ARTIGO ORIGINAL

Efeitos do treinamento muscular do assoalho pélvico associado à musculação na perda urinária e nos aspectos psicológicos em mulheres idosas: ensaio clínico randomizado

Effects of pelvic floor muscle training associated with resistance training on urinary loss and psychological aspects in older women: a randomized clinical trial

 

Giovana Zarpellon Mazo, D.Sc.*, Enaiane Cristina Menezes, M.Sc.**, Michelli Vitória Silvestre, Ft.***, Tatiana De Bem Fretta****, Jéssica Cozza****, Anderson Augusto Duarte Severo*****, Janeisa Franck Virtuoso, D.Sc.******

 

*Professora titular Departamento de Educação Física e Programa de Pós-graduação em Ciências do Movimento Humano, Centro de Ciências da Saúde e do Esporte, Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis/SC, **Doutoranda em Ciências do Movimento Humana, UDESC, Florianópolis/ SC, ***Fisioterapeuta da Secretaria Municipal de Saúde, Prefeitura Municipal de Florianópolis, Professora colaboradora do Departamento de Fisioterapia, Centro de Ciências da Saúde e do Esporte, UDESC, Doutoranda em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis/SC, ****Mestranda em Ciências do Movimento Humano pela UDESC, Florianópolis/SC, *****Licenciado em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria/RS, ******Professora do Departamento em Fisioterapia e do Programa de Pós-graduação em Ciências da Reabilitação, UFSC, Araranguá/SC

 

Recebido em 17 de junho de 2018; aceito em 05 de novembro de 2018.

Endereço de correspondência: Tatiana de Bem Fretta, Travessa Ademir Guimarães, João Paulo 88030-20 Florianópolis SC, E-mail: tatibem@hotmail.com; Giovana Zarpellon Mazo: giovana.mazo@udesc.br; Enaiane Cristina Menezes: enaianemenezes@gmail.com; Michelli Vitória Silvestre: michellisilvestre@hotmail.com; Jéssica Cozza: jessicacozza@hotmail.com; Anderson Augusto Duarte Severo: andysvero@hotmail.com; Janeisa Franck Virtuoso: janeisa.virtuoso@ufsc.br

 

Resumo

Objetivo: Comparar os efeitos do treinamento muscular do assoalho pélvico (TMAP), associado ou não à musculação, na perda urinária, estado de humor e autoeficácia do tratamento em mulheres idosas com incontinência urinária (IU). Métodos: Ensaio clínico randomizado, cego, realizado com mulheres idosas (≥60 anos), residentes na Grande Florianópolis/SC. Os critérios de inclusão foram: autorrelato positivo de IU de esforço e mista; força muscular do assoalho pélvico (Oxford ≥2); e função cognitiva preservada. Foram selecionadas 31 idosas para distribuição randomizada cega entre Grupo Experimental (GE) (n = 14) e Grupo Controle (GC) (n = 17), 26 idosas concluíram o tratamento (GE = 12 e GC = 14). Foram coletados dados socioeconômicos e de fatores de risco, além de medidas antropométricas (IMC e circunferência da cintura) e satisfação com o tratamento. Os desfechos principais foram: International Consultation on Incontinence Questionnaire – Short Form (ICIQ-SF); Escala de Humor de Brunel (BRUMS); Escala de Autoeficácia para Prática de Exercícios do Assoalho Pélvico (EAPEAP). Todas as idosas realizaram o TMAP e, no GE, foi acrescentada a musculação, durante 12 semanas em ambos os grupos. Resultados: A idade média foi de 64,8 (± 4,7) anos no GE e 66,5 (± 5,6) anos. Os principais fatores de risco ginecológicos, obstétricos, histórico familiar e perfil antropométrico foram semelhantes nos dois grupos. A comorbidade prevalente em ambos os grupos foi a hipertensão arterial (GE = 50,0% e GC = 64,3%). A perda urinária apresentou diferença significativa na comparação intragrupos e entre grupos na pré-intervenção, sem variação significativa no estado de humor e na autoeficácia com o tratamento. Conclusão: O TMAP, associado ou não com musculação no tratamento da IU, foi efetivo para redução da perda urinária, mas não teve melhora significativa no estado de humor e na autoeficácia com o tratamento.

