REVISÃO
Intervenções
não-farmacológicas associadas à prevalência e
incidência da hipertensão arterial: uma revisão integrativa
Non-pharmacological interventions associated with the
prevalence and incidence of arterial hypertension: an integrating review
Marla Monielly
de Aquino Freitas*, Cynthia Cibelle dos Santos
Xavier**, Maria do Socorro Luna Cruz, D.Sc.***,
Ingrid Guerra Azevedo, M.Sc.****
*Médica
da Família e Comunidade, Município de Santa Cruz/RN, **Graduanda do curso de
Fisioterapia pela Faculdade de Ciências da Saúde do Trairí,
***Docente da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairí,
****Fisioterapeuta do Hospital Universitário Ana Bezerra (HUAB/RN)
Recebido em 13 de
outubro de 2017; aceito em 2 de abril de 2018.
Endereço
para correspondência:
Ingrid Guerra Azevedo, Praça Tequinha Farias, 13,
59200-000 Santa Cruz RN, E-mail: ingridguerra@outlook.com; Marla
Monielly de Aquino Freitas: marla-aquino@hotmail.com;
Cynthia Cibelle dos Santos Xavier:
cynthia_xavier@outlook.com; Maria do Socorro Luna Cruz: socorrolcruz@gmail.com
Resumo
Introdução: Tendo em vista a
consistente relação entre a elevação de pressão arterial e o risco de doenças
cardiovasculares e renais decorrentes dessa, propõe-se neste artigo abordar a
intervenção de medidas não-farmacológicas na
hipertensão arterial sistêmica (HAS), considerado problema de saúde pública
crônico-degenerativo de proporções e magnitudes epidemiológicas indiscutíveis. Objetivo: Descrever a associação entre
as medidas não farmacológicas, na Atenção Primária e Secundária, e a
prevalência e incidência da HAS. Métodos: Analisou-se a produção científica
publicada no período de 2011 a 2016, das bases de dados Pubmed,
Lilacs Scielo. Foram
selecionados 879 artigos para a segunda fase do estudo, dos quais foram
incluídos 34 artigos para a revisão. Resultados:
Métodos não-farmacológicos desenvolvidos na Atenção
Primária e Secundária mostraram-se eficazes na prevenção e na diminuição da
incidência da HAS. Conclusão: O
incentivo à adoção de hábitos de vida saudáveis, em abordagem e acompanhamento
multidisciplinar, componentes indissociáveis na efetivação do exercício da
saúde de qualidade, demonstrou contribuição na prevenção da HAS e no tratamento
não-farmacológico do indivíduo hipertenso, no âmbito
da Atenção Primária e Secundária.
Palavras-chave:
hipertensão
arterial, atenção primária à saúde,
educação em saúde, promoção à
saúde.
Abstract
Introduction: Considering the consistent relationship between elevated blood
pressure and the risk of cardiovascular and renal diseases arising from it,
this article addresses the intervention of non-pharmacological measures in the
management of this chronic-degenerative public health problem of undisputed
proportions and epidemiological magnitudes. Objective:
To describe the association between non-pharmacological measures in primary and
secondary care, and the prevalence and incidence of systemic arterial hypertension
(SAH). Methods: We analyzed the
scientific production published in the period from 2011 to 2016, in Pubmed, Lilacs and Scielo
databases. A total of 879 articles were selected for the second phase of the
study, of which 34 articles were included for the review. Results: Non-pharmacological methods developed in Primary and Secundary Care have been shown to
be effective in preventing and reducing the incidence of SAH. Conclusion: The incentive to adopt
healthy life habits, in a multidisciplinary approach and follow-up, inseparable
components in the execution of quality health exercise, demonstrated a
contribution in the prevention of hypertension and in the non-pharmacological
treatment of the hypertensive individual, in the scope of Primary and Secondary
Care.
Key-words:
hypertension, primary health care, health education, health promotion.
Na atualidade são prevalentes as doenças
pertencentes ao rol não transmissível, sendo a maior parcela dessas,
caracterizadas como doenças crônicas [1]. A maioria das doenças não
transmissíveis está associada a modificações em hábitos diários e processos
degenerativos [2]. Sua incidência é relevante na população brasileira, demanda cuidados contínuos, tratamento com melhorias
restritas e custos elevados, consistindo em um problema de saúde pública, com
expressivos níveis de mortalidade, inatividade econômica precoce e internações
[3].
