ARTIGO
ORIGINAL
Disfunções
dos músculos do assoalho pélvico em mulheres que realizam o exame preventivo de
câncer de colo de útero
Pelvic floor dysfunctions
in women undergoing cervical cancer screening
Helena Goldbach Reis*, Maiara Gonçalves
dos Santos, Ft., M.Sc.**, Karoline Sousa Scarabelot, Ft., M.Sc.**, Janeisa Franck Virtuoso, D.Sc.***
*Curso de
Fisioterapia, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC), Centro Araranguá, Araranguá/SC, **Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Reabilitação, Universidade Federal de Santa Catarina (PPGCR-UFSC),
Centro Araranguá, Araranguá/SC, ***Professora efetiva do curso de Fisioterapia
da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Centro Araranguá,
Araranguá/SC
Recebido em 5 de junho
de 2018; aceito em 23 de maio de 2019.
Correspondência: Maiara
Gonçalves dos Santos, Rodovia Governador Jorge Lacerda, 3201, Km 35,4, Jardim
das Avenidas, 88906-072 Araranguá SC, E-mail: maiara.santos@posgrad.ufsc.br;
Helena Goldbach Reis: helenagreis4@gmail.com;
Karoline Sousa Scarabelot:
karoline.scarabelot@posgrad.ufsc.br; Janeisa Franck Virtuoso: janeisa.virtuoso@ufsc.br
Resumo
Introdução:
As disfunções dos
músculos do assoalho pélvico (DMAP) ocorrem devido a
alterações das estruturas
da região pélvica. A identificação de
sintomas no exame preventivo de câncer de
colo de útero é importante para aprimorar
políticas públicas de atenção à
saúde
da mulher. Objetivo: Analisar a
prevalência de DMAP em mulheres que realizam exame preventivo de câncer de colo
de útero. Métodos: Tratou-se de um
estudo transversal cuja população foi composta por 64 mulheres adultas. Os
instrumentos de pesquisa utilizados foram ficha de identificação de DMAP e ficha
de identificação de fatores associados as DMAP. Resultados:
Constipação (40,6%), incontinência urinária (IU) (39,1%) e dispareunia (23,4%)
foram as mais prevalentes, com 39,1% das mulheres apresentando sintomas
de uma
única disfunção, 21,9% duas
disfunções e 9,4% associação de três
disfunções,
44% das mulheres com IU também apresentam
constipação e 28% com IU apresentavam
dispareunia. Nenhum fator demonstrou associação à
constipação, IU demonstrou
uma tendência à associação ao consumo de
cafeína e dispareunia ao uso de
medicamentos Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina. Conclusão: Observou-se maior prevalência
de constipação, IU e dispareunia destacando-se a sobreposição de sintomas,
enfatizando a importância da detecção precoce das DMAP ainda na atenção
primária.
Palavras-chave: assoalho pélvico,
constipação intestinal, incontinência urinária, dispareunia.
Abstract
Introduction:
Pelvic floor dysfunctions (PFD) occur due to changes in the structures
of the
pelvic region. The identification of symptoms in the cervical
cancer screening is important to improve public health care for women. Objective: To analyze the prevalence of
PFD in women who undergo cervical cancer screening test. Methods: This was a cross-sectional study whose population was
composed of 64 adult women. The research instruments used were a PFD
identification form and a PFD identification card. Results: Constipation (40.6%), urinary incontinence (UI) (39.1%) and dyspareunia (23.4%)
were the most prevalent, with 39.1% of the women presenting with a single
dysfunction, 21.9% two dysfunctions and a 9.4% association of three
dysfunctions, 44% of women with UI also presented constipation and 28% with UI
had dyspareunia. No factor was associated with constipation, UI showed a trend
to association with caffeine consumption and dyspareunia with the use of ACE
inhibitors. Conclusion: A higher
prevalence of constipation, UI and dyspareunia was observed, with overlapping
of symptoms, emphasizing the importance of the early detection of PFD still in
the primary care, for the prevention and treatment of these symptoms.
Key-words: pelvic floor,
constipation, urinary incontinence, dyspareunia.