Palavras-chave: idoso, mulheres, incontinência urinária, treinamento de resistência, estado de humor, autoeficácia.

 

Abstract

Objective: To compare the effects of pelvic floor muscle training (TMAP), associated or not to bodybuilding, on urinary loss, mood and self-efficacy of treatment in elderly women with urinary incontinence (UI). Methods: Randomized, blinded clinical trial of elderly women (≥60 years old) living in Florianópolis/SC. The inclusion criteria were: self-report of stress and mixed UI; muscle strength of the pelvic floor (Oxford ≥2); and preserved cognitive function. Thirty-one elderly women were selected for randomized blinded distribution between the Experimental Group (SG) (n = 14) and the Control Group (CG) (n = 17) 26 elderly women completed treatment (SG = 12 and GC = 14). Socioeconomic data and risk factors were collected, as well as anthropometric measures (BMI and waist circumference) and treatment satisfaction. The main outcomes were: International Consultation on Incontinence Questionnaire - Short Form (ICIQ-SF); Brunel Humor Scale (BRUMS); Self-efficacy Scale for Exercise of the Pelvic Floor (EAPEAP). All the elderly women underwent TMAP and, in GE, bodybuilding was added for 12 weeks in both groups. Results: The mean age was 64.8 (± 4.7) years in GE and 66.5 (± 5.6) years. The main gynecological, obstetric, family history and anthropometric risk factors were similar in both groups. The prevalent comorbidities were arterial hypertension (GE = 50.0% and GC = 64.3%). Urinary loss showed a significant difference in the intragroup and pre-intervention groups, with no significant variation in mood and self-efficacy with the treatment. Conclusion: TMAP, associated or not with bodybuilding in the treatment of UI, was effective in reducing urinary loss, but there was no significant improvement in mood and self-efficacy with treatment.

Key-words: aged, women, urinary incontinence, resistance training, mood, self efficacy.

 

Introdução

 

Entre as síndromes geriátricas, a incontinência urinária (IU) é definida como perda involuntária de urina e é frequente em mulheres idosas [1,2]. A prevalência de IU varia de 26 a 72% [3] nessa população e reflete na qualidade de vida [4].

A IU pode ocasionar repercussões psicológicas nas mulheres, contribuindo para alteração no estado de humor, perda da autoestima e da autoconfiança, isolamento social e depressão [5,6]. Por medo ou vergonha da perda involuntária de urina, o isolamento social torna-se uma estratégia de proteção, mas que compromete a qualidade de vida ao limitar suas atividades de vida diária [4,7].

Estudos transversais demonstraram que a prática de atividade física regular pode ser considerada como fator protetor para IU, inclusive o treinamento resistido (musculação) [8], cuja modalidade foi associada à menor perda urinária em mulheres idosas [9]. Entretanto, ainda não é claro o efeito do treinamento muscular do assoalho pélvico, recomendado como primeira escolha terapêutica [10], associado à musculação na perda urinária e, consequentemente, nas repercussões psicológicas em mulheres idosas, como o humor e a autoeficácia para a prática da atividade física.

Diante disto, o objetivo deste estudo é comparar os efeitos do treinamento muscular do assoalho pélvico com e sem a musculação, na perda urinária, estado de humor e autoeficácia para a prática do exercício do assoalho pélvico.

 

Material e métodos

 

Este estudo é um recorte da pesquisa “Mulheres idosas com incontinência urinária: avaliação e tratamento por meio de exercício físico e fisioterapia” e trata-se de um ensaio clínico randomizado, cego, realizado com mulheres idosas (60 anos de idade ou mais) recrutadas na comunidade e residentes na Grande Florianópolis/SC. Os critérios de inclusão foram autorrelato positivo de incontinência urinária de esforço (IUE) ou incontinência urinária mista (IUM); frequência de perda urinária de pelo menos duas a três vezes por semana, mensurada por meio do International Consultation on Incontinence Questionnaire – Short Form (ICIQ-SF), validado para o português brasileiro por Tamanini et al. [11]; força dos músculos do assoalho pélvico igual ou maior que grau 2 (presença de contração de pequena intensidade, mas que se sustenta), conforme escala de Oxford [12]; e função cognitiva preservada por meio do Mini Exame do Estado Mental (MEEM), tendo os valores de referência baseados na escolaridade [13].

