelmente [4].
No presente estudo, em
ambos os grupos foi alto o risco de quedas, sem diferença entre os grupos,
resultado contrário encontrado por estudo que analisou a prevalência e os
fatores associados às quedas em idosos [12]. O mesmo pode ser observado com a
elevada ocorrência de quedas anteriores nos grupos (G1: 93,75%; G2: 81,25%).
As quedas anteriores e
o alto risco de quedas são consequências do envelhecimento, visto que o
processo de envelhecer leva à perda de equilíbrio e alterações osteomusculares,
essenciais para se evitar a queda [13]. Como forma de prevenção, a prática regular
de atividade física pode contribuir para a melhora do equilíbrio, da força e da
coordenação dos idosos, fatores intrínsecos relacionados à ocorrência de quedas
[14]. As alterações de equilíbrio foram encontradas de forma expressiva nos
dois grupos, sem diferença entre eles.
Além da ocorrência de
quedas anteriores, na literatura, são apontados outros fatores de risco para
quedas em idosos, principalmente o uso de medicação e visão e audição
prejudicadas [13,14].
Em revisão sistemática
[15], que teve como objetivo identificar estudos que examinassem o uso de
medicamento como fator de risco para quedas em idosos brasileiros, os
antidepressivos, os sedativos, os ansiolíticos e os diuréticos foram as
principais classes de medicamentos encontradas associadas à ocorrência de
quedas. Em nosso estudo, foi significativo o uso de antidepressivos (p =
0,043), com predomínio de uso entre os idosos longevos.
A depressão nessa
população é um evento comum, visto que muitos são acometidos por doenças crônicas
e, muitas vezes, enfrentam a solidão e a diminuição do suporte social e
familiar. Tais aspectos psicoemocionais podem ter efeitos negativos sobre a
capacidade funcional do idoso e, assim, torná-lo suscetível a quedas [16].
Ainda sobre os fatores
de risco de quedas, não houve diferença entre os grupos no que diz respeito à
visão e à audição prejudicadas. Entretanto, 87,5% dos idosos não-longevos e
93,75% dos longevos relataram possuir visão prejudicada. Pode-se inferir que,
com o envelhecimento, ocorre redução da acuidade visual, levando o indivíduo a
não perceber obstáculos em seu caminho a tempo de evitar a queda [17]. Nesse
sentido, é importante que os profissionais da saúde ofereçam maior cuidado ao
idoso que possui diminuição da acuidade visual e/ou auditiva, como forma de
prevenção de quedas.
Estudos associam o
déficit auditivo com a ocorrência de quedas [18,19]. Neste estudo, não houve
associação entre quedas e audição prejudicada (p = 0,28). Porém, sabe-se que a
diminuição da acuidade auditiva pode causar vertigens e dificuldade no controle
postural, o que aumenta a ocorrência de quedas [20].
Em relação aos fatores
causadores das quedas, houve significância estatística somente para dificuldade
para caminhar (p = 0,035). Entre os fatores extrínsecos, dificuldade para
caminhar e calçados inadequados foram os mais relatados, principalmente entre
os idosos do grupo G1. Já para os fatores intrínsecos, as alterações de
equilíbrio foram prevalentes em ambos os grupos.
Em relação à dificuldade
para caminhar, ocorrem alterações na marcha de indivíduos idosos, observando-se
redução do comprimento e altura das passadas, o que causaria tropeços e quedas
[14].
Quanto ao uso de
calçados inadequados (chinelos de dedo, calçados de sola lisa, etc.), essa é
uma característica de uso comum dentro do domicílio, devido ao maior conforto e
comodidade, comparado a outros tipos de calçados, como os calçados fechados
(tênis, botas, entre outros). Entretanto, calçados do tipo aberto podem estar
associados à ocorrência de quedas em idosos; ainda mais em degraus ou pisos
escorregadios.
Seu uso pode fazer com
que o indivíduo tropece ou escorregue, em si mesmo, durante a deambulação. Isso
pode ocorrer por súbita falta de equilíbrio, desmaio ou fraqueza muscular;
fatores intrínsecos relacionados à ocorrência de quedas. Recomenda-se, assim,
que os calçados sejam “fixados” no retropé, a fim de
o indivíduo poder deambular e realizar suas atividades de vida diária com maior
segurança e independência.
A partir disso,
observa-se que a queda não tem como causa somente um fator, mas uma combinação
de fatores extrínsecos e intrínsecos. Para diminuir o risco de quedas, a
prática de exercícios físicos e intervenções que visem o autocuidado e a
melhora do equilíbrio do idoso deveriam ser incentivadas pelos profissionais da
saúde, especialmente pelos fisioterapeutas. Assim, a independência e
preservação da funcionalidade é de extrema importância à equipe
interdisciplinar que busca o máximo de qualidade de vida do idoso.
Como limitações,
verificou-se escassez de estudos que comparem o risco de quedas e seus fatores
entre idosos longevos e não-longevos. Além disso, a pequena amostra deste
estudo pode ter sido um elemento de inferência sobre a pesquisa.
No presente estudo,
ambos os grupos apresentaram alto risco de quedas, sendo a ocorrência de quedas
anteriores, o uso de medicação e a visão e a audição prejudicada os fatores de
risco mais prevalentes. Ainda, merece destaque a associação do uso de
antidepressivos entre os grupos, com predomínio entre os idosos longevos.
Sobre os fatores
causadores das quedas, dificuldade para caminhar foi o único fator extrínseco
significativo. Entretanto, o uso de calçados inadequados durante a queda foi
mais relatado entre os idosos não-longevos. Entre os fatores intrínsecos, a
alteração de equilíbrio foi a causa mais citada por ambos os grupos.
É preciso destacar que
as quedas não ocorrem devido a uma única causa, mas pela associação de diversos
fatores, principalmente entre os idosos longevos. Diante disso, ressalta-se a
importância do cuidado com essa população, visando à prevenção de quedas, por
meio da identificação do risco de quedas e de seus fatores causais, pelos
profissionais de saúde. Dessa forma, contribui-se para a melhora da qualidade
de vida desses idosos, tornando-se o envelhecimento mais ativo e saudável.