ARTIGO
ORIGINAL
Protocolo
de extubação: teste do cartão branco como importante preditor de falha em
unidade de terapia intensiva
Extubation
protocol: white card test as important failure predictor in intensive therapy
unit
Barbara Diniz Faria,
Ft.*, Ana Paula Azeredo Teixeira, Ft.**, Isabella Diniz Faria, Ft., M.Sc.***
*Especialista
em Fisioterapia Respiratória pela ASSOBRAFIR, pós-graduada pelo Programa de
Residência Multiprofissional em Saúde na área de Urgência e Trauma do Hospital
Municipal José Lucas Filho, **Especialização em Fisioterapia Respiratória,
Terapia Intensiva e Reabilitação (UNIBH), especialista em Terapia Intensiva
Adulto e Neonatal pela ASSOBRAFIR, ***Especialista em Fisioterapia Respiratória
pela UFMG e ASSOBRAFIR, Especialista em Terapia Intensiva Adulto pela
ASSOBRAFIR, Especialista em Preceptoria no SUS pelo Hospital Sírio Libanês,
Doutoranda em Ciências da Reabilitação pela UFMG
Recebido em 17 de maio
de 2018; aceito em 25 de março de 2019.
Endereço
para correspondência:
Barbara Diniz Faria, Rua Garcia Rodrigues, 376, 32215-090 Contagem MG, E-mail:
barbara.dinizf@gmail.com; Isabella Diniz Faria:
isabelladinizfaria@yahoo.com.br; Ana Paula Azeredo Teixeira:
paulaateixeira@hotmail.com
Pré-projeto apresentado
ao Programa de Residência Multiprofissional em Saúde com ênfase em Urgência e
Trauma do Hospital Municipal José Lucas Filho, em Contagem-Minas Gerais.
Resumo
Introdução: O desmame da
ventilação mecânica e consequente sucesso da retirada do tubo endotraqueal
(extubação) depende da qualidade da avaliação clínica e dos protocolos clínicos
adotados. Objetivo: Traçar o perfil
do processo de extubação em um serviço de terapia intensiva de um hospital
público e os principais fatores de risco associados à falência da extubação. Métodos: Estudo quali-quantitativo,
observacional analítico, retrospectivo, com análise documental de dados de 81
protocolos de avaliação da extubação, período de junho de 2015 a dezembro de
2016. Realizou-se análise estatística dos dados por meio da técnica de
regressão logística e testes complementares a esse modelo. Resultados: A taxa de falência da extubação apresentada para o
hospital foi de 34% no período avaliado. As variáveis de significância
estatística para o desfecho “sucesso ou insucesso da extubação” foram “teste do
cartão branco”, que avalia a efetividade da tosse e “presença de aminas”, que
tem correlação com a estabilidade hemodinâmica do indivíduo. Conclusão: A análise dos protocolos
demonstrou que a taxa de falência da extubação do hospital em estudo apresentou
valores dentro das médias encontradas na literatura. As variáveis “teste do
cartão branco” e “presença de aminas” demonstraram ser importantes preditores
para o sucesso da extubação.
Palavras-chave: protocolos clínicos,
extubação, desmame, ventilação mecânica.
Abstract
Introduction:
Weaning from mechanical ventilation and consequent successful withdrawal of the
endotracheal tube (airway extubation) depends on the quality of the clinical
evaluation and clinical protocols adopted. Objective:
To describe the profile of the airway extubation process in an intensive care
unit of a public hospital and the main risk factors associated with airway
extubation failure. Methods: A
qualitative, quantitative, observational, retrospective study was carried out
with a documental data analysis of 81 airway extubation evaluation protocols,
from June 2015 to December 2016. Statistical analysis of the data was performed
using the logistic regression technique complementary tests to this model. Results: The rate of airway extubation
failure presented to the hospital was 34% in the period evaluated. The
variables of statistical significance for the "success or failure of
airway extubation" outcome were "white card test", which
evaluates the effectiveness of cough and "presence of amines", which
correlates with the individual's hemodynamic stability. Conclusion: The analysis of the protocols showed that the airway
extubation failure rate of the hospital under study presented values within the
means found in the literature. The variables "white card test" and
"presence of amines" have been shown to be important predictors of
successful airway extubation.
