REVISÃO
Função
pulmonar dos pacientes com artrite reumatoide
Pulmonary function of patients with rheumatoid arthritis
Walkiria Shimoya-Bittencourt, D.Sc.*,
Elias Nasrala Neto, D.Sc.**,
Mara Lilian Soares Nasrala***, Aline de Oliveira
Sampaio****, Miriani Falcão Antunes de Moura****,
Viviane Martins Santos, D.Sc.*****
*Docente
do Curso de Fisioterapia e Coordenadora do Mestrado em Ambiente e Saúde da
Universidade de Cuiabá (UNIC), **Docente do Curso de Fisioterapia e Medicina do
Centro Universitário de Várzea Grande (UNIVAG), ***Doutoranda em Ciências da
Saúde, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), ****Docente do Curso de
Fisioterapia da Universidade de Cuiabá (UNIC), *****Docente do Curso de
Fisioterapia da Universidade de Cuiabá (UNIC)
Recebido em 14 de abril
de 2017; aceito em 08 de fevereiro de 2018.
Endereço
para correspondência:
Viviane Martins Santos, Rua Manoel José de Arruda, 3100, 78065-900 Cuiabá MT,
E-mail: martinssantos.viviane@gmail.com; Walkiria Shimoya-Bittencourt:
wshimoya@yahoo.com.br; Elias Nasrala Neto:
enasrala@yahoo.com.br; Mara Lilian Soares Nasrala:
maranasrala@gmail.com; Aline do Oliveira Sampaio: alineos14@hotmail.com; Miriani Falcão Antunes de Moura: miriani_moura@hotmail.com
Resumo
A artrite reumatoide
(AR) é uma doença inflamatória crônica e multissistêmica
de etiologia desconhecida e multifatorial. O processo inflamatório ocasionado pela AR pode causar manifestações extra-articulares
e pode haver comprometimento pulmonar, com impactos significativos na morbidade
e mortalidade. Deste modo, foi realizado um estudo de revisão com o objetivo de
verificar se pacientes com AR apresentam déficit na capacidade e volume
pulmonar, com busca nas seguintes bases de dados: Cinahl,
Lilacs, Pedro e Pubmed,
como também as bibliotecas online Scielo e Cochrane.
Foram incluídos estudos realizados em população adulta maiores de 18 anos de
ambos os sexos com diagnóstico clínico de AR. A busca forneceu inicialmente 967
artigos, dos quais 30 foram selecionados para a leitura completa, destes apenas
sete foram incluídos. Realizou-se a extração dos dados e a avaliação da
qualidade do estudo através da escala de Newcastle e Otawa.
As alterações encontradas nos artigos são: distúrbios restritivos, obstrutivos
e mistos, redução da capacidade de difusão de CO e aumento da relação volume
residual/capacidade pulmonar total. Pacientes com AR possuem alteração na
função pulmonar, principalmente das pequenas vias aéreas, não sendo possível
compreender os mecanismos que desencadeiam essas modificações. Devido à escassez
de estudos relacionados ao tema, tornam-se necessárias novas pesquisas.
Palavras-chave: artrite reumatoide,
testes de função pulmonar, espirometria.
Abstract
Rheumatoid arthritis (RA) is a chronic inflammatory disease of unknown
multisystem and multifactorial etiology. The inflammation caused by RA can
cause extra articular manifestations and there may be pulmonary involvement,
with significant impact on morbidity and mortality. Thus, we performed a
systematic review in order to determine whether patients with RA have deficits
in capacity and lung volume, with search in the following databases: Cinahl, Lilacs, Pedro and Pubmed,
as well as online libraries Scielo and Cochrane.
Studies conducted in adults over 18 years of both sexes with clinical diagnosis
of RA were included. The search initially provided 967 articles, of which 30
were selected for full reading and only seven were included. We performed data
extraction and quality assessment study by Newcastle and Otawa
scale. The changes found in the articles are restrictive, obstructive and mixed
disorders, reduced CO diffusing capacity, and residual volume/total lung
capacity. RA patients have changes in lung function, especially of the small
airways, and it is unclear the mechanisms that trigger these changes. Due to
lack of studies related to the subject become necessary further research.
Key-words: rheumatoid
arthritis, respiratory function tests, spirometry.
A artrite reumatoide
(AR) é uma doença inflamatória crônica e multissistêmica
de etiologia desconhecida e multifatorial. Acomete de 1% a 3% da população em
geral e afeta três vezes mais as mulheres por volta dos 35 e 50 anos de idade
[1,2].
