ARTIGO ORIGINAL
Incontinência
urinária e disfunções sexuais em mulheres climatéricas de um grupo de promoção
à saúde
Urinary incontinence
and sexual dysfunctions in climateric women of a health promotion
group
Guilherme
Tavares de Arruda*, Giovana Secchi da
Campo*, Melissa Medeiros Braz**
*Acadêmicos do Curso
de Fisioterapia da Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria/RS,
**Docente do Curso de Fisioterapia da Universidade Federal de Santa Maria
Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria/RS
Recebido
em 20 de agosto de 2017; aceito em 20 de janeiro de 2018.
Endereço para
correspondência:
Melissa Medeiros Braz, Rua dos Andradas, 602/702, 97010-030 Santa Maria RS,
E-mail: melissabraz@hotmail.com; Guilherme Tavares de Arruda:
gui_tavares007@hotmail.com; Giovana Secchi da Campo: gi.secchicampo@gmail.com
Resumo
No
climatério, ocorrem alterações urogenitais na mulher que podem levar à
ocorrência de incontinência urinária (IU) e de disfunções sexuais femininas
(DSF). Estas são consideradas problemas de saúde pública, pois podem levar à
diminuição da qualidade de vida das mulheres neste período. Diante disso, o
objetivo deste estudo foi analisar a ocorrência e as características de IU e
DSF em mulheres climatéricas de um grupo de promoção à saúde de uma cidade do
interior do Rio Grande do Sul. Trata-se de uma pesquisa quantitativa
transversal, com abordagem exploratória e descritiva, realizada com mulheres
acima dos 50 anos de idade pertencentes a um grupo de promoção à saúde. Foram utilizados o International Consultation on Incontinence Questionnaire -
Short Form (ICIQ-SF), o Female Sexual Function Index (FSFI) e uma ficha
de identificação das participantes. Foram investigadas 23 mulheres (66,17 ±
7,04 anos). Destas, 6 (26,08%) possuíam IU e/ou 17
(73,91%) mulheres apresentavam algum tipo de disfunção sexual, no qual
disfunções do desejo, excitação e orgasmo foram os mais citados. A frequência e
a quantidade da perda urinária foram baixas. Supõe-se que, nesse grupo, a alta
prevalência de DSF e a baixa ocorrência de IU sejam influenciadas por fatores
psicossociais e emocionais.
Palavras-chave: climatério,
incontinência urinária, comportamento sexual.
Abstract
In
the climacteric, urogenital
changes in the woman can lead to the occurrence
of urinary incontinence (UI) and female sexual dysfunction (FSD). These are considered public health problems,
as they can lead to a decrease in the quality of
life of women
in this period. Therefore, the objective of this
study was to analyze the
occurrence and characteristics of UI and FSD in climacteric women in a health promotion group in a city in the interior of Rio Grande do Sul. This cross-sectional quantitative research, with an exploratory and descriptive approach, included women over 50 years of age belonging
to a health promotion group. The International Consultation on Incontinence Questionnaire - Short Form
(ICIQ-SF), the Female
Sexual Function Index (FSFI) and
a participant identification
card were used. Twenty-three women (66.17 ± 7.04 years) were investigated. Of these, 6
(26.08%) had UI and/or 17 (73.91%) women had some type of
sexual dysfunction, in which
desire, excitement and orgasm troubles
were the most cited. The frequency and amount
of urinary loss were low.
In this group, the high prevalence of FSD and the
low occurrence of UI are influenced by psychosocial and emotional factors.
Key-words: climateric, urinary incontinence, sexual behavior.
O climatério é um período na vida da mulher compreendido
entre os 40 e 65 anos de idade, caracterizado pela transição da fase
reprodutiva para a não reprodutiva [1], quando ocorrem
quedas hormonais de estrogênio, que ocasionam sintomas vasomotores, alterações
urogenitais, distúrbios cognitivos, entre outras alterações [2]. Dentre as
alterações urogenitais, o enfraquecimento dos músculos do assoalho pélvico
(MAP) pode levar à ocorrência de incontinência urinária (IU) e de disfunções
sexuais femininas (DSF) [3] nesta fase do ciclo de vida da mulher.
Definida pela Sociedade Internacional de
Continência (ICS) como qualquer perda involuntária de urina, a IU pode ser
classificada em três tipos: IU de urgência (IUU), IU de esforço (IUE) e IU
mista (IUM) [4]. Ainda, a IU possui maior prevalência entre mulheres,
aumentando linearmente com a idade [5]. Isso decorre principalmente devido aos
baixos níveis de estrogênio que, durante o climatério, diminuem o trofismo e a vascularização dos MAP, levando à alteração da
funcionalidade dessa região [6].
