ARTIGO
ORIGINAL
Queixas
musculoesqueléticas e qualidade de vida entre bancários de instituições
públicas e privadas
Musculoskeletal complaints and quality of life in workers of public and
private banking institutions
Ana Paula Ziegler Vey, Ft., M.Sc.*, Alyssa Conte da Silva, Ft., M.Sc.**, Melissa Medeiros Braz, Ft.,
D.Sc.***, Michele Forgiarini Saccol,
Ft., D.Sc.***
*Especialista
em Traumato-Ortopedia (UNINGÁ), Reabilitação Físico Motora (UFSM/SM) e em Atividade física, desempenho
motor e saúde (UFSM), **Especialista em Traumato-Ortopedia
(UNINGÁ), Doutoranda em Fisioterapia (UFSCar), ***Professora adjunta da
Universidade Federal de Santa Maria
Recebido em 8 de julho de 2018; aceito em 30 de outubro de 2018.
Endereço
de correspondência:
Melissa Medeiros Braz, Avenida Roraima, 1000, Sala 4108 prédio 26D, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de
Santa Maria, Cidade Universitária, Bairro Camobi
97105-900 Santa Maria RS, E-mail: melissabraz@hotmail.com; Ana Paula Ziegler Vey: aninhaziegler@hotmail.com; Alyssa
Conte da Silva: alyssa.conte@hotmail.com; Michele Forgiarini
Saccol: mfsaccol@gmail.com
Resumo
A inserção da
tecnologia no ambiente de trabalho acaba, por vezes, impondo uma sobrecarga
ocupacional que pode refletir em queixas de dores musculoesqueléticas,
interferindo na qualidade de vida. Este estudo teve por objetivo identificar as
queixas musculoesqueléticas e qualidade de vida em profissionais bancários de
instituições públicas e privadas. Pesquisa descritiva com 124 voluntários de
bancos públicos (n = 66) e privados (n = 58) da região de Santa Maria/RS. A
avaliação das queixas musculoesqueléticas foi realizada por meio do
questionário nórdico e a qualidade de vida pelo questionário SF-36. Ambos os
grupos apresentaram dor musculoesquelética com maior predominância nos
funcionários da rede pública (p = 0,002). As regiões mais referenciadas foram
pescoço, ombro e região inferior das costas. Apesar das queixas serem
superiores em funcionários públicos, a qualidade de vida dos voluntários foi considerada boa e não houve diferença entre os grupos (p =
0,330).
Palavras-chave: saúde do
trabalhador, qualidade de vida, dor musculoesquelética.
Abstract
The technology insertion in the workplace imposes an occupational burden
that may reflect on complaints of musculoskeletal pain and interferes with
quality of life. This study aimed to identify the musculoskeletal complaints
and quality of life in banking professionals from public and private
institutions (p = 0,002). Descriptive study with 124 volunteers from public (n
= 66) and private banks (n = 58) of Santa Maria/RS. The musculoskeletal
complaints assessment was measured with the Nordic questionnaire and the
quality of life with SF-36 questionnaire. Both groups had musculoskeletal pain
with greater prevalence in employees of public banks (p = 0,002). The most
referred regions were neck, shoulder and lower back. Despite the public
employees had more complaints, the quality of life of volunteers was considered
good and there was no difference between groups (p = 0,330).
Key-words: occupational
health, quality of life, musculoskeletal pain.
A inserção da
tecnologia no ambiente de trabalho e o aumento da demanda da atividade laboral
fazem com que o corpo sofra influências do tipo, gestão, da divisão e da forma
de organização do trabalho, bem como da postura adotada [1].
A postura sentada,
por exemplo, impõe ao corpo posturas paradoxais: segmentos como a coluna
vertebral permanecem estáticos por longos períodos e os membros superiores
precisam realizar movimentos altamente repetitivos [2]. Estudos recentes
apontam que as queixas de dores musculoesqueléticas nas regiões de ombro e
pescoço estão tornando-se tão frequentes quanto às queixas lombares entre os
trabalhadores [3,4]. Além de lesões específicas, a dor crônica é uma queixa
comum e surge como consequência da especialização das tarefas.
