ARTIGO
ORIGINAL
Treinamento
do assoalho pélvico com ou sem eletroterapia no tratamento dos sintomas da
hiperatividade do detrusor em mulheres com esclerose múltipla e mielopatia associada ao HTLV-I (HAM/TSP): um ensaio clínico
randomizado
Pelvic
floor training with or without electrotherapy in the treatment of detrusor
overactivity symptoms in women with multiple sclerosis e myelopathy associated
with HTLV-I (HAM/TSP): a randomized controlled trial
Dayane Aparecida Moises
Caetano Bottini, Ft.*, Peterson Vieira de Assis**, Pedro Rippel Salgado***,
João Américo Domingos****, Gustavo Christofoletti*****,
Ana Beatriz Gomes de Souza Pegorare*****
*Mestranda
no Programa de Pós-graduação em Ciências do Movimento da Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul (UFMS), **Médico Urologista do Hospital Universitário
Maria Aparecida Pedrossian HUMAP-UFMS, ***Médico
neurologista do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian
HUMAP-UFMS,****Médico, Docente do Curso de Medicina da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul (UFMS), *****Docente do Curso de Fisioterapia e credenciados
ao Programa de Pós-graduação Ciências do Movimento da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul (UFMS)
Recebido em 28 de
setembro de 2018; aceito em 19 de julho de 2019.
Correspondência: Ana Beatriz Gomes de
Souza Pegorare, Rua 7 de setembro, 2180/1702, Jardim
dos Estados, 79020-310 Campo Grande MS, E-mail: anabegs@hotmail.com; Dayane
Aparecida Moises Caetano Bottini:
daay-caetano@hotmail.com; Peterson Vieira de Assis:
peterson.v.assis@gmail.com; Pedro Rippel Salgado:
pedrorippel@gmail.com; João Américo Domingos: joaoamericodomingos@gmail.com;
Gustavo Christofoletti: gustavo_physio@yahoo.com.br
Resumo
Introdução: A esclerose múltipla
(EM) é a mais comum das doenças desmielinizantes,
caracterizada pela localização de múltiplas placas de desmielinização
na substância branca encefálica e medular. A mielopatia
associada ao HTLV-I (HAM/TSP) é uma doença neurodegenerativa progressiva cuja
resposta imune é exacerbada. Objetivo:
Avaliar o efeito da eletroterapia na musculatura do assoalho pélvico (MAP)
sobre os sintomas hiperatividade detrusora em mulheres com EM e HTLV-1. Métodos: Ensaio clínico randomizado e
controlado com 4 meses de acompanhamento, no qual 20 mulheres em estágio moderado
de EM ou HTLV-1 submetidas a um programa de treinamento da MAP associado ou não
à eletroterapia. As variáveis analisadas foram: sintomas de bexiga hiperativa
(BH) pelo questionário validado OAB v8, contração perineal pelo esquema PERFECT
e índice de qualidade de vida por meio do questionário Qualiveen.
Divididas em dois grupos, grupo controle (G2) e grupo tratamento (G1) que foi
submetido a um protocolo de treinamento da MAP, realizado duas vezes por semana
por 20 sessões e após este período de tempo todas as mulheres foram
reavaliadas. Resultados: Sob-homogeneidade inicial observada nas variáveis pessoais
e clínicas, o protocolo a que o grupo tratamento (G1) foi submetido resultou na
melhora da contração voluntária (p ≤ 0,001), teste de esforço (p ≤
0,001), reflexo cutâneo-anal (p ≤ 0,001), força de contração (p ≤
0,001), sustentação (p ≤ 0,001), contrações rápidas (p ≤ 0,001),
contrações lentas (p ≤ 0,001) e nos sintomas de bexiga hiperativa (p ≤
0,001), em relação à comparação inicial. Os resultados comprovam a eficácia de
exercícios de fortalecimento da MAP acompanhados por um fisioterapeuta e o uso
de correntes eletroterápicas de média frequência para
o tratamento da BH na Esclerose Múltipla e na mielopatia
associada ao HTLV-1. Conclusão: O
protocolo de eletroestimulação mostrou-se benéfico em pacientes com EM e
HTLV-1, promovendo melhora da BH e grau de contração perineal.
Palavras-chave: bexiga hiperativa,
modalidades de fisioterapia, assoalho pélvico.
Abstract
Introduction:
Multiple sclerosis (MS) is the most common of demyelinating diseases,
characterized by multiple demyelination plaques in white brain and spinal cord.