Dentro desse contexto, a cronicidade da
Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) designa inegável desafio ao sistema público
de saúde e apresenta grande impacto na morbimortalidade [4], sendo
caracterizada por manutenção elevada dos níveis pressóricos, provocando ao
longo do tempo importantes lesões em órgãos alvo, tornando-se prevalente em
população adulta e responsável por 40% das aposentadorias precoces e do
absenteísmo no trabalho, no Brasil [5].
Sob o prisma multifatorial que abrange
tal síndrome, relacionada a alterações hormonais, metabólicas, fenômenos
tróficos, ambientais, socioeconômicos e alimentares, concomitantemente,
presente em outras co-morbidades (diabetes mellitus,
dislipidemias e obesidade) [6-8], surge a necessidade de intensificação da
assistência e investimentos no gerenciamento das ações terapêuticas,
farmacológicas e não-farmacológicas, para o controle
de várias condições crônicas. Para isso, há necessidade de perseverança e
educação continuada, com o intuito de evitar desfechos negativos,
possibilitando a prevenção ou diagnóstico e tratamento precoces dessa síndrome
[7].
Dentre os tratamentos não farmacológicos
para o tratamento da HAS, estudos observacionais e ensaios clínicos
randomizados demonstram importantes benefícios à saúde a prática de exercícios
físicos aliada a mudanças de hábitos de vida dos portadores de HAS [3,9].
Nesta perspectiva o objetivo deste
estudo é descrever, por meio de uma revisão integrativa, a associação entre
medidas não-farmacológicas, no âmbito da atenção
primária e secundária, e a prevalência e incidência da HAS.
Trata-se de uma revisão integrativa,
realizada em cinco etapas: identificação da pergunta norteadora da pesquisa,
busca das literaturas nas bases de dados, avaliação dos documentos quanto ao
rigor metodológico, análise dos dados e apresentação dos resultados, com vista
à síntese de conhecimento científico sobre “A adesão às medidas não- farmacológicas são eficazes na redução dos níveis
pressóricos na atenção primária?”.
Especificamente, a coleta eletrônica de
dados em periódicos multidisciplinares abordou bases de dados: Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências
da Saúde), Pubmed e Scielo
para os últimos cinco anos (2011 a 2016), utilizando os seguintes descritores,
em inglês: Primary health care, Health education, Health promotion, sendo estes cruzados com Systemic Arterial Hypertension;
e em Português:
Atenção Primária à Saúde,
Educação em Saúde, Promoção da
Saúde, sendo esses
cruzados com hipertensão arterial sistêmica.
Os critérios de inclusão foram artigos
completos com disponibilidade eletrônica e gratuita nas bases de dados
selecionadas, publicadas em português, inglês e espanhol e que abordassem a
temática em estudo. Foi utilizado ainda o capítulo da I Diretriz Brasileira de
Prevenção Cardiovascular (2013), que aborda sobre terapias não farmacológicas.
Foram excluídos artigos sob a forma de
carta ao editor, editoriais, os que não complementassem a temática, os que não
estavam disponíveis eletronicamente, e os que estavam escritos em idiomas
diferentes do preestabelecidos nos critérios de inclusão.
Conforme aplicados esses critérios de
elegibilidade, os artigos eram contabilizados apenas uma vez. Adiante, foi
realizada a leitura completa desses artigos e avaliado: quanto à clareza da
trajetória do método, identificação de limitações e vieses; e o nível de
evidência, para seleção e apresentação dos resultados e, finalmente,
organizados em forma de quadro com a identificação do autor, título, periódico
e ano de publicação.
O delineamento metodológico da maioria
dos artigos apresentados nesta revisão apresenta um nível de evidência
moderado, apenas um artigo foi classificado com o nível de evidência forte e 10
foram classificados como fracos. A metodologia de Pompeo
et al. [10], conforme quadro I, foi utilizada
como referência para classificar o nível de evidência dos estudos, presente no
quadro II.
Quadro
I - Níveis de evidências classificados na
descrição dos estudos.
Foram encontrados 879 artigos na 2ª
fase do estudo e 34 foram incluídos. O quadro II apresenta o total de artigos
encontrados, selecionados e inclusos para cada base de dados.
Quadro
II -
Caracterização dos artigos conforme
autor, título, periódico, ano, nível de evidência, desenho do estudo, população
e conclusão do estudo. (ver anexo em PDF).
Na base de dados Scielo,
foram encontrados 7 artigos sobre cuidados de saúde na
atenção primária, sendo 6 selecionados e 1 incluído no estudo. Nesta mesma
base, sobre Educação em saúde, foram encontrados e selecionados 4 artigos, mas somente 1 foi incluído. Sobre promoção à
saúde foram encontrados e selecionados 3 artigos, e 1
incluído, totalizando nessa base de dados 14 artigos encontrados, 13
selecionados e 3 incluídos.