A dor crônica pode
interferir tanto nas atividades de vida diária quanto no lazer [4] repercutindo
também na qualidade de vida profissional, o que influencia negativamente as
condições de trabalho e de vida [5]. Há uma relação entre trabalho e qualidade
de vida, de forma que as pessoas que se consideram felizes atribuem sua
felicidade ao sucesso em quatro áreas: social, afetiva, saúde e profissional
[6]. Considerando a saúde física e mental em bancários, estudos apontam uma
sobrecarga elevada de trabalho, tensão continuada por metas e jornadas
extenuantes que podem ter um alto custo para a saúde desses trabalhadores [7].
Já em relação às queixas musculoesqueléticas, estudos nacionais apontam que
entre 50 e 70% dos bancários relatam sentir sintomas osteomusculares [8,9].
Tendo em vista a
estabilidade do emprego inerente aos cargos públicos e a competitividade das
empresas privadas, é possível que diferentes queixas musculoesqueléticas e de
qualidade de vida sejam encontradas nesses trabalhadores. Com base no exposto,
o objetivo desse estudo foi identificar as queixas musculoesqueléticas e
qualidade de vida em profissionais bancários de instituições públicas e
privadas.
A presente pesquisa
caracterizou-se por ser um estudo do tipo descritivo exploratório, de cunho
quantitativo. Inicialmente foram contatados os gerentes de quatro bancos
públicos e seis agências privadas da região central da cidade de Santa
Maria/RS. Cada gerente recebeu orientação prévia sobre o correto preenchimento
dos questionários. Além disso, constava em anexo o número de telefone e e-mail
das pesquisadoras para quaisquer dúvidas referentes aos mesmos.
Para participar do
estudo, os colaboradores deveriam realizar as atividades laborais há pelo menos
1 ano em um ambiente de escritório bancário público ou
privado, com no mínimo 30 horas semanais de trabalho.
Os gerentes
entregaram aos seus funcionários o material da pesquisa e, após sete dias,
esses questionários foram recolhidos. Os mesmos estavam preenchidos e de forma
anônima.
Dos 166 questionários
enviados às agências públicas, 66 foram preenchidos e dos 94 questionários
enviados aos bancos privados, 58 retornaram com as informações, totalizando 124
questionários.
Todos os
participantes preencheram uma ficha de identificação com dados pessoais
pertinentes à pesquisa (nome, idade, etc), além de
questões referentes a condições de trabalho (anos de trabalho, abstenção no emprego,
entre outros). Para avaliar a qualidade de vida, foi utilizado o questionário
SF-36 [10]. Este questionário, além de ser amplamente utilizado para avaliação
da qualidade de vida, é multidimensional, formado por 36 itens englobados em
oito domínios agregados em dois subgrupos: o físico (englobando capacidade
funcional, aspectos físicos, dor e estado geral de saúde) e o mental
(referindo-se à saúde mental, aspectos emocionais, aspectos sociais e
vitalidade).
Para a avaliação das
queixas musculoesqueléticas o questionário nórdico foi o instrumento
selecionado, uma vez que este é de fácil aplicação e entendimento, além de ser
validado. Esse instrumento consiste em escolhas múltiplas ou binárias quanto à
ocorrência de sintomas nas diversas regiões anatômicas nas quais são mais
comuns [11]. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade
Ingá/UNINGA/PR sob o protocolo 11158912.8.0000.5220, na data de 2/08/2013.
Os dados foram
analisados no programa SPSS para Windows (versão 13.0) e o teste de Kolmogorov-Smirnov foi utilizado para verificar a
normalidade dos dados. Como os dados não seguiram uma distribuição normal, os
testes de Mann Whitney e Qui-Quadrado foram
utilizados para comparação entre os grupos, utilizando nível de significância
de 5% (p < 0,05).