As disfunções dos
músculos do assoalho pélvico (DMAP) ocorrem especialmente em mulheres devido a multiparidade, obesidade, cirurgia pélvica prévia, fatores
comportamentais e hábitos alimentares [1-5]. Essas alterações levam a
disfunções como incontinência urinária (IU) e fecal (IF), prolapsos dos órgãos
pélvicos (POP), constipação e disfunções sexuais [6].
Wu et al. [4] identificaram que 25% das mulheres americanas relatam
uma ou mais DMAP, sendo a IU a disfunção mais prevalente com 17,1%. No estudo
de Berghmans et
al. [3] com 4.473 mulheres adultas, cerca de 46,6% possuíam IU, 41,1%
tinham queixas de POP, 15,1% IA, 12,6% constipação e cerca de 4,6% relataram
problemas sexuais. No contexto nacional, Bezerra et al. [7] avaliaram 172 voluntárias, com média de idade de 53,3
anos e sintomas de DMAP. Os resultados apontaram que 54,6% apresentavam IA, 67%
constipação e 23,21% apresentavam a associação dos sintomas IU e IA.
Na população idosa, Panman et al. [8]
relataram em 2014 que 37% das mulheres sofrem de algum sintoma relacionado às
DMAP. Marques et al. [9] em estudo
com a população idosa de Florianópolis em 2015 constataram que a prevalência da
IU foi e de 36,3% entre as mulheres. Embora as disfunções do MAP não apresentem
alta mortalidade, causam importante morbidade, pois afetam a qualidade de vida
das mulheres, gerando limitações físicas, sociais, financeiras, ocupacionais
e/ou sexuais [10-12].
Nesse contexto, sabe-se
que a Política de Atenção Saúde da Mulher prevê a realização de exame
preventivo regularmente, para prevenção e ou detecção precoce do câncer de colo
de útero, além de outros cuidados à saúde feminina [10,11]. No entanto, apesar
das disfunções dos músculos do assoalho pélvico ser bastante prevalentes, como
citado anteriormente, falta ainda uma Política Pública que priorize a promoção
de saúde para as mulheres no âmbito das disfunções dos músculos do assoalho
pélvico. A identificação dessa disfunção poderia ser realizada no momento do
exame preventivo de câncer de colo de útero, por exemplo, ampliando os
benefícios do exame com a inclusão de uma avaliação fisioterapêutica dos
músculos do assoalho pélvico. Assim, o atendimento multiprofissional mediante
médico, enfermeiro e fisioterapeuta preencheria essa lacuna da política de
atenção à saúde da mulher. Diante da ausência de estudos sobre esses sintomas
na região de Sul de Santa Catarina e a necessidade de aprimorar as políticas
públicas de atenção à saúde da mulher no Brasil, o presente estudo tem como
objetivo analisar os fatores associados às disfunções dos músculos do assoalho
pélvico em mulheres que buscam a realização do exame preventivo de câncer de
colo de útero.
Trata-se de um estudo
transversal em que a amostra foi composta por 64 mulheres que buscaram a
realização do exame preventivo de câncer de colo de útero nas Unidades Básicas
de Saúde do município de Araranguá/SC. Foram incluídas mulheres em idade
reprodutiva e mulheres na menopausa. As coletas foram conduzidas durante o mês
de outubro, quando a divulgação do exame preventivo se intensifica. Foram
excluídas do estudo mulheres com idade inferior a 18 anos e/ou gestantes.
A presença das
disfunções dos músculos do assoalho pélvico foi identificada por meio do relato
de sintomas, em um questionário elaborado com base na literatura [12,13]. A
incontinência urinária foi avaliada por meio da questão: "Durante o último
ano, você perdeu urina involuntariamente pelo menos uma vez no mês?".