Myelopathy associated with HTLV-I (HAM/TSP) is a progressive neurodegenerative
disease whose immune response is exacerbated. Objective: To evaluate the effect of electrotherapy in the pelvic
floor muscles (MAP) on the symptoms of overactive bladder in women with MS and
HTLV-1. Methods: Randomized,
controlled clinical trial with 4 months of follow-up, in which 20 women in the
moderate stage of MS or HTLV-1 performed a MAP training program associated or
not with electrotherapy. The variables analyzed were: overactive bladder,
validated OAB v8 questionnaire, perineal contraction by PERFECT scheme, and
quality of life index using the Qualiveen
questionnaire. Divided into two groups, control group (G2) and treatment group
(G1) who underwent a MAP training protocol, performed twice a week for 20
sessions and after this time period all the women were re-evaluated. Results: Under initial homogeneity
observed in the personal and clinical variables, the protocol to which the
treatment group (G1) was submitted resulted in the improvement of the voluntary
contraction (p = 0.001), stress test (p ≤ 0.001), pudendo-anal
reflex (p ≤ 0.001), contraction force (p ≤ 0.001), sustentation (p ≤
0.001), rapid contractions (p ≤ 0.001), slow contractions (p ≤
0.001) and symptoms of overactive bladder (p ≤ 0.001) compared to the
initial controle. The results demonstrate the
effectiveness of MAP strengthening exercises followed by a physiotherapist and
the use of medium frequency electrotherapy currents for the treatment of BH in
multiple sclerosis and HTLV-1 associated myelopathy. Conclusion: The protocol of electrostimulation was beneficial in
patients with MS and HTLV-1, promoting improvement of overactive bladder and
degree of perineal contraction.
Key-words: overactive
bladder, physical therapy modalities, pelvic floor.
A esclerose múltipla
(EM) é a mais comum das doenças desmielinizantes, caracterizada
pela localização de múltiplas placas de desmielinização
na substância branca encefálica e medular. Essas lesões causam sinais e
sintomas neurológicos [1].
As causas da EM são
desconhecidas. A maioria dos pacientes desenvolve alguma forma de disfunção do
trato urinário inferior devido às alterações na conexão entre o tronco
encefálico e a medula espinhal. O processo de desmielinização
atinge o trato córtico-espinhal lateral e a via retículo-espinhal, tornando as
disfunções miccional e esfincteriana comuns. Seus sintomas causam graves
impactos na qualidade de vida dos pacientes, apresentando complicações,
sobretudo nos estágios moderado e avançado da doença [2-3].
A hiperatividade do
detrusor é o diagnóstico mais frequente nas avaliações urodinâmicas
[4], sendo observada em 44% a 81% dos pacientes.
A mielopatia
associada ao HTLV-I (HAM/TSP) é uma doença neurodegenerativa progressiva cuja
resposta imune é exacerbada, envolvendo destruição celular e inflamação, na
qual células autorreativas ou células T CD4+ ativadas
contra antígenos virais apresentam reação cruzada aos antígenos do sistema
nervoso central (SNC) [5]. Um aumento na produção de citocinas
pró-inflamatórias como IFN-α e TNF-β, vem sendo observado muito mais
em pacientes com HAM/TSP do que em indivíduos assintomáticos indicando que a
resposta imune inflamatória desempenha um importante papel no desenvolvimento
da doença [6].
A doença é
caracterizada por paraparesia espástica, diminuição da força em membros
inferiores, dor nas costas, distúrbios do esfíncter e constipação intestinal.
Os sinais neurológicos mais encontrados são hiperreflexia,
sinal de Babinsky, Hoffmann e neuropatia periférica
[7]. A presença de dor, de espasticidade muscular e de atrofia medular estão
associadas à duração da doença [8].
Entre a sintomatologia
clássica, a bexiga neurogênica (BN) tem significativa prevalência, antecedida
por queixas urinárias (encontrado em praticamente 100% dos indivíduos com
HAM/TSP e 14% em indivíduos assintomáticos) [9]. Os principais sintomas são
urgência, incontinência e noctúria, que podem ser um
importante sinal de evolução do vírus e aumento da gravidade da infecção viral,
visto também como importantes sinais de mielopatia
incipiente [10].
Tanto a EM quanto a
HAM/TSP, por serem duas doenças crônicas e incapacitantes, exigem sempre algum
nível de adaptação por parte do portador e daqueles com quem convivem, ou seja,
dependendo da gravidade do quadro, o portador pode não ter outra opção a não
ser ajustar-se e adequar-se, de alguma forma, às condições impostas pela
doença.
