ARTIGO
ORIGINAL
Estudo
comparativo da influência da lombalgia nas atividades de vida diária entre
primigestas e multíparas
Comparative study lumbago influence in everyday activities between primigravidae and multiparous
Danielly Herculano
dos Santos, Ft.*, Carolina Maria Pires Cunha, M.Sc.**, Renata Ferreira Lobo***, Maria do Amparo
Andrade****, Eduardo José Nepomuceno*****, Juliana Netto Maia*****
*UNINASSAU,
**Mestre em Saúde Materno Infantil, ***Pós-graduada em Fisioterapia Uroginecológica, ****Professora Associada da Universidade
Federal de Pernambuco,*****Professor Adjunto da Universidade Federal de Pernambuco
Recebido em 12 de
janeiro de 2017; aceito em 9 de janeiro de 2018.
Endereço
de correspondência: Carolina Maria Pires
Cunha, Rua Agricolândia, 171/801, Várzea, Recife PE, E-mail:
cunhacarolina81@gmail.com; Danielly Herculano dos Santos:
danyherculano@hotmail.com; Renata Ferreira Lobo:
renataferreiralobo@yahoo.com.br; Maria do Amparo Andrade:
mamparoandrade@yahoo.com; Eduardo José Nepomuceno:
eduardo3montenegro@gmail.com; Juliana Netto Maia -juliananettomaia@yahoo.com.br
Resumo
Introdução: A lombalgia é um
sintoma frequente durante a gestação. As dores aumentam principalmente se a
mulher já apresentava queixas mesmo antes de engravidar. Além disso, esse
sintoma pode perdurar depois da gestação interferindo em suas atividades diárias
e consequentemente em sua qualidade de vida. Objetivo: Avaliar a classificação do nível de incapacidade da
lombalgia em gestantes primigestas e multíparas. Métodos: Trata-se de um estudo
descritivo de corte transversal. Participaram 50 gestantes no terceiro
trimestre de gestação, na faixa etária de 18 a 30 anos, com queixas de dor
lombar. As voluntárias responderam ao Questionário de Oswestry
de Desabilidade de Dor Lombar. Para a análise estatística foi utilizado o
Programa estatístico Epi Info versão 7.1. Resultados: A prevalência de lombalgia
gestacional foi de 82%, sendo a frequência maior nas multíparas (96%) quando
comparadas as primíparas (68%). Em relação à incapacidade provocada pela dor,
as primíparas apresentaram uma incapacidade intensa (82,4%) para a realização
das atividades de vida diária e dentre as multíparas apresentavam dor ao ponto
da incapacidade ser considerada aleijada (45,8%). Conclusão: O grau de incapacidade chegou a ser intenso nas
primíparas, e nas multíparas o desconforto provocou na maioria limitações para
a realização das atividades de vida diária.
Palavras-chave: gestantes, dor
lombar, lombalgia, paridade.
Abstract
Background: Low back pain is a common symptom during pregnancy. The pains mainly
increase if the woman already had the same complaints before becoming pregnant.
Additionally, this symptom may persist after pregnancy interfering with daily
activities and therefore in their quality of life. Objective: To evaluate the classification of disability level of
low back pain in pregnant and multigravidae. Methods: This is a descriptive
cross-sectional study. Fifty pregnant women in the third trimester of
pregnancy, aged 18-30 years, with low back pain complaints participated. The
volunteers answered the Oswestry Questionnaire
disability in low back pain. Statistical analysis was performed using the
statistical program Epi Info version 7.1. Results:
The prevalence of gestational low back pain was 82%, the more frequently in
multiparous (96%) when compared to primiparous (68%).
In relation to disability caused by pain, primiparous
showed an intense disability (82.4%) for performing daily life activities and
among multiparous had pain to the point of failure be considered crippled
(45.8%). Conclusion: The degree of
disability became intense in primiparous and in the
multiparous discomfort caused most limitations to perform activities of daily
living.
Key-words: pregnant
women, low back pain, parity.
A estabilidade da
gestante, comprometida pela sobrecarga nos músculos e ligamentos da coluna
vertebral, pode provocar indisposições e desconfortos musculoesqueléticos, com
prejuízo da sensação de bem-estar físico [1]. Devido a isso, essa população
geralmente relata dificuldade para a realização das atividades de vida diária e
diminuição da capacidade de resistência durante a marcha e nas posturas sentada
e de pé [2]. Nesse contexto, a lombalgia, considerada distúrbio comum na
população em geral, é também sintoma frequente durante a gestação [1].