Quando a resposta foi positiva, caracterizou-se como presença de sintomas de
IU. A constipação foi identificada por meio da questão: “Possui intestino preso
(ir menos do que três vezes ao banheiro na semana?)”. Quando a resposta foi
positiva caracterizou a presença de constipação. A incontinência fecal foi
avaliada por meio da questão: “Possui sintomas de incontinência fecal?”. Se a
resposta foi positiva, demonstrou a presença de sintomas da IF. O prolapso
genital foi avaliado pela pergunta: “Você percebe um “caroço” ou “bola”
descendo pela sua vagina?”. Quando a resposta foi positiva, caracterizou-se
como presença de sintomas de prolapso. Por fim, a dispareunia foi a disfunção sexual
avaliada no presente estudo, reconhecida pela pergunta: “Você sente dor durante
a relação sexual?”. Quando a resposta foi positiva, caracterizou-se como
presença de dispareunia [12,13].
Os fatores associados
às DMAP foram avaliados por meio de uma ficha de identificação, aplicada em
forma de entrevista classificados em: ginecológicos (tempo de menopausa),
obstétricos (tipo de partos) clínicos (presença de hipertensão arterial e
depressão e uso de anti-hipertensivos), comportamentais (consumo de tabaco,
consumo de cafeína e prática de atividade física) e antropométricos (Índice de
Massa Corporal - IMC) sendo considerado sobrepeso IMC > 25,0 kg/m² [14].
Essa ficha de avaliação tomou como base os fatores associados para as
disfunções dos músculos do assoalho pélvico conhecidos na literatura [12-15].
Dados sociodemográficos como, idade, estado civil, escolaridade, renda mensal
em salários mínimos (SM) e ocupação também foram coletados para caracterizar a
amostra.
Os dados foram
armazenados e analisados no pacote estatístico SPSS – Statistical Package for Social Sciences
(versão 20.0). Inicialmente, todas as variáveis foram analisadas
descritivamente por meio de frequência simples e porcentagens (variáveis categóricas)
e medidas de posição e dispersão (variáveis numéricas). Na análise inferencial,
utilizou-se os testes de Qui-Quadrado (c2) ou Exato de Fisher
para associação bivariada entre os fatores associados e a presença das
principais disfunções dos músculos do assoalho pélvico dessa amostra. O nível
de significância adotado foi de 5%.
Este estudo foi
aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa, de acordo com o CAAE
53023716.0.0000.0121.
Foram entrevistadas 64
mulheres que realizaram, durante o período de coleta, o exame preventivo de
câncer do colo do útero. A média de idade da amostra foi de 46,83 ± 15,24 anos,
com a maioria casada (59,4%), tinham até o segundo grau completo (34,4%), 20,4%
das mulheres que trabalhavam eram empregadas no comércio do município de
Araranguá e possuíam renda mensal de até 3 salários mínimos (48,4%).
Quanto a presença das DMAPs, 70,3% apresentavam alguma disfunção. As mais
frequentes foram constipação intestinal (40,6%), incontinência urinária
(39,1%), dispareunia (23,4%), incontinência fecal (4,7%), seguido por prolapso
de órgãos pélvicos (3,1%), representado no Gráfico 1.
Gráfico 1 - Ocorrência de disfunções do assoalho pélvico em mulheres que buscaram a
realização do exame preventivo de câncer de colo de útero nas Unidades Básicas
de Saúde do município de Araranguá/SC (n= 64).
Entre as DMAPs encontradas, 39,1% das mulheres apresentaram sintomas
de uma única disfunção, enquanto 21,9% relataram duas disfunções e 9,4%
afirmaram a associação de três disfunções, e 44% das mulheres com IU também
apresentam constipação e 28% das mulheres com IU também apresentam dispareunia.
Esses resultados apontam que as DMAPs não aparecem
sozinhas, mas em associação com uma segunda disfunção.
Com relação aos fatores
associados, foram definidos como desfechos apenas as disfunções mais
prevalentes (constipação intestinal, incontinência urinária e dispareunia). Na
Tabela I, observa-se que nenhum dos fatores está associado à constipação.
Embora as mulheres com sintomas de constipação também não eram fumantes (p =
0,03), acredita-se que essa associação tenha se dado ao acaso.
Tabela I - Associação entre fatores de risco e a presença de constipação
intestinal em mulheres que buscaram a realização do exame preventivo de câncer
de colo de útero nas Unidades Básicas de Saúde do município de Araranguá/SC (n=
64).
