ARTIGO
ORIGINAL
Efeitos
de um treinamento fisioterapêutico respiratório em indivíduos candidatos à
cirurgia bariátrica
Effects
of respiratory physiotherapy training in candidates to bariatric surgery
Silvana
Mayara Pereira Magni*, Patrícia Dall Agnol Bianchi,
D.Sc.**, Giovani Sturmer, D.Sc.***, Graziela Valle Nicolodi****, Kalina Durigon Keller, M.Sc.*****
*Graduanda
em Fisioterapia, Universidade de Cruz Alta/RS, **Docente do curso de
fisioterapia da Universidade de Cruz Alta/RS, ***Docente do curso de
fisioterapia da Universidade de Cruz Alta/RS, ****Doutoranda em Ciências da
Saúde pela UFCSPA, Docente do curso de fisioterapia da Universidade de Cruz
Alta/RS, *****Docente do curso de fisioterapia da Universidade de Cruz Alta/RS
Recebido em 5 de agosto
de 2018; aceito em 12 de fevereiro de 2019.
Endereço
para correspondência:
Kalina Durigon Keller, Rua
Doutor Borges de Medeiros 100 Centro 98005-110 Cruz Alta RS, E-mail
kkeller@unicruz.edu.br; Silvana Mayara Pereira Magni:
mayarapmagni@hotmail.com; Patrícia Dall Agnol Bianchi: pbianchi@unicruz.edu.br; Giovani Sturmer: gsturmer@unicruz.edu.br; Graziela Valle Nicolodi: granicolodi@unicruz.edu.br
Resumo
A obesidade é uma
doença crônica relacionada à incapacidade funcional, qualidade e expectativa de
vida reduzida. Dentre as alterações provocadas por esta doença, estão aquelas
relacionadas à mecânica respiratória. O presente estudo objetivou verificar a
influência de um programa de treinamento fisioterapêutico sobre a força
muscular respiratória em candidatos a cirurgia bariátrica, e correlacionar as
variáveis antropométricas e índice de massa corporal (IMC) com os valores
obtidos no pré-treinamento. Foram avaliados dados secundários obtidos nos
prontuários de um Centro Terapêutico da Obesidade. A amostra foi composta por
107 indivíduos, com média de idade de 37,2 ± 12,03 anos, peso de 119,75 ± 25,63
kg e IMC 42,90 ± 7,93 kg/m2. Houve melhora significativa (p < 0,0001)
na Pressão Inspiratória Máxima (PImáx) e na Pressão
Expiratória Máxima (PEmáx) após o treinamento. A PImáx apresentou correlação estatisticamente significativa
fraca com o IMC (p = 0,002), circunferência do quadril (p = 0,0067),
circunferência abdominal (p = 0,02) e circunferência da cintura (p = 0,001).
Quando correlacionada a PEmáx com os valores de
circunferências do quadril (p = 0,04), abdominal (p = 0,017) e cintura (p =
0,017), há uma correlação negativa significativa. A obesidade interfere na
força muscular respiratória e um programa de treinamento da musculatura
inspiratória e expiratória pode aumentar a força muscular e ser utilizada como
recurso para prevenção de complicações pós-operatórias de cirurgia bariátrica.
Palavras-chave: obesidade,
fisioterapia, mecânica respiratória.
Abstract
Obesity
is a chronic disease related to functional disability, quality and reduced life
expectancy. Among the alterations caused by this disease, there are problems in
respiratory mechanics. Thus, the present study aimed to verify the influence of
a physiotherapeutic training program on respiratory muscle strength in
candidates for bariatric surgery, and to correlate the anthropometric variables
and body mass index (BMI) with the values obtained in the pre-training.
Secondary data obtained from the medical records of a Therapeutic Obesity
Center were evaluated. The sample consisted of 107 individuals, with a mean age
of 37.2 ± 12.03, weight of 119.75 ± 25.63 kg and BMI 42.90 ± 7.93 kg/m2.