Além da IU, as disfunções sexuais femininas
(DSF) também ocorrem com maior incidência durante o climatério [7]. Estas são
definidas como qualquer desordem da resposta sexual que resulte em sofrimento
pessoal e influencie a qualidade de vida feminina. As DSF caracterizam-se por
fatores que influenciam em uma ou mais fases do ciclo sexual, ocasionando
transtornos de desejo, excitação sexual, orgasmo e/ou dor [8].
Nesse sentido, a IU e as DSF são consideradas
problemas de saúde pública, que podem levar à diminuição da qualidade de vida
das mulheres durante o climatério, em decorrência do desconforto da perda
urinária e da disfunção sexual [9,10]. É comum que isso cause impacto negativo
sobre as relações sociais, a vida sexual e a higiene pessoal da mulher; além de
originar elevados custos para o seu tratamento [10]. Nesse sentido, os grupos
de promoção à saúde possuem o objetivo de promover a socialização, a atividade
física e o autocuidado, contribuindo para a melhora da qualidade de vida do
indivíduo [11].
Dessa forma, o objetivo deste estudo foi
analisar a ocorrência e as características de IU e DSF em mulheres climatéricas
de um grupo de promoção à saúde de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul.
Trata-se de uma pesquisa quantitativa
transversal, com abordagem exploratória e descritiva, aprovada pelo Comitê de
Ética em Pesquisa institucional sob parecer 1.029.550.
Os participantes foram devidamente esclarecidos sobre o estudo e assinaram o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em atendimento à Resolução
466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.
A coleta de dados ocorreu entre os meses de
outubro e novembro de 2016. Foram incluídas, por conveniência, mulheres acima
dos 50 anos de idade que participavam de um grupo de promoção à saúde por, no
mínimo, seis meses e com frequência semanal. Foram excluídas as que não
aceitaram responder aos instrumentos de pesquisa.
Os instrumentos de pesquisa foram compostos
pelos questionários International Consultation on Incontinence Questionnaire - Short Form
(ICIQ-SF) e Female Sexual Function
Index (FSFI) e por uma ficha de identificação, elaborada pelos autores
deste estudo, contendo idade, cor, estado civil, escolaridade e índice de massa
corporal (IMC) em kg/m².
Validado e traduzido para o português [12], o
ICIQ-SF caracteriza as perdas urinárias e avalia seu impacto sobre a vida
diária por meio de uma escala numérica. Para sua análise, valores de 0 a 21
foram atribuídos à frequência e à quantidade de perda urinária e a
interferência desta na vida diária. Para escore igual a 0,
o sujeito é classificado como continente; escore de 1 a 3 refere-se a um
impacto leve sobre a qualidade de vida; 4 a 6 moderado; 7 a 9 grave; 10 ou mais
muito grave.
O
FSFI é um questionário validado e traduzido
para o português [13] que avalia a resposta sexual feminina, nas
últimas quatro
semanas, em seis domínios: desejo, excitação,
lubrificação vaginal, orgasmo,
satisfação e dor. Este instrumento contém 19
questões, as quais cada uma possui
pontuação variando de 0 a 5. O resultado final é
apresentado pela soma dos
escores de cada domínio multiplicada por um fator correspondente
à influência
de cada domínio no escore total. Foi utilizado o ponto de corte
de 26,55 a fim
de predizer disfunções sexuais para o grupo pesquisado.
Para a análise dos
domínios, foram usados os seguintes pontos de corte:
“Desejo”: 4,28;
“Excitação”: 5,08;
“Lubrificação”: 5,45; “Orgasmo”:
5,05; “Satisfação”: 5,04; e
“Dor”: 5,51 [14].
Os dados foram duplamente digitados no
programa Excel 2013 e analisados por meio de estatística descritiva. Os dados
numéricos foram apresentados em média e desvio padrão (DP) e os dados
categóricos nominais por meio de frequência absoluta (n) e relativa (%).
Participaram do estudo 23 mulheres com média
de idade de 66,17 ± 7,04 anos. A maioria dessas era branca (82,6%), estudou até o ensino fundamental (73,91%) e era casada ou
morava com companheiro (56,52%). A média do IMC das participantes foi de 27 ±
5,24 kg/m².
A Tabela I apresenta a caracterização das
mulheres incontinentes (n=6; 26,08%) quanto à perda urinária. Destas, todas
apresentavam IUE.
Tabela I - Caracterização das perdas urinárias das
mulheres incontinentes (n = 6).
A Tabela II apresenta o escore, em média e
DP, dos domínios do FSFI das mulheres. Do total, 17 (73,91%) mulheres
apresentaram algum tipo de disfunção sexual.
Tabela II - Representação do escore total e dos domínios
do FSFI nas mulheres climatéricas, apresentados em média e desvio padrão.
*= domínios que apresentaram resultados abaixo
do ponto de corte, predizendo algum tipo de disfunção sexual.