HAS = Hipertensão Arterial
Sistêmica; IECA = Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina; IMC = Índice
de Massa Corporal.
Observa-se na Tabela II
a ausência de fatores associados à incontinência urinária, no entanto, nota-se
uma tendência a associação entre o consumo exacerbado de café (p= 0,06) e a
ocorrência desse sintoma.
Tabela II - Associação entre fatores de risco e a presença de incontinência
urinária em mulheres que buscaram a realização do exame preventivo de câncer de
colo de útero nas Unidades Básicas de Saúde do município de Araranguá/SC (n=
64).
HAS = Hipertensão
arterial sistêmica; IECA = Inibidores da enzima conversora de angiotensina; IMC
= Índice de massa corporal; IU = Incontinência Urinária; *p < 0,05.
Na Tabela III, observa-se
associação entre a presença de dispareunia e o uso de medicamentos inibidores
da enzima conversora de angiotensina (IECA), (p = 0,04), de modo que 46,7% das
mulheres que apresentam esse sintoma utilizam esse medicamento. Quanto aos
demais fatores de risco, não houve associação.
Tabela
III - Associação entre fatores de risco e a
presença de dispareunia em mulheres que buscaram a realização do exame
preventivo de câncer de colo de útero nas Unidades Básicas de Saúde do
município de Araranguá/SC.
HAS = Hipertensão
arterial sistêmica; IECA = Inibidores da enzima conversora de angiotensina; IMC
= Índice de massa corporal; *p<0,05.
No presente estudo,
destacou-se a alta prevalência de DMAPs em mulheres
que realizam o exame preventivo, e a disfunção mais frequente foi a constipação
intestinal, seguida da incontinência urinária e a dispareunia. Pode-se observar
ainda que essas disfunções não se apresentam sozinhas e que a associação com
uma segunda disfunção é comum, já que grande parte das mulheres com IU também
apresentaram constipação e dispareunia.
Com relação aos fatores
de risco associados as DMAP, observou-se que não houve associação entre a
constipação e os fatores analisados, ainda que as mulheres que não eram
fumantes apresentavam essa disfunção. Com relação aos fatores associados a IU,
houve uma tendência a associação ao consumo de café e quanto a presença de
dispareunia houve associação com o uso de medicamentos IECA.
Entre os resultados,
destaca-se a alta prevalência de disfunções dos músculos do assoalho pélvico,
em que mais da metade da amostra avaliada apresenta algum tipo de disfunção
(70,3%). Em recente estudo realizado por Frota et al. [16] em uma amostra de 216 mulheres com média de idade de 58
anos, a prevalência de DMAP foi de 58,33%. Além disso, nesse mesmo estudo
observaram que com o avanço da idade esses sintomas tendem a aumentar. Nygaard et al.
[17] demonstraram que 40% das mulheres acima de 60 anos e 53% acima dos 80 anos
apresentam pelo menos uma DMAP. Wu et al. [4] confirmam esses achados relatando
que a prevalência de DMAP aumenta com o envelhecimento, uma vez que mulheres
com idades entre 50 e 59 anos apresentavam cerca de 31,6% de DMAP e esse número
aumenta para 52,7% em mulheres acima de 80 anos de idade.
A constipação
intestinal foi a disfunção mais prevalente (40,6%) no estudo. Resultados
semelhantes foram encontrados por Jelovsek et al. [18] em uma amostra de 302
idosas, em que 36% apresentavam constipação, e no estudo de Bezerra et al. [7], em uma amostra de 172
mulheres de meia idade, a prevalência de constipação foi de 67%. No entanto, a
constipação não se associou com os fatores de risco analisados, embora tenha
sido observado que mulheres com esses sintomas não são fumantes. Acredita-se
que essa associação pode ter se dado ao acaso, já que não está bem esclarecido
na literatura se o consumo de tabaco interfere diretamente nessa disfunção.
Além disso, outros fatores podem estar associados como hábitos alimentares ou
motivos emocionais, que não foram contemplados nesse estudo [19-22].