Diante de tal quadro, é
notório o desenvolvimento de terapias que visem amenizar tais sintomas e
garantir qualidade de vida à população. Os antimuscarínicos
constituem o tratamento farmacológico de primeira linha na bexiga hiperativa
neurogênica. No entanto, esses medicamentos podem causar efeitos adversos como
boca seca, constipação, tonturas e visão borrada, sendo muitas vezes
responsáveis pelo abandono do tratamento [11].
A eficácia e a
segurança do tratamento não antimuscarínico para a
bexiga hiperativa tem sido estudada na literatura. A eletroestimulação do
assoalho pélvico e da musculatura esfincteriana tem sido utilizada em alguns
trabalhos que sinalizam bons resultados, uma vez que a fisioterapia do assoalho
pélvico destina-se a proporcionar ao paciente conhecimento e propriocepção
sobre a região perineal, estimulando a habilidade de contrair e relaxar
voluntariamente essa musculatura, para bom esvaziamento vesical durante a
micção [12-14] A cinesioterapia isolada também tem apresentado resultados
notórios, entretanto não está claro na literatura se efeitos do treinamento são
similares quando realizado com e sem a eletroterapia [15]. Por isso, ainda
assim é necessário um estudo mais aprofundado nessa temática.
O objetivo deste estudo
foi avaliar o efeito do treinamento do MAP com e sem eletroterapia sobre os
sintomas do trato urinário inferior em mulheres com esclerose múltipla e mielopatia associada ao HTLV-1 HAM/TSP.
Para cumprir os
objetivos foi realizado um estudo prospectivo do tipo ensaio clínico, composto
por dois grupos independentes: grupo experimental e grupo controle. Respaldo
ético foi obtido junto ao comitê de ética institucional, (CAAE n°
62205116.9.0000.0021), estando o projeto registrado no Registro Brasileiro de
Ensaios Clínicos (Identificador: RBR-2HPKP3).
Os critérios de
inclusão envolveram mulheres com idade acima de 18 anos, diagnosticadas com EM
do tipo recidivante-remitente ou HAM/TSP com
sorologia positiva para HTLV-1 determinada por ELISA e confirmada por
Ocidental-Blot (HTLV Blot
2.4). Além disso, apresentando sintomas de disfunção do trato urinário inferior
por no mínimo seis meses (com pelo menos três dos seguintes sintomas: urgência,
urge-incontinência urinária, frequência miccional elevada, noctúria
e enurese noturna). Como critérios de exclusão, estipularam-se os casos EM
grave (pontuação superior a 6,5 na EDSS, Escala Expandida do Estado de
Incapacidade em Esclerose Múltipla [16], as participantes com prolapsos
genitais, em gestação, histórico de tratamento prévio com exercícios do
assoalho pélvico, cirurgias abdominais há menos de 6 meses e aquelas que já
faziam uso prévio de antimuscarínicos ou outro medicamento
específico para controle da (BH).
Protocolos
terapêuticos
Este estudo delimitou
dois protocolos terapêuticos aplicados em mulheres com EM. O grupo experimental
foi caracterizado por sessões realizadas no Ambulatório de Esclerose Múltipla
da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e o grupo controle consistiu em
um conjunto de atividades cinesioterapêuticas
realizadas pelo próprio paciente em sua residência.
Análise do cálculo
amostral foi realizada por meio do programa estatístico GPower.
Para essa análise foram selecionados os testes que utilizam a tabela de Fisher
– e que representa o teste utilizado no desenho deste estudo. Para o cálculo
admitiu-se o erro tipo 1 em 5% (α = 0,05) e o poder estatístico em 95%. O
tamanho do efeito foi delimitado através de um estudo piloto que analisou a
contração dos participantes (EF = 0,421). Assim, incluindo as varáveis em
questão, e admitindo 2 grupos e 2 variáveis de medidas, no programa estatístico
chegou-se a uma amostra de 9 participantes por grupo”.
A divisão dos sujeitos
foi realizada levando-se em consideração a possibilidade de participação em
ambas as atividades, sendo concretizada a
randomização por meio da escolha da participante de um envelope dentre dois
envelopes opacos. O grupo experimental foi submetido a 2 sessões semanais, com
1 hora de duração, durante 4 meses. As sessões envolveram eletroestimulação de
superfície (frequência de 35 Hz, duração de pulso positivo 500 µs e intensidade
tolerável pelo paciente (variação de 20 a 40 mA), com
eletrodos autoadesivos posicionados no miótomo de S4.
