ARTIGO
ORIGINAL
Intervenção
cognitivo-motora no ambiente hospitalar: impacto no desenvolvimento motor e
cognitivo de infantes com fibrose cística
Cognitive-motor intervention in hospital environment: impact on the
motor and cognitive development of infants with cystic fibrosis
Gabriela Machado
Padilha Mattiello*, Carolina Panceri**,
Keila Ruttnig Guidony
Pereira***, Nadia Cristina Valentini,
D.Sc.****
*Educadora
Física, Especialista em Saúde da Criança pela de Residência Integrada
Multiprofissional em Saúde do HCPA, **Educadora Física, Doutoranda em Ciências
do Movimento Humano/UFRGS, Profissional do SEFTO/HCPA, ***Educadora Física,
Doutoranda em Ciências do Movimento Humano/UFRGS, ****Educadora Física,
Professora da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança e do programa de
Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano da UFRGS
Recebido em 25 de
julho de 2017; aceito em 20 de abril de 2018.
Endereço
para correspondência:
Nadia Cristina Valentini,
Rua Felizardo, 750, 90690-200 Porto Alegre RS, E-mail: nadiacv@esef.ufrgs.br,
Gabriela Machado Padilha Mattiello:
gabimpadilha@hotmail.com; Carolina Panceri:
carolpanceri@hotmail.com; Keila Ruttnig Guidony Pereira: keilargpereira@gmail.com
Resumo
Introdução: Em períodos de
internação, as experiências vividas pelas crianças podem se mostrar
desfavoráveis ao desenvolvimento. Programas interventivos compensatórios podem
minimizar esses riscos. Objetivo:
Analisar o impacto de uma intervenção cognitivo-motora no desenvolvimento
cognitivo e motor de bebês hospitalizados com diagnóstico de fibrose cística. Material e métodos: Participaram do
grupo interventivo (GI) seis bebês com diagnóstico de fibrose cística
internados em unidade pediátrica de um hospital universitário. O grupo controle
foi composto por bebês saudáveis pareados com o GI por idade gestacional,
idade, sexo e renda familiar. Os dois grupos foram avaliados com a Alberta Infant
Motor Scale (AIMS) no pré-
e pós-intervenção; e, a Bayley Scales of Infant Development
(BSID-III) foi utilizada para avaliar os bebês do GI. Resultados: O GI apresentou escores motores inferiores ao GC no pré-intervenção e desenvolvimento semelhante no
pós-intervenção. Mudanças positivas e significantes foram observadas para o GI
no desenvolvimento motor amplo (AIMS: p = 0,026; BSID-III: p = 0,042) e fino
(BSID-III: p = 0,043), bem como no percentil de desenvolvimento motor (AIMS: p
= 0,043). Conclusão: O impacto da
intervenção no ambiente hospitalar foi positivo para o desenvolvimento motor e
cognitivo dos bebês com fibrose cística, potencializando e prevenindo
descontinuidade no desenvolvimento motor e cognitivo.
Palavras-chave: desenvolvimento
infantil, fibrose cística, destreza motora, cognição.
Abstract
Introduction: During periods of hospitalization the experiences lived by the
children may be unfavorable to the development. Compensatory intervention
programs may diminish these risks. Objective: To analyze the
impact of a cognitive-motor’ intervention in the cognitive and motor
development of infants hospitalized with a diagnosis of cystic fibrosis.
Methods: Participate in the intervention (IG) six infants diagnosed with cystic
fibrosis and hospitalized in the pediatric unit of university hospital. The
control group (CG) was formed by healthy infants, paired with the IG for
gestational age, age, gender and family income. Both groups were assessed using
the Alberta Infant Motor Scale (AIMS) at pre- and post-intervention; and the Bayley Scales of Infant Development (BSID-III) was used to
assess the IG. Results: GI showed lower motor scores compared to the GC1 at the
pre-intervention and similar scores at the post-intervention. Positive and
significant changes were observed for the gross (AIMS: p = 0.026; BSID-III: p =
0,042) and fine (BSID-III: p = 0,043) motor development, as well for the motor
development percentile (AIMS: p = 0.043). Conclusion: The intervention had
positive impact in the motor and cognitive development of babies with cystic
fibrosis, boosting and preventing discontinuities in the motor and cognitive
development.