A segunda DMAP mais
frequente foi a IU (39,1%). Essa alta prevalência também foi observada em
estudo transversal recentemente realizado por Luo et al. [23] em uma amostra de 249
mulheres, com média de idade de 40 anos, em que a prevalência de IU foi de
41,74%. Quanto aos fatores de risco, observou-se uma tendência de associação
com o consumo de café. A cafeína possui uma ação diurética nos rins, aumentando
o volume urinário, em alta concentração, pode causar instabilidade do músculo
detrusor e, consequentemente, perda involuntária de urina [23-25]. O aumento da
pressão na bexiga cheia indica uma diminuição da capacidade vesical,
provavelmente sendo a cafeína responsável por este sintoma, podendo não ser um
efeito puramente diurético [24,25].
Recentemente um estudo
de Baek et al.
[25], com 4.028 mulheres pós-menopausa, relataram que uma maior ingestão de
cafeína aumenta significativamente a prevalência de IU. Ainda nesse sentido,
estudo conduzido por Gleason et al. [26] reportaram que o consumo diário de 204 mg de cafeína ou
mais tem associação com uma maior prevalência de IU. Jura et al. [24] também
demonstraram que o alto consumo de cafeína (mais de 450 mg por dia) aumenta
incontinência urinária de urgência (IUU), no entanto não está relacionado com
os sintomas aos esforços e mistos. Com base nesses achados, sugere-se uma
estratégia de redução do consumo de cafeína, como o proposto por Bryant et al. [27], em mulheres com idade média
de 56 anos apresentando IUU. Os resultados desse estudo demonstraram que, a
diminuição de 100mg de cafeína diária, proporcionam melhorias significativas
nos episódios de urgência, e perda urinária [27].
A dispareunia também
foi uma disfunção frequente na amostra analisada (23,4%). Comprovando essa alta
prevalência, Nascimento et al. [28]
observaram em uma amostra de mulheres brasileiras hipertensas, com média de
idade 56,4 anos a prevalência de 56,1% de dispareunia.
Com relação aos fatores
de risco associados a dispareunia, demonstrou-se que a utilização de
medicamentos inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) é um fator
associado. Os estudos afirmam que utilização desse medicamento pode ter papel
oposto na disfunção sexual, como observado por Thomas et al. [29], que observaram a relação entre anti-hipertensivos e
função sexual em 3.332 idosas, 26,5% delas eram ativas sexualmente, e as que
utilizavam medicamentos IECA tinham maior probabilidade de serem ativas
sexualmente comparadas as que não utilizavam esse medicamento. Os medicamentos
IECA diminuem a degradação de bradicinina, levando a um acúmulo de oxido
nítrico no endotélio, que por sua vez aumenta o fluxo sanguíneo do clitóris e
melhora a excitação, isso pode justificar uma maior prevalência de atividade
sexual nas mulheres que utilizam esse medicamento [29,30]. Sugere-se que a
idade possa ser uma variável influenciadora uma vez que a maioria das mulheres
do presente estudo não eram idosas como no estudo citado anteriormente.
Embora não haja
evidências de que a hipertensão arterial se associe com a dispareunia, Duncan et al. [31] descobriram em estudo com
mulheres hipertensas em pré-menopausa, que 24,1% apresentavam lubrificação
diminuída, o que pode provocar dispareunia. Acredita-se que a hipertensão
arterial, como doença sistêmica, afeta os vasos sanguíneos em todo o corpo, bem
como a vascularização da área genital [31-33]. Portanto, se os vasos sanguíneos
estão afetados pela hipertensão arterial, ocorre a diminuição do fluxo
sanguíneo na região genital, durante a excitação sexual, levando a diminuição
da lubrificação e consequentemente a dispareunia [32,33].
Esses achados enfatizam
a necessidade da avaliação da atividade sexual, bem como das disfunções em
mulheres hipertensas e normotensas, que fazem uso ou não de medicamentos
anti-hipertensivos. Além disso, um acompanhamento multidisciplinar é de suma
importância, a fim de minimizar os sintomas das disfunções. Sugere-se que
estudos futuros com uma amostra mais expressiva possam determinar se o uso de
anti-hipertensivos está diretamente associado à disfunção sexual ou se ele
reflete comorbidades.