Embora se desconheça
o evento causador do processo inflamatório da AR,
acredita-se que há uma resposta imunológica, envolvendo a ativação de células T
dependente de antígeno, que resulta em proliferação de células T e B. Estas
causam múltiplos efeitos, incluindo a estimulação de vasos sanguíneos na
membrana sinovial, acúmulo de células inflamatórias e desenvolvimento de pannus invasivo que ativa os condrócitos
e libera enzimas proteolíticas que degradam a cartilagem e o osso resultando em
erosões e destruição da articulação [3,4].
O processo
inflamatório ocasionado pela AR pode causar
manifestações extra-articulares, em que pode haver
comprometimento pulmonar, cardíaco, vascular, entre outros. Sessenta e nove por
cento (69%) dos pacientes são sintomáticos e 20% assintomáticos. As
manifestações ocorrem igualmente em homens e mulheres e podem aparecer em
qualquer idade [2,5].
Além disso, na AR o pulmão pode ser afetado de forma estrutural ou
funcional, sendo as principais manifestações a serem observadas: infiltrados
pulmonares intersticiais, nódulos pulmonares únicos ou múltiplos, distúrbios
das vias aéreas centrais e periféricas, comprometimento pleural, toxidade
pulmonar por drogas. Os infiltrados pulmonares tem uma grande prevalência, pois
há uma maior chance de progressão para fibrose pulmonar terminal com
insuficiência respiratória [2,5].
O comprometimento pulmonar
na AR tem resultados significantes na morbidade e
mortalidade, sendo o envolvimento respiratório a segunda causa de mortalidade.
Estudos apontam que 50% dos pacientes apresentam algum tipo de manifestações extra-articulares que levam ao déficit na capacidade
pulmonar e em sua expansibilidade, além de ter alterações, como a fraqueza dos
músculos respiratórios. A doença pulmonar intersticial é a manifestação extra-articular que ocorre em pacientes com AR, levando ao
aumento do índice de morbidade e mortalidade precoce, seguida da doença
pulmonar obstrutiva crônica, que é a mais frequente em tabagista. Infiltrados
pulmonares podem ser a primeira manifestação da doença em até 20% dos casos,
incluindo também as alterações devido aos principais medicamentos administrados
[5-7].
A função respiratória
está relacionada com a capacidade que o pulmão tem de se expandir, aumentando
seus volumes. Isso acontece para que o ar possa entrar e chegar aos alvéolos
levando oxigênio (O2) para nutrir todos os órgãos e eliminar gás
carbônico (CO2). Além disso, o pulmão metaboliza compostos,
filtra substâncias indesejáveis e pode ser um reservatório para o sangue. Para
que essa função seja eficiente, o mesmo tem que ter uma boa relação entre a
força inspiratória e sua expansão, e quando distendido ter uma boa retração
elástica no momento da expiração, agindo juntamente com a cadeia de músculos
responsáveis pela ação respiratória [5,8].
Alguns estudos
relatam que há uma grande prevalência de morte de pacientes com AR pelas
complicações pulmonares [5,6]. Esse fato suscita os questionamentos se
pacientes diagnosticados com AR podem apresentar complicações pulmonares, e se
essas complicações estão diretamente relacionadas com a doença. Dessa forma,
torna-se importante a busca de evidências na literatura que comprovem e
identifiquem os impactos que a doença causa na qualidade de vida dessas pessoas
e as manifestações extra-articulares pulmonares mais
frequentes.
Tendo em vista as
dificuldades encontradas, uma vez que há poucos artigos que evidenciam as
alterações pulmonares na AR, o objetivo deste estudo
foi verificar se pacientes com AR apresentam déficit nas capacidades e volumes
pulmonares devido a patologia de base.
Definição
da questão da pesquisa
Foi realizado um
estudo de revisão sistemática no período de dezembro de 2014 a outubro de 2017.
Foram incluídos estudos realizados em população adulta maiores de dezoito anos
de ambos os sexos com diagnóstico clínico de AR que avaliaram a função pulmonar
através de testes de capacidade pulmonar. Foram avaliados estudos
observacionais e excluídos estudos experimentais e estudos em que os pacientes
tinham doença pulmonar de base.
Estratégia
de busca
A pesquisa foi
realizada nas seguintes bases de dados: Cinahl, Lilacs, Pedro e Pubmed como
também as bibliotecas online Scielo e Cochrane, sem
restrição quanto ao ano de publicação, nos idiomas português, francês, espanhol
e inglês.
A estratégia de busca
utilizada compreendeu os seguintes descritores: functional, rheumatoid, capacity
respiratory, capacity pulmonary, motor functioning, rheumatology. Para conferir a busca de maior
especificidade, foi utilizada o operador boleano
“AND” que permite selecionar artigos que contenham ambos os descritores.