Key-words: clinical
protocols, airway extubation, weaning, mechanical ventilation.
Pacientes com doenças
críticas, muitas vezes, requerem intubação endotraqueal e ventilação mecânica
invasiva (VMI) para manutenção da vida. Mead et al. [1] descrevem que a utilização da
VMI é necessária em aproximadamente 90% dos pacientes críticos internados nas
Unidades de Terapia Intensiva (UTI). Este processo consiste em um suporte
ventilatório auxiliar no tratamento e manutenção da oxigenação e ventilação de
pacientes com insuficiência respiratória aguda ou crônica agudizada de maneira
artificial, até que esses sejam capazes de reassumi-la [2]. Embora seja eficaz,
a ventilação invasiva está associada a complicações, incluindo fraqueza dos
músculos respiratórios, patologias das vias aéreas superiores, pneumonia
associada à VMI e sinusite [3]. As complicações clínicas estão associadas
com suporte ventilatório prolongado ou a interrupção precipitada da VMI,
gerando aumento da mortalidade e custos elevados para os cuidados de saúde [4].
O desmame da VMI é um
processo de retirada gradual ou abrupta da ventilação, que começa após a
resolução parcial ou completa da fisiopatologia [4]. Refere-se ao processo de
transição da VMI para a ventilação espontânea nos pacientes que permanecem em
VMI por tempo superior a 24 horas e termina com o desmame bem-sucedido. Esse
pode ser definido como a manutenção da ventilação espontânea e consequente
sucesso da retirada do tubo endotraqueal (extubação) por pelo menos 48 horas
após a interrupção da VMI [5] ou descontinuação permanente de suporte ventilatório
em pacientes que evoluem para traqueostomia [4].
A decisão sobre quando
interromper a VMI, nos pacientes intubados, é frequentemente difícil nas UTI
[6]. Por isso, nos últimos 20 anos, houve uma preocupação na produção
científica com foco em reduzir o tempo de exposição dos pacientes à VMI,
aprimorando o processo de retirada do suporte mecânico ventilatório [7].
A reintubação
precoce, ou falha na extubação, é de extrema gravidade, pois, pode levar à
piora do prognóstico do paciente, deterioração da função respiratória e aumento
da mortalidade [8]. Por isso, faz-se necessário uma avaliação minuciosa, antes
da extubação, para que haja a possibilidade de evitar tais complicações. Suas
taxas variam muito, devido às diferenças nas categorias de diagnóstico dos
pacientes estudados, à duração da ventilação mecânica antes da extubação
planejada, e às intervenções que foram avaliadas. A literatura descreve que a
incidência de falha de extubação varia entre 6 e 47% [6,9].
Entender os fatores
associados à extubação malsucedida é crucial para a identificação de pacientes
com risco de falha e para o desenvolvimento de intervenções que visem à redução
na frequência dessa complicação [10]. Muitos ensaios clínicos têm-se centrado
sobre os preditores de falha de extubação, com o objetivo de refinar índices
clínicos e laboratoriais na avaliação de maturidade para extubação [11]. Alguns
aspectos devem ser ressaltados, tais como preditores demográficos, nível de
sedação de acordo com a escala de Ramsay e uso de
sedativos, avaliação da mecânica respiratória, da proteção das vias aéreas, da
permeabilidade das vias aéreas, e da hemodinâmica e perfusão tecidual [11,12].
O processo de desmame e
retirada da VMI inclui um número sistemático de etapas que envolvem examinar o
paciente para reverter a causa inicial da falência respiratória, o teste de
respiração espontânea (TRE) e a avaliação da permeabilidade das vias aéreas
[13]. Para ser realizado o TRE, os parâmetros de VMI devem ser mínimos, de suporte.
