ARTIGO
ORIGINAL
Mobilização
precoce no paciente pediátrico criticamente enfermo: conhecimento e percepção
da equipe multiprofissional de um hospital universitário
Early mobilization in critically ill pediatric patient: knowledge and
perception of the multidisciplinary team of a university hospital
Beatriz da Silva
Fagundes*, Cristiane Sousa Nascimento Baez Garcia**,
Jairo Werner***
*Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, **Docente e Suplente da Coordenação, Curso de
Graduação em Fisioterapia, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Rio de Janeiro – IFRJ, Campus Realengo, Rio de Janeiro/RJ, ***Universidade
Federal Fluminense
Endereço
para correspondência:
Cristiane Sousa Nascimento Baez Garcia:
cristiane.garcia@ifrj.edu.br; Beatriz da Silva Fagundes: biafag@yahoo.com.br,
Jairo Werner: jairowerner@globo.com
Resumo
Introdução: A falta de
conhecimento sobre a mobilização precoce em pacientes pediátricos criticamente
enfermos e a pouca percepção da sua importância têm sido descritos como
contribuintes para a sua pouca difusão na área. Objetivo: Avaliar o conhecimento e a percepção da equipe
multiprofissional de um hospital universitário acerca da mobilização precoce em
pacientes pediátricos criticamente enfermos. Metodologia: Estudo observacional seccional analítico por meio de
aplicação de questionário autopreenchido pelos
profissionais da equipe multiprofissional que atuavam na Unidade de Terapia
Intensiva Pediátrica de um hospital universitário. Resultados: 60 profissionais responderam ao questionário, dentre
eles: cinco (8,3%) fisioterapeutas, 19 (31,7%) médicos, 12 (20%) enfermeiros e
24 (40%) técnicos em enfermagem. Entre os participantes, 35 (58%) responderam
que os estudos existentes na área pediátrica sugerem benefícios, enquanto 18
(30%) relataram não ter opinião formada sobre o assunto. Com relação à
percepção da importância da mobilização precoce, 14 (23,3%) consideram-na
crucial, 24 (40%) muito importante, 18 (30%) importante
e quatro (6,6%) pouco importante ou sem opinião sobre o assunto. Houve correlação
positiva significativa entre o conhecimento e a percepção (P = 0,0075). Conclusão: A maioria dos participantes
possui conhecimento acerca do tema e reconhece a sua importância, existindo uma
relação positiva entre essas variáveis.
Palavras-chave: reabilitação,
unidades de terapia intensiva pediátrica, serviço hospitalar de fisioterapia.
Abstract
Introduction: The lack of knowledge about early mobilization in critically ill
pediatric patients and the low perception of its importance have been described
as contributing to its low diffusion in the area. Objective: To evaluate the knowledge and perception of the
multiprofessional team of an university hospital about
early mobilization in critically ill pediatric patients. Methodology: Analytical sectional observational study through the
application of a self-administered questionnaire by professionals from the
multiprofessional team working in the Pediatric Intensive Care Unit of an university hospital. Results:
60 professionals answered the questionnaire, among them: five (8.3%)
physiotherapists, 19 (31.7%) physicians, 12 (20%) nurses and 24 (40%) nursing
technicians. Of the participants, 35 (58%) answered that existing studies in
the pediatric area suggest benefits, while 18 (30%) reported having no opinion
about the subject matter. Regarding the perception of early mobilization
importance, 14 (23.3%) considered it to be crucial, 24 (40%) very important, 18
(30%) important and four (6.6%) were of little importance or no opinion about
the subject matter. There was a significant positive correlation between
knowledge and perception (P = 0.0075). Conclusion:
Most of the participants have knowledge about the topic and recognize its
importance, and there is a positive relationship between these variables.
Key-words:
rehabilitation, intensive care units, pediatrics, physical therapy department,
hospital.
