ARTIGO ORIGINAL

Disfunções dos músculos do assoalho pélvico em mulheres que realizam o exame preventivo de câncer de colo de útero

Pelvic floor dysfunctions in women undergoing cervical cancer screening

 

Helena Goldbach Reis*, Maiara Gonçalves dos Santos, Ft., M.Sc.**, Karoline Sousa Scarabelot, Ft., M.Sc.**, Janeisa Franck Virtuoso, D.Sc.***

 

*Curso de Fisioterapia, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Centro Araranguá, Araranguá/SC, **Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação, Universidade Federal de Santa Catarina (PPGCR-UFSC), Centro Araranguá, Araranguá/SC, ***Professora efetiva do curso de Fisioterapia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Centro Araranguá, Araranguá/SC

 

Recebido em 5 de junho de 2018; aceito em 23 de maio de 2019.

Correspondência: Maiara Gonçalves dos Santos, Rodovia Governador Jorge Lacerda, 3201, Km 35,4, Jardim das Avenidas, 88906-072 Araranguá SC, E-mail: maiara.santos@posgrad.ufsc.br; Helena Goldbach Reis: helenagreis4@gmail.com; Karoline Sousa Scarabelot: karoline.scarabelot@posgrad.ufsc.br; Janeisa Franck Virtuoso: janeisa.virtuoso@ufsc.br

 

Resumo

Introdução: As disfunções dos músculos do assoalho pélvico (DMAP) ocorrem devido a alterações das estruturas da região pélvica. A identificação de sintomas no exame preventivo de câncer de colo de útero é importante para aprimorar políticas públicas de atenção à saúde da mulher. Objetivo: Analisar a prevalência de DMAP em mulheres que realizam exame preventivo de câncer de colo de útero. Métodos: Tratou-se de um estudo transversal cuja população foi composta por 64 mulheres adultas. Os instrumentos de pesquisa utilizados foram ficha de identificação de DMAP e ficha de identificação de fatores associados as DMAP. Resultados: Constipação (40,6%), incontinência urinária (IU) (39,1%) e dispareunia (23,4%) foram as mais prevalentes, com 39,1% das mulheres apresentando sintomas de uma única disfunção, 21,9% duas disfunções e 9,4% associação de três disfunções, 44% das mulheres com IU também apresentam constipação e 28% com IU apresentavam dispareunia. Nenhum fator demonstrou associação à constipação, IU demonstrou uma tendência à associação ao consumo de cafeína e dispareunia ao uso de medicamentos Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina. Conclusão: Observou-se maior prevalência de constipação, IU e dispareunia destacando-se a sobreposição de sintomas, enfatizando a importância da detecção precoce das DMAP ainda na atenção primária.

Palavras-chave: assoalho pélvico, constipação intestinal, incontinência urinária, dispareunia.

 

Abstract

Introduction: Pelvic floor dysfunctions (PFD) occur due to changes in the structures of the pelvic region. The identification of symptoms in the cervical cancer screening is important to improve public health care for women. Objective: To analyze the prevalence of PFD in women who undergo cervical cancer screening test. Methods: This was a cross-sectional study whose population was composed of 64 adult women. The research instruments used were a PFD identification form and a PFD identification card. Results: Constipation (40.6%), urinary incontinence (UI) (39.1%) and dyspareunia (23.4%) were the most prevalent, with 39.1% of the women presenting with a single dysfunction, 21.9% two dysfunctions and a 9.4% association of three dysfunctions, 44% of women with UI also presented constipation and 28% with UI had dyspareunia. No factor was associated with constipation, UI showed a trend to association with caffeine consumption and dyspareunia with the use of ACE inhibitors. Conclusion: A higher prevalence of constipation, UI and dyspareunia was observed, with overlapping of symptoms, emphasizing the importance of the early detection of PFD still in the primary care, for the prevention and treatment of these symptoms.

Key-words: pelvic floor, constipation, urinary incontinence, dyspareunia.

 

Introdução

 

As disfunções dos músculos do assoalho pélvico (DMAP) ocorrem especialmente em mulheres devido a multiparidade, obesidade, cirurgia pélvica prévia, fatores comportamentais e hábitos alimentares [1-5]. Essas alterações levam a disfunções como incontinência urinária (IU) e fecal (IF), prolapsos dos órgãos pélvicos (POP), constipação e disfunções sexuais [6].