Os bancários de
agências privadas e públicas apresentaram diferença significativa entre as
idades, tempo de trabalho e tempo de trabalho na agência. Os trabalhadores da
agência privada eram mais jovens, com menor tempo total de trabalho, bem como
menor tempo de trabalho na empresa (Tabela I).
Tabela
I - Idade, tempo de trabalho e tempo de empresa (em anos) comparados entre os bancários de agências
privadas e públicas.
Dados apresentados em
mediana (mínimo-máximo); *teste de Mann Whitney
A tabela II apresenta
as características laborais e a demanda física e mental exigida na tarefa do
trabalho. Observou-se que os bancários de agências privadas relatavam maior
cansaço físico e mental, enquanto que os funcionários das agências públicas
apresentavam maior frequência de dor. Em relação às faltas no trabalho, os
funcionários públicos relataram maior percentual nessa variável.
Tabela
II -
Respostas das questões relacionadas à
situação laboral de bancários em agências privadas e públicas.
*teste do Qui-Quadrado
Em relação à
qualidade de vida, não houve diferença na comparação dos resultados entre os
grupos de agências, conforme demonstrado na tabela III. Observou-se que ambos os
grupos o domínio mais afetado foi o de dor.
Tabela
III
- Domínios do questionário de qualidade
de vida SF-36 de bancários de agências privadas e públicas.
Dados apresentados em
mediana (mínimo-máximo).*teste de Mann Whitney
A tabela IV apresenta
as queixas musculoesqueléticas relatadas pelos funcionários das agências
bancárias. A maior prevalência das queixas nos bancários no último ano foram as regiões da coluna e ombro. Para os bancários das agências
privadas a frequência das queixas foi cervical (38%), lombar (36%), torácica
(33%) e ombro (31%). Já para os funcionários das agências públicas, a ordem das
queixas musculoesqueléticas foi cervical (73%), ombro (62%), lombar (55%) e
torácica (49%).
Apesar de apresentarem
uma alta frequência de queixas musculoesqueléticas, um percentual menor de
funcionários buscou atendimento especializado por conta dessas dores. Houve
diferença entre os grupos apenas na lombar, mais funcionários dos bancos
públicos buscaram consulta médica quando comparados aos bancos privados (24%
versus 9%, respectivamente).
Tabela
IV -
Prevalência de queixas
musculoesqueléticas por região em bancários de agências privadas e públicas.
Nosso estudo confirma
a grande prevalência de queixas musculoesqueléticas em bancários da rede
pública e privada. Essas queixas afastam com maior frequência os trabalhadores
da rede pública, que também apresentam maior percentual de relatos de dor em
ombro, cervical e lombar quando comparados aos bancários de agências privadas.
No entanto, essas diferenças não se refletem em alterações dos domínios de
qualidade de vida entre os grupos.
Quando questionado
aos funcionários se estes sentiam dor musculoesquelética, mais da metade da
população de ambos os bancos responderam que sentiam dor, sendo essa
porcentagem significativamente maior nos trabalhadores dos bancos públicos (85%
públicas e 60% em privadas). Estudos recentes relataram que os trabalhadores
administrativos apontaram as regiões da coluna lombar e ombros como os locais
mais acometidos [9,12,13], com mais de 70% das pessoas
que trabalham em atividades em sedestação sofrendo
dores nas regiões lombar e cervical [12-14]. Esses achados também foram
evidenciados em nosso trabalho.
Com relação ao
questionário nórdico, foi verificado neste estudo que algumas áreas do corpo
são mais relatadas com dor como ombro e coluna cervical, torácica e lombar.