Conceitualmente, o
termo Mobilização Precoce (MP) se refere à aplicação de exercício físico nos
primeiros dois a cinco dias da doença ou lesão grave, com intensidade
suficiente para provocar alterações fisiológicas imediatas. Dentre elas,
incluem-se melhora da ventilação, das perfusões periféricas e centrais, da
circulação, do metabolismo muscular e do estado de alerta, além de atuar
diretamente na prevenção da estase venosa e consequentemente da trombose venosa
profunda [1].
No passado, os pacientes
graves não eram considerados aptos para atividades físicas precoces porque eles
eram avaliados como clinicamente instáveis ou dependentes de equipamentos
vitais. Recentemente, evidências científicas contra essa argumentação têm sido
publicadas [2,3]. Em 2007, o primeiro estudo de MP com pacientes submetidos à
ventilação mecânica (VM) foi publicado e foram raros os eventos adversos
relatados [3]. A viabilidade e segurança do procedimento também foram
confirmadas por outros autores [4-6]. Em 2008, Morris et
al. [4] mostraram por meio de estudo de coorte prospectivo que o início precoce
da fisioterapia em pacientes criticamente enfermos está associado à redução do
tempo de internação hospitalar e na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). A
partir daí, outros autores encontraram relação positiva entre a MP e a redução
do tempo de internação na UTI/ hospitalar, inclusive em pacientes submetidos à
VM [5,7-10].
A MP tem sido um tema
amplamente estudado na abordagem intensiva de pacientes adultos. Algumas pesquisas
demonstraram que esta é uma abordagem que pode diminuir o tempo de VM, de
internação e de duração de delirium,
além de melhorar o estado funcional do paciente e estar relacionada a menor mortalidade [11,12]. A importância da mobilização
foi ainda reforçada por Gosselink et
al. [13] nas recomendações da European Respiratory Society e European Society of Intensive Care
Medicine como sendo uma intervenção de primeira linha para pacientes com
disfunções do sistema cardiopulmonar.
Apesar de serem escassos
os estudos de viabilidade e segurança da MP nos paciente pediátricos
criticamente enfermos, os resultados sugerem que eles também estão aptos para
tal prática [14-18]. Assim como na população adulta, na população pediátrica a
MP parece trazer benefícios do ponto de vista funcional e de tempo de
internação [14,16,19,20]. Entretanto, a prática da MP
na pediatria ainda é pouco difundida e estimulada. Em estudo realizado no
Canadá, verificou-se que apenas 3,4% dos Fisioterapeutas trabalhavam em uma
UTIP que possuía protocolo de MP [21]. Em outro estudo retrospectivo realizado
no mesmo país verificou-se que menos de 10% dos pacientes foram mobilizados
precocemente [22]. A falta de conhecimento sobre o tema e a pouca percepção de
sua importância tem sido descritos como contribuintes para esta realidade e a
educação proposta como estratégia a ser utilizada para quebrar estas barreiras
[17,18].
Assim, o objetivo do
presente estudo foi avaliar o conhecimento e a percepção da equipe
multiprofissional de um hospital universitário (HU) acerca da MP em paciente
pediátricos criticamente enfermos.
Tratou-se de um
estudo observacional seccional analítico por meio da aplicação de questionário autopreenchido pelos profissionais da equipe
multiprofissional que atua na UTIP de um HU localizado no município do Rio de
Janeiro/RJ, Brasil. Tal unidade é composta por seis leitos, admitindo pacientes
de um 0 a 18 anos incompletos com doenças clínicas ou cirúrgicas de todas as
especialidades que já fazem acompanhamento ambulatorial no próprio hospital ou
que chegam transferidas pela Central de Regulação do Estado. O período total do
estudo compreendeu setembro de 2016 a maio de 2017.
Este estudo foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do próprio HU sob o número de CAAE
64110716.6.0000.5243. A participação no estudo foi precedida
pela obtenção do termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelo
profissional.
Foram incluídos no
estudo na qualidade de sujeito da pesquisa todos os profissionais dos
diferentes seguimentos da área de Ciências da Saúde que atuavam na assistência
ao paciente internado na UTIP do HU, incluindo fisioterapeutas, médicos,
enfermeiros e técnicos de enfermagem. Além dos staffs e rotinas, os residentes
de fisioterapia, medicina e enfermagem do segundo ano participaram da pesquisa.