Wu et al. [4] identificaram que 25% das mulheres americanas relatam uma ou mais DMAP, sendo a IU a disfunção mais prevalente com 17,1%. No estudo de Berghmans et al. [3] com 4.473 mulheres adultas, cerca de 46,6% possuíam IU, 41,1% tinham queixas de POP, 15,1% IA, 12,6% constipação e cerca de 4,6% relataram problemas sexuais. No contexto nacional, Bezerra et al. [7] avaliaram 172 voluntárias, com média de idade de 53,3 anos e sintomas de DMAP. Os resultados apontaram que 54,6% apresentavam IA, 67% constipação e 23,21% apresentavam a associação dos sintomas IU e IA.

Na população idosa, Panman et al. [8] relataram em 2014 que 37% das mulheres sofrem de algum sintoma relacionado às DMAP. Marques et al. [9] em estudo com a população idosa de Florianópolis em 2015 constataram que a prevalência da IU foi e de 36,3% entre as mulheres. Embora as disfunções do MAP não apresentem alta mortalidade, causam importante morbidade, pois afetam a qualidade de vida das mulheres, gerando limitações físicas, sociais, financeiras, ocupacionais e/ou sexuais [10-12].

Nesse contexto, sabe-se que a Política de Atenção Saúde da Mulher prevê a realização de exame preventivo regularmente, para prevenção e ou detecção precoce do câncer de colo de útero, além de outros cuidados à saúde feminina [10,11]. No entanto, apesar das disfunções dos músculos do assoalho pélvico ser bastante prevalentes, como citado anteriormente, falta ainda uma Política Pública que priorize a promoção de saúde para as mulheres no âmbito das disfunções dos músculos do assoalho pélvico. A identificação dessa disfunção poderia ser realizada no momento do exame preventivo de câncer de colo de útero, por exemplo, ampliando os benefícios do exame com a inclusão de uma avaliação fisioterapêutica dos músculos do assoalho pélvico. Assim, o atendimento multiprofissional mediante médico, enfermeiro e fisioterapeuta preencheria essa lacuna da política de atenção à saúde da mulher. Diante da ausência de estudos sobre esses sintomas na região de Sul de Santa Catarina e a necessidade de aprimorar as políticas públicas de atenção à saúde da mulher no Brasil, o presente estudo tem como objetivo analisar os fatores associados às disfunções dos músculos do assoalho pélvico em mulheres que buscam a realização do exame preventivo de câncer de colo de útero.

 

Material e métodos

 

Trata-se de um estudo transversal em que a amostra foi composta por 64 mulheres que buscaram a realização do exame preventivo de câncer de colo de útero nas Unidades Básicas de Saúde do município de Araranguá/SC. Foram incluídas mulheres em idade reprodutiva e mulheres na menopausa. As coletas foram conduzidas durante o mês de outubro, quando a divulgação do exame preventivo se intensifica. Foram excluídas do estudo mulheres com idade inferior a 18 anos e/ou gestantes.

A presença das disfunções dos músculos do assoalho pélvico foi identificada por meio do relato de sintomas, em um questionário elaborado com base na literatura [12,13]. A incontinência urinária foi avaliada por meio da questão: "Durante o último ano, você perdeu urina involuntariamente pelo menos uma vez no mês?". Quando a resposta foi positiva, caracterizou-se como presença de sintomas de IU. A constipação foi identificada por meio da questão: “Possui intestino preso (ir menos do que três vezes ao banheiro na semana?)”. Quando a resposta foi positiva caracterizou a presença de constipação. A incontinência fecal foi avaliada por meio da questão: “Possui sintomas de incontinência fecal?”. Se a resposta foi positiva, demonstrou a presença de sintomas da IF. O prolapso genital foi avaliado pela pergunta: “Você percebe um “caroço” ou “bola” descendo pela sua vagina?”. Quando a resposta foi positiva, caracterizou-se como presença de sintomas de prolapso. Por fim, a dispareunia foi a disfunção sexual avaliada no presente estudo, reconhecida pela pergunta: “Você sente dor durante a relação sexual?”. Quando a resposta foi positiva, caracterizou-se como presença de dispareunia [12,13].

