ARTIGO
ORIGINAL
Efeitos
agudos da crioterapia na transferência de peso em
sujeitos com hemiparesia espástica crônica
Acute effects of cryotherapy on weight
transfer in subjects with chronic spastic hemiparesis
Hudson Azevedo
Pinheiro, D.Sc.*, Hellen
Cristina Sousa de Oliveira, Ft.**, Jaqueline Sousa Barroso**, Renan Fangel***
*Docente
do Centro Universitário EuroAmericano de Brasília
(UniEuro), **Graduada em fisioterapia pelo Centro Universitário EuroAmericano de Brasília,
***Doutorando em Ciências e Tecnologias em Saúde pela Universidade de Brasília
(UnB)
Recebido em 18 de
maio de 2018; aceito em 22 de novembro de 2018.
Endereço
de correspondência:
Hudson Azevedo Pinheiro, Rua 37 norte lote 05 bloco A/401, 71919-360 Águas
Claras, Brasília DF, E-mail: hudsonap@gmail.com; Hellen Cristina Sousa de
Oliveira: hellenbbz@gmail.com; Jaqueline Sousa Barroso:
jackehsousa2011@gmail.com; Renan Fangel:
renanfangel@yahoo.com.br.
Resumo
Objetivo: Foi avaliar os
efeitos agudos da crioterapia na transferência de
peso de pacientes hemiparéticos crônicos. Métodos: Estudo transversal composto por
52 pacientes, sendo 24 pacientes hemiparéticos
crônicos e 28 pacientes saudáveis como controles. Utilizou-se a versão
brasileira do Questionário de Waterloo para avaliar a preferência podal
(WFQ-Brasil) para o grupo de pacientes-controle. Foram utilizadas duas balanças
calibradas nas quais foi calculada a razão de simetria (lado parético/lado não parético) em
pacientes hemiparéticos crônicos. Para o grupo
controle, foi calculada uma razão de simetria (lado não dominante/lado
dominante). Foi realizada a imersão do membro inferior acometido dos pacientes hemiparéticos e o lado dominante dos pacientes-controle em
um balde com capacidade de 60 litros, com gelo e água, a uma temperatura
aproximada de até 5ºC, sendo feita a avaliação pré-intervenção
e imediatamente após. Resultados:
Pôde-se observar diferença significativa na transferência de peso em ambos os
grupos após a crioimersão. Conclusão: Conclui-se que a crioimersão
por um período de 30 segundos com temperatura de até 5ºC foi suficiente para
gerar alterações na transferência de peso para o lado parético
resultando em alterações na simetria de sujeitos hemiparéticos
crônicos, e nos controles, o comportamento foi similar com alterações na
transferência de peso para a perna não dominante.
Palavras-chave: acidente vascular
cerebral, paresia, crioterapia.
Abstract
Aim: This study aims to
evaluate the acute effects of cryotherapy immersion
on weight transfer in chronic hemiparetic patients. Methods: The cross-sectional study was
performed with 52 patients, 24 chronic hemiparetic
and 28 healthy controls. The Brazilian version of the Waterloo Footedness
Questionnaire (WFQ-Brazil) was used to evaluate the foot preference of the
control group. Two calibrated balance were used to calculated in chronic hemiparetic patients with which the symmetry ratio (paretic
side/non-paretic side), for the control group, a ratio of symmetry
(non-dominant side/dominant side) was calculated. Immersion of the affected
lower limb of the hemiparetic patients and the
dominant side of the control patients was performed in a 60-litre bucket, with
ice and water, at an approximate temperature of up to 5ºC, and immediately
after this the pre-intervention evaluation was performed. Results: We observed a significant difference in weight transfer in
both groups after cryo immersion. Conclusion: We concluded that the cryo immersion for a period of 30 seconds at a temperature
of up to 5ºC was enough to generate changes in weight transfer, resulting in
changes in the symmetry of chronic hemiparetic and
control patients
Key-words: stroke,
paresis, cryotherapy.
A hemiparesia é a
disfunção motora mais evidente após um acidente vascular cerebral (AVC), o que
gera um recrutamento inadequado dos neurônios motores inferiores, perda
importante da atividade seletiva nos músculos que controlam o tronco; paciente
apresentará uma tendência de manter-se em posição de assimetria postural, com
distribuição de peso alterado sobre hemicorpo não parético, que interfere na capacidade funcional, e pode
ocasionar instabilidade postural e risco de quedas [1-3].
A busca pela simetria
é justificada pela melhora da biomecânica e descarga de peso e do equilíbrio
dinâmico e estático, visto que padrões compensatórios de assimetria corporal,
atribuídos pela hemiparesia, promovem déficit de equilíbrio na posição
ortostática, causando modificação dos limites de estabilidade em que o membro
afetado passa a ser evitado, e o membro não afetado é sobrecarregado [4,5].