Residentes do primeiro ano foram excluídos por estarem atuando há apenas um mês
na área no período da coleta de dados.
Um questionário
estruturado com perguntas fechadas foi elaborado para ser utilizado como
instrumento nessa pesquisa. Seguindo as recomendações metodológicas, foi
realizado o pré-teste do questionário preliminar em dezembro de 2016. Para
isso, ele foi aplicado em amostra de conveniência composta de seis profissionais
dos diferentes seguimentos da área de Ciências da Saúde que atuavam em outras
unidades do HU ou em outros hospitais/ instituições. Com base no resultado do
pré-teste, o questionário foi reformulado na sua apresentação e redação, com
inclusão, mudança e exclusão de algumas perguntas. Como houve alterações
significativas, foi necessário um novo pré-teste da segunda versão do
questionário no mesmo mês. Assim sendo, a nova versão foi aplicada em outros
quatro profissionais da área de Ciências da Saúde, não havendo nenhuma
alteração pertinente a ser realizada. Essa versão foi definida, então, como a
final do questionário semiestruturado a ser aplicada com os sujeitos da
pesquisa.
As variáveis
estudadas nesta pesquisa foram referentes a dois domínios presentes no
questionário aplicado. O primeiro domínio avaliou o conhecimento do
profissional sobre as evidências científicas existentes acerca dos benefícios
da MP em pacientes pediátricos criticamente enfermos por meio de perguntas
fechadas com gabarito pré-determinado. O segundo domínio avaliou a percepção do
profissional sobre a importância da MP nestes pacientes numa escala de 0 a 4,
onde zero significa "nenhuma importância" e quatro
"crucial", incluindo a opção de não ter opinião formada sobre o
assunto. Dentre as variáveis, também foram incluídos o tempo de experiência em
UTIP e a categoria profissional dos sujeitos da pesquisa.
Coleta
de dados
Os dados foram
coletados no período de 24 de março a 4 de abril de
2017. No período do estudo, atuava na UTIP do HU um total de 70 profissionais. Foram abordados pela pesquisadora, 63 (90%) desses
profissionais durante seu expediente de trabalho (turno diurno ou noturno) que,
após explanação sobre o estudo, foram convidados a ler e, em caso de
concordância na participação, assinarem o termo de consentimento livre e
esclarecido. Não foi possível contatar sete profissionais durante o período de
coleta dos dados.
Os participantes
foram orientados a responderem os questionários individualmente, com
sinceridade e clareza conforme cada enunciado, sem identificá-los sob nenhuma
hipótese. O questionário foi respondido dentro do setor, no mesmo dia da
explanação sobre o estudo e aceite para participação, conforme a
disponibilidade de tempo do participante ao longo do plantão. A pesquisadora
manteve-se distante durante o preenchimento dos questionários, em outro
ambiente quando possível. Após o término do preenchimento, o participante
dobrava o questionário e o depositava em uma urna de acrílico lacrada que
permaneceu no setor durante todo o período de coleta de dados.
Análise
estatística
Os dados foram
tabulados como programa Excel® (versão 2007). Foi realizada a análise
descritiva com medidas de tendência central e de distribuição de frequências.
Para examinar a significância da associação entre as variáveis categóricas -
conhecimento, percepção e “tempo de experiência”, tabelas de contingência 2x2
foram construídas e os testes qui-quadrado e exato de
Fisher aplicados. Foi considerado significativo o valor de p < 0,05. O software utilizado para desenvolver a
análise foi o R.
Dos 63 profissionais
abordados, 60 responderam ao questionário, dentre eles, em ordem decrescente,
24 técnicos em enfermagem (40%), 19 médicos (31,7%), 12 enfermeiros (20%) e
cinco fisioterapeutas (8,3%). Além dos staffs
e rotinas, dez residentes participaram da pesquisa (sete médicos - 70%, dois
enfermeiros - 20% e um fisioterapeuta - 10%). A média de idade foi de 38 anos.
