ARTIGO ORIGINAL
Insuflador-exsuflador
mecânico versus manobra PEEP-ZEEP em pacientes em ventilação mecânica
prolongada
Mechanical
insufflator-exsufflator versus PEEP-ZEEP maneuver in
patients on prolonged mechanical ventilation
Josué
Felipe R. Campos, Ft.*, Marcos David P. Godoy, Ft.**, Leonardo Cordeiro de
Souza, Ft.***, William Maia Coutinho, Ft., M.Sc.****,
Luiz Alberto Forgiarini Junior, Ft.*****
*Fisioterapeuta, Hospital do Icaraí, Rio de Janeiro,
**Coordenador Serviço de Fisioterapia da Unidade de Terapia Intensiva Hospital
e Clínica São Gonçalo, Rio de Janeiro, ***Gestor do Hospital do Icaraí e
Hospital e Clínica São Gonçalo, Rio de Janeiro, ****Hospital Independência, Rio
Grande do Sul, *****Docente do Curso de Fisioterapia e Programa de
Pós-Graduação Saúde e Desenvolvimento Humano, Canoas/RS
Recebido
em 7 de maio de 2018; aceito em 5 de junho de 2019.
Correspondência: Luiz Alberto Forgiarini Junior, Av. Victor Barreto, 2288, 92010-000
Canoas RS, E-mail: forgiarini.luiz@gmail.com; Josué Felipe R. Campos: josuefelipecampos@gmail.com;
Marcos David P Godoy: mdavid.uti@gmail.com; Leonardo Cordeiro de Souza:
leonardo.uti@gmail.com; William Maia Coutinho: coutinho.william89@gmail.com
Resumo
Introdução: A presença da via
aérea artificial, associada com a imobilidade no leito, resulta em um déficit
na desobstrução das vias aéreas em pacientes sob ventilação mecânica (VM). Tal
condição contribui para o desenvolvimento de quadros de hipoxemia e/ou
infecções respiratórias, aumentando o trabalho respiratório e também as falhas
de extubação. Objetivo: Comparar os
efeitos da utilização do insuflador-exsuflador
mecânico e da manobra PEEP-ZEEP em relação à mecânica respiratória em pacientes
ventilados mecanicamente por tempo prolongado. Métodos: Ensaio clínico randomizado cruzado, incluindo pacientes em
ventilação mecânica por mais de 10 dias. Os pacientes foram randomizados para
receber a aplicação do insuflador-exsuflador mecânico
e da manobra PEEP-ZEEP. Foram mensuradas complacência pulmonar, estática e
dinâmica, e resistência pulmonar antes e após a aplicação de cada técnica. Resultados: Foram incluídos 22
pacientes. Na análise intragrupos observa-se aumento significativo na
complacência dinâmica e complacência estática após a aplicação de ambas as
técnicas. A resistência pulmonar variou significativamente apenas após a
aplicação do insuflador-exsuflador mecânico. Não
foram observadas diferenças significativas na análise intergrupos. Conclusão: O insuflador-exsuflador mecânico e a manobra de PEEP-ZEEP demonstraram
ter efeito positivo tanto sobre a complacência estática quanto a dinâmica.
Entretanto, a resistência pulmonar aumentou após a aplicação do insuflador-exsuflador mecânico.
Palavras-chave: respiração
artificial, resistência das vias respiratórias, complacência, fisioterapia,
unidades de terapia intensiva.