Os fatores associados às DMAP foram avaliados por meio de uma ficha de identificação, aplicada em forma de entrevista classificados em: ginecológicos (tempo de menopausa), obstétricos (tipo de partos) clínicos (presença de hipertensão arterial e depressão e uso de anti-hipertensivos), comportamentais (consumo de tabaco, consumo de cafeína e prática de atividade física) e antropométricos (Índice de Massa Corporal - IMC) sendo considerado sobrepeso IMC > 25,0 kg/m² [14]. Essa ficha de avaliação tomou como base os fatores associados para as disfunções dos músculos do assoalho pélvico conhecidos na literatura [12-15]. Dados sociodemográficos como, idade, estado civil, escolaridade, renda mensal em salários mínimos (SM) e ocupação também foram coletados para caracterizar a amostra.

Os dados foram armazenados e analisados no pacote estatístico SPSS – Statistical Package for Social Sciences (versão 20.0). Inicialmente, todas as variáveis foram analisadas descritivamente por meio de frequência simples e porcentagens (variáveis categóricas) e medidas de posição e dispersão (variáveis numéricas). Na análise inferencial, utilizou-se os testes de Qui-Quadrado (c2) ou Exato de Fisher para associação bivariada entre os fatores associados e a presença das principais disfunções dos músculos do assoalho pélvico dessa amostra. O nível de significância adotado foi de 5%.

Este estudo foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa, de acordo com o CAAE 53023716.0.0000.0121.

 

Resultados

 

Foram entrevistadas 64 mulheres que realizaram, durante o período de coleta, o exame preventivo de câncer do colo do útero. A média de idade da amostra foi de 46,83 ± 15,24 anos, com a maioria casada (59,4%), tinham até o segundo grau completo (34,4%), 20,4% das mulheres que trabalhavam eram empregadas no comércio do município de Araranguá e possuíam renda mensal de até 3 salários mínimos (48,4%).

Quanto a presença das DMAPs, 70,3% apresentavam alguma disfunção. As mais frequentes foram constipação intestinal (40,6%), incontinência urinária (39,1%), dispareunia (23,4%), incontinência fecal (4,7%), seguido por prolapso de órgãos pélvicos (3,1%), representado no Gráfico 1.

 

 

Gráfico 1 - Ocorrência de disfunções do assoalho pélvico em mulheres que buscaram a realização do exame preventivo de câncer de colo de útero nas Unidades Básicas de Saúde do município de Araranguá/SC (n= 64).

 

Entre as DMAPs encontradas, 39,1% das mulheres apresentaram sintomas de uma única disfunção, enquanto 21,9% relataram duas disfunções e 9,4% afirmaram a associação de três disfunções, e 44% das mulheres com IU também apresentam constipação e 28% das mulheres com IU também apresentam dispareunia. Esses resultados apontam que as DMAPs não aparecem sozinhas, mas em associação com uma segunda disfunção.

Com relação aos fatores associados, foram definidos como desfechos apenas as disfunções mais prevalentes (constipação intestinal, incontinência urinária e dispareunia). Na Tabela I, observa-se que nenhum dos fatores está associado à constipação. Embora as mulheres com sintomas de constipação também não eram fumantes (p = 0,03), acredita-se que essa associação tenha se dado ao acaso.

 

Tabela I - Associação entre fatores de risco e a presença de constipação intestinal em mulheres que buscaram a realização do exame preventivo de câncer de colo de útero nas Unidades Básicas de Saúde do município de Araranguá/SC (n= 64).

 

HAS = Hipertensão Arterial Sistêmica; IECA = Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina; IMC = Índice de Massa Corporal.

 

Observa-se na Tabela II a ausência de fatores associados à incontinência urinária, no entanto, nota-se uma tendência a associação entre o consumo exacerbado de café (p= 0,06) e a ocorrência desse sintoma.

 

Tabela II - Associação entre fatores de risco e a presença de incontinência urinária em mulheres que buscaram a realização do exame preventivo de câncer de colo de útero nas Unidades Básicas de Saúde do município de Araranguá/SC (n= 64).

