ARTIGO
ORIGINAL
Perfil
de pacientes com acidente vascular cerebral atendidos
por um programa de extensão universitário na atenção básica
Profile of patients with stroke treated at a university extension
program in primary health care
Paola Vanessa da Luz
Gomez, Ft.*, Rodrigo de Souza Balk, D.Sc.**, Antônio Adolfo Mattos de
Castro, D.Sc.**, Simone Lara, D.Sc.**,
Susane Graup, D.Sc.**
*Fisioterapeuta,
**Docente do curso de Fisioterapia da Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA,
Campus Uruguaiana/RS
Recebido em 20 de
outubro de 2017; aceito em 18 de junho de 2018.
Endereço para
correspondência: Rodrigo de Souza Balk, Universidade
Federal do Pampa – Unipampa, Campus Uruguaiana, BR
472, km 592, 97508-000 Uruguaiana RS, E-mail: rodrigobalk@unipampa.edu.br;
Paola Vanessa da Luz Gomez: paola-doria13@hotmail.com; Antônio Adolfo Mattos de
Castro: antonioamcastro05@gmail.com; Simone Lara: simonelara@unipampa.edu.br;
Susane Graup: susigraup@gmail.com
Resumo
O objetivo deste
estudo foi avaliar o perfil dos pacientes neurológicos com diagnóstico de
Acidente Vascular Cerebral (AVC) que foram atendidos pela Atenção Básica de um
município da fronteira oeste do Rio Grande do Sul. Participaram 44 pacientes
com diagnóstico de AVC. As variáveis avaliadas foram: indicadores sociodemográficos; tipo de mobilidade; número de quedas;
prática de atividades físicas e vínculo com a atenção básica. Os resultados
apontam para prevalência de AVC na população idosa que em sua maioria
apresentava elevado índice de quedas e dificuldade de mobilidade. Estes
resultados ficam mais evidentes quando apontam para necessidade de um
profissional fisioterapeuta vinculado junto à atenção básica e à Estratégia de
Saúde da Família (ESF) como demonstrado neste estudo através de questionário. O
presente estudo denotou que os distúrbios neurológicos assolam a população
conforme o aumento da expectativa de vida, e contar com a atenção primária é
fundamental, pois esta prevê a resolutividade das necessidades de saúde e
apostando na sua melhor estratégia já elaborada, Estratégia de Saúde da
Família, pode-se evoluir no sentido de reafirmar e incorporar os preceitos
básicos do SUS.
Palavras-chave: perfil de saúde,
atenção básica, acidente vascular encefálico.
Abstract
The objective of this study was to evaluate the profile of neurological
patients with a diagnosis of stroke treated at the Primary Care of a city on
the western border of Rio Grande do Sul. Forty-four
patients diagnosed with stroke participated in this study. The variables
evaluated were: sociodemographic indicators; type of
mobility; number of falls; practice of physical activities and attachment to
basic care. The results indicate the prevalence of stroke in the elderly
population, in which the majority had a high rate of falls and mobility
difficulties. These results are more evident when they point to the need of a
physiotherapist linked to primary care and to the Family Health Strategy (ESF)
as demonstrated in this study through a questionnaire. We observed that
neurological disorders affect the population according to the increase in life
expectancy, and having primary care is fundamental, since it provides for the
resolution of health needs by betting on its best strategy already elaborated,
Family Health Strategy, one can evolve to reaffirm and incorporate the basic
precepts of SUS.
Key-words: health
profile, primary health care, stroke.
O acidente vascular
cerebral (AVC) compreende uma interrupção súbita do fluxo sanguíneo do
encéfalo, causado tanto por obstrução de uma artéria (AVC isquêmico) quanto por
sua ruptura (AVC hemorrágico) [1]. É considerado como uma síndrome neurológica
frequente em adultos, e, representa uma das maiores causas de morbimortalidade
em todo o mundo [2].
De acordo com os
dados do Ministério da Saúde, o AVC representa a primeira causa de morte e
incapacidade no Brasil, criando um grande impacto econômico e social [3]. Projeções
sugerem que, sem intervenção, o número de mortes por AVC chegará a 7,8 milhões
em 2030 [4]. Neste contexto, a incidência nacional de AVC é de 108 casos por
100 mil habitantes, com taxa de fatalidade que atingem 30,9% em 12 meses [3]. A
incidência de AVC dobra a cada década após os 55 anos, [5] ocupando posição de
destaque, principalmente, entre a população idosa.
Cabe ressaltar que os
hipertensos apresentam um risco sete vezes maior de desenvolver o AVC [6],
enquanto que nos diabéticos a chance em ambos os sexos é duas vezes maior [7].