A crioterapia
no tratamento da espasticidade tem como objetivo principal reduzir a tensão
visco-elástica mioarticular e facilitar a função
neuromuscular, em que o efeito fisiológico do frio reduz atividade do fuso muscular,
junção neuromuscular e nervos periféricos e eleva seu limiar de disparo,
fazendo com que a estimulação aferente diminua [6].
Vários estudos
demonstram a eficácia do uso do gelo no controle da dor e do edema decorrentes
de processo inflamatório, ou no intuito de minimizar lesões musculares após
treino intenso. No caso das práticas esportivas, contudo, os efeitos da
aplicação do gelo quanto a respostas neuromusculares com frequência de disparo
e velocidade de condução nervosa e as alterações biomecânicas dos tecidos em
resposta ao frio ainda são pouco exploradas apesar do gelo ser uma importante
ferramenta no arsenal fisioterapêutico [7-9].
O objetivo deste
estudo foi avaliar os efeitos agudos da crioterapia
na transferência de peso de pacientes hemiparéticos
crônicos.
Foi realizado um
estudo transversal no qual a amostra foi definida, por conveniência, em
pacientes hemiparéticos crônicos, selecionados a
partir do atendimento em um ambulatório de fisioterapia pertencente ao Sistema
Único de Saúde (SUS) situado no Distrito Federal, e um grupo controle pareado
composto por indivíduos saudáveis formado por familiares, cuidadores e alunos
do curso de fisioterapia do Centro Universitário EuroAmericano de Brasília.
Os critérios de
inclusão para o grupo hemiparético foram: um único
AVC com mais de seis meses de evolução; espasticidade leve a moderada (até 2 na escala de Ashworth
modificada); ausência de alteração significativa na comunicação, de linguagem e
memória (afasia) que permita ao menos seguir comandos verbais simples; e
capacidade de deambular de forma independente por ao menos 10 metros sem
auxílio locomoção ou órtese. Já para o grupo controle, selecionaram-se sujeitos
pareados pelo sexo e idade, sem histórico de doença ortopédica e/ou neurológica
nos últimos seis meses.
Adotou-se como
critérios de exclusão para ambos os grupos: presença de ferida plantar;
histórico de fraturas em membros inferiores; fenômeno de Raynaud
positivo ou intolerância ao frio.
A coleta ocorreu
entre julho e setembro de 2017. Primeiramente os participantes receberam
informações sobre a pesquisa, preencheram o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE), e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da
UniEuro sob parecer
287.783/13.
O estudo foi dividido
em quatro momentos e realizado em um único conforme descrito a seguir:
Momento
1
Avaliação da
transferência de peso em posição ortostática, calculada pela simetria entre o
lado afetado e não afetado do participante hemiparético,
realizado por meio da medida do peso descarregado em cada membro inferior
avaliado por duas balanças calibradas com visor digital da marca Iplenna® com capacidade de 150 kg.
Os sujeitos foram
posicionados descalços, com os pés alinhados e apoiados em cada balança,
conforme protocolo de Pereira et al. [10], para
se observar a estabilidade na indicação dos valores inteiros apresentados pelo
visor de cada balança, anotando-se, então, a leitura bilateral obtida. Os
valores para cada membro foram registrados como valores de transferência no
lado afetado (LA) e não afetado (LNA) e, depois, foi calculada a razão de
simetria (RS) conforme a equação e figura 1.
RS=LA/LNA
Figura
1 - Mensuração da transferência de peso
utilizando duas balanças.
Momento
2
Foi realizada de
forma passiva e com a ajuda do fisioterapeuta a imersão do membro inferior parético em um balde com capacidade de 60 litros, com gelo
e água a uma temperatura de 0°C a 5°C, no qual o segmento era submerso até a
linha interarticular do joelho no intuito de inibir a atividade muscular tanto
dos músculos plantiflexores como dorsiflexores
do tornozelo. Durante a realização da intervenção, o examinado permanecia em
posição ortostática e, após o comando, introduzia o membro inferior em teste no
recipiente, mantendo-o imerso por 30 segundos, medidos por meio de um
cronômetro, conforme a figura 2 [11]:
Fonte: Pesquisa
Figura
2 - Protocolo de imersão rápida em gelo durante
30 segundos.
Momento
3
Imediatamente após a
imersão, o membro em questão foi ligeiramente seco com uma toalha de algodão
convencional e o sujeito foi reavaliado por meio da RS descrita no momento 1.