 

HAS = Hipertensão arterial sistêmica; IECA = Inibidores da enzima conversora de angiotensina; IMC = Índice de massa corporal; IU = Incontinência Urinária; *p < 0,05.

 

Na Tabela III, observa-se associação entre a presença de dispareunia e o uso de medicamentos inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA), (p = 0,04), de modo que 46,7% das mulheres que apresentam esse sintoma utilizam esse medicamento. Quanto aos demais fatores de risco, não houve associação.

 

Tabela III - Associação entre fatores de risco e a presença de dispareunia em mulheres que buscaram a realização do exame preventivo de câncer de colo de útero nas Unidades Básicas de Saúde do município de Araranguá/SC.

 

HAS = Hipertensão arterial sistêmica; IECA = Inibidores da enzima conversora de angiotensina; IMC = Índice de massa corporal; *p<0,05.

 

Discussão

 

No presente estudo, destacou-se a alta prevalência de DMAPs em mulheres que realizam o exame preventivo, e a disfunção mais frequente foi a constipação intestinal, seguida da incontinência urinária e a dispareunia. Pode-se observar ainda que essas disfunções não se apresentam sozinhas e que a associação com uma segunda disfunção é comum, já que grande parte das mulheres com IU também apresentaram constipação e dispareunia.

Com relação aos fatores de risco associados as DMAP, observou-se que não houve associação entre a constipação e os fatores analisados, ainda que as mulheres que não eram fumantes apresentavam essa disfunção. Com relação aos fatores associados a IU, houve uma tendência a associação ao consumo de café e quanto a presença de dispareunia houve associação com o uso de medicamentos IECA.

Entre os resultados, destaca-se a alta prevalência de disfunções dos músculos do assoalho pélvico, em que mais da metade da amostra avaliada apresenta algum tipo de disfunção (70,3%). Em recente estudo realizado por Frota et al. [16] em uma amostra de 216 mulheres com média de idade de 58 anos, a prevalência de DMAP foi de 58,33%. Além disso, nesse mesmo estudo observaram que com o avanço da idade esses sintomas tendem a aumentar. Nygaard et al. [17] demonstraram que 40% das mulheres acima de 60 anos e 53% acima dos 80 anos apresentam pelo menos uma DMAP. Wu et al. [4] confirmam esses achados relatando que a prevalência de DMAP aumenta com o envelhecimento, uma vez que mulheres com idades entre 50 e 59 anos apresentavam cerca de 31,6% de DMAP e esse número aumenta para 52,7% em mulheres acima de 80 anos de idade.

A constipação intestinal foi a disfunção mais prevalente (40,6%) no estudo. Resultados semelhantes foram encontrados por Jelovsek et al. [18] em uma amostra de 302 idosas, em que 36% apresentavam constipação, e no estudo de Bezerra et al. [7], em uma amostra de 172 mulheres de meia idade, a prevalência de constipação foi de 67%. No entanto, a constipação não se associou com os fatores de risco analisados, embora tenha sido observado que mulheres com esses sintomas não são fumantes. Acredita-se que essa associação pode ter se dado ao acaso, já que não está bem esclarecido na literatura se o consumo de tabaco interfere diretamente nessa disfunção. Além disso, outros fatores podem estar associados como hábitos alimentares ou motivos emocionais, que não foram contemplados nesse estudo [19-22].

A segunda DMAP mais frequente foi a IU (39,1%). Essa alta prevalência também foi observada em estudo transversal recentemente realizado por Luo et al. [23] em uma amostra de 249 mulheres, com média de idade de 40 anos, em que a prevalência de IU foi de 41,74%. Quanto aos fatores de risco, observou-se uma tendência de associação com o consumo de café. A cafeína possui uma ação diurética nos rins, aumentando o volume urinário, em alta concentração, pode causar instabilidade do músculo detrusor e, consequentemente, perda involuntária de urina [23-25]. O aumento da pressão na bexiga cheia indica uma diminuição da capacidade vesical, provavelmente sendo a cafeína responsável por este sintoma, podendo não ser um efeito puramente diurético [24,25].