Com o envelhecimento, ocorre declínio da
atividade muscular, principalmente dos MAP, que ocasiona redução da massa
muscular e, consequentemente, leva ao surgimento de perdas urinárias [15]. No
presente estudo, a média de idade das mulheres foi de 66,17 anos. Entretanto,
um pequeno número de mulheres possuía IU, especificamente IUE. Tais valores são
baixos se comparados com outro estudo [16], o qual verificou que, em 50
mulheres de 18 a 60 anos de idade praticantes de atividade física, a maioria
possuía IUE. As mulheres do presente estudo realizam diversos exercícios em
grupo. Isso pode ter influenciado a baixa ocorrência de IU.
Outro dado importante encontrado foi a média geral do IMC, que classificou as participantes deste
estudo como sobrepeso [17]. A partir disso, sabe-se que a adiposidade
decorrente da obesidade pode elevar a pressão intra-abdominal e enfraquecer os
MAP [18], gerando episódios de perda urinária e alterações na função sexual
[19]. No entanto, parece que o IMC elevado das mulheres deste estudo tem
afetado muito mais a função sexual do que a continência. Os motivos para isso
podem estar relacionados a outros fatores como os psicoemocionais, por exemplo,
que não foram analisados na presente pesquisa. Nesse sentido, além de
influenciar no controle do peso corporal, a prática de exercícios físicos em
grupo pode auxiliar também no mecanismo da continência, visto que, junto ao
aumento da pressão intra-abdominal, ocorre contração reflexa dos MAP e
fortalecimento destes [20].
Quanto às características da perda urinária,
a maioria das mulheres relatou perder urina uma vez por semana ou menos e em
pequena quantidade. Também, os impactos da perda urinária sobre a qualidade de
vida mais frequentes foram “leve” e “grave”. Esses dados vão ao encontro dos
resultados de outro estudo [21] que verificou que apenas 4,66% das mulheres com
IU declararam impacto grave sobre a qualidade de vida e 16% disseram haver
impacto leve. No presente estudo, apesar de uma pequena percentagem de mulheres
declarar impacto leve, sabe-se que a qualidade de vida
das mulheres que perdem urina é afetada de modo geral, levando a sentimentos de
vergonha e desconforto com alterações negativas sobre as atividades sociais,
ocupacionais e relação sexual [10].
Em relação à resposta sexual, 73,91% mulheres
possuíam disfunção sexual, no qual o desejo, a excitação e o orgasmo foram os
domínios do FSFI com maior escore. Resultados semelhantes foram encontrados por
outro estudo [9], no qual o desejo, a excitação, a lubrificação e o orgasmo
ofereceram risco de possíveis disfunções. Outra pesquisa [22] investigou a
associação entre a intensidade dos sintomas do climatério e a disfunção sexual
em 63 mulheres, das quais 58,73% delas apresentaram disfunção sexual, observada
também em todas as participantes com sintomas climatéricos graves.
No climatério ocorrem diversas modificações
físicas e psicossociais na vida da mulher, tornando-a mais suscetível ao desenvolvimento
de DSF [23]. Na literatura, o desejo, o orgasmo, a lubrificação e a excitação
parecem ser os principais contribuintes para escores baixos do FSFI [9, 22].
Isso pode envolver múltiplos fatores, que vão desde causas biológicas do
climatério, até mesmo problemas psicossociais presentes nas mulheres desse
período [8]. Em nosso estudo, supõe-se que a ocorrência de DSF possa ter
relação com componentes psicossociais e emocionais, e não necessariamente com a
fraqueza dos MAP, visto que as mulheres praticam atividade física e, apesar
disso, foi alta a ocorrência de DSF. A falta de conhecimento sobre a
sexualidade, a ansiedade, a depressão e adversidades afetivas com o parceiro
são fatores que podem levar ao desenvolvimento de problemas emocionais e influenciar
na resposta sexual de mulheres no período do climatério [8,9,24].
Além disso, muitas vezes esses problemas emocionais também podem estar
presentes nos parceiros sexuais dessas mulheres, ocasionando insatisfação
sexual e diminuição do desejo, prejudicando, assim, a função sexual de ambos
[25].
Este estudo teve como limitações
metodológicas o reduzido tamanho amostral e o baixo rigor nos critérios de
elegibilidade das participantes, o que dificultou maiores comparações com
outros estudos e limitação na análise estatística. No entanto, verificou-se que
poucos estudos analisam a ocorrência de disfunções do assoalho pélvico em
mulheres climatéricas de grupos de promoção à saúde. A partir dessas
limitações, sugere-se que futuras pesquisas sejam elaboradas para maior
conhecimento sobre o tema, de modo a propor metas em grupos que contribuam para
a melhora da qualidade de vida dessa população.
Foi baixa ocorrência de IU, a frequência e a
quantidade da perda urinária. Em contrapartida, as DSF foram elevadas, sendo o
desejo, a excitação e o orgasmo os mais citados. Por fim, supõe-se que, nesse
grupo, esses resultados sejam influenciados por fatores psicossociais e
emocionais.