Na base de dados Pubmed,
foram encontrados 266 artigos sobre atenção primária em saúde, selecionados 104
e incluídos 2. Sobre Educação em saúde foram
encontrados 193 artigos, selecionados 80 e incluídos 2.
Sobre promoção à saúde foram encontrados 115 artigos, selecionados 40 e incluso
1. Nesta base foram encontrados 574 artigos no total,
224 foram selecionados e 5 artigos inclusos neste
estudo.
Na base dados Lilacs,
sobre atenção primária à saúde foram encontrados 119 artigos, selecionados 113
e inclusos 15. Sobre educação em saúde foram encontrados 125 artigos,
selecionados 120 e inclusos 8. Sobre promoção à saúde
foram encontrados 47 artigos, sendo 44 selecionados e 3
selecionados para este estudo, totalizando 291 artigos, sendo 277 selecionados
e 26 incluídos para este estudo.
Os 34 artigos seguem abordando acerca da
associação da intervenção não-farmacológica no
tratamento da HAS, na Atenção Primária e Secundária à saúde e, portanto, na sua
prevalência e incidência.
O Quadro II traz a caracterização
dos artigos conforme autor, título, periódico, ano, nível de evidência, desenho
do estudo, população e impacto do estudo.
A adesão às medidas não-farmacológicas
como promissor na redução dos níveis pressóricos simboliza um desafio para os
profissionais da saúde. As medidas para normalização dos níveis de pressão
arterial, que constituem o objetivo da intervenção terapêutica não-farmacológica, envolvem mudanças no estilo de vida, e
estão voltadas a minimizar e diminuir a influência dos fatores de risco da vida
do paciente, objetivando-se prevenção e controle dessas condições [4,6].
Políticas públicas que viabilizem o
acesso do usuário às unidades básicas e motive a sua adesão em programas que
incentive a sua participação sobre as decisões do seu tratamento devem ser estimuladas
[11,12].
Um estudo realizado na cidade de
Maringá/PR, que tinha por objetivo analisar a adesão ao tratamento
anti-hipertensivo numa unidade de atenção básica, realizado com uma amostra de
150 pacientes, mostrou uma prevalência consideravelmente elevada de 64% de não
adesão aos tratamentos e a maior parte desse índice estava associado
àqueles pacientes mais jovens, aos que trabalhavam e ainda a pacientes com
sobrepeso e obesos que não tinham outras doenças associadas e nem consumiam
medicamentos de uso contínuo, assim como pacientes que tinham menos
conhecimentos sobre a doença e sua terapia [13].
No caso da HAS, os principais fatores
envolvidos na adesão ao tratamento estão relacionados ao conhecimento, à
percepção da doença, motivação pessoal pela busca de melhor estado de saúde, e
a obtenção do controle pressórico através de modificações de hábitos de vida
[14].
Em estudo epidemiológico transversal, de
base populacional, realizado por meio de entrevista com 12.324 adultos entre 20
e 59 anos em 100 municípios brasileiros evidenciou-se que mais da metade
(66,1%) estiveram em consulta médica por hipertensão no último ano, entretanto
a proporção de hipertensos descompensados foi significativamente menor entre os
que foram orientados para manter o peso ideal e realizar atividades físicas
comparado aos que fizeram apenas eletrocardiograma [6].
A educação em saúde favorece a desalienação,
transformação e a emancipação dos
indivíduos
envolvidos e possibilita ao portador da doença
realização de reflexão e
percepção da saúde de uma forma mais abrangente,
isto é, como um direito social
[15]. Sendo assim, incentiva o indivíduo a participar das
atividades
educativas, estimulando-o a ter uma postura ativa no processo de seu
próprio
cuidado em relação à síndrome em
questão [16]. Apesar de a educação em saúde
possibilitar a reflexão e percepção da sua
saúde, a adesão ao tratamento parece
ser um fator complicador.
Corroborando dado, em um estudo de
intervenção realizado de forma aleatória, não-controlado
e do tipo coorte prospectivo, foram avaliados 261 hipertensos cadastrados na
Unidade de Saúde da Família no município de Januária, em Minas Gerais. Neste
estudo os autores realizaram visitas domiciliares para posterior
desenvolvimento de atividades em educação em saúde. O conteúdo trabalhado nos
encontros foi dieta, atividade física, circunferência abdominal, IMC e redução
do consumo de álcool e tabaco. Ao final do estudo, foi constatada mudança
estatisticamente significante no consumo de legumes, na adesão à prática de
atividade física, na redução de IMC e circunferência abdominal e no controle da
pressão arterial [17].