Em relação ao tempo de experiência em UTIP, 47% dos participantes possuíam
menos de cinco anos e 53% cinco anos ou mais.
Conhecimento
sobre MP em pacientes pediátricos graves
Conforme observado na
Tabela I, 58% dos participantes apresentaram conhecimento de que as evidências
científicas existentes apontam para os benefícios da MP em pacientes
pediátricos criticamente enfermos. Vale comentar que 30% dos profissionais
disseram não ter opinião formada sobre o assunto (Tabela I).
Tabela
I - Conhecimento da equipe multiprofissional
sobre mobilização precoce em pacientes pediátricos criticamente enfermos.
Os valores estão
expressos como frequência absoluta (frequência relativa).
Com relação ao
conhecimento dos benefícios da MP em pediatria, existe diferença entre os
diferentes segmentos profissionais da área de Ciências da Saúde. Todos os
fisioterapeutas demonstraram conhecimento sobre o assunto, enquanto que entre
os demais segmentos profissionais essa taxa caiu para pouco mais da metade
(Tabela II).
Tabela
II -
Conhecimento dos diferentes seguimentos
de profissionais da área de Ciências da Saúde sobre a mobilização precoce em
pacientes pediátricos criticamente enfermos.
Os valores estão
expressos como frequência absoluta (frequência relativa). Sem conhecimento =
somatório das respostas B (não há evidência que suporte sua realização), C (os
estudos sugerem riscos que superam os benefícios) e D (não tenho opinião
formada sobre o assunto).
Apesar das diferenças
perceptíveis de distribuição de frequências entre as categorias profissionais
com relação ao conhecimento da MP, aplicando-se o teste exato de Fisher não foi
encontrada significância estatística (P = 0,28997).
Percepção
da importância da MP em pacientes pediátricos graves
Com relação à
percepção da importância da MP em pediatria, 18 profissionais (30%) marcaram importante; 24 (40%) muito importante; e 14 (23,3%) crucial.
Apenas 6% dos participantes parecem não ter percepção da importância da MP no
paciente pediátrico criticamente enfermo.
Observou-se ainda que
a MP é vista com maior importância pelos
fisioterapeutas (a maioria, 80%, classificou como crucial) do que pelos demais
segmentos de profissionais da equipe de saúde da UTIP do HU (a maioria dos
médicos - 42,1%, enfermeiros - 41,7% e técnico de enfermagem - 41,7%
classificou como muito importante). Além disso, comparativamente aos
enfermeiros (16,7% importante + 41,7% muito importante + 16,7% crucial =
75,1%), os técnicos de enfermagem (41,7% importante + 41,7% muito importante +
12,5% crucial = 95,9%) têm maior percepção da importância da prática da MP
(Tabela III).
Tabela
III
- Percepção da equipe multiprofissional e
dos diferentes segmentos de profissionais da área de Ciências da Saúde sobre a
importância da mobilização precoce em pacientes pediátricos criticamente
enfermos.
Os valores estão
expressos como frequência absoluta (frequência relativa). Ninguém respondeu
“Nenhuma importância”.
Apesar das diferenças
perceptíveis de distribuição de frequências entre as categorias profissionais
com relação à percepção da importância da MP em pacientes pediátricos
criticamente enfermos, aplicando-se o teste exato de Fisher não foi encontrada
significância estatística (P = 0,25609).
Associação
entre o conhecimento e a percepção da mobilização precoce em pacientes
pediátricos graves
Analisando-se a
relação entre o conhecimento e a percepção da importância da MP em crianças
criticamente enfermas, por meio do teste exato de Fisher foi encontrada
significância estatística (P = 0,0075), indicando assim a existência de
associação entre as variáveis. Observando-se a Tabela IV, nota-se que quanto maior
o conhecimento sobre a MP em pacientes pediátricos criticamente enfermos, maior
a percepção sobre a sua importância.
Tabela
IV -
Associação entre conhecimento e percepção
da importância da mobilização precoce em pacientes pediátricos criticamente
enfermos.