Sob esse olhar, com a consciência do acréscimo das doenças neurológicas
associada aos distúrbios causados pela mesma, vieram o
reconhecimento de que os serviços e recursos para esta população eram
desproporcionalmente escassos, especialmente em países de baixa renda e em
desenvolvimento. Além disso, evidências mostram que os responsáveis pela
formulação de políticas e prestadores de cuidados podem não estar preparados para
enfrentar o aumento previsto na prevalência de distúrbios neurológicos e
suas consequências [8,9].
Com isso, a
Organização Mundial da Saúde afirma que a atenção neurológica deve se integrar
a atenção primária de saúde, reconhecendo as dificuldades desse setor e
apontando uma série de medidas, reivindicando o aumento do compromisso das
instâncias decisórias, bem como a sensibilização social e profissional com o
intuito de desenvolver programas de reabilitação de base comunitária [10].
Desta forma, a Política Nacional de Atenção Básica tem na Saúde da Família sua
estratégia prioritária para expansão e consolidação da atenção básica. A
qualificação da Estratégia de Saúde da Família (ESF) deverá seguir as
diretrizes da atenção básica e do Sistema Único de Saúde (SUS) configurando um
processo progressivo e singular que considera e inclui as especificidades loco
regionais [11]. Desta forma, tendo o AVC uma prevalência maior na população
idosa impossibilitando-a de deslocar-se até sua ESF de referência e a falta de
um profissional fisioterapeuta inserido nas ESF, o presente estudo pretendeu
avaliar o perfil dos pacientes neurológicos com diagnóstico de AVC atendidos
pela Atenção Básica e a importância da inserção do fisioterapeuta para o
fortalecimento das ações em saúde.
População
e amostra
Este estudo
descritivo de corte transversal faz parte das ações realizadas pelo Programa de
Extensão: Práticas Integradas em Saúde Coletiva (PISC), da Universidade Federal
do Pampa e foi realizado com indivíduos com Acidente Vascular Cerebral (AVC) em
Estratégias de Saúde da Família em um município da fronteira oeste do Rio
Grande do Sul. O projeto foi analisado e aprovado pelo comitê de ética em
pesquisa da instituição dos pesquisadores sob número
74924 de 14 de agosto de 2012.
Este estudo foi
realizado em seis ESF atendidas pelo PISC. Os 44 pacientes com AVC foram
identificados com base nas informações encontradas nestas instituições nos
prontuários com diagnóstico clínico classificado de acordo com a CID-10. Após a identificação dos pacientes, foi realizada
busca ativa e rastreamento do usuário pelo entrevistador no seu próprio
domicílio. Foram incluídos no estudo pacientes que
apresentaram diagnóstico de AVC do tipo isquêmico e/ou hemorrágico, ambos os
sexos e em população idosa a partir dos 60 anos todos vinculados a alguma ESF.
Foram excluídos do estudo os pacientes que apresentaram patologias associadas
que comprometiam a realização do estudo como déficits cognitivos e/ou afasia.
Todos os procedimentos contaram com o auxílio de pelo menos um agente
comunitário de saúde referência da ESF.
Variáveis
e procedimentos de coleta de dados
A coleta de dados se
deu a partir de um questionário construído especificamente para o estudo
estruturado em blocos, composto de 41 questões fechadas, contendo informações
relativas a: a) indicadores sociodemográficos;
b) tipo de mobilidade ; c) número de quedas; d) prática de atividades físicas
e; e) vínculo com a atenção básica.
As coletas de dados
foram realizadas nos domicílios dos pacientes nos períodos matutino e
vespertino (horários de funcionamento das ESF), e todos os participantes
assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).
Análise
dos dados
A análise dos dados
foi realizada por meio da estatística descritiva, amparada por medidas de
média, desvio padrão e frequências.
Os valores
descritivos das variáveis demográficas estão apresentados na Tabela I, sendo
possível identificar que a média de idade da amostra foi de 70,8 ± 12,3 anos,
sendo 63,7% do sexo feminino e 70,5% da etnia branca.
Tabela
I - Valores descritivos das variáveis sociodemográficas dos pacientes das diferentes Estratégias
de Saúde da Família.
Os valores sobre o
tipo de mobilidade indicam que 43,2% possuem deambulação independente (Tabela
II).
Tabela
II -
Valores descritivos do tipo de mobilidade
dos pacientes.
Com base nas
informações referentes à mobilidade, os pacientes foram questionados sobre o
número de quedas no último ano e a maioria relatou já ter caído, conforme
mostra a Figura 1.
Figura
1 - Frequência de quedas nos últimos doze
meses dos pacientes com AVC atendidos nas ESF.