Key-words: child
development, cystic fibrosis, motor skills, cognition.
A qualidade das
experiências vivenciadas pelo bebê nos primeiros anos de vida é um importante preditor do desenvolvimento futuro [1,2]. Programas
interventivos otimizam as aquisições comportamentais,
auxiliando a retomada da trajetória típica de desenvolvimento em crianças com
atrasos [3]. Intervenções realizadas em diferentes ambientes (moradia, creches,
instituições hospitalares) possibilitam à criança oportunidades de interagir e
explorar o ambiente promovendo benefícios motores e cognitivos; exercendo
caráter protetivo no desenvolvimento [3,4]. Quanto mais precoce ocorrer a intervenção, maior é o benefício e a possibilidade de
recuperação de funções neuromotoras e cognitivas
[2,4], em função da plasticidade cerebral [1,5].
No ambiente
hospitalar, a implementação de programas interventivos
tem foco nas crianças internadas em UTI neonatal [6]. A investigação do impacto
da hospitalização em unidades pediátricas é escassa na literatura [7],
especificamente no caso dos bebês com fibrose cística (FC). No período de
internação, crianças vivenciam uma série de situações que se mostram
desfavoráveis ao seu desenvolvimento [1,13]. A restrição de espaço físico, a
intensa iluminação, o uso de aparelhos, o estresse sonoro de alarmes e ruídos
estranhos, a manipulação constante por pessoas desconhecidas e os procedimentos
muitas vezes dolorosos [1,8], aliados à doença enfrentada, promovem um
confronto cotidiano com a dor, gerando a inatividade e a passividade nos bebês
[8]. Esses fatores de risco provocam descontinuidades no desenvolvimento
infantil.
Especificamente, a
fibrose cística resulta em um declínio progressivo da função
pulmonar e de repetidas internações hospitalares [9], aumentando o risco de
desfechos negativos no processo de desenvolvimento desses bebês.
Considerando o impacto negativo da própria internação destes bebês, programas
compensatórios implementado nas unidades hospitalares
pediátricas podem repercutir em benefícios imediatos. O presente estudo teve
como objetivo analisar o impacto de uma intervenção cognitivo-motora no
desenvolvimento cognitivo e motor de bebês hospitalizados com diagnóstico de
fibrose cística.
Delineamento
e participantes
Estudo quase-experimental [10], aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa do hospital de origem (processo nº 13-0470), foi realizado na unidade
de internação pediátrica de um hospital público do sul do Brasil. O estudo
seguiu as normas estabelecidas pela Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de
Saúde. Os responsáveis por cada bebê assinaram o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido.
O grupo interventivo
(GI) foi composto inicialmente por 7 bebês que
preencheram os critérios de inclusão: 1) faixa etária de 1 a 18 meses; 2)
hospitalização com diagnóstico de Fibrose Cística (CID 10: E84); e 3) ausência
de sinais e sintomas de doenças neurológicas ou mentais previamente diagnosticadas.
Um bebê não realizou a segunda avaliação por indisposição no dia da alta. O GI
foi composto por 6 bebês (meninas: 83,3%; meninos:
16,7%), nascidos a termo de parto natural, todos com internação UTI neonatal no
nascimento. Um grupo controle, pareados por idade gestacional, idade, sexo e
renda familiar foi formado. O grupo controle foi composto por bebês saudáveis,
provenientes de escolas de educação infantil, pareados com o GI por idade
gestacional, idade, sexo e renda familiar. O aleitamento materno (80%) e a
escolaridade dos pais (5ª a 8ª série: 30%; ensino médio: 53%; ensino superior:
17%) foi similar nos grupos. As famílias de todos os bebes eram
predominantemente de classes C1 e C2. As demais características do GI e GC
estão descritas na Tabela I.
Tabela
I - Características biológicas e socioambientais
do GI e GC.