There was significant improvement (p < 0.0001) in Maximum Inspiratory
Pressure (PImax) and Maximum Expiratory Pressure (PEmax) after training. The PImax
showed a statistically significant weak correlation with BMI (p = 0,002), hip
circumference (p = 0.0067), abdomen circumference (p = 0.02) and waist
circumference (p = 0.001). When correlated to PEmax
with values of hip circumferences (p = 0.04), abdomen (p = 0.017) and waist (p
= 0.017), there is a significant negative correlation. Obesity interferes in
respiratory muscle strength and an inspiratory and expiratory musculature
training program can increase muscle strength and be used as a resource for the
prevention of postoperative complications of bariatric surgery.
Key-words: obesity,
physical therapy specialty, respiratory mechanics.
A obesidade é uma
doença crônica, com etiologia multifatorial, e se associa principalmente a
ingestão excessiva de alimentos altamente calóricos e industrializados,
sedentarismo e ao estilo de vida moderno [1], afetando 671 milhões de pessoas
em todo o mundo [2]. No Brasil 50% da população está acima do peso, o que
representa um crescimento de 60% nos dez últimos anos [3], destacando o Brasil
como um dos países com mais indivíduos obesos do mundo. Além disso, o estudo
indicou que, em 2025, a prevalência de obesidade global poderá atingir 18% dos
homens e 21% das mulheres [4].
No ano de 2016, o
Brasil registrou 100.512 mil cirurgias bariátricas, sendo esta considerada uma
das alternativas para perda de peso em obesos [5,6]. A indicação para
realização desta cirúrgica é um IMC acima de 40 kg/m², independente da presença
de comorbidades ou IMC entre 35 e 40 kg/m² na presença de comorbidades, as
quais estão especificadas na Resolução 2.131/2015 do CFM [7].
Além de alterações
cardiorrespiratórias como aumento do trabalho respiratório, diminuição da
capacidade de expansão torácica e obstrução ao fluxo aéreo [8], várias
patologias estão relacionadas ao aumento da prevalência da obesidade, como
diabetes, hipertensão arterial, depressão e doenças cardiovasculares [9]. Ainda,
é relatada que a mecânica respiratória do obeso também pode ser prejudicada.
Neste contexto, o aumento da adiposidade abdominal induz à limitação na
mobilidade do diafragma e complacência torácica, aumento da pressão
intra-abdominal, o que pode causar modificações do padrão e da musculatura
respiratória, aumentando assim a resistência respiratória [10,11].
Pacientes obesos
apresentam maior risco para o desenvolvimento de complicações pós-operatórias
quando comparados a não obesos [12]. Com o objetivo de proporcionar melhor e
mais rápida recuperação dos pacientes, o treinamento respiratório no período
pré-operatório da cirurgia bariátrica tem se destacado como fator essencial
para evitar complicações pós-operatórias. Os exercícios realizados objetivam
promover expansão pulmonar, melhorar as capacidades, volumes e força muscular
respiratória, contribuindo, dessa forma, para melhor ventilação e expectoração
de secreções [13,14].
Desta maneira, o
presente estudo teve por objetivo analisar a repercussão da obesidade sobre a
força muscular respiratória e verificar a influência de um programa de
treinamento fisioterapêutico em obesos candidatos à cirurgia bariátrica.
Trata-se de um estudo
quase experimental realizado com indivíduos candidatos à cirurgia bariátrica de
um Centro Terapêutico da Obesidade do interior do estado do Rio Grande do Sul.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CAAE 66919317.3.0000.5322,
parecer de aprovação nº 2.085.012).
Foram incluídos no
estudo os indivíduos de ambos os gêneros, com idades entre 18 e 63 anos que
realizaram a cirurgia bariátrica através da técnica de bypass
gástrico em “Y de Roux”
no período de 2007 a 2017 neste Centro Terapêutico da Obesidade, sendo
utilizados dados dos prontuários. Foram excluídos pacientes que realizaram
apenas tratamento clínico da obesidade ou que não tinham os registros dos dados
necessários para este estudo.
A força muscular
respiratória foi avaliada através de um manovacuômetro
com intervalo operacional de -120 a 120 cmH2O. Para obtenção da PImáx e PEmáx, os indivíduos
sustentavam o esforço respiratório em seu máximo durante aproximadamente dois
segundos; registrando-se o maior valor obtido em três repetições, com diferença
menor ou igual a 10%. Os valores obtidos foram analisados em comparação aos
valores preditos por Neder et al.