Quando os
entrevistados foram questionados sobre a sua relação com o serviço de saúde, a
maioria (59,1%) relata procurar o hospital em caso de doença. Neste contexto, a
Figura 2 mostra o tipo de profissional que faz atendimento domiciliar aos
pacientes com AVC, sendo possível identificar que a maioria não recebe nenhum
tipo de atendimento em sua residência.
Figura
2 - Frequência de profissionais que fazem
atendimento domiciliar aos pacientes com Acidente Vascular Cerebral.
Quando questionados sobre
qual profissional de saúde gostariam de poder contar junto de sua ESF adstrita,
70,5% acreditam que o fisioterapeuta é necessário (Figura 3). Ainda, quando
questionados sobre a prática de atividades físicas, 59,1% dos pacientes
indicaram não praticar nenhum tipo de atividade.
Figura
3 - Frequência de respostas dos pacientes sobre
a necessidade de profissionais na Estratégia de Saúde da Família adstrita.
Os resultados
mostraram que a maioria dos pacientes atendidos é do sexo feminino e idoso. Em
relação ao sexo, os dados divergem da literatura que afirma que as prevalências
de AVC são maiores nos homens do que nas mulheres [12-14]. Quanto à faixa
etária foi possível perceber que está de acordo com a literatura, indicando a idade
acima de 60 anos como a mais susceptível ao AVC [13,15], reforçando a teoria de
que existe um desafio de saúde pública junto com o aumento da expectativa de
vida.
Vale destacar que no
estudo de Pereira et al. [15], os indivíduos na faixa etária
entre 70 e 79 anos da cor branca foram os mais acometidos, resultado semelhante
ao do presente estudo. Considerando a raça, o estudo de Mazzola
et al. [14] também encontrou que a maioria
dos indivíduos acometidos por AVC em Passo Fundo/RS era branca, divergindo da
literatura que aponta que a maior incidência de AVC é na raça negra [16]. Para
analisar este resultado é preciso levar em consideração que o Brasil é um país
de grande miscigenação e que todas as informações relatadas são respondidas
pelos sujeitos da pesquisa, deixando a critério dos mesmos suas percepções
quanto aos aspectos que o caracterizam [14].
Em relação à
mobilidade, 43,2% apresentaram deambulação independente, prevalência esta duas
vezes maior do que a encontrada em um estudo realizado em uma clínica escola de
São Paulo [13]. Entretanto, no estudo realizado por Scalzo
et al. [17], 53,2% dos pacientes com AVC
atendidos por uma clínica de Betim/MG apresentavam deambulação independente de
dispositivos. Além disso, o mesmo estudo encontrou que 19,1% dos pacientes
estavam restritos à cadeira de rodas, valor duas vezes
maior que no presente estudo (9,1%).
Em relação ao número
de quedas, foi possível perceber que a maioria dos pacientes caiu ao menos uma
vez durante o último ano, aproximadamente 38% caíram 3
vezes ou mais. Neste contexto, os idosos com AVC são mais suscetíveis às
quedas, por apresentarem hemiplegia ou paresia dos membros inferiores o que
acaba afetando a locomoção e a capacidade de equilíbrio, além de disfunção
visual, com prejuízo da deambulação segura [18].
Não obstante a isso,
um estudo realizado com 150 pacientes com AVC identificou que 37% dos pacientes
tiveram ao menos uma queda, a lesão no hemisfério direito e o tempo do AVC
foram associados positivamente com as quedas [19]. Com bases nestes resultados
é necessário considerar o impacto das quedas sobre a qualidade de vida dos
pacientes que podem incluir morbidade importante, mortalidade, deterioração
funcional, e consumo de serviços sociais e de saúde [20]. Assim, de uma maneira
indireta os idosos acabam restringindo-se das atividades físicas, devido a
dores, incapacidades, medo de cair e atitudes protetoras de familiares [21], o
que foi confirmando no presente estudo, no qual aproximadamente 60% dos indivíduos
não praticam atividades físicas.
Estes achados
ressaltam que além do índice de quedas apresentado e a diminuição da atividade
física, a maioria não recebe atendimento domiciliar para tratamento, conforme
preconiza a Política Nacional de Atenção Básica [11]. Esta falta de assistência
pode influenciar diretamente no declínio da capacidade funcional, o que
repercute em quedas, apresentando impactos significativos na qualidade de vida
desta população [22].