A lombalgia caracteriza-se
como um desconforto axial ou parassagital na região
lombar inferior, basicamente é musculoesquelética e
pode ocorrer devido a uma combinação de fatores mecânicos, circulatórios,
hormonais e psicossociais [3]. Em relação a sua classificação clínica, a
lombalgia é baseada em três condições distintas: dor lombar, dor pélvica
posterior ou combinação de ambas [4]. Sua sintomatologia se caracteriza por dor
à palpação da musculatura paravertebral, diminuição
da amplitude de movimento da coluna lombar, interferindo pouco na marcha e na
postura [5].
Estima-se que cerca
de 50% das gestantes queixam-se de algum tipo de dor lombar em algum momento da
gravidez ou durante o puerpério [6]. A sua etiologia específica ainda não é bem
definida. Do ponto de vista biomecânico, ocorre deslocamento do centro de
gravidade para frente, devido ao aumento do abdome e das mamas, o que leva a
alterações de postura, que geram acentuação na lordose lombar e consequente
tensão da musculatura paravertebral [3,4,7]. Ainda podem ser observados
como fatores a retenção hídrica determinada pelo estímulo da progesterona e
frouxidão ligamentar por secreção de relaxina pelo
corpo lúteo, o que torna as articulações da coluna lombar e do quadril menos
estáveis e, portanto, mais susceptíveis ao estresse e à dor [8].
O risco das gestantes
apresentarem dores nas costas é 14 vezes maior que o de mulheres não grávidas,
muitas delas apresentam prejuízo ou limitação em atividades domésticas e
profissionais [9,10]. Além de influenciar de modo negativo a qualidade do sono,
a disposição física, o desempenho no trabalho, a vida social, as atividades
domésticas e o lazer [7]. De acordo com Santos e Gallo
[5] e Santos et al. [11] os principais fatores
associados à lombalgia podem estar associados a dor prévia à gestação e primiparidade. Mais de um terço das mulheres grávidas se
referem à lombalgia como um problema grave, que impedem suas atividades e a
capacidade de trabalhar [12].
Calguneri et al. [13] mostraram um aumento na extensão da articulação, e por
isso um maior grau de flexibilidade e uma maior frouxidão dos ligamentos, em
uma segunda gravidez comparada a uma primeira. Por estarem intimamente ligadas,
as frouxidões com instabilidade, talvez possa existir alguma correlação em queixas
álgicas de acordo com o número de gestações apresentada pela grávida.
Apesar de ser um
sintoma bastante comum durante a gestação, apresentando alta prevalência e ser
tema de estudo em diversos países, observa-se que esse problema tem sido negligenciado,
considerada por muitos profissionais da área da saúde como um desconforto comum
na gestação, que não necessita de medidas de prevenção ou de alívio. Dessa
forma, é necessária a desconstrução desse pensamento entre os profissionais de
saúde que lidam com a gestante, pois se acredita que a equipe
multiprofissional, atuando conjuntamente, poderá trazer resultados eficientes
no tratamento desse sintoma [14,15].
Diante da importância
clínica da lombalgia na gestação por suas repercussões na qualidade de vida das
gestantes e a escassez de estudos que demonstrem a influência da dor lombar em
multíparas em relação às primigestas, o objetivo deste estudo é avaliar,
através de uma aplicação de um questionário, a classificação do nível de
incapacidade da lombalgia em gestantes primigestas e multíparas.
O presente estudo
classifica-se como observacional descritivo de corte transversal. Foi aprovado
pelo Comitê de Ética do Hospital Agamenon Magalhães, sob o parecer substanciado
número 487. As participantes foram esclarecidas sobre a realização da pesquisa,
e as que concordaram em participar assinaram um Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, no qual afirmaram estar cientes dos
objetivos e justificativa da pesquisa, possíveis riscos e benefícios esperados,
assegurando-lhes a inteira liberdade de participação ou não do estudo, conforme
resolução 196/96 CNS.
Participaram 50
gestantes no terceiro trimestre de gestação, na faixa etária de 18 a 30 anos,
selecionadas por conveniência. A triagem das voluntárias foi realizada no setor
de pré-natal do Hospital Agamenon Magalhães, Recife (PE). Foram excluídas as
gestantes classificadas como de alto risco [16].
Na primeira etapa da
pesquisa aplicou-se um questionário no qual foram abordados os dados pessoais,
altura, peso, índice de massa corpórea, história gestacional da mulher,
história de dor lombar antes da gestação. Em seguida era investigada a presença
de dor lombar na gestação atual, assim seguiam as seguintes perguntas:
trimestre gestacional no qual iniciou a dor lombar, comportamento da
intensidade da dor, em casos de multípara se sentiu dor lombar em gestações
anteriores. Além disso, foi realizada a mensuração da altura do fundo uterino,
através da borda superior da sínfise púbica ao topo do fundo uterino, com a
paciente em decúbito dorsal, através de uma fita métrica da marca Sanny.