Nesse teste, o paciente é observado em respiração espontânea, desconectado do
aparelho, por um período de 30 a 120 minutos. Para avaliar sua capacidade de
suportar a retirada da VMI, deve-se levar em consideração critérios para o
fracasso do teste [14].
A reintubação
precoce é de extrema gravidade, pois pode levar à piora do prognóstico do
paciente, deterioração da função respiratória e aumento da mortalidade [8].
Alguns aspectos tais
como a carga de trabalho, padronização de procedimentos, habilidade e
experiência da equipe ocasionam uma potencial variação de condutas. Deste modo,
a necessidade e o interesse em padronizar as melhores práticas de cuidado com o
uso de protocolos tem se expandido drasticamente, reduzindo as variações da
prática com o propósito de melhorar sua eficiência [13].
No entanto, na
literatura corrente, há escassez de estudos que propõem protocolos direcionados
aos métodos de avaliação dos pacientes durante o processo de extubação. O
presente trabalho tem como finalidade traçar o perfil do processo de extubação
no Hospital Municipal Jose Lucas Filho (HMJLF), verificar a taxa de falência da
extubação e confrontá-la com a literatura atual a partir da análise do
protocolo clínico aplicado no serviço e analisar as variáveis que influenciaram
no sucesso ou insucesso da extubação, por meio dos protocolos avaliados.
Trata-se de um estudo quali-quantitativo, observacional analítico, retrospectivo,
com análise documental. O presente estudo foi concretizado no HMJLF, que
realiza atendimentos de Urgência e Emergência da região metropolitana de Belo
Horizonte, abrangendo os municípios de Contagem, Ibirité e Sarzedo. O hospital
conta com uma UTI que possui 18 leitos. A equipe de profissionais que compõem
cada UTI, no turno diurno, são: 3 médicos (1 horizontal e 2 plantonistas), 2
enfermeiros supervisores, 6 técnicos de enfermagem e 2 fisioterapeutas.
Foram descritos e
analisados, retrospectivamente, os dados documentais encontrados em 81
protocolos previamente preenchidos pelos fisioterapeutas do hospital em estudo,
no período de junho de 2015 a dezembro de 2016 e complementados com dados
necessários obtidos dos prontuários dos pacientes, fornecidos pela instituição.
Foram excluídos os protocolos preenchidos de forma incompleta ou de difícil
acesso ao prontuário.
É importante ressaltar
que este protocolo já era aprovado e utilizado pela equipe multiprofissional e
médica da UTI do HMJLF. Dessa forma, os profissionais que faziam seu
preenchimento haviam sido treinados em períodos anteriores à realização desta
pesquisa.
A análise estatística
foi elaborada por meio de um banco de dados em planilhas do software Microsoft
Excel e enviada para estatístico, que partiu de uma técnica de regressão
logística. Essa técnica parte de um conjunto de observações, permitindo
construir um modelo para fazer previsões de valores tomados por uma variável
resposta categórica binária, a partir de variáveis explicativas. O teste qui-quadrado foi utilizado para as variáveis categóricas.
Outro teste utilizado foi o teste exato de Fisher. As análises foram realizadas
com base em observações, não em indivíduos. Isso significa que se um paciente
foi extubado e/ou reintubado
mais de uma vez, ele esteve presente na análise mais de uma vez.
O modelo construído respondeu
à seguinte pergunta: “Sabendo que um
indivíduo foi extubado, quais as chances de ele
falhar no protocolo de extubação a partir dos testes e exames realizados?”
O
estudo foi aprovado
via Plataforma Brasil, com parecer número 1.913.923 e CAAE
64578617.8.0000.5119.
Houve aprovação também pela
coordenação médica da UTI e direção
técnica do
HMJLF.