Foram excluídas do estudo as idosas com intervenção fisioterapêutica para IUE ou IUM atual ou há menos de seis meses; presença de IU de urgência (IUU) decorrente de causas neurológicas ou por infecção do trato urinário autorrelatado; ter praticado musculação nos últimos seis meses; e a presença de doenças que contraindicam a prática de musculação (hipertensão arterial descompensada, artroses avançadas, fibromialgia, cirurgias recentes, fraturas ou rompimentos ligamentares recentes, protusão discal avançada e desvios posturais avançados).

Inicialmente, foram recrutadas 99 mulheres idosas. Com base nos critérios de inclusão e exclusão, foram selecionadas 31 participantes, divididas após processo de randomização por um pesquisador externo (em blocos de 10 participantes) entre grupo experimental (GE = 14 mulheres idosas) e grupo controle (GC = 17). Apenas 26 participantes concluíram o ensaio clínico randomizado (GE = 12 e GC = 14). Os profissionais responsáveis pelo treinamento nos grupos experimental e controle foram cegados quanto à alocação das participantes da pesquisa nos grupos.

Para caracterização das participantes selecionadas, foi aplicada uma ficha abordando dados sociodemográficos (idade, escolaridade, estado civil) e fatores de risco para o desenvolvimento de IU, divididos em: ginecológicos, obstétricos, clínicos, hábitos de vida e hereditários.

As medidas realizadas antes e após as intervenções foram: antropométricas (circunferência da cintura, massa corporal e estatura), perda urinária, estado de humor e autoeficácia para a prática da atividade física. A avaliação do grau de satisfação com os treinamentos recebidos foi realizada somente após as intervenções por meio da aplicação de uma escala de cinco itens, conforme proposto por Sherburn et al. [14]. A escala é composta por 13 itens, divididos em três domínios: estrutura (acesso, limpeza, organização dos materiais, manutenção), profissionais (pontualidade, assiduidade, domínio, organização da sessão, relacionamento profissional-paciente, motivação), e sessões (atende expectativas, sentir-se motivado, percepção de melhora da saúde). A graduação em cada item foi: 0 = nada satisfeito, 1 = um pouco satisfeito, 2 = moderadamente satisfeito, 3 = muito satisfeito e 4 = completamente satisfeito.

A mensuração da circunferência da cintura foi realizada no ponto médio entre a borda inferior da última costela e a crista ilíaca, por meio de uma fita métrica redonda com 1,5 m da marca ISP (em cm). A massa corporal foi mensurada por meio de uma balança digital Plenna Wind MEA 07710 (em kg); e a estatura, pelo estadiômetro WCS 217 cm, com plataforma da marca CARDIOMED, em metros. O IMC foi calculado dividindo-se a massa corporal pela estatura ao quadrado (kg/m2).

Para verificar a perda urinária, foi utilizado o escore do ICIQ-SF que é composto pelas questões (3) “com que frequência você perde urina”, (4) “gostaria de saber a quantidade de urina que você pensa que perde” e (5) “em geral quanto que perde de urina em sua vida diária?” do ICIQ-SF [11].

A avaliação do estado de humor foi realizada por meio da Escala de Humor de Brunel (BRUMS). Foi traduzida e validada para o Brasil por Rohlfs et al. [15]. A escala possui 24 itens, divididos em seis subescalas: raiva (questões 7, 11, 19 e 22), confusão mental (questões 3, 9, 17 e 24), depressão (questões 5, 6, 12 e 16), fadiga (questões 4, 8, 10 e 21), tensão (questões 1, 13, 14 e 18) e vigor (questões 2, 15, 20 e 23). As respostas para cada item segue a seguinte escala, onde: 0 = nada, 1 = pouco, 2 = moderadamente, 3 = bastante, 4 = extremamente. O resultado se dá pelo somatório das respostas de cada item, que pode variar de 0 a 16.

Para avaliar a autoeficácia com o tratamento, foi utilizada a Escala de Autoeficácia para Prática de Exercícios do Assoalho Pélvico (EAPEAP) [16], que consiste em um instrumento com 17 questões, com escore de zero a 100. Destes itens, 13 são referentes à expectativa de desempenho e quatro referentes à expectativa de resultados com o tratamento. Para construir o escore de autoeficácia para prática de exercícios do assoalho pélvico, foram somados os pontos atribuídos em cada questão e feita a média para cada um dos domínios.