Recentemente um estudo de Baek et al. [25], com 4.028 mulheres pós-menopausa, relataram que uma maior ingestão de cafeína aumenta significativamente a prevalência de IU. Ainda nesse sentido, estudo conduzido por Gleason et al. [26] reportaram que o consumo diário de 204 mg de cafeína ou mais tem associação com uma maior prevalência de IU. Jura et al. [24] também demonstraram que o alto consumo de cafeína (mais de 450 mg por dia) aumenta incontinência urinária de urgência (IUU), no entanto não está relacionado com os sintomas aos esforços e mistos. Com base nesses achados, sugere-se uma estratégia de redução do consumo de cafeína, como o proposto por Bryant et al. [27], em mulheres com idade média de 56 anos apresentando IUU. Os resultados desse estudo demonstraram que, a diminuição de 100mg de cafeína diária, proporcionam melhorias significativas nos episódios de urgência, e perda urinária [27].

A dispareunia também foi uma disfunção frequente na amostra analisada (23,4%). Comprovando essa alta prevalência, Nascimento et al. [28] observaram em uma amostra de mulheres brasileiras hipertensas, com média de idade 56,4 anos a prevalência de 56,1% de dispareunia.

Com relação aos fatores de risco associados a dispareunia, demonstrou-se que a utilização de medicamentos inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) é um fator associado. Os estudos afirmam que utilização desse medicamento pode ter papel oposto na disfunção sexual, como observado por Thomas et al. [29], que observaram a relação entre anti-hipertensivos e função sexual em 3.332 idosas, 26,5% delas eram ativas sexualmente, e as que utilizavam medicamentos IECA tinham maior probabilidade de serem ativas sexualmente comparadas as que não utilizavam esse medicamento. Os medicamentos IECA diminuem a degradação de bradicinina, levando a um acúmulo de oxido nítrico no endotélio, que por sua vez aumenta o fluxo sanguíneo do clitóris e melhora a excitação, isso pode justificar uma maior prevalência de atividade sexual nas mulheres que utilizam esse medicamento [29,30]. Sugere-se que a idade possa ser uma variável influenciadora uma vez que a maioria das mulheres do presente estudo não eram idosas como no estudo citado anteriormente.

Embora não haja evidências de que a hipertensão arterial se associe com a dispareunia, Duncan et al. [31] descobriram em estudo com mulheres hipertensas em pré-menopausa, que 24,1% apresentavam lubrificação diminuída, o que pode provocar dispareunia. Acredita-se que a hipertensão arterial, como doença sistêmica, afeta os vasos sanguíneos em todo o corpo, bem como a vascularização da área genital [31-33]. Portanto, se os vasos sanguíneos estão afetados pela hipertensão arterial, ocorre a diminuição do fluxo sanguíneo na região genital, durante a excitação sexual, levando a diminuição da lubrificação e consequentemente a dispareunia [32,33].

Esses achados enfatizam a necessidade da avaliação da atividade sexual, bem como das disfunções em mulheres hipertensas e normotensas, que fazem uso ou não de medicamentos anti-hipertensivos. Além disso, um acompanhamento multidisciplinar é de suma importância, a fim de minimizar os sintomas das disfunções. Sugere-se que estudos futuros com uma amostra mais expressiva possam determinar se o uso de anti-hipertensivos está diretamente associado à disfunção sexual ou se ele reflete comorbidades.