GI = Grupo
Interventivo; GC = Grupo Controle; M = Média; DP = Desvio Padrão
Instrumentos
Os responsáveis pelos
bebês responderam um questionário referentes aos aspectos pré,
peri e pós-natais dos bebês
(data de nascimento; idade gestacional; APGAR; peso, comprimento e perímetro
cefálico ao nascer; período de internação em UTI neonatal e dias em ventilação
mecânica; período de internação atual e dias que permaneceu em UTI pediátrica;
diagnóstico médico; idade do pai e da mãe; escolaridade da mãe; principal
cuidador da criança e renda familiar mensal).
A Alberta Infant
Motor Scale (AIMS) [11], validada e normatizada
para a população brasileira [12] foi utilizada no estudo para avaliar as
crianças do GI e GC. A AIMS é composta de 58 itens agrupados em quatro sub-escalas posturais: prono (21 itens), supino (9 itens), sentado (12 itens) e em pé (16 itens) e avalia o
desenvolvimento motor de crianças de 0 a 18 meses. O examinador observa a livre
movimentação da criança em cada uma das posturas, levando em consideração a
superfície do corpo que sustenta o peso, a postura e os movimentos antigravitacionais. Cada item observado recebe escore 1 e não observado recebe escore zero. Os escores são somados
resultando em dados brutos para cada postura e escore total o qual é convertido
em percentil e em categorizações de desempenho motor (normal: percentil >25;
suspeito: percentil entre 25 e 5: anormal percentil < 5) [13].
A Bayley Scales of Infant Development (BSID-III)
[14], reconhecida pela confiabilidade e validade, adaptação para a população
brasileira [15] e amplamente utilizada em ambulatórios de seguimento e em
pesquisas. No presente estudo foi utilizada para avaliar o desenvolvimento
cognitivo, de linguagem, motor e sócio-emocional das
crianças com fibrose cística. O escore bruto é obtido pela soma dos itens que a
criança recebeu crédito, acrescido da soma dos itens das idades anteriores. Com
o escore bruto se obtém o escore escalonado e escore composto. A classificação
do desempenho é obtida através do escore composto (muito superior: > 130;
superior: de 120-129; médio alto: de 110-119; médio: de 90-109; médio baixo: de
80-89; limítrofe de 70-79; muito inferior < 69). No presente estudo foram
utilizadas as escalas cognitiva (sensoriomotor,
exploração e manipulação, relacionamento de objetos e formação de conceito) e
motora (desenvolvimento motor fino e grosso, integração percepto-motora,
planejamento e velocidade motora, movimentos dos membros e tronco, locomoção,
coordenação e equilíbrio).
O Critério de
Classificação Econômica Brasil (CCEB) foi utilizado no presente estudo. O CCEB
estima o poder de compra das pessoas e famílias urbanas, distribuindo-as em
classes econômicas. O critério atribui pontos em função do grau de instrução do
chefe da família e das características do domicílio (quantidade de cômodos,
eletrodomésticos, carros e empregadas mensalistas). Com a somatória destes
pontos se obtêm estratos de classificação econômica, definidos por A1, A2, B1,
B2, C1, C2, D e E [16].
Programa
de intervenção e procedimentos
O
programa de
intervenção motora aconteceu diariamente por 30 minutos
durante o tempo de
internação do bebê. As sessões aconteceram
no próprio leito, na presença dos
responsáveis, sempre que estes se encontravam no hospital. Cada
sessão foi
composta por atividades lúdicas que oportunizavam a
aquisição de novas
habilidades motoras. As sessões foram organizadas em 5 minutos
iniciais
destinados à ambientação do bebê
(conversação, toque facilitado e
organização
espacial); 5 minutos na posição deitada – supino ou
prono – com atividades de
alongamentos, estímulo do rolar, perseguição
visual e auditiva e exploração de
brinquedos; 10 minutos na posição sentada, enfatizando o
controle postural e a
manipulação de objetos; e, por fim, 10 minutos
favorecendo o deslocamento da
criança (arrastar, engatinhar ou da marcha, com ou sem apoio). O
conteúdo das
tarefas foi elaborado em progressão e com níveis de
dificuldade adequados à
faixa etária de cada criança.