Instrumento/protocolo
O protocolo é
constituído de nove itens preditivos para identificar o paciente apto à
retirada da ventilação mecânica invasiva, indicando uma condição clínica
favorável.
Item A - Busca ativa de
pacientes aptos ao desmame da VM: Avaliar e identificar, diariamente, o
paciente quanto à possibilidade de descontinuar a ventilação, visando diminuir
o tempo de ventilação mecânica e reduzir custos [15].
Subitem 1 - Sedação
suspensa: deve-se realizar a suspensão diária da sedação para se verificar a
capacidade de ventilação espontânea do paciente.
Subitem 2 - Causa da
falência respiratória resolvida ou controlada.
Subitem 3 - Oxigenação
adequada (PaO2 ≥ 60mmHg, com FiO2 ≤ 40% e
PEEP ≤ 8 cmH2O): o paciente deve ter adequada troca gasosa e
ser capaz de iniciar os esforços inspiratórios.
Subitem 4 - Estado
mental adequado: Escala de coma de Glasgow ≥ 8/10: avalia-se o nível
consciência do paciente.
Subitem 5 - Ausência de
aminas vasoativas: o paciente deve apresentar estabilidade hemodinâmica,
expressa por boa perfusão tecidual, independência de vasopressores e ausência
de insuficiência coronariana descompensada ou disritmias com repercussão
hemodinâmica.
Subitem 6 - Equilíbrio ácido-básico- HCO3 > 18mEq/l; pH: 7,35-7,45;
PaCO2: 35-45 mmHg: fornece dados sobre a função respiratória e sobre
as condições de perfusão tecidual. Em paciente com DPOC, avaliar se o PH está
normal, sem considerar o valor da PaCO2.
Subitem 7 - FR < 35 irpm: frequência respiratória menor que 35 incursões
respiratórias por minuto.
Subitem 8 - Radiografia
de tórax: ausência de infiltrado nos quatro quadrantes ou com melhora
radiológica em relação às anteriores.
Item B: Teste de respiração
espontânea (TRE) - Teste do tubo T [15]:
No TRE o paciente deve
ser colocado em tubo T durante 60 minutos, com oxigênio suplementar ofertado a
5-6 l/minuto. É considerado sucesso no TRE quando o paciente mantiver padrão
respiratório, troca gasosa, estabilidade hemodinâmica e conforto adequados.
Item C: Critérios de
intolerância ao TER [15]:
Durante o TRE o
paciente deve ser monitorizado para sinais de insucesso, sendo empregados
parâmetros objetivos e subjetivos para avaliar o fracasso do teste (AMIB,
2013).
Parâmetros objetivos:
SpO2 < 90%; FC ≥ 140 bpm; PAS
> 180 mmHg ou < 90 mmHg; FR > 35 irpm.
Parâmetros subjetivos:
sudorese, agitação, alteração do nível de consciência, aumento de trabalho
respiratório (uso de musculatura acessória/tiragens, respiração paradoxal,
dispneia).
Item D: Se o paciente não
apresentou intolerância ao TRE, avaliar a capacidade de proteção de vias aéreas
[15]:
Após um teste de
respiração espontânea bem-sucedido, é necessário avaliar se o paciente é capaz
de proteger as vias aéreas.
Subitem 1 – teste do
cartão branco: o teste do Cartão Branco é realizado colocando-se um cartão
branco a 1 ou 2 cm da entrada do tubo orotraqueal. A seguir, solicita-se que o
paciente realize 3 a 4 esforços de tosse. Se o cartão apresentar qualquer
umidade ou sujidade, o teste é considerado positivo. O teste negativo tem
associação com a falência do desmame.
Item E: VNI pós extubação,
por 2 horas, nos pacientes com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) e com
Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC).