Abstract
Introduction:
The presence of the artificial airway associated with immobility in the bed
results in a deficit in the clearance of the airways in patients under
mechanical ventilation (MV). This condition contributes to the development of
hypoxemia and/or respiratory infections, increasing respiratory work and also extubation failures. Objective: To compare the effects of the
use of mechanical insufflation-exsufflation and PEEP-ZEEP maneuver in relation
to respiratory mechanics in patients on prolonged mechanical ventilation. Methods: Randomized cross-over trial,
including patients on mechanical ventilation for more than 10 days. The
patients were randomized to receive the application of mechanical insufflator-exsuflator and PEEP-ZEEP maneuver. Pulmonary compliance,
static and dynamic, and pulmonary resistance were measured before and after the
application of each technique. Results:
22 patients were included. In the intra-group analysis
we observed a significant increase in the dynamic compliance and static
compliance after the application of both techniques. Pulmonary resistance
varied significantly only after application of the mechanical
insufflation-exsufflation. No significant differences were observed in the
inter-group analysis. Conclusion: The
mechanical insufflator-exsuflator and the PEEP-ZEEP
maneuver were shown to have a positive effect on both static and dynamic
complacency. However, pulmonary resistance increased after the application of
the mechanical insufflation-exsufflation.
Key-words: artificial
respiration, airway resistance, compliance, Physical Therapy, intensive care
units.
A
presença da via aérea artificial, associada com a imobilidade no leito, resulta
em um déficit na desobstrução das vias aéreas em pacientes sob ventilação
mecânica (VM). O tubo endotraqueal evita que o fechamento da glote, o que é
essencial para a eficácia do mecanismo de tosse, que protege o trato
respiratório contra possíveis infecções [1-5]. O acúmulo de secreção, comum
nesses pacientes, acarreta em um aumento da resistência das vias aéreas devido
a obstrução parcial ou total das mesmas. Tal condição contribui para o
desenvolvimento de quadros de hipoxemia e/ou infecções respiratórias, aumentando
o trabalho respiratório e também o número de falhas de extubação [6-9]. Neste
contexto, a atuação da Fisioterapia está amplamente inserida no atendimento
multidisciplinar dos pacientes em ventilação mecânica. Além de atuar na higiene
brônquica, o profissional possui papel fundamental na prevenção e/ou tratamento
de atelectasias bem como de demais condições clínicas que afetam a mecânica
respiratória desses pacientes e, consequentemente, a trocas gasosas [10-12].
Durante
as últimas décadas, houve um aumento das publicações envolvendo as técnicas de
fisioterapia respiratória com objetivo de higiene brônquica [13-16]. Entre
elas, destacam-se a manobra de PEEP-ZEEP e os equipamentos de insuflação-exsuflação mecânica, como o Cough
Assist® (CoughAssist E70 Philips
Respironics). Ambas as técnicas são similares em seu
mecanismo de ação, por gerarem aumento do fluxo expiratório, e também são
descritas como alternativas eficientes e seguras no tratamento de pacientes hipersecretivos internados em UTI [13,14,17,18].
Entretanto, há uma carência de estudos que evidenciam a superioridade de uma
técnica ou equipamento quando se trata de higiene brônquica bem como as suas
repercussões na mecânica respiratória [19].
Sendo
assim, o objetivo deste estudo foi comparar os efeitos da utilização do Cough Assist e da manobra
PEEP-ZEEP em relação à mecânica respiratória em pacientes ventilados
mecanicamente por tempo prolongado.
Trata-se
de um ensaio clínico randomizado cruzado, realizado com os pacientes internados
na UTI do Hospital e Clínica São Gonçalo - Rio de Janeiro. Esta pesquisa foi
aprovada pelo comitê de ética e pesquisa do presente local assim como os
responsáveis assinaram o TCLE.