Sem dúvida, a expansão da Atenção
Primária em Saúde (APS), com destaque para a Estratégia Saúde da Família,
possibilitou e potencializou qualitativamente ações como anteriormente
descritas, incitando promoção, prevenção, assistência, vigilância e
acompanhamento longitudinal dos usuários, práticas fundamentais no
acompanhamento e até tratamento de usuários com doenças crônicas não
transmissíveis [18].
Uma das práticas não-farmacológica
com maior impacto na redução da PA e melhora da qualidade de vida é o exercício
físico [3]. Pelo menos 150 minutos de exercício aeróbio ou exercícios
resistidos no mínimo 2 vezes por semana, com
intensidade moderada, acumulados ao longo da semana, podendo ainda ser
fracionado em períodos mínimos de 10 minutos foi o protocolo que apresentou
melhor benefício à saúde [9].
Apesar de a atividade física apresentar
uma maior predileção, como tratamento não farmacológico, entre os indivíduos
com HAS, a alimentação ocupa lugar de destaque na mudança de qualidade de vida.
O aumento do consumo de frutas e hortaliças, redução do consumo de sal,
diminuição de alimentos gordurosos e consequente perda de peso são ações
fundamentais para melhoria da sua qualidade de vida [19,20]. Além disso,
atividades educativas que estimulam à cessação do tabagismo, diminuição do
estresse, e redução do uso abusivo do álcool incentivam o paciente ao
autocuidado e parecem funcionar como medidas não-farmacológicas
para o controle dos níveis pressóricos [20]. Dentre os fatores modificáveis
para o controle dos níveis pressóricos, além dos anteriormente citados, podemos
citar a atividade física como parte primordial das condutas não medicamentosas
de prevenção e tratamento da HAS [21].
Entretanto, essas atividades educativas
não serão eficientes quando as estratégias não se baseiam em sustentabilidade e
aceitabilidade sociopolítica e disponibilidade de recursos físicos e
organizacionais, isso o contexto em que vivem os pacientes, os recursos
disponíveis são condições fundamentais para o sucesso [22].
Oficinas ou grupos de trabalho parecem
ser ferramentas que complementam as ações individuais promovidas e possibilitam
que os pacientes compartilhem experiências e vivenciem saberes e práticas que
facilitam a escuta, o acolhimento e o vínculo com os profissionais de saúde [2,16,23].
Em estudo qualitativo realizado com 20
indivíduos entre 50 e 80 anos em Maringá/PR, identificou-se a rede familiar
como a mais representativa no apoio ao hipertenso, principalmente com relação à
alimentação e ao uso de medicamentos, e ainda sendo o médico como o
profissional mais citado, restringindo sua atuação à prescrição de
medicamentos. O estudo concluiu que a rede social é uma importante estratégia
para a melhoria da qualidade de vida de pessoas portadoras da HAS tanto para o
diagnóstico quanto para a convivência com a doença [2].
A
participação do indivíduo no tratamento
da HAS, seja na Atenção Primária ou
Secundária, é compreendida como o fator
mais importante para um controle eficaz da doença e a
prevenção de suas
complicações, sendo essa participação,
majoritariamente influenciada pela
abordagem. Além disso, é importante o estabelecimento de
vínculo, a intervenção
com estímulo às ações e medidas de
promoção e prevenção à saúde,
alicerçadas na
integralidade, com encorajamento ao posicionamento ativo contra fatores
de
risco cardiovascular, e no reconhecimento de que o processo
saúde-doença-cuidado é determinado por
múltiplas variáveis biopsicossociais,
devendo essas ser manejadas de forma integral e holística [24].
Conforme demonstrado nos estudos trazidos
por este artigo, o incentivo à adoção de hábitos de vida saudáveis, em
abordagem e acompanhamento multidisciplinar, componentes indissociáveis na
efetivação do exercício da saúde de qualidade, demonstrou contribuição na
prevenção da HAS e no tratamento não-farmacológico do
indivíduo hipertenso, diminuindo, assim, a prevalência e incidência desta
síndrome. Em se tratando de Atenção Primária, a educação em saúde, norteador
essencial em tal processo, ainda um desafio para os profissionais da saúde, no
sentido da detecção de soluções com o fim de diminuir barreiras, favorecer a
adesão ao tratamento, mostrar seus benefícios e adotar ativamente uma visão
longitudinal, integral e coordenada diante do portador de HAS.
À Profa. Dra. Silvana Alves Pereira,
docente da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairí,
cujo apoio foi fundamental para a elaboração deste trabalho.