Deve-se fazer uso de
ventilação não invasiva (VNI) imediatamente após a extubação, de forma
preventiva, em pacientes selecionados como de maior risco à falha na extubação,
enfatizando os portadores de DPOC e pacientes com ICC. Estudos demonstraram que
a VNI foi eficaz na prevenção da insuficiência respiratória pós-extubação nesta
população considerada de risco [16].
Item F: Se houver critérios
de intolerância ao TRE, retornar para VMI e descansar por 24 horas.
Caso haja algum
critério de intolerância ao TRE, deve-se reconduzir o paciente para um suporte
ventilatório que lhe proporcione conforto e trocas gasosas adequadas por um
período de 24 horas antes de se repetir o teste [15].
Item G: Horário da extubação
Caso o paciente tenha
sucesso nas etapas anteriores e seja extubado,
deve-se registrar o horário do ocorrido.
Item H: Monitoramento da
tolerância à extubação
Deve-se considerar
falência quando houver reintubação até 48 horas após
a retirada da prótese endolaríngea [15]. O paciente
que tem a prótese endolaríngea retirada (extubado) após passar no TRE e não é reintubado
nas próximas 48 horas é considerado como sucesso no procedimento.
Item I: Causa (s) da falência
Quando ocorre a
falência da extubação, é necessário reintubar o
paciente o quanto antes, identificando e tratando a (s) causa (s) de tal falha,
para que, posteriormente, o processo de desmame e retirada da prótese endolaríngea seja retomado [15].
Algumas das principais
causas são: edema de glote, fadiga muscular, congestão pulmonar, infecções,
inabilidade de eliminar secreções, hipoxemia grave, alteração do nível de
consciência e broncoespasmo [15].
A extubação traqueal é
um marco importante para a recuperação do paciente, admitindo-se um risco
considerável de complicação ou falha. Fatores relacionados à falha e
subsequente reintubação estão associados ao aumento
global na duração da ventilação mecânica (VM), aumento da mortalidade, maior
necessidade de traqueostomia e custos médicos elevados [17]. Esteban et al.
[12] estimaram que um paciente em VM passa até 42% do tempo no processo de
desmame. Esse desfecho pode variar dependendo da etiologia da insuficiência
respiratória.
O procedimento de
intubação orotraqueal (IOT) pode ter caráter eletivo ou de emergência. As
principais indicações estão nas situações de emergência,
tais como parada cardiorrespiratória (PCR), insuficiência respiratória (IRpA), hipoventilação, choque,
coma, pós-operatório e politraumatismo [18].
No presente estudo, as
principais causas levantadas, que levaram os pacientes a serem intubados estão
descritos na Figura 1. Dentre as patologias englobadas na variável “outros”,
com 28.6%, foram apresentadas causas externas, tais como traumatismo crânio
encefálico, hemorragia subaracnóidea traumática, perfurações por arma de fogo,
hemorragias, osteomusculares, entre outras.
Fonte: Dados da pesquisa
(2016).
Figura 1 - Principais causas que levaram à intubação.
A amostra do estudo
consistiu em 81 pacientes, com média de idade de 53(±17,2) anos, os quais foram
indicados a realizar o processo de desmame da VMI, de acordo com a análise da
equipe de fisioterapia e médica, por atenderem aos critérios de inclusão do
protocolo clínico utilizado pelo serviço. Dentre as 81 observações, ao final da
aplicação do TRE e avaliação da capacidade de proteção de vias aéreas, 47
pacientes, com média de idade de 51(±15,7) anos, foram considerados aptos a serem
extubados. Considerando falência quando o paciente é reintubado até 48 horas após a retirada da prótese endolaríngea [15], obteve-se 16 casos de falência, ou seja,
34% do total de extubados (Figura 2).
Na literatura,
percebe-se variabilidade nas taxas de falência, de acordo com o perfil clínico
das unidades e com a utilização de protocolos de desmame. De acordo com Artime et al.