Foram
incluídos pacientes submetidos à ventilação mecânica por um período superior a
10 dias, sem diagnósticos de pneumonia associada à VM, com PEEP < 10 cmH2O,
submetidos a aspiração traqueal 2 horas previamente a aplicação do protocolo e
hemodinamicamente estáveis (pressão arterial média ≥ 60 e ≤ 120
mmHg). Foram excluídos os pacientes que apresentaram contraindicações para o
incremento de pressão positiva, como pneumotórax e hemotórax não drenados,
enfisema subcutâneo, que apresentavam pressão de pico > 40 cmH2O
e pacientes neurocirúrgicos. O protocolo de intervenção consistiu na aplicação
de duas técnicas, o insuflador-exsuflador mecânico e
a manobra de PEEP-ZEEP. Os pacientes foram randomizados através de blocos de
envelopes para a primeira técnica, sendo a segunda aplicada com washout de 6
horas. O Cough Assist foi utilizado no modo automático, sendo a
pressão inspiratória (PI) +30 cmH2O e pressão expiratória (PE) -15
cmH2O, o tempo de ciclo inspiratório foi de 2 segundos, o de ciclo
expiratório foi de 2 segundos e foi ajustada uma pausa 0,5 segundo entre os
ciclos. O fluxo de inspiração médio, cough-trak, estava ativado, a oscilação em ambas as fases
foi de 20 Hz e a amplitude de 10 cmH2O. O equipamento foi utilizado
durante 30 segundos, com suspensão de 30 segundos, até que se completasse 5
minutos. A manobra PEEP-ZEEP foi realizada com PI de 30 cmH2O e
pressão positiva expiratória final (PEEP) de 15 cmH2O durante 30
segundos e com suspensão de 30 segundos, até que se completasse 5 minutos.
Todos
os pacientes estavam em posição supina, com a cabeceira elevada em 30º, com
tubo orotraqueal (TOT) de diâmetro interno 8,5 mm, em ventilação mecânica no
modo pressão controlada (PCV), em sedoanalgesia com midazolan (10 ml/h) e citrato de fentanila
(10 ml/h) e com escala de Richmond Agitation-Sedation Scale
(RASS) com valor - 5. Para o início do estudo determinou-se o tempo zero, no
qual todos os pacientes foram submetidos à aspiração endotraqueal através do
sistema fechado, sonda número 12, a qual foi realizada de acordo com as
diretrizes da American Association for Respiratory Care (AARC) [20]. Ao final de cada intervenção, todos
os pacientes foram submetidos, novamente, a aspiração endotraqueal. A
complacência dinâmica, complacência estática e a resistência pulmonar foram
mensuradas antes e após cada técnica, com o ventilador mecânico (Servo, Marquet, Suécia) configurado no modo volume controlado
(VCV), com frequência respiratória de 15 rpm, PEEP de 5 cmH2O, fluxo
de ar de 0,5 l/s, volume corrente de 6 ml/kg peso corporal predito.
Todos
os dados contínuos foram descritos por média e desvio padrão ou mediana, e os
categóricos, por frequência absoluta e porcentual. A normalidade foi aferida
por meio do teste de Shapiro-Wilk. Para a comparação
dos grupos foi realizado o teste t de Student para
medidas pareadas; a comparação intergrupos foi realizada através do teste t de Student para medidas independentes; quando os dados
apresentaram distribuição não-paramétrica foi utilizado o teste de Mann-Whitney.
Todos os dados foram armazenados e analisados no software Statistical Package for the
Social Sciences (SPSS), para Windows, versão
20.0, sendo adotado um nível de significância de alfa de 0,05.
Durante
o período estabelecido, 22 pacientes foram submetidos ao estudo. Houve uma
prevalência do gênero masculino (59%) e a média de idade foi de 67,3 ± 15,5
anos. O tempo médio em ventilação mecânica foi de 15,14 ± 2,36 dias. As demais
características demográficas estão descritas na Tabela I. Na comparação
intragrupos, observamos alterações significativas na complacência dinâmica
(insuflador-exsuflador mecânico com p < 0,001 e
manobra de PEEP-ZEEP com p < 0,005) e o mesmo foi observado em relação à
complacência estática (p < 0,001 em ambas as técnicas) (Tabela II). A
resistência pulmonar variou significativamente apenas após a aplicação do
insuflador-exsuflador mecânico (p < 0,005). Não
foram observadas alterações significativas na comparação intergrupos (Tabela
II).