Observa-se uma alta ocorrência de sobreposição de sintomas de DMAP no presente estudo, em que 21,1% das mulheres avaliadas apresentavam dois sintomas e 9,4% apresentavam 3 disfunções. Berghmans et al. [3] confirmam em seu estudo de prevalência de DMAPs em mulheres de meia idade, que cerca de 40,5% da amostra apresentava uma combinação de disfunção miccional com outros seis tipos de disfunções. 25,7% foram associações de IU com duas DMAPs e 5,2% foram combinações de IU com outros três problemas, no mesmo estudo, verificou-se que as queixas de prolapsos de órgãos pélvicos (POP) eram observadas em 41,1% da amostra, precedendo a IU (46,6%), que por sua vez eram seguidas por disfunções sexuais (4,6%). Indivíduos que possuíam POP associado a IU ou a IA tinham probabilidade de apresentarem DF significativamente maior [3]. Entre as mulheres avaliadas, 44% apresentavam IU e constipação intestinal associados, e 28% apresentavam IU e dispareunia. Resultado semelhante foi encontrado por Soligo et al. [34] em que houve uma prevalência de 32% de constipação em mulheres que apresentavam algum sintoma urinário e/ou prolapso de órgão pélvico. Esse padrão também pode ser observado no estudo de Jelovsek et al. [18] corroborando nossos achados, em uma amostra de 302 idosas com IU e POP, identificaram que 19% das participantes apresentavam constipação e distúrbios anorretais dolorosos (25%), associados a IU e POP. Embora os estágios de POP tenham sido graves (estágio 3 e 4) a prevalência de constipação é semelhante comparada as que apresentam somente IU. Já Bezerra et al. [7], em 172 mulheres de meia idade, relataram que 23,21% das mulheres que possuíam IU, também apresentavam IA. Acredita-se que essa combinação de sintomas ocorra, pois, essas disfunções compartilham a mesma etiologia (fraqueza muscular), e não apenas uma disfunção levar a outra.

Observa-se a importância de avaliar a relação entre as múltiplas condições de saúde do indivíduo, para determinar a causa e a melhor forma de tratamento para cada condição apresentada [7,34]. Ressalta-se ainda a importância e a eficiência de um sistema de triagem mais aprofundado e multiprofissional para a identificação de DMAP ainda na atenção primária, para que dessa forma os pacientes recebam um tratamento eficaz. Enfatiza-se, portanto, a importância de capacitar profissionais para auxiliar na prevenção e no tratamento dos possíveis sintomas que essa população poderá apresentar no futuro, tendo em vista que a prevalência pode aumentar com o avanço da idade.

Embora os resultados tenham sido importantes para a compreensão de como comportam-se as DMAP entre mulheres que buscam a realização do exame preventivo de câncer de colo de útero, aponta-se como limitações do estudo o tamanho reduzido da amostra limitado a capacidade de detectar associações entre os fatores de risco analisados. Além disso, não foram utilizados questionários específicos para verificar e quantificar as DMAPs, pois optou-se apenas em analisar as disfunções mais prevalentes.

 

Conclusão

 

As DMAPs mais prevalentes foram a constipação, incontinência urinária e a dispareunia, sendo comum a sobreposição de sintomas, não houve associação da constipação com os fatores de risco analisados. O consumo exacerbado de café apresentou uma tendência associada à presença de incontinência urinária enquanto o uso de medicamentos inibidores da enzima conversora de angiotensina associou-se com a ocorrência de dispareunia. O entendimento dos fatores associados e das disfunções comuns entre mulheres que buscam o exame preventivo do câncer de colo de útero é importante para a detecção precoce das DMAP, ainda na atenção primária, para que dessa forma os profissionais possam auxiliar na prevenção e tratamento desses sintomas.

 

Referências

 