Em seguida foi
aplicado o Questionário de Oswestry de Desabilidade
de Dor Lombar. Trata-se de uma ferramenta utilizada efetivamente para
investigar a presença de lombalgia, bem como a interferência desta sobre as
atividades diárias. Foi validado para a língua portuguesa, no Brasil, em
pacientes com dor lombar [17]. É composto por dez sessões de perguntas com seis
alternativas cada. Para cada alternativa, existe um escore correspondente que
varia de 0 a 5 pontos, de acordo com a intensidade e gravidade da dor e
comprometimento da coluna lombar. Inicialmente, foram somados os pontos de
todas as sessões (10 sessões; cada sessão vale no máximo 5;
escore máximo 50 que representa 100%). Posteriormente, com a soma de todos os
pontos de cada questionário foi feita a porcentagem dessa soma. Quanto maior a
porcentagem obtida, pior é o estado de saúde da coluna da gestante. Outro
indicador importante obtido com esse questionário é a possibilidade de
identificar com confiança de até 90% o estado clínico da coluna lombar. Para
que seja considerado que existe uma mudança detectável mínima, são necessários
15 pontos [18].
Os tópicos abordados são:
intensidade da dor, cuidados pessoais, levantar pesos, andar, sentar, ficar de
pé, dormir, vida sexual, vida social e viagens. A interpretação da pontuação é
realizada da seguinte forma: 0 a 20% - incapacidade mínima - o grupo pode
realizar a maioria das atividades diárias, geralmente nenhum tratamento
indicado, exceto orientações posturais para levantar pesos, prática de
atividades físicas e dieta, nesse grupo algumas pacientes tem dificuldades
particulares como sentar-se isto é importante se suas ocupações são
sedentárias; 20% a 40% - incapacidade moderada - este grupo experimenta mais
dor e problemas como sentar-se, levantar pesos e ficar de pé. Viagens e a vida
social são mais difíceis e elas beneficiam-se de afastamento do trabalho.
Cuidados pessoais, atividade sexual e sono são grossamente afetados e as
condições da coluna podem geralmente ser controladas pelo tratamento
conservador; 40% a 60 - incapacidade intensa - neste grupo a dor é o principal
problema, mas viagens, cuidados pessoais, vida social, atividade sexual e o
sono estão também afetados, essas pacientes requerem investigação detalhada;
60% a 80% - aleijado - este grupo a dor afeta todos os aspectos da vida dessas
pacientes, tanto no trabalho em casa e uma intervenção positiva é necessária;
80% a 100% - acamados - nesse grupo as pacientes estão acamadas ou exagerando
em seus sintomas, isto pode ser avaliado por cuidadosas observações da paciente
durante a avaliação.
Para a análise
estatística, foi utilizado o Programa estatístico Epi
Info versão 7.1. Para obtenção das médias e desvios-padrão, foi utilizado o
programa Excel do Windows, versão 2007. A verificação da normalidade foi
avaliada através do Teste Kolmogorov-Smirnov, a
análise de valores absolutos utilizou o Teste T Student,
e a análise de proporções, o Teste Binominal: duas proporções, considerando
como nível de significância 95%.
Participaram deste
estudo 50 gestantes, sendo 25 primíparas e 25 multíparas, que se encontravam no
terceiro trimestre de gestação. Os grupos estudados foram homogêneos em relação
às características biológicas, sendo a média de idade no grupo das primíparas
de 22,88 anos e nas multíparas 27,32 (tabela I). No grupo das multíparas, 48%
(n = 12) estavam na segunda gestação, 28% (n = 7) apresentavam-se na terceira
gestação e 24% (n = 6) relataram estar na quarta gestação.
Tabela
I - Características biológicas da amostra:
medida da idade, altura, índice de massa corporal (IMC).
No presente estudo, a
prevalência de lombalgia gestacional foi de 82%, sendo a frequência maior nas
multíparas (96%) quando comparadas as primíparas (68%). A tabela II demonstra o
comportamento da dor em relação às queixas de lombalgia. A partir desses dados
percebe-se que a maior parte das multíparas apresentava dor antes da gestação
(48%), em relação à intensidade da dor 32% das participantes multíparas
relataram o aumento do quadro álgico com a gestação. O surgimento do quadro
álgico foi relatado pela maior parte das gestantes no segundo trimestre.
Tabela
II -
Característica da dor lombar em relação a
queixas anteriores à gestação, intensidade da dor, trimestre de aparecimento,
queixas em gestações anteriores, demonstrados em n e %.
Em relação às
gestantes que relataram lombalgia, foi aplicado o Questionário de Oswestry de Desabilidade de Dor Lombar. Observou-se que no
grupo das primíparas, a maior parte apresentou uma incapacidade intensa (82,4%)
para a realização das atividades de vida diária e dentre as multíparas
apresentavam dor ao ponto da incapacidade ser considerada aleijada (45,8%).