Esses dados
reproduzem os achados de Ribeiro et al. [23], que,
ao caracterizar o acesso à reabilitação dos usuários acometidos por AVC no
município de João Pessoa (PB) na ESF, concluíram que é necessária a ampliação
da rede de serviços de reabilitação no município, a fim de viabilizar a realização
de uma assistência mais acessível às pessoas com sequela de AVC, dentro de uma
perspectiva de processo de trabalho que atenda às necessidades do usuário e do
trabalhador em saúde. Essa análise também foi confirmada no estudo de Moura
Mendes et al. [24], em que caracterizaram o acesso a
serviços de fisioterapia para indivíduos após AVC, e verificaram que dos 66,7%
dos pacientes que realizavam fisioterapia em domicílio, em fase ambulatorial,
58,3% pagavam pelo serviço. Portanto, os autores ressaltam a necessidade de
ampliar o acesso a serviços de fisioterapia, e esses dados podem servir como
suporte para que haja um maior planejamento e estruturação do sistema de saúde
em seus diferentes níveis de atenção.
É necessário destacar
que o atendimento domiciliar para pacientes neurológicos é imprescindível ao
trabalho de atenção primária, pois é neste momento em que o profissional da
saúde se depara com a realidade dos pacientes, verificando suas atividades de
vida diária, suas limitações e a partir daí procede-se aos cuidados e
orientações pertinentes a cada caso, fomentando a saúde integral deste usuário
[25].
Por fim, os
resultados evidenciaram que os pacientes percebem a necessidade de atividades
físicas e/ou de reabilitação uma vez que a grande maioria (70,5%) dos pacientes
relatou interesse por haver o profissional fisioterapeuta na ESF adstrita. Ao
analisar este resultado, é possível refletir sobre a integralidade do
atendimento preconizado pelo Sistema Único de Saúde [11], pois além das elevadas
prevalências, o AVC é uma das principais causas de incapacidade prolongada.
Além disso, cerca de 1/3 dos pacientes sobreviverá por aproximadamente 10 anos,
e 80% destes precisará de assistência prestada pela atenção básica considerando
o princípio da integralidade e o usuário como protagonista [10].
A atuação do
fisioterapeuta na ESF evita o incremento das doenças ao mesmo tempo em que
limita os danos e incapacidades já instaladas [26,27]. Mais do que inserir o
fisioterapeuta na ESF, sua integração às equipes compreende a ideia de criar
pontos de interseção, pois, através de ações realizadas entre os profissionais,
facilita e incentiva a adoção de uma prática integral da saúde [28]. Sob esta
perspectiva, deve se atentar ao fato de que o fisioterapeuta não deve ser visto
apenas como um profissional reabilitador, conforme apontam Santos e Teixeira
[29]. Segundo esses autores, ao analisarem o nível de conhecimento de usuários
da ESF de São Francisco do Pará sobre a abrangência da atuação da Fisioterapia,
perceberam que os usuários apresentam o conhecimento sobre o que é a
fisioterapia, embora ainda a percebam apenas como reabilitação, restringindo
seu leque de possibilidades. Concluem assim que a inserção e a atuação do
fisioterapeuta na Atenção Básica devem ser mais bem discutidas entre
profissionais e a comunidade.
A prevalência de
pacientes com diagnóstico de AVC nas ESF do município estudado, mesmo não
atingindo o mínimo da amostra necessária para a representatividade é
incontestável, uma vez que de acordo com o Ministério da Saúde, este município
apresenta altos índices de hipertensos e diabéticos [30]. Neste sentido, é
necessário considerar o fato de que a hipertensão se apresenta como o principal
fator de risco de AVC [14].
Diante desta necessidade,
torna-se necessário refletir sobre a importância da Estratégia de Saúde da
Família (ESF) uma vez que suas equipes estão preparadas para conhecer a
realidade das famílias sob sua cobertura, com relação aos indicadores sociais,
demográficos e epidemiológicos; prestando assistência integral, respondendo de
forma contínua e racionalizada à demanda [31]. Partindo desta estratégia é que
se pensa na integralidade e longitudinalidade
do
cuidado aos pacientes, pois se apoia na proposta multidisciplinar de
trabalho,
usando da articulação das ações e a
cooperação da equipe por meio da
comunicação desenvolvendo ações de
prevenção, tratamento e reabilitação de
agravos na população sob sua responsabilidade [32].
O perfil
epidemiológico traçado neste estudo reafirma as preocupações levantadas sobre a
dificuldade de políticas públicas de planejamento a esta população, pois a cada
item de caracterização destes pacientes ficou mais clara a necessidade de saúde
que estes apresentam. A proposta levantada neste artigo aponta que a atenção
básica é fundamental, já que prevê a resolutividade de saúde que extrapola a
esfera da intervenção curativa e reabilitadora, apostando principalmente na sua
melhor estratégia já elaborada, a ESF que fortalece e incorpora os preceitos
básicos do SUS. O estudo sinaliza para a importância da inclusão do
fisioterapeuta na atenção básica a qual foi apontada pela maioria dos usuários
durante as visitas domiciliares.