As crianças do GI e
GC foram avaliadas com o uso da AIMS e BSID-III por um examinador experiente
com mais de 3 anos de prática. Um segundo avaliador
independente atribuíu scores sem o conhecimento de
qual grupo pertencia o bebê e de qual momento interventivo. A objetividade
entre avaliadores para a AIMS foi .89 e para BSID-III
foi de .90.
Análise
dos dados
Escores brutos,
percentis e critérios de classificação da AIMS e da BSID-III foram reportados. Wilcoxon (comparações no tempo), Mann-Whitney (comparações
entre os grupos) e Correlação de Pearson (associações entre variáveis; fraca:
< 0,30; moderada; de 0,30 e 0,60; forte: > 0,60 fortes) foram utilizados.
O nível de significância adotado foi de p ≤ 0,05; e, p entre 0,05 e 0,08
como tendência à significância.
Mudanças
no fator tempo no GI
A figura I (1a,1b,1c) apresenta a migração dos bebês do GI do pré para pós-intervenção nas categorizações do
desenvolvimento motor e cognitivo. Modificações positivas foram observadas ao
longo do tempo no desenvolvimento motor amplo e fino bem como nas
categorizações cognitivas.
Figura
I - GI: Categorização do desenvolvimento motor (Ia
e Ib) e cognitivo (Ic) no pré e pós-intervenção.
Mudanças
significativas foram observadas do pré para o
pós-intervenção no desempenho motor amplo do GI (Mpré
= 10,17; Mpós = 13,67; p = 0,026) e
percentil (p = 0,043) da AIMS. Nas posturas, observa-se tendência à
significância para prono (p = 0,060) e em pé (p = 0,083); nas demais posturas
(supino: p = 0,129; sentado: p = 0,180) não houve diferença significativa;
ainda mais nas posturas supino e sentado o GI ao longo da hospitalização e
intervenção apresentou uma curva de desenvolvimento mais acentuada que o GC com
crianças saudáveis.
Figura
II -
GI e GC: Média do escore bruto nas
posturas no pré- e pós-intervenção.
Mudanças
significativas e positivas foram observadas na avaliação com a BSID-III para o
desenvolvimento motor amplo (p = 0,042) e fino (p = 0,043). O percentil motor
(p = 0,080) e o escore bruto cognitivo (p = 0,068) apresentaram tendência à
significância.
Figura
III
- GI: Média do escore bruto do no
desempenho cognitivo, motor fino e amplo no pré e
pós-intervenção.
Comparações
nos grupos: GI e GC
A comparação do GI e
GC nos pré e pós-intervenção está apresentadas na
Tabela II. Diferença significativa foi observada para o percentil da AIMS no pré-intervenção (p = 0,002). As crianças do GI apresentaram
percentil de desenvolvimento inferior aos seus pares saudáveis, ao término da
intervenção essas diferenças não foram mais observadas.
Tabela
II -
Comparações GI e GC: pré
e pós-intervenção.
*Resultado
significante; DM = Desenvolvimento Motor
Correlação
entre desenvolvimento motor e cognitivo
Correlações entre o
desenvolvimento cognitivo e motor foram observadas; essas relações mudaram ao
longo da intervenção. Na pré-intervenção, observou-se
correlação positiva, fraca e não significativa entre o escore motor amplo da
AIMS e BSID-III cognitiva (r = 0,29, p = 0,285); entretanto, no
pós-intervenção, esta relação foi positiva, forte e significativa. Em relação
às correlações entre desenvolvimento cognitivo e motor amplo (Pré: r = 0,98, p ≤ 0,0001; Pós: r = 0,91, p = 0,005),
e cognitivo e motor fino (Pré: r = 0,98, p ≤
0,0001; Pós: r = 0,86, p = 0,013) da BSID-III as correlações foram positivas,
significativas e fortes nos dois momentos interventivos.