Tabela de contingência
2x2. Apresentação em sequência da esquerda para a direita de: frequência
absoluta, frequência relativa com coluna fixa e frequência relativa com linha
fixa. Considerado sem conhecimento sobre MP o somatório das respostas B (não há
evidência que suporte sua realização), C (os estudos sugerem riscos que superam
os benefícios) e D (não tenho opinião formada sobre o assunto).
Não houve associação
do tempo de experiência em UTIP nem com o conhecimento (P = 0,32508, teste qui-quadrado), nem com a percepção (P = 0,93668, teste
exato de Fisher) sobre MP em crianças graves (Tabelas V e VI).
Tabela
V - Associação entre conhecimento sobre
mobilização precoce (MP) em pacientes pediátricos criticamente enfermos e tempo
de experiência em Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP).
Tabela de contingência
2x2. Apresentação em sequência da esquerda para a direita de: frequência
absoluta, frequência relativa com coluna fixa e frequência relativa com linha
fixa. Considerado sem conhecimento sobre MP o somatório das respostas B (não há
evidência que suporte sua realização), C (os estudos sugerem riscos que superam
os benefícios) e D (não tenho opinião formada sobre o assunto).
Tabela VI - Associação
entre percepção sobre a importância da mobilização precoce (MP) em pacientes
pediátricos criticamente enfermos e tempo de experiência em Unidade de Terapia
Intensiva Pediátrica (UTIP).
Tabela de contingência
2x2. Apresentação em sequência da esquerda para a direita de: frequência
absoluta, frequência relativa com coluna fixa e frequência relativa com linha
fixa. Note que não há qualquer associação.
A pesquisa teve alta
taxa de adesão (95%) se comparada a demais semelhantes [21,23]. Tal fato pode
ser explicado por: se tratar de um HU, onde há incentivo à produção científica;
pelo vínculo existente entre a pesquisadora e demais membros da equipe ou pelo
fato dos questionários não poderem ser levados para casa devendo ser
respondidos durante o plantão do participante.
Infelizmente, a
unidade possui equipe reduzida de fisioterapeutas, tendo um não participado da
pesquisa e outro ser a própria pesquisadora. Assim, o número de participantes
desse segmento profissional de Ciências da Saúde foi modesto, o que, além de
prejudicar a interpretação dos resultados, dificultou a comparação com outros
estudos.
Esse estudo é inovador
em avaliar a temática em UTIP no Brasil e envolver os profissionais técnicos de
enfermagem na abordagem da MP em pacientes graves. Os autores consideram a
participação desse segmento da área de Ciências da Saúde fundamental para o
sucesso da implantação de um programa de MP, visto que tais profissionais
participam mais intensivamente do cuidado do paciente. Entretanto, a visão
destes profissionais tem sido negligenciada nas pesquisas.
Do total de
participantes, 42% desconheciam as evidências científicas relacionadas à MP em
pacientes pediátricos criticamente enfermos. Interessantemente, em estudo
semelhante realizado entre 2010 e 2012 no Canadá com apenas médicos e
fisioterapeutas de 17 UTIP diferentes, essa taxa foi significativamente maior
(87,5%) [21]. De fato, o número de pesquisas sobre este tema, apesar de ainda
escasso, cresceu nos últimos anos, o que provavelmente contribuiu para a
difusão da prática [14-18]. Já em estudo com desenho similar realizado com
profissionais que atuavam em UTI de pacientes adultos no mesmo país e período,
essa taxa de falta de conhecimento acerca da MP foi bem menor, de 38%, o que
pode ser reflexo de maior número de publicações sobre MP em pacientes adultos
criticamente enfermos [24].
A fraqueza muscular
associada à UTI atinge aproximadamente 46% dos pacientes segundo revisão
sistemática, podendo chegar até 100% em pacientes com quadro de sepse [25].