Qualidade
metodológica
A escala de Newcastle
e Otawa (NOS) é um instrumento utilizado para avaliar
a qualidade metodológica dos estudos incluídos, seu conteúdo e a interpretação
dos resultados. O objetivo foi desenvolver um instrumento fornecendo uma
ferramenta fácil e conveniente para avaliação dos estudos observacionais e sua
qualidade para ser usado em uma revisão sistemática [9].
Atribuiu-se uma
estrela para cada item avaliado. Os resultados do score somam e qualificam o
artigo variando de zero (pior) e 10 (melhor), sendo score alto (8 a 9 pontos),
moderado (< 8 pontos) e baixo (< 3 pontos) [9].
A leitura dos artigos
selecionados foi realizada por dois pesquisadores separadamente e as
divergências encontradas foram discutidas em conjunto.
A busca identificou
967 artigos. Após a leitura dos títulos, foram excluídos 26 artigos duplicados.
Em seguida, procedeu-se a leitura dos resumos e eleição dos artigos para
leitura completa. De acordo com o objetivo do estudo e atendendo aos critérios
de inclusão, 7 estudos foram selecionados para essa
revisão (Figura 1).
Figura
1 - Fluxograma do processo de seleção dos
artigos em cada etapa da revisão sistemática.
Em seguida, realizou-se a extração dos dados e a avaliação da qualidade do estudo através da escala de Newcastle e Otawa. A pontuação encontrada entre os artigos analisados mostrou um score entre alto (8 a 9 pontos) e moderado (7 pontos), como demonstrado na tabela I.
As informações sobre
as variáveis medidas, os instrumentos utilizados, os resultados e conclusão
foram extraídos dos estudos avaliados, conforme demonstrado na tabela II.
A
AR
é uma doença que, além de atingir o sistema musculoesquelético, pode causar
complicações extra-articulares, podendo atingir o
sistema respiratório. Segundo Avnon et al. [l0], os testes de função pulmonar realizados em
pacientes com AR podem identificar condições clínicas relevantes a serem acompanhadas
e até mesmo direcionar as ações de intervenção. Ainda, observou-se que as
doenças nas pequenas vias aéreas são comuns, mas não estabelecem uma causa
específica.
Nessa mesma linha de
observações de alterações das pequenas vias aéreas, Fredj
et al. [11] avaliaram 87 pacientes na
Tunísia utilizando a plestimografia e a análise da
difusão de monóxido de carbono (CO). Eles dividiram os resultados de acordo com
as anormalidades identificadas: distúrbio obstrutivo, restritivo ou misto, ou
alteração da difusão de CO isolada, ou associada à
função respiratória com uma queda do volume alvéolo-capilar, ou de origem
vascular com dificuldade de difusão através na membrana alvéolo-capilar, ou as
duas combinadas. Os autores afirmaram que as complicações pulmonares não são
causadas especificamente pela AR, porém podem estar
relacionadas com a toxidade pulmonar sendo esta determinada pela utilização de
um medicamento específico no tratamento da AR – metotrexato,
que pode causar lesões alveolares e brônquicas. Ainda, apontaram também que a poliartrite (PR) é mais comum em pessoas do sexo feminino
[11], visto que o comprometimento pulmonar não está associado com o tempo da
doença [11,12].
Em relação ao tempo
de doença e contrário aos resultados de Fredj et al. [11], os dados de Fuld et al. [13] demonstraram que as
manifestações pulmonares estão relacionadas com o tempo da doença, indicando
que ao decorrer da vida, além do agravamento da doença, as complicações
pulmonares também se agravam. Tais pacientes apresentaram alterações
significativas tanto no teste de função pulmonar, como na capacidade de difusão
do CO (DLco), que estava
consideravelmente diminuída, e a média VR/CPT elevadas, comparadas ao estudo
inicial. As alterações na difusão de CO podem sugerir
uma evolução precoce de anormalidades no parênquima pulmonar e o aprisionamento
de ar e obstrução das vias aéreas estão relacionados ao aumento da relação
VR/CPT, indicando que o aparecimento de sintomas respiratórios pode estar
associado ao tempo da doença. Ao comparar os testes de 1990 e 2000, os
resultados demonstraram agravamento com o curso da mesma, conquanto os sintomas
não estejam relacionados com a exposição ao tabagismo. Os resultados de Moura et al. [2] corroboram a teoria de que o
tempo da AR pode causar complicações pulmonares.
Robles-Perez et al. [14] também observaram, em seu
estudo, que a AR está associada a alterações na função pulmonar, levando ao
aparecimento de doença pulmonar, principalmente bronquiectasia.