[15].
Após avaliação inicial,
os indivíduos foram orientados a realizar o treinamento respiratório. O
treinamento proposto neste estudo consistiu na realização das técnicas
respiratórias de respiração diafragmática, respiração diafragmática com
elevação dos membros superiores e respiração profunda fracionada em três tempos
com elevação dos membros superiores. Além destes exercícios os indivíduos
também utilizaram o incentivador da inspiração a fluxo da marca Respiron®. A orientação aos indivíduos foi que os mesmos
realizassem os exercícios diariamente, três vezes ao dia, sendo três séries de
10 repetições de cada. O treinamento, realizado no seu domicílio, teve duração
de quinze dias antecedentes à cirurgia.
Foi utilizada a
estatística descritiva como média, desvio padrão e percentual para a
caracterização da amostra. Os dados de PIMáx e PEMáx foram comparados com os valores previstos utilizando
o Teste t de Student pareado com nível de
significância de 95% (p < 0,05%). As correlações dos dados antropométricos e
IMC com PImáx e PEmáx foram
avaliadas através do teste de Pearson (p < 0,05%). Todas as análises foram
realizadas no programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 19.0.
A amostra foi composta
por 107 indivíduos obesos, candidatos à cirurgia bariátrica, sendo 30% (n = 32)
do sexo masculino e 70% (n = 75) do sexo feminino, com idades entre 18 e 63
anos.
Tabela I - Caracterização da amostra.
Dados apresentados em
Média, Desvio Padrão e Percentual.
Na Tabela II é possível
constatar que após o treinamento fisioterapêutico da musculatura respiratória
ocorreu uma melhora significativa nos valores de Pressão Inspiratória Máxima (p
< 0,0001) com um incremento de 19,62%. Este resultado também foi observado
para os valores de Pressão Expiratória Máxima (p < 0,0001) que obtiveram um
aumento expressivo de 24,17%, mesmo não tendo sido treinado diretamente.
Tabela II - Valores de força muscular respiratória no pré-treino e pós-treino
fisioterapêutico.
*Significativo pelo
Teste t de Student para amostras pareadas com nível
de significância de 5% (p < 0,05). Dados apresentados em Média e Desvio
Padrão.
Para a verificação da
influência da obesidade sobre a FMR, foram correlacionadas a PImáx e PEmáx com o IMC e as
medidas antropométricas.
Tabela
III - Correlações de medidas antropométricas e IMC
com percentual do previsto para pressões respiratórias máximas no
pré-treinamento.
*Valor de coeficiente de
correlação (r) significativo a 5% de Probabilidade de erro (p < 0,05), ns = não significativo.
Ao correlacionar a PImáx com o IMC (p = 0,002), com os valores de
circunferência do quadril (p = 0,0067), circunferência abdominal (p = 0,02) e
circunferência da cintura (p = 0,001) foi possível observar uma correlação
fraca, porém significativa. Assim, quanto maior forem estas variáveis, melhor é
o percentual previsto da PImáx. Apenas a relação
cintura/quadril (0,61) não apresentou correlação significativa com os valores
de PImáx.
Ao correlacionar os
valores de PEmáx, com as variáveis avaliadas, é
possível observar uma correlação negativa fraca, porém significativa com a
circunferência do quadril (p = 0,04), circunferência abdominal (p = 0,017) e
circunferência da cintura (p = 0,017). Quando correlacionada a PEmáx com o IMC (p = 0,07) e a relação cintura/quadril (p =
0,12) foi encontrada uma correlação negativa, muito fraca e não significativa.
A integridade e função
da musculatura respiratória podem ser prejudicadas pela incisão cirúrgica na
região do abdômen e caixa torácica, podendo acarretar complicações no
pós-operatório, sendo embolia pulmonar, pneumonia e atelectasias as mais
observadas, apresentando relação com a idade e à hipoventilação
[16-18], além da incapacidade de respirar profundamente no período pós-operatório
imediato [19].