No caso do grupo
controle, optou-se por verificar a mudança do comportamento de distribuição e
razão de simetria a partir da determinação da preferência podal, por meio do
questionário de Waterloo, na versão adaptada para a população brasileira
(WFQ-Brasil). Dois tipos de tarefas eram questionados: manipulação ou
movimentação de um objeto e estabilização do corpo para determinar o lado
dominante de cada indivíduo. A partir dessa informação, realizou-se medida da
distribuição de peso por meio das balanças digitais conforme descrito no
momento 1, diferenciando-se apenas quanto ao cálculo
da razão de simetria, conforme a equação a seguir, sendo LND – lado não
dominante e LD – lado dominante [12]:
RS=LND/LD
Após a determinação
da razão de simetria nos controles, realizou-se os momentos 2
e 3, para que fosse realizada a comparação entre os efeitos agudos da imersão
entre os grupos.
Para análise
estatística, foram utilizadas medidas descritivas e de frequência, comparando
os resultados pré e pós-intervenção utilizando-se o
software SPSS versão 20. Foi realizado o teste de Shapiro-Wilk
para verificar a normalidade dos dados e classificou-se como não paramétrico o
comportamento da razão de simetria. Optou-se por medidas de frequência para
caracterização da amostra e, para os dados paramétricos, utilizaram-se os
testes de qui-quadrado e teste t de Student pareado, considerando o nível de significância de p
< 0,05.
Participaram do
estudo 52 sujeitos, sendo 24 com hemiparesia crônica decorrente de AVC e 28
sujeitos sem hemiparesia crônica, cuja descrição está ilustrada na tabela I, e
não se observou diferenças estatísticas entre os grupos.
Tabela
I - Caracterização dos sujeitos hemiparéticos crônicos e seus controles que participaram do
estudo.
♂ masculino; ♀
feminino; D direito; E esquerdo; ¢ teste qui-quadrado
Ao comparar os
resultados pré e pós-imersão em gelo, observa-se que
houve diferença estatisticamente significativa tanto no grupo hemiparético crônico como no controle, demostrando que
houve mudança de comportamento dessa distribuição de peso, conforme demonstra a
figura 3.
*p < 0,001; RS =
razão de simetria.
Figura
3 - Comportamento da razão de simetria pré e imediatamente após imersão em gelo.
Segundo Knight, após
a aplicação do frio, o potencial de ação nervosa tem maior duração que pode ser
resultado do aumento dos períodos refratários que diminuem o número de fibras
que poderiam disparar em determinado período, reduzindo, assim, a velocidade de
condução e com isso, a informação sobre a percepção sensorial. Neste caso,
provavelmente, o impulso estará chegando ao córtex de forma reduzida, o que
pode ser a causa das mudanças de sensibilidade, que associado com a redução da
descarga fusal, ocorre a
diminuição da descarga elétrica e com isso a redução de tônus muscular, logo
diminuindo a espasticidade [13].
Para certificar-se da
efetividade do resfriamento, como meio para reduzir a espasticidade, é
aconselhável que a crioterapia seja aplicada por
25-30 minutos, pois, com esse tempo, a temperatura gera a diminuição dos
impulsos excitatórios. Em contrapartida, Barbosa et al. [11] observaram que a imersão em gelo utilizada em 30 segundos
foi suficiente para diminuir respostas motoras em sujeitos sem disfunções
neuromusculares, neste caso a força de preensão palmar, e esta alteração
perdurou por mais de 60 minutos após sua aplicação.
Chi, Shih e Chen [14] realizaram um estudo por meio de um modelo
experimental para justificar os efeitos da imersão em água gelada comum em
profissionais que trabalham com pesca, frigoríficos e mergulhadores. Realizaram
também a imersão do membro superior no nível de cotovelo, porém em dois momentos
distintos: o primeiro durante 40min em água morna e o segundo, por 15min em
água gelada. Monitoraram a força de preensão palmar, EMG e desconforto térmico,
e encontraram, por meio de um modelo matemático, que a imersão em água fria tem
grande efeito sobre a pele inicialmente devido à redução brusca da temperatura
e a posteriori diminuindo a força de preensão palmar em virtude da redução da
atividade de EMG da musculatura da mão que começa a ocorrer apenas 15min após
início do protocolo.
No presente estudo,
30 segundos de imersão em águas de até 5ºC foram suficientes para alterar o
comportamento da razão de simetria em sujeitos com hemiparesia crônica e seus
controles, provavelmente pelo desconforto gerado na pele. No caso dos hemiparéticos, levou a uma melhor percepção do segmento
afetado, e nos controles, a percepção no lado dominante tenha diminuído.