As alterações respiratórias podem estar presentes desde o início da artrite
reumatoide, mesmo que o paciente não apresente sintomas respiratórios. Assim,
para controlar o fator de confundimento para
tabagismo e medicamentoso, compararam os níveis sanguíneos de ACPA (Anti-citrullinated peptide antibody) e DLCO entre fumantes e não fumantes e entre
os que usavam ou não o medicamento metotrexato e
observaram que houve diferença apenas em relação à DLCO para os fumantes que
obtiveram os menores valores. Outros achados deste estudo foram: o risco de
apresentar doença pulmonar estava relacionado a níveis sanguíneos elevados de
ACPA, assim como valores reduzidos de DLCO correlacionaram-se com maiores
níveis de ACPA. No entanto, os autores relataram que o mecanismo pelo qual isso
ocorre ainda é desconhecido.
Um estudo que avaliou
189 pacientes japoneses diagnosticados com AR, submetidos ao teste de função
pulmonar e tomografia computadorizada (TC), demonstrou que os sintomas
respiratórios estão relacionados com anormalidades obstrutivas nas vias aéreas,
mas que pacientes com pneumonia intersticial e TC de bronquiolite
estão associadas com o uso do cigarro e a duração da doença. Entretanto, esses
autores não consideraram tabagismo na exclusão dos pacientes, fator que pode
causar confusão nos resultados da pesquisa, uma vez que o tabagismo, por si só,
é capaz de desencadear complicações pulmonares. Assim, as complicações
encontradas podem estar associadas ao tabaco e não diretamente com a AR [15].
Alamoudi e Attar [16] observaram em seu estudo que muitos pacientes
com AR podem apresentar anormalidades respiratórias na ausência de sintomas
respiratórios. As alterações pulmonares mais encontradas foram: pneumonia,
seguida de bronquiectasia e doença pulmonar
intersticial, diagnosticadas com base na alteração dos exames de espirometria, raio X e TC de tórax e na redução da DLco.
Estes autores também não encontraram associação entre tabagismo e doença
pulmonar. A presença de comorbidades e sexo masculino
contribuíram significativamente para o desenvolvimento de manifestações
pulmonares. Além disso, verificaram que os pacientes com AR que tiveram
comprometimento pleuropulmonar apresentaram maior
probabilidade de morrer em comparação com os que não possuíam.
Dentre os sinais e
sintomas respiratórios mais prevalentes nos estudos, observam-se a presença de
redução da DLco, relato de
falta de ar, tosse, secreção brônquica e broncoespasmo [10,13,14,16]. Ao
avaliar, especificamente, os testes de função pulmonar, foram encontrados tanto
distúrbios restritivos [10,13,15] quanto obstrutivos
[10,11].
A literatura aponta
que o metotrexato é um medicamento comumente
utilizado no tratamento de doenças reumáticas, como a AR, por reduzir a
atividade da doença, morbidade e mortalidade [17]. No entanto, seu uso parece
estar relacionado à indução de lesão pulmonar desencadeando complicações
pulmonares e ao surgimento de doenças respiratórias, como pneumonite
aguda, fibrose intersticial, distúrbios linfoproliferativos,
dentre outras [17,18].
Parece que a
manifestação extra-articular mais comum da AR são as alterações pulmonares que são diretamente
responsáveis por 10 a 20% de toda mortalidade. Essas complicações pulmonares
podem afetar o parênquima pulmonar, as vias aéreas e a pleura. Apesar de a
doença pulmonar estar fortemente relacionada a AR, seja em função da toxicidade
do fármaco utilizado para controle da AR e das
infecções provocadas pela própria doença, as lesões pulmonares ainda são um
achado frequente [19].
A maioria dos artigos
atuais sobre as manifestações extra-articulares da AR não explica a gênese do distúrbio, mas avalia as
disfunções que podem ocorrer relacionadas ao uso dos diversos fármacos
disponíveis para o tratamento, não sendo possível a elucidação das alterações
encontradas. Outra limitação desta pesquisa foi a
qualidade metodológica variável dos estudos, pois nem todos os estudos
abordaram o tabagismo como fator de confusão ou critério de exclusão e o uso de
medicamento como causa da lesão pulmonar que ocorre na AR.
Além disso, os
estudos apontam que a doença pulmonar intersticial associada a AR pode ser uma
manifestação extra-articular comum. Para tanto, é
necessário uma maior compreensão do processo da doença para melhorar a
abordagem terapêutica da doença pulmonar intersticial da AR
a fim reduzir a perda progressiva da função pulmonar e a severidade desta
manifestação extra-articular [20-22].
Os pacientes com
artrite reumatoide possuem alteração na função pulmonar, concomitantes ou não
com a presença de sintomas respiratórios, afetando principalmente as pequenas
vias aéreas, não sendo possível compreender os mecanismos que desencadeiam
essas modificações.
Devido à escassez de
estudos relacionados ao tema, tornam-se necessárias novas pesquisas que testem
a influência dos medicamentos, os testes de função pulmonar, tempo da doença e
influência do tabagismo para elucidar essas alterações.