Através deste estudo
foi possível perceber a eficiência do programa fisioterapêutico realizado sobre
a força muscular respiratória dos candidatos à cirurgia bariátrica. Este
resultado vem ao encontro do apresentado em outros estudos com obesos
candidatos à cirurgia bariátrica que receberam o treinamento respiratório
contínuo com exercícios respiratórios semelhantes, durante 15 dias antecedentes
à cirurgia, com melhoras de 48,24% [20] e 43,75% [21] na pressão inspiratória
máxima, com treinamento 2 vezes por semana, além de ter sido observado o
aumento da mobilidade torácica e consciência respiratória dos indivíduos obesos
[22].
No presente estudo, a PImáx se correlacionou positivamente com o IMC, com os
valores de circunferência do abdômen (CA), circunferência da cintura (CC) e
circunferência do quadril (CQ), porém esta correlação ainda é fraca. Segundo
alguns autores [23-25] a força muscular respiratória em obesos mórbidos pode
ser aumentada devido à adaptação das fibras musculares esqueléticas que ocorre
pela realização de esforços físicos no dia a dia para locomoção e para manter o
corpo na posição ereta, considerando que ocorre uma sobrecarga inspiratória,
promovendo um treinamento na musculatura inspiratória destes indivíduos.
Corroborando estas afirmações, Paisani et al. [26] e Magnani
e Cataneo [27] em estudo com 99 indivíduos obesos
também observaram que as médias da força muscular respiratória estavam
aproximadas com valores encontrados em indivíduos eutróficos.
Em contrapartida,
outros autores, ao avaliarem o desempenho físico e respiratório em obesos,
concluíram que o IMC não se correlacionava com a força muscular respiratória,
no entanto constataram que esta se apresentou
reduzida nos obesos e obesos mórbidos em comparação com valores de referência
para sujeitos saudáveis, considerando que pode haver limitações na mecânica
ventilatória neste grupo [28-30]. De acordo com Pouwels
et al. [17], o impacto da obesidade
no sistema respiratório pode variar em cada paciente e não pode ser previsto a
partir do peso e/ou IMC isoladamente, pelo fato de que a avaliação do IMC não
distingue massa magra de massa gorda, nem mesmo o estado nutricional e
distribuição de gordura corporal.
Ao analisar os
resultados encontrados para a PEmáx isoladamente, foi
possível observar que esta apresentou correlação negativa com o IMC e variáveis
antropométricas de CC, CA e CQ. A obesidade pode promover uma redução da força
durante a expiração devido à redução da parede torácica, complacência pulmonar
e maior resistência respiratória, dificultando a pressão expiratória máxima
[31], o que está de acordo com Nunes et
al. [32] que em estudo com 26 indivíduos obesos e com sobrepeso observaram
fraqueza dos músculos expiratórios em 58% da amostra.
Apesar de o treinamento
muscular respiratório ter sido realizado somente com técnicas de inspiração
neste estudo, também foi constatado aumento da força muscular expiratória,
inclusive com percentual de melhora acima do inspiratório. O que pode explicar
esse fato é que o aumento da PEmáx pode ocorrer
devido à própria ação mecânica aumentada nos músculos inspiratórios, gerando
maior mobilidade toraco-abdominal, recrutando assim
mais os músculos que atuam como acessórios da expiração, o que pode otimizar a
função muscular [33].
Com este estudo pode-se
concluir que a obesidade interfere na força muscular respiratória e que o
programa de treinamento específico, proposto neste estudo, realizado por
candidatos a cirurgia bariátrica é eficiente para aumentar a força dos músculos
inspiratórios e expiratórios, podendo ser utilizado como estratégia de
prevenção a complicações pós-operatórias de cirurgia bariátrica.
As limitações desta
pesquisa foram relativas à impossibilidade de acompanhamento dos pacientes no
treinamento respiratório e o fato da amostra não ser estratificada por gênero,
apesar dos valores preditos de PImáx e PEmáx terem sido calculados separadamente para o gênero
feminino e masculino. Assim, sugere-se que mais estudos sejam realizados nesta
área, uma vez que a obesidade está cada vez mais se destacando como um problema
de saúde pública mundial, com elevados índices de morbimortalidade.