[17], em UTI, os pacientes são ventilados mecanicamente à medida que se
recuperam da insuficiência respiratória aguda, a reintubação
é previsivelmente mais comum, com taxas que variam entre 2 e 25%. Já Bien et al. [19]
apresentaram taxa de falência da extubação, para um coorte de 68 pacientes, de
33,8%, após avaliarem o poder preditivo de três métodos contemporâneos de
desmame: Tubo T, compensação automática do tubo e ventilação por pressão de
suporte (PSV).
Segundo Epstein et al. [8], em seu estudo, dos 289
pacientes intubados, 247 (85%) foram extubados com
sucesso e 42 (15%) necessitaram reintubação. Os
pacientes reintubados apresentaram maior
probabilidade de morrer no hospital, quando comparados com os pacientes extubados com sucesso. Uma análise realizada por Kollef et al.
[20,21] demonstrou que os pacientes randomizados para desmame que foram
submetidos ao seu protocolo tiveram durações significativamente mais curtas de
VM em comparação com os pacientes randomizados para desmame realizado pelo
médico (sem protocolo). Em contrapartida Blackwood et al. [22] evidenciaram que o desmame
baseado em protocolos não reduziu o tempo de VM e que o desmame não se associou
com um aumento das taxas de reintubação ou da
mortalidade na UTI.
Fonte: Dados da pesquisa
(2016).
Figura 2 - Taxa de falência da extubação.
A falha de extubação
foi definida como a incapacidade de tolerar a remoção do tubo
endotraqueal, sendo comumente tratada com reintubação
traqueal. Alguns mecanismos de falha na extubação são citados no estudo Cavallone et al. [23], tais como laringoespasmo,
edema das vias aéreas superiores, hemorragia que leva ao hematoma comprimindo
as vias aéreas externamente ou coágulos internamente obstruindo as vias aéreas,
acúmulo de secreções respiratórias, traqueomalácia e
colapso dos tecidos moles das vias aéreas superiores secundário aos efeitos de
anestésicos, opioides e relaxantes musculares. Já no estudo de Thille et al.
[24], foram identificados grupos de pacientes com alto risco de falha na
extubação, incluindo aqueles com idade acima de 65 anos, que tinham doenças
cardíacas ou respiratórias crônicas.
No presente estudo, foi
possível categorizar as causas mais recorrentes de falha na extubação dentro
dos 34% de pacientes que apresentaram falência. De acordo com a figura 3,
podemos observar que 70% das causas de reintubação
correspondem à alteração do nível de consciência, edema de glote, fadiga
muscular e broncoespasmo. Dentre outras causas, podem-se citar como principais
as urgências cirúrgicas, hipertensão arterial e parada cardiorrespiratória
(PCR), somando um percentual de 30% (Figura 3).
A falha da extubação
possui causas distintas e depende de diversos fatores, comumente associados a
questões como a força dos músculos respiratórios, a carga desses e a
intensidade do estímulo respiratório. Fatores que comprometem o funcionamento
normal das vias aéreas superiores como o laringoespasmo,
secreções abundantes, tosse ineficaz entre outros [8].
Fonte: Dados da pesquisa
(2016).
Figura 3 - Principais causas das reintubações.
No presente estudo,
foram incluídas para análise estatística, as seguintes variáveis: sedação,
escala de coma de Glasgow, utilização de aminas, equilíbrio ácido-básico,
teste do cartão branco e utilização de VNI. Tais variáveis foram testadas com o
objetivo de verificar sua força em predizer falha de extubação. A Tabela I
representa essas variáveis, com os resultados do teste Qui-Quadrado
e P-valor. Considerou-se que p<0,05 representou significância estatística.
As variáveis que apresentaram significância estatística foram “ausência de
aminas” e “teste do cartão branco”.
Tabela I – Variáveis incluídas no protocolo.
Fonte: Dados da pesquisa
(2016).