Garcia et al. [15] realizaram um estudo com hemiparéticos crônicos para verificar os efeitos de crioterapia por meio de pacote de gelo na espasticidade em
músculos do tornozelo durante 15 min. Os resultados foram mensurados por meio
da escala de Ashworth modificada e verificação de
torque, velocidade e posição articular no espaço (propriocepção) pelo
dinamômetro isocinético, e verificaram que ocorreu a
redução do tônus muscular sem alterar a percepção.
Quando a
transferência de peso modifica-se no sentido lateral, o tronco reage com o
intuito de neutralizar a oscilação do centro de gravidade fazendo-o permanecer
dentro da base de suporte. No hemiparético, o tronco
ajusta-se ao deslocamento do centro de gravidade, mecanismo de compensação em
que a pelve aumenta a inclinação e gera a retração desse segmento, juntamente
com a flexão de quadril e tronco e permanece, assim, em posição fixa com o
centro de gravidade em uma base diminuída, ocasionando a dificuldade em manter
o equilíbrio dinâmico com a transferência de peso deslocada para o lado não
acometido [16,17].
A razão de simetria
calculada neste estudo pré-imersão, utilizando-se duas
balanças, apresentou escores menores que um no grupo hemiparético,
e isto significa que a transferência de peso ocorre
sobre o lado não acometido; já no grupo controle, valores menores que um
indicam transferência sobre o membro inferior dominante conforme os estudos de
Pereira et al. e Camargos
et al. [10,18].
Depois da imersão em
gelo, houve inversão nos escores da razão de simetria, sendo estes maiores que
um, indicando que nos hemiparéticos houve
transferência de peso maior para o lado acometido, e nos controles, uma maior
transferência para o lado não dominante, que não foi submetido à crioterapia.
Um estudo demonstrou
a redução da velocidade de condução nervosa e de contração muscular em atletas
universitários do sexo masculino, após a imersão em água gelada, também até
5ºC, utilizando para isso a eletromiografia de superfície (EMG). No protocolo
experimental utilizaram imersões entre 10, 20 ou 30 minutos de duração, e os
resultados mais significativos ocorreram após 20 minutos, e ainda relataram que
após o experimento, as alterações sensoriais perduraram por mais de 30 minutos,
sendo tais mudanças ocorridas justificadas por alterações no controle
neuromuscular [19]. No presente estudo, foi verificado que tais alterações no
comportamento neuromuscular no caso dos hemiparéticos
proporcionaram transferência de peso para o lado acometido de forma rápida e
efetiva, proporcionando uma estratégia terapêutica de baixo custo e efetiva
para promover os ajustes necessários ao controle postural durante o
atendimento.
Os efeitos da imersão
em água gelada foram verificados em uma metanálise,
em que os autores estabeleceram padronização sobre tempo de aplicação e
temperatura nas dores musculares após exercício, sendo esta modalidade mais
efetiva que o repouso relativo após atividade física, e estabeleceram que para
esta finalidade, os tempos de imersão deveriam variar entre 11 e 15 minutos, em
temperaturas entre 11 e 15ºC [20]. Observou-se nos controles que 30 segundos
foram suficientes para gerar mudanças no comportamento neuromuscular e mesmo em
uma população distinta. No caso dos hemiparéticos, a
literatura apresenta períodos superiores a 10 minutos
para que ocorra alterações de comportamento muscular mediante a crioterapia, sendo este um diferencial no presente estudo,
em que apenas 30 segundos foram suficientes para induzir mudanças no
comportamento tanto em hemiparéticos crônicos como em
controles sadios.
Em outro estudo
compararam-se os efeitos da crioterapia nas respostas
motoras e sensitivas em três modalidades distintas: compressa de gelo, massagem
com gelo e imersão em água gelada e verificaram que dentre estas, a imersão em
gelo foi a mais efetiva e indicada para as mais variadas modalidades
terapêuticas [21,22]. Tais achados corroboram o presente estudo divergindo
apenas quanto ao tempo de aplicação da imersão em água gelada, neste caso
apenas 30 segundos.
O presente estudo
encontrou limitações pela falta de estudos comparativos com o mesmo período de
imersão em gelo por um período menor que um minuto, e que verificassem os
efeitos crônicos da imersão e repercussões na funcionalidade e marcha. Logo,
sugere-se que novos estudos sejam realizados, com maior número de participantes
e, também, que se tenha um método mais específico de avaliação, como baropodometria, para se observar maiores detalhes sobre os
resultados do estudo.
Conclui-se que a
imersão em gelo por um período de 30 segundos com temperatura de até 5ºC foi
suficiente para gerar alteração na transferência de peso para o lado par ético,
resultando em alterações na simetria de sujeitos hemiparéticos
crônicos. E nos controles o comportamento foi similar com alterações na
transferência de peso para a perna não dominante