Comparativamente com o estudo de trabalhadores que desempenham a função
sentada, Nunes e Mascarenhas [15], em estudo realizado com 111 bancários
verificaram que as regiões mais acometidas com dor nos últimos 12 meses foram
pescoço (49,5%), lombar e ombro (45,6%). O acometimento de tais regiões pode
ser explicado pela realização de posturas forçadas e prolongadas, pelos
movimentos repetitivos de membros superiores ou gestos realizados em contração
estática e pela organização do trabalho dos bancários, constituindo, assim,
fatores geradores de distúrbios osteomusculares, principalmente se associados
ao uso de equipamentos inadequados [16]. A queixa dolorosa pode ser explicada
pela posição sentada em que os funcionários exercem na maior parte do tempo sua
função. É sabido que a posição sentada aumenta a pressão intra
discal [17].
Nesse sentido, uma
maneira de minimizar os riscos que podem ser decorrentes do posto de trabalho
inadequado se faz por meio da ergonomia do ambiente laboral. Em países como a
Austrália, o fornecimento de soluções ergonômicas para gerenciar e prevenir
problemas de saúde relacionados ao trabalho é considerado a melhor prática
atual em escritórios [17]. Dessa forma, ajustar o posto de trabalho ao
trabalhador pode reduzir possíveis queixas dolorosas, bem como o impacto
financeiro relacionado à saúde [18].
Na pesquisa de Hagberg [18], em que se analisou a sintomatologia
osteomuscular em funcionários administrativos de um órgão público observou-se
que nos últimos sete dias, as regiões mais sinalizadas com dor foram a lombar
(61%), seguida pelo punho/mão/dedo (59%), e pelo pescoço (53%). Em nosso
trabalho, o maior acometimento ocorreu na região cervical, seguida do ombro e
lombar, o que difere um pouco desse estudo. Entretanto, existem estudos que
sugerem semelhanças na história natural das doenças da coluna cervical e lombar,
já que ambas se caracterizam por períodos de remissões e exacerbações [19,20].
Essas observações e o relato de fortes associações entre dor cervical e lombar
corroboram a hipótese de que eles representam componentes de uma síndrome de
dor crônica maior [21-23] afetando grande parte da população em atividade
laboral.
Em relação à
qualidade de vida, esta foi verificada como sendo boa em ambos os grupos.
Acreditamos que, tendo em vista que os funcionários bancários não acumulam
atividades extras fora do horário de trabalho, é provável que apresentem maior
tempo para seu lazer. Nesse contexto, Carneiro e Ferreira [24] realizaram um
estudo relacionando horas de trabalho com qualidade de vida e puderam concluir
que uma jornada de trabalho saudável pode propiciar melhor ajustamento entre
vida profissional e particular, oferecendo tempo para cuidados com a saúde,
família e outros assuntos. Existem relatos também dos impactos positivos aos
trabalhadores que dedicam um período do dia ao trabalho, o que repercute
positivamente sobre sua qualidade de vida no trabalho, acompanhada da melhoria
da produtividade [25,26]. Sugere-se também que a qualidade de vida no trabalho
está diretamente associada à satisfação dos trabalhadores no desempenho de suas
funções [25,26].
Apesar de não
encontrarmos diferenças na qualidade de vida entre os bancários de instituições
públicas e privadas, a maioria dos bancários percebe sua atividade como
desgastante, cansativa, injusta, e considera o trabalho permeado por relações
de tensão [27]. Estes fatores juntamente com o acometimento de problemas
musculoesqueléticos podem resultar em absenteísmo [4]. Dessa forma, a adoção de
hábitos saudáveis no ambiente de trabalho deve ser incentivada nessa população.
Sugere-se que adotar práticas como a ginástica laboral em determinados períodos
da jornada de trabalho pode ser benéfico, havendo relatos de aumento de escore
físico e mental [28], melhora de mobilidade [29], diminuição da intensidade da
dor e na ingesta de anti-inflamatórios [30], todos esses fatores que favorecem
o bem-estar no trabalho [31].
Os bancários
investigados apresentavam dores musculoesqueléticas, com maior predominância
nos funcionários da rede pública, destacando as regiões do pescoço, ombro e inferior
das costas. Todavia, apesar das queixas constatadas pelo estudo a qualidade de
vida de ambas as agências pode ser considerada boa.