Além do protocolo de exercícios de contração da musculatura do assoalho
pélvico. Este protocolo foi realizado no domicílio, 2 vezes por semana, com 1
hora de duração, durante seis meses. O protocolo consiste de 3 posições:
decúbito dorsal, sentado e em pé, sendo 10 repetições de 5 contrações de 01
segundo de duração e 25 contrações sustentadas por 5 segundos, com intervalos
de tempo de relaxamento igual ao tempo de contração. Estes parâmetros foram
escolhidos pelo fato de ser bem estabelecido na literatura frequências menores
que 10 Hz para a inibição do detrusor. Sendo escassos estudos que avaliaram a
eficácia de correntes simétricas, bipolares de frequência maior que 20 Hz para
o tratamento dos sintomas da bexiga hiperativa.
O grupo controle foi
submetido ao mesmo protocolo de cinesioterapia citado acima, (sem a
eletroterapia), realizados no domicílio, duas vezes na semana, com duração de 1
hora, durante 4 meses. Para garantir a realização das atividades, o pesquisador
manteve contato constante com as pacientes. A ausência de realização de
atividades por duas semanas (qualquer que fosse o grupo) constituiria exclusão
do sujeito do estudo.
Procedimentos
avaliativos
O Centro de Tratamento
e Diagnóstico de Esclerose múltipla e o Centro de Fisioterapia Uroginecológica funcionam no ambulatório de urologia do
Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (HUMAP/UFMS).
Quanto aos
procedimentos avaliativos, todos os participantes passaram por uma avaliação
prévia no Ambulatório de Esclerose Múltipla da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, onde eram coletados dados antropométricos e clínicos (graduação
da EM, distopia, contração perineal, teste do esforço,
estesiometria, reflexo cutâneo-anal e reflexo aquileu).
Para a análise da
qualidade de vida utilizou-se o Questionário Qualiveen
[17]. Este instrumento foi escolhido por possibilitar a investigação do impacto
de problemas urinários (inconveniências, restrições, medo e atividades da vida
diária) sobre a saúde das participantes e a hiperatividade da bexiga foi
avaliada por meio do Questionário para Avaliação de Bexiga Hiperativa – OAB V8
[18]. Por fim utilizou-se o esquema PERFECT – Power, Endurance, Repetitions,
Fast and Everty Contraction Timed [19], na
qual foi possível acompanhar a evolução da força e resistência do períneo das
pacientes ao longo da aplicação dos protocolos terapêuticos. Vale ressaltar que
todos os instrumentos utilizados se encontram validados à língua portuguesa e são
adequados à população em questão [17-19].
Análise
estatística
A análise de dados
envolveu a estatística descritiva. O teste de Shapiro-Wilk
apontou padrão não-paramétrico para as variáveis analisadas nesse estudo.
Diante disso, a caracterização dos dados foi realizada por meio da mediana e do
intervalo interquartil.
Nas variáveis
categóricas foi realizado o teste qui-quadrado (c²),
para verificar possíveis diferenças entre grupos quanto a variáveis pessoais e
clínicas. Nas variáveis contínuas foi aplicado o teste de U_Mann
Whitney, para verificar as interações entre os fatores “momento” e “grupo”,
agrupando os subtópicos dos testes PERFECT de contração e relaxamento muscular,
além dos valores referentes à BH. Para todas as análises, adotou-se uma
significância de 5% (p < 0,05).
Participaram deste
estudo 20 mulheres, sendo 10 diagnosticadas com EM e dez diagnosticadas com
HAM/TSP. Sendo 5 mulheres em cada grupo. A análise de dados indicou semelhança
estatística entre grupos em relação à idade (u = 39,5; p = 0,427) e nos
seguintes itens avaliados no exame clínico inicial: distopia (c²
= 0,1; p = 0,999), contração voluntária (c² = 0,267 p = 0,606),
teste de esforço (c² = 3,5; p = 0,060), estesiometria da região perineal (c
= 0,1; p = 0,999), reflexo cutâneo anal (c² = 2,4; p = 0,121) e
reflexo aquileu (c² = 2,2; p = 0,136).
Tais achados comprovam semelhança inicial dos grupos quanto às funções
urogenitais dos sujeitos.