Tabela
III
- Questionário de Oswestry
de Desabilidade de Dor Lombar.
Este estudo aponta
uma prevalência de 82% de dor lombar entre todas as gestantes avaliadas,
apresentando as multíparas o maior percentual (96%) bem como uma limitação mais
importante.
Estudos recentes
[7,14], um avaliando 97 gestantes descreve uma frequência de 68% de queixa de
dor lombar, e outro avaliando 269 aponta que 73% da sua amostra apresentava a
mesma queixa. Acreditamos que esta diferença entre os valores encontrados pode
estar na seleção da amostra, uma vez que estes autores entrevistaram mulheres
em todos os trimestres gestacionais, em quanto no nosso estudo apenas mulheres
no terceiro trimestre de gestação foram incluídas. Porém ainda assim
identificamos que a dor lombar é uma queixa bastante comum durante a gestação.
Pode-se identificar
que as multíparas apresentam mais desconforto e maior agravamento da dor lombar
durante o desenvolvimento da gestação. Acreditamos que este achado possa estar
relacionado ao fato da multípara apresentar um maior grau de flexibilidade e
uma maior frouxidão dos ligamentos, em uma segunda gravidez, quando comparada à
primeira, resultando em maior instabilidade com consequente exacerbação do
quadro [13].
Os dados desta
pesquisa sugerem que o segundo trimestre seja o momento gestacional mais comum
de aparecimento da dor lombar, tanto para as primíparas quanto para as
multíparas. Dados que corroboram os estudos anteriores [7,14]. Neste período
acontece na coluna vertebral uma maior sobrecarga muscular e ligamentar,
decorrente do aumento uterino, bem como uma maior secreção hormonal, que produz
um relaxamento das estruturas de suporte [14] o que pode justificar este
achado.
Nesta linha de
raciocínio conseguimos entender que a dor tende a piorar ao chegar ao terceiro
trimestre. Dado identificado nesta pesquisa, o que pode alavancar a propriedade
biomecânica na etiopatologia da dor lombar [7]. Este
aumento da intensidade da dor foi descrito principalmente entre as multíparas.
Dessa forma, acredita-se que a quantidade de gestações prévias pode ter
influenciado a exacerbação da dor na região lombar. Corroborando o presente
estudo, Ostgarrd [19] e Bouhassoun
et al. [20] encontraram em suas pesquisas
que o número de gestações constitui fator de risco para o aparecimento da
lombalgia gestacional. Essa correlação pode existir pelo fato em que há um
aumento na frouxidão dos ligamentos e articulações das multíparas comparadas a primigestas [13], como já mencionado.
A literatura
demonstra que gestantes com dores na região lombar prévia à gestação, bem como
àquelas que experimentaram esse desconforto em gestações anteriores, apresentam
maior risco de apresentar esses sintomas durante a gestação atual, sendo também
frequentemente mais intensa que entre as gestantes que não relatam esse
fenômeno [4,14,19]. A partir deste estudo também
podemos observar uma alta frequência de relatos de dores prévias à gestação e
dores na gestação anterior. Entre as primíparas 44% e entre as multíparas, 48 %
sentiam dor antes da gestação.
Diante das
informações obtidas a partir da aplicação do Teste de desabilidade de dor lombar
de Oswestry, podemos perceber que a maioria das
primíparas 82,4% (n = 14) apresentou incapacidade intensa, e entre as
multíparas 45,8% % (n = 11) do grupo classificaram pelo questionário como
aleijadas. Por este teste a incapacidade intensa significa que “a dor é o
principal problema nesse grupo de pacientes, porém viagens, cuidados pessoais,
vida social, atividade sexual e o sono também estão afetados, assim estes
pacientes requerem investigação detalhada”. Já a multíparas significa que a dor
afeta todos os aspectos da vida desta gestante.
Um estudo qualitativo
demonstra a fala das mulheres sobre as sensações e limitações que a dor lombar
e a dor pélvica trazem durante a gestação. Os relatos destas mulheres
corroboram nossos achados que apontam que as gestantes queixam-se de
dificuldade para dormir, sair da cama, sentar-se por períodos prolongados, o
que interfere na atividade laboral, extrema dificuldade de deambulação, e
algumas citam a necessidade do uso de muletas. Somando-se a isto, a dor é tamanha
a ponto de interferir em seu humor e vida social [21].
A partir dos dados
deste estudo podemos perceber que a dor lombar é frequente durante a gestação.
Multíparas parecem sofrer mais com este desconforto tanto na prevalência como
na intensidade e limitação ocasionada pela dor quando comparadas às primíparas.
A dor lombar é
bastante limitante, como pode ser identificado neste estudo. Portanto, os
profissionais de saúde devem dispensar mais cuidados e formas de tratamento
para estas mulheres, e não apenas encarar o fato como sintoma comum da
gestação.