Todos os questionários e escalas foram aplicados em forma de entrevista individual com as idosas.

 

Intervenções

 

O período de intervenção ocorreu de agosto de 2013 a janeiro de 2015. O grupo experimental (GE) realizou treinamento muscular do assoalho pélvico combinado com treino de musculação, enquanto que o grupo controle (GC) realizou apenas o treinamento do assoalho pélvico. Ambos os grupos receberam o treinamento por 12 semanas, com frequência de duas vezes semanais em dias alternados, totalizando 24 sessões de treinamento.

O treinamento muscular do assoalho pélvico (TMAP) foi realizado em encontros de 30 minutos, em pequenos grupos de no máximo seis participantes. Os primeiros cinco minutos iniciais foram voltados à educação em saúde sobre temas relacionados com a incontinência urinária. Em cada sessão foram realizados três exercícios em diferentes posições (deitada, sentada e em pé). Os exercícios foram adaptados da proposta de Luz et al. [17], executados ao comando verbal “segurar o xixi” e durante a expiração, totalizando oito a 12 repetições de contrações sustentadas de seis a dez segundos, seguidas de três a cinco contrações rápidas, com progressão do treinamento após a 8ª e 16ª sessão de treinamento. O intervalo de repouso entre as contrações foi de seis segundos. A partir da 8ª sessão, foi incluída a manobra “Knack”, que consiste em uma contração da musculatura do assoalho pélvico previamente a uma situação de aumento da pressão intrabdominal, mantendo a contração durante essa situação [18]. As participantes também foram estimuladas a realizarem os exercícios no domicílio.

O treino de musculação (TP) foi realizado em encontros com duração de 50 minutos cada. O período de familiarização com os equipamentos ocorreu na primeira semana de treinamento, na qual foram executados os movimentos livres para aprendizado correto do movimento e da respiração. A determinação inicial da carga foi estabelecida a partir de um aquecimento com dez repetições com 50% da carga prevista para 15 RM, determinada pelo avaliador e, após 30 segundos de intervalo, o teste foi realizado com a execução do maior número de repetições para cada exercício. A zona de treinamento consistiu na realização de três séries de 15 RM, com intervalo de recuperação de um minuto entre as séries. A cada duas semanas foi realizada nova determinação da carga de treinamento. A execução dos exercícios obedeceu a uma ordem alternada, iniciando pelos maiores grupamentos musculares, sendo trabalhados os seguintes exercícios: peitoral, grande dorsal, quadríceps e bíceps femoral, glúteos, bíceps braquial, tríceps braquial, adutores e reto abdominal por meio dos exercícios voador, puxada à frente fechada, leg press, rosca polia baixa, tríceps pulley, cadeira adutora e abdominal. A partir da 7ª sessão, as participantes foram encorajadas a realizar a contração da musculatura do assoalho pélvico pelo comando “segurar o xixi” durante a fase concêntrica de cada exercício.

 

Análise dos dados

 

Foi realizada análise descritiva das variáveis por meio de frequências absolutas e relativas (%), e medidas de tendência central e dispersão. A normalidade dos dados foi avaliada pelo teste de Shapiro Wilk. Para comparar as diferenças intragrupos (antes e após intervenção), foi utilizado o teste T de Student para amostras pareadas ou teste de Wilcoxon, conforme a distribuição dos dados. Para comparar as diferenças entre grupos no pré e pós-intervenção (GE e GC), foi utilizado o teste T de Student para amostras independentes ou teste de Mann Whitney, também conforme a distribuição dos dados. Foi considerado o nível de significância de 5% e os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Os dados foram analisados no pacote estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20.0.