O presente estudo
avaliou o impacto da intervenção cognitivo-motora no desenvolvimento cognitivo
e motor de bebês hospitalizados por fibrose cística. Atrasos motores têm sido
reportados para crianças com frequentes períodos de hospitalização e fatores de
risco associados [17,18], inclusive com FC [9,19] os quais se assemelham, em parte,
aos resultados do presente estudo nos dois momentos avaliativos. Destaca-se que
embora as crianças tenham recebido a intervenção, e, que esta compensou
possíveis descontinuidades motoras e cognitivas, as mesmas apresentaram o
desempenho abaixo do esperado para a idade. A baixa estatura, baixo peso e
períodos prolongados de internação tem se mostrado significativamente
associados aos atrasos motores em crianças FC [9], realidade observada no
presente estudo no que se refere à internação prolongada. Embora o GI evidencie
peso mais baixo que as crianças do GC (± 400 g), o que poderia interferir nas
conquistas dessas crianças, os valores ainda estão dentro da normalidade. A comorbidade nessas crianças, com a hospitalização constante
afeta de maneira negativa o desenvolvimento.
As migrações para
categorias de desempenho mais elevadas e/ou manutenção nas categorias de
desenvolvimento motor e cognitivo foram observadas nos bebês que participaram
da intervenção. A intervenção foi efetiva na modificação dos padrões
comportamentais dos bebês, indicando a capacidade de compensar, em parte, as
situações negativas vivenciadas no contexto da própria doença e da internação
hospitalar. Benefícios cognitivos e motores em períodos interventivos
relativamente curtos têm sido reportados [3] inclusive no ambiente hospitalar
[7,8], similar ao presente estudo. Reforça-se a importância da intervenção o
mais cedo possível com regularidade mínima, a fim de explorar as
potencialidades da plasticidade cerebral apresentada pelos bebês nos primeiros
anos de vida [17], principalmente na hospitalização, para auxiliar as crianças
com FC superar ou melhorar as imparidades motoras e cognitivas e auxiliar essas
famílias a ganhar confiança no cuidado destas crianças.
Embora para alguns
bebês não tenham sido observadas migrações de uma categoria de desenvolvimento
para a outra, o fato de se manter na mesma categoria do pré-
para o pós-intervenção já é benéfico; a intervenção se mostrou capaz de
prevenir a descontinuidade do desenvolvimento esperada em função das condições
adversas e estressantes da hospitalização. Hospitalizações repercutem na
descontinuidade do desenvolvimento infantil, tanto para crianças internadas em
unidades pediátricas como para internados em UTI neonatal [1,7,8];
tendo o programa como fator protetivo, a descontinuidade não ocorreu para a
maioria das crianças no presente estudo. Além de mudanças para categorias mais
elevadas de desempenho de várias crianças, a manutenção do desenvolvimento foi
considerado efeito positivo do programa implementado
no presente estudo.
Infelizmente,
verificaram-se migrações negativas de categorização em dois bebês do GI, embora
somente para a classificação motora (limítrofe para muito inferior) e cognitiva
(médio para médio baixo) e não nos escores brutos. No cuidado especificamente
destes bebês, estavam mães de menor escolaridade (5ª a 8ª série), mais jovens
(17 anos) e que demostraram menor interesse e engajamento na intervenção. Para
essas mães o momento da intervenção representada a
possibilidade de descanso e afastamento da situação delicada e estressante que
se encontravam. A escolaridade materna tem sido reportada como uma das
variáveis com maior persistência na capacidade de explicar a variância do
desenvolvimento infantil [17,20]; pais com maior escolaridade tendem a serem
pais mais velhos, e por terem maior conhecimento oferecerem melhores
oportunidades de desenvolvimento para seus filhos [17,20]. A participação dos
pais na estimulação dos filhos nas tarefas interventivas é essencial para otimizar os progressos das crianças [1,8], pois possibilita
ao bebê conforto e segurança quando está sendo estimulado por uma pessoa ainda
desconhecida. A participação efetiva dos pais fortalece as chances da adoção de
práticas de estimulação na rotina diária da criança. Na presente pesquisa, os
cuidadores foram encorajados a participarem da intervenção e colocarem os bebês
por mais tempo nas diferentes posturas e a implementarem
as atividades realizadas com o bebê no retorno às suas casas, após a alta
hospitalar. Pesquisas futuras podem aliar a intervenção hospitalar ao
treinamento dos pais para a continuidade de programas no domicílio de forma
sistemática.