  1. Cook MS, Malham LB, Esparza MC, Alperin M. Age-related alterations in female obturator internus muscle. Int Urogynecol J 2017;28(5):729-34. https://doi.org/10.1007/s00192-016-3167-5
  2. Erekson EA, Li FY, Martin DK, Fried TR. Vulvovaginal symptoms prevalence in postmenopausal women and relationship to other menopausal symptoms and pelvic floor disorders. Menopause 2016;23(4):368-75. https://doi.org/10.1097/GME.0000000000000549
  3. Berghmans B, Nieman F, Leue C, Weemhoff M, Breukink S, Van Koeveringe G. Prevalence and triage of first contact complaints on pelvic floor dysfunctions in female patients at a pelvic care centre. Neurourol Urodyn 2016;35(4):503-8. https://doi.org/10.1002/nau.22739
  4. Wu JM, Vaughan CP, Goode PS, Redden DT, Burgio KL, Richter HE et al. Prevalence and trends of symptomatic pelvic floor disorders in U.S. women. Obstet Gynecol 2014;123(1):141-8. https://doi.org/10.1097/AOG.0000000000000057
  5. Chen GD. Pelvic floor dysfunction in aging women. Taiwan J Obstet Gynecol 2007;46(4). https://doi.org/10.1016/S1028-4559(08)60006-6
  6. Resende APM, Nakamura MU, Ferreira EAG, Petricelli CD, Alexandre SM, Zanetti MRD. Eletromiografia de superfície para avaliação dos músculos do assoalho pélvico feminino: revisão de literatura. Fisioter Pesqui 2011;18(3)292-7. https://doi.org/10.1590/S1809-29502011000300016
  7. Bezerra LR, Vasconcelos Neto JA, Vasconcelos CT, Karbage SA, Lima AC, Frota IP et al. Prevalence of unreported bowel symptoms in women with pelvic floor dysfunction and the impact on their quality of life. Int Urogynecol J 2014;25:927-33. https://doi.org/10.1007/s00192-013-2317-2
  8. Panman CMCR, Wiegersma M, Talsma MN, Kollen BJ, Berger MY, Leeuwen YLV et al. Sexual function in older women with pelvic floor symptoms: a cross-sectional study in general practice. Br J Gen Pract 2014;64(620):144-50. https://doi.org/10.3399/bjgp14X677518
  9. Marques LP, Schneider IJC, Giehl MWC, Antes DL, D'Orsi E. Fatores demográficos, condições de saúde e hábitos de vida associados a incontinência urinaria em idosos de Florianópolis, Santa Catarina. Rev Bras Epidemiol 2015;18(3):595-606. https://doi.org/10.1590/1980-5497201500030006
  10. Faria CA, Moraes JR, Monnerat BRD, Verediano KA, Hawerroth PAMM, Fonseca SC. Impacto do tipo de incontinência urinária sobre a qualidade de vida de usuária do Sistema Único de Saúde do Sudeste do Brasil. Rev. Bras. Ginecol. Obstet. 2015;37(8):374-80. https://doi.org/10.1590/SO100-720320150005394
  11. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política nacional de atenção integral à saúde da mulher: princípios e diretrizes / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Brasília: Ministério da Saúde; 2004. p 48-67.
  12. Virtuoso JF, Balbé GP, Hermes JM, Amorim Júnior EE, Fortunato AR, Mazo GZ. Força de preensão manual e aptidões físicas: um estudo preditivo com idosos ativos. Rev Bras Geriatr Gerontol 2014;17(4):775-84. https://doi.org/10.1590/1809-9823.2014.13183
  13. Bo K, Artal R, Barakat R, Brown W, Davies GAL, Dooley M et al. Exercise and pregnancy in recreational and elite athletes: 2016 evidence summary from the IOC expert group meeting, Lausanne. Part 1- exercise in women planning pregnancy and those who are pregnant. Br J Sports Med 2016;50:571-89. https://doi.org/10.1136/bjsports-2016-096218
  14. OMS - Organização Mundial da Saúde. Status Físico: uso e interpretação da antropometria. Geneva: Organização Mundial da Saúde; 1990.
  15. Higa R, Lopes MHBM, Reis MJ. Fatores de risco para incontinência urinária na mulher. Rev Esc Enferm USP 2008;42(1):187-92. https://doi.org/10.1590/S0080-62342008000100025
  16. Frota IPR, Rocha ABO, Neto JAV, Vasconcelos CTM, De Magalhaes TF, Karbage SAL et al. Pelvic floor muscle function and quality of life in postmenopausal women with and without pelvic floor dysfunction. Acta Obstet Gynecol Scand 2018;97(5):552-9. https://doi.org/10.1111/aogs.13305