 

Aspectos éticos

 

A pesquisa foi aprovada no Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) sob CAAE n.º 14957313.9.0000.0118 e protocolada nos Registros Brasileiros de Ensaios Clínicos (ReBEC) sob o nº U1111-1149-2398. Todas as participantes foram informadas sobre os procedimentos e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

 

Resultados

 

A média de idade de ambos os grupos foi semelhante (GE = 64,8 ± 4,7 e GC = 66,5 ± 5,6 anos). A maioria das idosas era casada em ambos os grupos (GE = 75,0% e GC = 57,2%). O nível de escolaridade predominante foi ensino médio completo no GE (54,5%) e fundamental completo no GC (50,0%). Entre os fatores de risco para IU (ginecológicos, obstétricos, histórico familiar de IU, hábitos de vida e perfil antropométrico) os resultados foram semelhantes entre os grupos GE e GC no início do tratamento. As comorbidades prevalentes foram no GE foram a hipertensão arterial (50,0%), obesidade e constipação intestinal (41,7%, cada), e no GC, Hipertensão arterial (64,3%) e Obesidade (35,7%) (Tabela I).

A avaliação da satisfação com o tratamento mostrou que as mulheres idosas de ambos os grupos tiveram pontuação elevada (superior a nove pontos). Na análise por domínio do instrumento, observou-se que a pontuação média das questões referentes à estrutura e materiais das sessões foi igual a 9,0 (± 0,6) no GE e 9,4 (± 0,1) no GC. No domínio referente aos profissionais, os itens relacionamento profissional-paciente e domínio de conteúdo tiveram avaliação máxima, com a pontuação média neste domínio igual a 9,9 (± 0,1) no GE e 9,4 (± 0,1) no GC. No domínio referente às sessões, a pontuação média foi igual a 9,1 (± 0,3) no GE e 9,8 (± 0,1) no GC.

 

Tabela I - Caracterização sociodemográfica e dos fatores de risco para incontinência urinária (IU) em mulheres idosas participantes do estudo, no grupo experimental (GE) e grupo controle (GC), antes da intervenção. Florianópolis/SC, 2013-2015.

 

a = Valores absolutos (n) e relativos (%) para dados categóricos e média (±desvio padrão) para dados numéricos de distribuição normal. b = Não houve diferença na comparação entre os grupos. c = GE (n=11). d = Apenas respostas afirmativas (sim). e = GC (n=13). f = IMC ≥ 30,0 kg/m2 [19]. TRH = Terapia de reposição hormonal; Fonte: Dados do estudo (2013-2015).

 

Na análise intragrupos (Tabela II), observou-se melhora significativa nos grupos GE (p = 0,005) e GC (p = 0,001) apenas na perda urinária, com redução clinicamente importante do escore ICIQ-SF (média= 2,0±2,4) após intervenção. Com relação ao estado de humor, apesar de não ter tido diferença significativa intragrupos e entre grupos, observou-se diminuição no escore intragrupos dos domínios tensão (média = 3,0 ± 2,2), depressão (média = 0,8 ± 1,64) e confusão mental (média = 2,3 ± 2,1) no GC, e no GE diminuição na confusão mental (média = 1,7 ± 1,6). O escore do domínio vigor aumentou em ambos os grupos GE e GC. Não foram observadas variações no escore do domínio fadiga no GE (média = 3,6 ± 3,2), apesar de ter tido aumento do escore neste domínio no GC (média = 3,1 ± 2,6).

Quanto à autoeficácia do tratamento, apesar de não observar-se diferença significativa intragrupos e entre grupos, verifica-se que houve no intragrupos um aumento da expectativa de desempenho para o GE (média = 83,5 ± 12,9) e GC (média = 90,3 ± 8,5). Também para o GC teve aumento da expectativa de resultado (média = 99,5 ± 1,3) e diminuição para o GE (média = 87,5 ± 14,2).

Na comparação entre grupos (Tabela II), houve diferença significativa apenas no escore ICIQ-SF pré-intervenção (p = 0,015), sem diferenças nas demais variáveis independentes do estudo.

 

Tabela II - Comparação intragrupos e entre grupos quanto a perda urinária, estado de humor e autoeficácia do tratamento em mulheres idosas com incontinência urinária (IU), nos grupos experimental (GE) e controle (GC), antes e após a intervenção. Florianópolis/SC, 2013-2015.