Ainda com relação à
participação dos pais no programa, ressalta-se que a maioria dos bebês do grupo
interventivo teve baixa hospitalar devido à investigação ou confirmação do
diagnóstico de FC, alguns por apresentarem pneumonias de repetição e outros por
problemas gastrointestinais, acometimentos característicos da doença. Esta
situação clínica, aliada ao fato da descoberta recente do diagnóstico, pode ter
causado um receio por parte dos cuidadores em encorajar estímulos motores aos
bebês durante a intervenção, principalmente nas mães mais jovens. O medo da
perda de peso, a pouca compreensão da doença e a possibilidade de dispneia e dessaturação podem ter gerado medo nos pais de que a
estimulação motora pudesse de alguma forma prejudicar o bebê. As práticas
maternais, associados a fatores biológicos – no presente estudo a FC – podem
afetar diretamente a motricidade infantil, levando bebês com risco biológico a
potencializarem atrasos [17,18].
O efeito positivo da
intervenção também foi observado nas modificações dos escores motores e
cognitivos ao longo do tempo. Estudos prévios sugerem que bebê que participa de
programas interventivos apresenta mudanças positivas no seu repertório motor
[3], pouco ainda se sabe sobre o impacto cognitivo de intervenções, de forma
geral e hospitalar, no desenvolvimento cognitivo de bebês. As intervenções
possibilitam que as crianças vivenciem situações de exploração do corpo e
objetos, que são bastante restritas no ambiente hospitalar, onde permanecem a maior parte do tempo no leito e sem acesso a
brinquedos e materiais diversificados. Destaca-se que, embora estudos prévios sugerem modificações positivas e significativas nas quatro
posturas após a implementação de programas motores interventivos [8], no
presente estudo os resultados estão mais restritos a mudanças globais e nas
posturas prono e em pé. A própria restrição do leito (decúbito dorsal ou sentados com inclinação) durante todo o período de
hospitalização do bebê pode ter interferido neste resultado, repercutindo em
maior interesse e prazer do bebê em explorar as posições prono e em pé durante
as sessões de intervenção.
Os benefícios do
programa implementado é também visível nas comparações
entre o GI e GC. Diferenças no percentil motor foram observadas entre estes
grupos no pré-intervenção, com o grupo de crianças
saudáveis com escores mais elevados quando comparados às crianças com FC;
diferenças não observadas na pós-intervenção. O desempenho inferior dos bebês
com FC no pré-intervenção, também reportado em
estudos prévios sobre as repercussões negativas da hospitalização [7] e da
própria doença [9,19], se alinham aos resultados obtidos no presente estudo.
Entretanto, a semelhança nos escores motores no pós-intervenção sugere que os
bebês do grupo interventivo conseguiram equiparar desempenho ao de seus pares
saudáveis após o programa. Este resultado evidencia a importância da
intervenção cognitivo-motora para crianças com FC durante o período hospitalar,
um avanço no conhecimento atual.
As associações
observadas entre domínios motor e cognitivo enfatiza a interdependência das
dimensões cognitivas e motoras durante o processo de desenvolvimento, similar a
resultados reportados em estudos prévios [7,17,20] uma
vez que o córtex pré-frontal é ativado quando as atividades cognitivas são
realizadas, e o cerebelo na realização de atividades motoras; consequentemente
essas áreas são co-ativadas [21] nas atividades que a
criança se envolve cotidianamente.
Os benefícios
observados nos bebês com FC podem ser atribuídos ao programa de intervenção, o
qual proporcionou experiências positivas, facilitando as aquisições motoras e
cognitivas dos bebês. Sendo assim, fortalece-se a necessidade de programas de
intervenção adequados e direcionados para bebês acometidos com fibrose cística,
que passam por internação hospitalar. O ambiente adequado é essencial para
potencializar o desenvolvimento motor e cognitivo, minimizando o impacto que a
doença e a hospitalização podem causar neste processo.
Agradecemos ao apoio
recebido pelo Fundo de Incentivo à Pesquisa e Eventos (FIPE) do Hospital de
Clínicas de Porto Alegre e CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Ensino Superior).