Observa-se uma alta
ocorrência de sobreposição de sintomas de DMAP no presente estudo, em que 21,1%
das mulheres avaliadas apresentavam dois sintomas e 9,4% apresentavam 3
disfunções. Berghmans et al. [3] confirmam em seu estudo de prevalência de DMAPs em mulheres de meia idade, que cerca de 40,5% da
amostra apresentava uma combinação de disfunção miccional com outros seis tipos
de disfunções. 25,7% foram associações de IU com duas DMAPs
e 5,2% foram combinações de IU com outros três problemas, no mesmo estudo,
verificou-se que as queixas de prolapsos de órgãos pélvicos (POP) eram
observadas em 41,1% da amostra, precedendo a IU (46,6%), que por sua vez eram
seguidas por disfunções sexuais (4,6%). Indivíduos que possuíam POP associado a
IU ou a IA tinham probabilidade de apresentarem DF significativamente maior
[3]. Entre as mulheres avaliadas, 44% apresentavam IU e constipação intestinal
associados, e 28% apresentavam IU e dispareunia. Resultado semelhante foi
encontrado por Soligo et al. [34] em que houve uma prevalência de 32% de constipação em
mulheres que apresentavam algum sintoma urinário e/ou prolapso de órgão
pélvico. Esse padrão também pode ser observado no estudo de Jelovsek
et al. [18] corroborando nossos
achados, em uma amostra de 302 idosas com IU e POP, identificaram que 19% das
participantes apresentavam constipação e distúrbios anorretais dolorosos (25%),
associados a IU e POP. Embora os estágios de POP tenham sido graves (estágio 3
e 4) a prevalência de constipação é semelhante comparada as que apresentam
somente IU. Já Bezerra et al. [7], em 172 mulheres de meia idade, relataram que
23,21% das mulheres que possuíam IU, também apresentavam IA. Acredita-se que
essa combinação de sintomas ocorra, pois, essas disfunções compartilham a mesma
etiologia (fraqueza muscular), e não apenas uma disfunção levar a outra.
Observa-se a
importância de avaliar a relação entre as múltiplas condições de saúde do
indivíduo, para determinar a causa e a melhor forma de tratamento para cada
condição apresentada [7,34]. Ressalta-se ainda a importância e a eficiência de
um sistema de triagem mais aprofundado e multiprofissional para a identificação
de DMAP ainda na atenção primária, para que dessa forma os pacientes recebam um
tratamento eficaz. Enfatiza-se, portanto, a importância de capacitar
profissionais para auxiliar na prevenção e no tratamento dos possíveis sintomas
que essa população poderá apresentar no futuro, tendo em vista que a
prevalência pode aumentar com o avanço da idade.
Embora os resultados
tenham sido importantes para a compreensão de como comportam-se as DMAP entre
mulheres que buscam a realização do exame preventivo de câncer de colo de
útero, aponta-se como limitações do estudo o tamanho reduzido da amostra
limitado a capacidade de detectar associações entre os fatores de risco
analisados. Além disso, não foram utilizados questionários específicos para
verificar e quantificar as DMAPs, pois optou-se
apenas em analisar as disfunções mais prevalentes.
As DMAPs
mais prevalentes foram a constipação, incontinência urinária e a dispareunia,
sendo comum a sobreposição de sintomas, não houve associação da constipação com
os fatores de risco analisados. O consumo exacerbado de café apresentou uma
tendência associada à presença de incontinência urinária enquanto o uso de
medicamentos inibidores da enzima conversora de angiotensina associou-se com a
ocorrência de dispareunia. O entendimento dos fatores associados e das
disfunções comuns entre mulheres que buscam o exame preventivo do câncer de
colo de útero é importante para a detecção precoce das DMAP, ainda na atenção
primária, para que dessa forma os profissionais possam auxiliar na prevenção e
tratamento desses sintomas.