Tabela I – Características demográficas.
IRpA
= insuficiência respiratória aguda; PNM = pneumonia; DPOC = Doença pulmonar
obstrutiva crônica; AVE = Acidente Vascular Encefálico; SGB = síndrome de
Guillain-Barré; AW-ICU = intensive care unit acquired
weakness; EAP = edema agudo de Pulmão; ICC = insuficiência
cardíaca congestiva; IAM = infarto agudo do miocárdio.
Tabela II – Análise da complacência dinâmica, complacência estática e resistência pulmonare intra e intergrupos.
Cdin
= complacência dinâmica pulmonar; Cest = complacência
estática pulmonar; Rsr = resistência pulmonar; aValores expressos em mediana (intervalo interquantil); bValores
expressos em média ± DP
Técnicas
de higiene brônquica são de vital importância no manejo de pacientes críticos
sob ventilação mecânica [13,19,21-24]. Atualmente existe uma gama de recursos
para esta finalidade, já bem difundida e utilizada entre os profissionais de
fisioterapia. Apesar da pouca evidência sobre os seus efeitos na mecânica
respiratória, os benefícios clínicos destas técnicas são inquestionáveis, não
só entre os fisioterapeutas, mas também entre os demais profissionais que atuam
dentro dos centros de tratamento intensivo [16,25].
O
principal achado deste estudo foi que não há alterações significativas na
mecânica respiratória ao compararmos o insuflador-exsuflador
mecânico com a manobra de PEEP-ZEEP. Ambas as técnicas apresentaram efeito
positivo tanto sobre a complacência estática quanto sobre a complacência
dinâmica. Em relação à manobra de PEEP-ZEEP, tal achado vai ao encontro dos
resultados encontrados por dos Santos et
al. [17], em seu estudo, que observaram aumento significativo da
complacência pulmonar em pacientes ventilados mecanicamente após a realização
desta técnica. Entretanto, em nosso estudo as mensurações foram realizadas com
os pacientes sendo ventilados no modo volume controlado. Nesse modo, o impacto
sobre a mecânica respiratória pode ser mais vigoroso, uma vez que o volume
corrente configurado será oferecido ao paciente, independente da pressão gerada
nas vias aéreas. Outro ponto em que nosso estudo se difere foi a realização de
aspiração com sistema fechado, no qual não se perde a pressão positiva no
momento do procedimento, uma vez que não há desconexão da traqueia do
ventilador [26].
O
insuflador-exsuflador mecânico, por sua vez, devido
ao seu sistema mandatório por pressão positiva, seguido de súbita negativação
da pressão no interior das vias aéreas, já está bem estabelecido na literatura
como uma alternativa segura e eficaz na remoção de pacientes hipersecretivos, porém sem alterar a mecânica ventilarória de forma positiva [14,18,27]. Em nosso estudo,
em contrapartida, focamos em avaliar os efeitos deste equipamento na
complacência e resistência pulmonar. O aumento da complacência pulmonar,
observada em nosso estudo, já foi relacionado à redução de microatelectasias
em estudos anteriores, principalmente como consequência da fase de exsuflação deste aparelho [28,29]. Tal efeito demonstrou
ter efeito positivo, como o aumento da capacidade vital em pacientes com
doenças neuromusculares e restrição severa de volume pulmonar [30].
Este
estudo apresenta como ponto positivo a análise da mecânica respiratória, o que
pode contribuir para escolha e ainda avaliação da técnica a ser utilizada a
beira-leito. Como limitações do presente estudo, a não avaliação da
hemodinâmica e volume de secreção aspirado que poderiam aprimorar os desfechos
analisados.
Concluímos
que tanto o CA quanto a técnica de PEEP-ZEEP possuem efeitos benéficos em
relação ao aprimoramento da complacência estática e dinâmica, em contrapartida
o CA aumentou a resistência pulmonar.