  17. Nygaard I, Barber MD, Burgio KL, Kenton K, Meikle S, Schaffer J et al. Prevalence of symptomatic pelvic floor disorders in US women. JAMA 2008;300(11):1311-6. https://doi.org/10.1001/jama.300.11.1311
  18. Jelovsek JEJ, Barber MD, Paraiso MFR, Walters MD. Functional bowel and anorectal disorders in patients with pelvic organ prolapse and incontinence. Am J Obstetr Gynecol 2005;193:2105-11. https://doi.org/10.1016/j.ajog.2005.07.016
  19. McCrea LG, Miaskowski C, Stotts NA, Macera L, Varma MG. Pathophysiology of constipation in the older adult. World J Gastroenterol 2008;14(17):2631-8. https://doi.org/10.3748/wjg.14.2631
  20. Wald A, Scarpignato C, Kamm MA, Mueller-Lissner S, Helfrich I, Schuijt C et al. The burden of constipation on quality of life: Results of a multinational survey. Aliment Pharmacol Ther 2007;26:227-36. https://doi.org/10.1111/j.1365-2036.2007.03376.x
  21. De Giorgio R, Ruggeri E, Stanghellini V, Eusebi LH, Bazzoli F, Chiarioni G. Chronic constipation in the elderly: A primer for the gastroenterologist. BMC Gastroenterol. 2015;15:130. https://doi.org/10.1186/s12876-015-0366-3
  22. Tettamanti G, Altman D, Pedersen NL, Bellocco R, Milsom I, Iliadou AN. Effects of coffee and tea consumption on urinary incontinence in female twins. Int J Obstetr Gynecol 2011;118(7):806-13. https://doi.org/ 10.1111/j.1471-0528.2011.02930.x
  23. Luo R, Dai W, Tay LH, Ng FC, Koh LT. Urinary incontinence in female outpatients in Singapore. Int Urogynecol J 2018;29(4):579-84. https://doi.org/10.1007/s00192-017-3488-z
  24. Jura YH, Townsend MK, Curhan GC, Resnick NM, Grodstein F. Caffeine intake, and the risk of stress, urgency and mixed urinary incontinence. J Urol 2011;185:1775-80. https://doi.org/10.1016/j.juro.2011.01.003
  25. Baek JM, Song SJ, Park EK, Jeung IC, Kim CJ, Lee YS. Caffeine intake is associated with urinary incontinence in Korean postmenopausal women: Results from the Korean National Health and Nutrition Examination Survey. PLoS One. 2016;11(2):e0149311. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0149311
  26. Gleason JL, Richter HE, Redden DT, Goode PS, Burgio KL, Markland AD. Caffeine and urinary incontinence in US women. Int Urogynecol J 2013;24:295-302. https://doi.org/10.1007/s00192-012-1829-5
  27. Bryant C, Dowell C, Fairbrother G. Caffeine reduction education to improve urinary symptoms. Br J Nurs 2002;11:562-5. https://doi.org/10.12968/bjon.2002.11.8.10165
  28. Nascimento ER, Maia AC, Nardi AE, Silva AC. Sexual dysfunction in arterial hypertension women: the role of depression and anxiety. J Affect Disord 2015;181(1):96-100. https://doi.org/10.1016/j.jad.2015.03.050
  29. Thomas HN, Evans GW, Berlowtiz DR, Chertow GM, Conroy MB, Foy CG et al. Antihypertensive medications and sexual function in women: Baseline data from the Systolic Blood Pressure Intervention Trial (SPRINT) J Hypertens 2016;34(6):1224-31. https://doi.org/ 10.1097/HJH.0000000000000911
  30. Hornig B, Landmesser U, Kohler C, Ahlersmann D, Spiekermann S, Christoph A et al. Comparative effect of ace inhibition and angiotensin II type 1 receptor antagonism on bioavailability of nitric oxide in patients with coronary artery disease: role of superoxide dismutase. Circulation 2001;103(6):799-805. https://doi.org/10.1161/01.CIR.103.6.799
  31. Duncan LE, Lewis C, Smith CE, Jenkins P, Nichols M, Pearson TA. Sex, drugs, and hypertension: a methodological approach for studying a sensitive subject. Int J Impot Res 2001;13(1):31-40. https://doi.org/10.1038/sj.ijir.3900629
  32. Okeahialam BN, Ogbonna C. Impact of hypertension on sexual function in women. West Afr J Med 2010;29(5)344–8.
  33. Hill JF, Bulpitt CJ, Fletcher AE. Angiotensin converting enzyme inhibitors and quality of life: the European trial. J Hypertens Suppl 1985;3(2):S91-4.
  34. Soligo M, Salvatore S, Emmanuel AV, De Ponti E, Zoccatelli M, Cortese M et al. Patterns of constipation in urogynecology: clinical importance and pathophysiologic insights. Am J Obstet Gynecol 2006;195:50-5.