Sobre o grau de
evolução da doença, as participantes se encontravam em um grau moderado de
incapacidade, com escores de EDSS variando entre 3,0 e 5,0. O teste U_Mann Whitney apontou semelhança estatística inicial entre
grupos (u = 36,0; p = 0,315) sugerindo que ambos eram semelhantes quanto à
condição neurológica.
Figura 1 - Gráfico do tipo boxplot referente ao
questionário OAB-V8 nos dois grupos.
Impacto
dos protocolos de exercícios
A análise do efeito dos
protocolos de treinamento do assoalho pélvico sobre a BH encontra-se na figura
1. O teste de análise nas variáveis contínuas indicou que na primeira avaliação
(OAB-V8 Inicial) os grupos não apresentavam diferenças significativas, porém na
segunda avaliação (OAB-V8 Final) os grupos apresentaram diferenças e o G1
apresentou melhora significativa no tratamento da bexiga hiperativa.
A eficácia dos
protocolos de exercícios sobre a musculatura do assoalho pélvico das participantes
(esquema PERFECT) encontra-se no gráfico 1 e tabela I. A análise comprovou
benefício no protocolo do G1 em todas as variáveis em relação ao G2 (p <
0,001 em todas as comparações).
Tabela I - Resultados iniciais e finais da contração da musculatura perineal das
participantes.
Os dados estão expressos
em mediana (intervalo interquartil). Análise entre grupos ocorreu pelo teste U
de Mann Whitney.
No
que se refere à
avaliação física prévia, os grupos
mostraram-se homogêneos quanto à função
urogenital (distopia, contração perineal
voluntária, teste de esforço, estesiometria perineal, reflexo cutâneo anal e reflexo aquileu) e grau de incapacidade neurológica (EDSS). É
importante observar que a integridade das funções urogenitais de ambos os
grupos demonstra características motoras e sensitivas sem alterações.
Evidenciando que nas características motoras: os sintomas urinários não estavam
relacionados com debilidades físicas da pelve, e, sim, com a hipercontratilidade detrusora como foi observado na
avaliação da bexiga hiperativa (OAB-V8); e que nas características sensitivas:
os dermátomos estavam normais demonstrando vias
desbloqueadas para receberem os estímulos do protocolo de tratamento [20].
Os resultados
vislumbram benefícios alcançados pelo uso da eletroterapia no grupo tratamento
(G1), em comparação ao grupo controle (G2), submetido apenas ao treinamento com
exercícios domiciliares, sem o uso de eletroterapia.
Em relação à avaliação
do score do questionário OABV8, o grupo experimental apresentou melhora
significativa (p = 0,001) nos sintomas de bexiga hiperativa após o tratamento
com eletroestimulação de superfície com 35 Hz.
A estimulação elétrica
é amplamente utilizada pela fisioterapia para tratar pacientes com síndrome da
bexiga hiperativa e/ou pacientes com hiperatividade de ordem neurogênica porque
inibe a contração voluntária do detrusor [21]. O mecanismo preciso não é bem
entendido ainda, mas os pesquisadores acreditam que o mecanismo de ação dessa terapia
está associado com reorganização do reflexo da coluna vertebral e regulação da
atividade do córtex [22]. Normalmente, o centro de micção pontina
é responsável pelo controle central de micção, e seu controle periférico é dado
por neurotransmissores e fibras nervosas que regulam a bexiga, uretra e região periuretral [23]. O efeito da estimulação elétrica nas vias
aferentes fornece uma inibição central pré-ganglionar
da bexiga neurônio motor influenciando a atividade detrusora, mas os efeitos
dessa terapia na região sacral são ainda controversos. Em modelos animais, foi
observado relaxamento da bexiga pela inibição dos neurônios motores
parassimpáticos [22]. Berghmans et al. [24] relatam que a estimulação elétrica de média frequência
pode induzir um reflexo contração do músculo estriado uretral, combinada com
uma inibição do impulso nervoso que promove contração do músculo detrusor.
Além das contrações
involuntárias do detrusor, a OAB geralmente ocorre com fraqueza dos músculos
pélvicos causando a UUI [23]. Estimulação elétrica com 35 Hz também leva ao
fortalecimento desses músculos [25] e pode enviar estímulos aferentes pelos
órgãos pélvicos para inibir a inervação da bexiga pré-ganglionar,
bem como aumentar a pressão uretral pelo reflexo do guardião [23].