 

a = Valores expressos em média ± desvio padrão (IC95%) e valor de p obtido pelo Teste T de Student para amostras pareadas (distribuição normal dos dados) ou Teste de Wilcoxon (distribuição não normal dos dados); b = Valor de p obtido pelo Teste T de Student para amostras independentes (distribuição normal dos dados) ou Teste de Mann-Whitney (distribuição não normal dos dados); c = GE (n=9) e GC (n=13); d = GE (n=8) e GC (n=7); *p < 0,05; ICIQ-SF (International Consultation on Incontinence Questionnaire – Short Form); Fonte: Dados do estudo (2013-2015).

 

Discussão

 

Na análise da satisfação com o tratamento realizado, os resultados deste estudo apontam alto índice de satisfação em ambos os grupos. Resultados semelhantes foram encontrados em outros estudos com mulheres com IU submetidas ao treinamento de TMAP [14,20,21]. No presente estudo, a média da satisfação foi discretamente maior no GE, possivelmente porque as mulheres idosas desse grupo praticavam mais atividade física do que o GC. Em outro estudo com protocolo de treinamento de TMAP associado com musculação, similar ao protocolo proposto neste estudo, os autores encontraram resultados semelhantes entre o GE e o GC na satisfação das mulheres participantes [21].

No que concerne o estado de humor destaca-se que os sintomas depressivos, indicando um humor deprimido e não depressão clínica, estes sintomas representam sentimentos como autovalorização negativa, isolamento emocional, tristeza, dificuldade em adaptação, depreciação ou autoimagem negativa [15]. Observou-se uma discreta melhora pré e pós-intervenção entre os grupos, os sintomas depressivos estão associados a uma baixa qualidade de vida, em que as mulheres com IU tendem a ter um impacto negativo na qualidade de vida [22]. Assim a IU causa uma redução social das mulheres, sendo importante estimular a participação social das idosas com IU para garantir uma melhor qualidade de vida [23].

Em relação à autoeficácia do tratamento, o índice em ambos os domínios foi elevado, com aumento do escore pós-intervenção no GE e no GC, exceto no domínio expectativa do resultado do GE, em que o valor pós-intervenção diminuiu. Porém, nenhuma das análises apontou diferença significativa na comparação intra e entre grupos. Em outro ensaio clínico randomizado com mulheres diagnosticadas com IU, o índice global de autoeficácia pós-intervenção foi de 80% no grupo experimental e 82% no grupo controle [24]. Similarmente, neste estudo, foram encontrados valores mais elevados na satisfação no GC, porém estes valores já eram maiores antes da intervenção. Outro estudo transversal apontou que a autoeficácia é um bom preditor para aderência ao tratamento em mulheres com IU [25]. Resultados semelhantes ao encontrado em outro ensaio clínico randomizado, que comparou mulheres idosas submetidas ao TMAP com mulheres não tratadas, e também constatou que índices elevados de autoeficácia foram associados com maior aderência ao tratamento [26].

As limitações do presente estudo incluem a subjetividade dos instrumentos de medida utilizados, que levam em consideração o autorrelato da perda urina, humor e autoeficácia para o exercício do assoalho pélvico. Além disso, a escala de BRUMS não é específica para incontinência urinária, o que pode subestimar os resultados, principalmente quando utilizado na população idosa. Por fim, não foi possível avaliar os efeitos da intervenção a longo prazo.

 

Conclusão

 

Os resultados comprovam os efeitos positivos do TMAP associado ou não com musculação no tratamento da IU, reduzindo a perda urinária. Entretanto, os tratamentos propostos não foram suficientes para produzir melhora significativa no estado de humor e na autoeficácia, visto que a amostra do estudo já apresentava valores elevados nessas variáveis antes da intervenção.

A musculação pode ser associada ao TMAP para melhorar o fortalecimento da musculatura do assoalho pélvico. Além de não interferir na perda urinária em mulheres idosas, a musculação pode melhorar ou manter o estado de humor e a autoeficácia com o tratamento.

Sugerem-se novos estudos experimentais, comparando também os resultados com um grupo controle não treinado para melhor avaliação dos efeitos da musculação. Ainda, sugere-se propor critérios de seleção de amostra, buscando variabilidade no perfil inicial do estado de humor e da autoeficácia para mulheres com IU. Além disso, propõe-se a avaliação a médio e longo prazos dos resultados da musculação associada ao TMAP, buscando verificar a durabilidade dos efeitos nessa população específica.

 

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