Estudos
que relacionam
a utilização de aminas vasopressoras e o processo de
extubação são escassos na
literatura. A retirada da VM requer que o paciente esteja
hemodinamicamente
estável. Evidências indicam que a
instituição de ventilação mecânica e
o
retorno à ventilação espontânea induzem
alterações na pressão intratorácica que
influenciam a função cardiovascular. Assim, muitos
pacientes criticamente
doentes podem ser incapazes de responder satisfatoriamente às
alterações
hemodinâmicas produzidas pela interrupção da VM,
não tolerando a extubação
[25].
A variável “ausência de
aminas” teve P-valor de 0.05 na análise dos dados, sendo considerada
estatisticamente significativa. Isso significa que a ausência de aminas, de
acordo com a análise do protocolo, pode ter influenciado o desfecho de falha da
extubação. Deve-se considerar como uma limitação do estudo a dificuldade de
acesso a dados do prontuário como a dose de aminas durante o TRE. Levava-se em
consideração, para preenchimento do protocolo, a presença ou ausência da droga
e não a sua dosagem. No estudo de Hayashi et al. [26], o uso de drogas vasoativas
em doses maiores que 5mg/Kg pelo peso corporal foi considerado como preditor
clínico de falha de extubação no momento do TRE.
Outra variável incluída
na análise que obteve valor estatisticamente significativo foi o teste do
cartão branco (TCB), com P-valor 0.01, sendo uma avaliação simples de eficácia
da tosse. Khamiees et al. [27] correlacionaram o resultado do TCB com a força da
tosse. Em seu estudo, pacientes com tosse fraca tiveram quatro vezes mais
probabilidade de ter extubações sem sucesso, em
comparação com aqueles com tosse moderada a forte (razão de risco [RR], 4,0;
intervalo de confiança de 95% CI], 1,8 a 8,9). Os pacientes com resultados
negativos do TCB tiveram três vezes mais chances de extubações
sem sucesso do que aqueles com resultados positivos do TCB (RR, 3,0; IC 95%, 3
a 6,7).
No presente estudo,
para análise do teste do cartão branco foram utilizados 57 protocolos, dos
quais 47 evoluíram para a extubação. Desses pacientes extubados,
79% tiveram o TCB positivo e 21% tiveram o teste considerado negativo. Desses
pacientes que obtiveram resultado negativo no TCB e foram extubados,
66% foram reintubados.
É importante ressaltar
que, para a decisão do ato de extubar, levava-se em
consideração o julgamento de todas as variáveis presentes no protocolo, com
discussão dos pontos de conflito entre a equipe médica, fisioterápica e de
enfermagem. A decisão final sempre era definida pelo médico responsável daquele
paciente.
A falha da extubação
está atrelada à piora das condições de saúde e apresenta impactos sobre o tempo
de internação, podendo levar ao aumento da mortalidade. Com isso, é relevante
colaborar com a apresentação de critérios/protocolos cientificamente
fundamentados para a condução da extubação e reforçar a necessidade de
abandonar técnicas baseadas apenas em experiências.
O presente estudo, por
meio da análise das observações dos protocolos de extubação preenchidos,
reflete a importância de se manter uma padronização de ações para realização da
extubação de forma segura e efetiva. Apesar da taxa de falência de extubação se
encontrar dentro da faixa reportada pela literatura atual, é importante dar
continuidade aos programas que envolvam o treinamento dos avaliadores para que
a unidade em questão chegue a valores mínimos de falência, focando
principalmente as variáveis que mostraram significância estatística no estudo.
A estabilidade
hemodinâmica avaliada pela “presença de aminas” e a avaliação da tosse por meio
do “teste do cartão branco” demonstraram ser importantes itens de preenchimento
no protocolo em estudo, por representar variáveis que se associaram como
preditoras para a falência da extubação.
É importante ressaltar
que, antes de chegar à decisão de extubar o paciente,
todas as variáveis do protocolo devem ser consideradas e discutidas pela equipe
multiprofissional do serviço, para chegar à decisão final com o mínimo de
riscos para o paciente.