Utilizou-se como
premissa a estimulação em média frequência (35 Hz), pois este grupo de pesquisa
já tem resultados positivos utilizando frequências menores (02 Hz) [13,26] e,
por meio deste estudo, verificou-se que com uma frequência ligeiramente maior
pode-se promover resultados semelhantes e satisfatórios para esses pacientes.
Outro achado importante
foi em relação ao esquema PERFECT, no qual o grupo experimental apresentou
melhora significativa de todas as variáveis: número de repetições lentas, força
de sustentação e número de repetições rápidas.
Acredita-se que a
associação da eletroestimulação junto à cinesioterapia (exercícios de Kegel) é um protocolo eficaz para o trabalho de força e
resistência perineal, visto que a musculatura do assoalho pélvico apresentou
melhora tanto de fibras lentas (tipo I), que são responsáveis em manter o tônus
constante e a continência no repouso, como também de fibras rápidas (tipo II),
responsáveis por contrações vigorosas e reflexas, que respondem ao aumento
súbito da pressão intra-abdominal [27-28].
O grupo controle não
apresentou alterações significativas e esses resultados foram relacionados à
desvantagem do G2 em não receber a eletroterapia duas vezes por semana,
realizada pelo pesquisador. A terapia por corrente elétrica facilita a
aprendizagem motora da participante no que diz respeito a contrair
voluntariamente o assoalho pélvico, e isto se reflete durante a terapia por
exercício.
A prescrição do
exercício domiciliar pelo fisioterapeuta, ainda que sejam dadas as orientações
devidas, expõe ao risco da paciente realizar as
contrações perineais de forma incorreta. Por isto, é importante a supervisão do
fisioterapeuta, que utiliza o comando verbal adequado para motivar o paciente,
controlar e corrigir a postura durante a execução do movimento. Na terapia, o
terapeuta precisa realizar a contagem do número de repetições e do tempo de
sustentação das contrações [29].
Um ensaio clínico de
braço único, recente e único no Brasil que contemplou pacientes com
hiperatividade do detrusor associada ao vírus T- linfotrópico humano 1,
demonstrou resultados semelhantes ao presente estudo. Demonstrou que a
eletroterapia no miôtomo de S4 com parâmetro de 12 Hz
foi eficiente para promoção da redução dos sintomas de hiperatividade detrusora
avaliados pelo OABv8 e incremento dos parâmetros de contratilidade e força do
assoalho pélvico pelo esquema PERFECT, além de melhora dos parâmetros urodinâmicos. O que proporcionou redução de urge
incontinência e melhora qualidade de vida das participantes [30].
É importante ressaltar
que os protocolos apresentaram boa aceitação pelas pacientes, conforme
evidenciado pelo baixo índice de perdas amostrais que somaram apenas uma
paciente (por abandono do tratamento). Os resultados benéficos encontrados
neste grupo provavelmente não teriam sido alcançados caso não houvesse
comprometimento dos pacientes, devido ao caráter crônico e desmielinizante
das doenças. Por fim cabe frisar que ao aplicar o protocolo de fortalecimento
da musculatura do assoalho pélvico em pacientes que não faziam uso do
tratamento medicamentoso, nossa intenção foi enfatizar o efeito da terapia
proposta, isolando o efeito da medicação com antimuscarínicos.
Trabalhar com os
pacientes portadores do HTLV-1 foi bastante desafiador, primeiro por ser uma
doença pouco conhecida e pela escassez de estudos controlados e randomizados
demonstrando a efetividade do TAP nas disfunções miccionais destes pacientes.
O leitor deve
considerar a dificuldade de recrutamento das avaliadas, diferente das pacientes
da EM que realizam tratamentos periódicos.
O protocolo composto
por exercícios supervisionados mais eletroestimulação superficial mostrou-se
benéfico em pacientes com EM e HTLV-1, promovendo melhora dos sintomas de
hiperatividade detrusora e grau de contração perineal.
Os resultados apoiam
ainda a exclusão de medicamentos antimuscarínicos no
tratamento da bexiga hiperativa, demostrando que apenas o tratamento
fisioterapêutico reduz os sintomas do trato urinário inferior. Além disto, a
ausência de complicações ou efeitos adversos é um benefício potencial para a eletrofisioterapia. Assim, a fisioterapia para a disfunção
do trato urinário é segura, custo-efetivo, simples de executar e bem aceita
pelas pacientes.
Novas pesquisas ainda
se tornam necessárias para investigar o uso de média frequência no tratamento
da BH, bem como comparar resultados em pacientes sem alterações neurológicas.