Entretanto, no estudo de Koo et al. [24] foi verificado que 68,8% dos participantes, entre médicos
e fisioterapeutas, subestimavam a incidência da fraqueza muscular adquirida em
UTI. Acreditamos que esta taxa possa ser ainda maior na população pediátrica
criticamente enferma, tendo em vista a dificuldade de ferramentas de avaliação
adequadas para todas as faixas etárias desta população. No estudo publicado por
Jolley et al. [23],
aproximadamente 85% dos participantes, entre médicos, enfermeiros e
fisioterapeutas, tinham conhecimento sobre os benefícios da MP na manutenção da
força muscular e na redução do tempo de VM em pacientes adultos criticamente
enfermos. Os autores desconhecem esses dados em pacientes pediátricos
criticamente enfermos.
A importância da MP
já foi atestada por inúmeros estudos. Além de estar relacionada à redução da
prevalência do delirium, está associada ainda a outros benefícios como redução
do tempo de VM, de internação hospitalar e aumento da funcionalidade [1]. No
presente estudo, 93,3% dos participantes reconhecem a importância da MP em
pacientes pediátricos criticamente enfermos (tendo classificado como:
importante; muito importante; ou crucial), sendo tal reconhecimento mais
evidente entre os fisioterapeutas (100%, que a
classificaram como muito importante ou crucial). No estudo similar realizado
por Choong et al. [21] essa
taxa foi de 76,1%. Somando-se os que assinalaram que a MP é muito importante ou
crucial, encontra-se uma taxa de 63,3%, que é próxima a encontrada por Koo et al. [24] em seu estudo (68,8%). Como a
MP já é rotineiramente empregada nessa unidade local do estudo a percepção da
importância de sua realização pode ser mais facilmente reconhecida pela equipe.
Entre os que
identificaram a MP como uma prática crucial, a maioria (80%) é composta por
fisioterapeutas e a minoria (12,5%) é de técnicos de enfermagem. Não parece ser
surpresa a maior percepção da importância da MP entre os fisioterapeutas do que
entre os demais segmentos da área de Ciências da Saúde, já que estes são os que
comumente estudam tal prática em sua formação acadêmica.
No presente estudo,
constatou-se que a percepção da importância está atrelada ao conhecimento, ou
seja, quanto maior o conhecimento sobre as evidências científicas disponíveis
sobre os benefícios da MP em pacientes criticamente enfermos, maior é a
percepção da importância dessa abordagem. Não houve associação significativa
entre o tempo de experiência na UTIP e estas variáveis (conhecimento e
percepção da importância). Assim, parece claro que a difusão de conhecimento,
seja em forma de publicações ou de programas educacionais, é fundamental para o
devido reconhecimento da importância da MP pelos profissionais, incentivando
assim a sua prática rotineira.
Os autores acreditam
que unidades onde a implantação da rotina ou protocolo de MP seja penosa ou de
difícil adesão possa ser reflexo da falta de conhecimento e, por conseguinte da
percepção de importância por parte dos profissionais que nelas atuam.
O estudo tratou-se da
análise específica de uma equipe multiprofissional que presta assistência na
UTIP de um HU. Nessa equipe, muitos técnicos de enfermagem possuem também
formação superior em enfermagem. Qualquer extrapolação dos resultados
encontrados para demais unidades pode não ser adequada.
A mobilização precoce
em pacientes pediátricos criticamente enfermos ainda não é uma prática tão
difundida e a falta de conhecimento e de percepção sobre sua importância pode
contribuir para essa defasagem. Quando se aplicou um questionário autopreenchido na equipe multiprofissional de uma UTIP,
observou-se que mais da metade dos participantes possuem conhecimento sobre as
evidências científicas acerca da mobilização precoce e poucos são os que não
percebem a importância de sua realização. Além disso, verificou-se uma relação
positiva entre as variáveis. Isso pode refletir na prática clínica nesse setor,
onde a mobilização precoce é rotineiramente realizada e a aceita por toda
equipe. Sugere-se, assim, que seja estimulada a educação continuada, assim como
novos estudos na área, como forma de estimular a prática da mobilização precoce
em pacientes pediátricos criticamente enfermos das UTIP de outros hospitais.