ARTIGO ORIGINAL
Relação entre índice de massa corporal e a
funcionalidade/incapacidade de mulheres obesas
Relationship
between body mass index and the functionality/disability of obese women
André
Carvalho Costa, D.Sc.*, José Carlos Leal**, Raimisson Vieira Silva***, Andrei Pereira Pernambuco****,
Marisa Afonso de Andrade Brunherotti*****
*Docente do UNIFOR/MG, **Doutorando em Ciências da
Saúde pela UFSJ, docente do UNIFOR/MG, ***Graduado em Fisioterapia pelo
UNIFOR/MG, ****Pós-Doutorado em Biologia Celular pela UFMG, docente do
UNIFOR/MG, *****Pós-Doutorado em Puericultura e Pediatria pela USP, docente da
UNIFRAN
Recebido
em 22 de outubro de 2018; aceito em 25 de setembro de 2019.
Correspondência: André Carvalho Costa,
Rua Uruguai, 152 Ouro Negro 35570-000 Formiga MG
André
Carvalho Costa: andrecfisio@hotmail.com
José
Carlos Leal: leal.educacaofisica@gmail.com
Raimisson
Vieira Silva: raimissonvieira_10@hotmail.com
Andrei
Pereira Pernambuco: pernambucoap@gmail.com
Marisa
Afonso De Andrade Brunherotti:
marisa.brunherotti@unifran.edu.br
Resumo
O
objetivo do estudo foi avaliar a relação entre o Índice de Massa Corporal (IMC)
de mulheres com obesidade tipo I e II com os domínios “Funções do Corpo” e
“Atividades e Participação”, que compõe o core
set resumido da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade
e Saúde (CIF) desenvolvido para obesidade. Participaram do estudo 72 mulheres,
com idades entre 20 e 40 anos. O IMC foi determinado e, em seguida, utilizou-se
o core set. Os resultados demonstram
que o IMC não se relacionou com o escore de “Funções do Corpo”
independentemente do tipo de obesidade, contudo, em mulheres obesas do tipo II,
o IMC se correlacionou significativamente e positivamente com o escore de “Atividade
e Participação” (r = 0,51; p = 0,002). A análise intergrupos demonstrou
diferença significativa entre as obesas do tipo I (1,75 ± 0,23 pontos) e II
(3,00 ± 0,23 pontos) no que se refere ao escore de “Atividades e Participação”
(p = 0,013). Os achados demonstram que o grau de obesidade está relacionado com
maiores índices de limitação/restrição funcional, o que pode direcionar a
tomada de decisão clínica no que tange ações de prevenção, promoção e
recuperação da saúde.
Palavras-chave: obesidade, funcionalidade,
incapacidade.
Abstract
The
objective of the study was to evaluate the relationship between the Body Mass
Index (BMI) of women with type I and II obesity with the "Functions of the
Body" and "Activities and Participation" domains, which compose
the core set summarized from the International Classification of Functioning,
Disability and Health (CIF) developed for obesity. 72 women, aged between 20
and 40, participated in the study. The BMI was determined and then the core set
was used. The results showed that BMI was not related to the "Body
Functions" score regardless of the obesity type; however, in type II obese
women, the BMI correlated significantly and positively with the "Activity
and Participation" (r = 0.51, p = 0.002). The intergroup analysis showed a
significant difference between type I (1.75 ± 0.23 points) and II (3.00 ± 0.23
points) with respect to the "Activities and Participation" score (p =
0.013 ). The findings show that the degree of obesity is related to higher
functional limitation/restriction indexes, which may lead to clinical decision-making
regarding prevention, promotion and recovery of health.
Key-words: obesity,
functionality, inability.
A
obesidade é considerada uma doença crônica não transmissível, que pode estar
associada a diferentes morbidades e diversos graus de limitações funcionais
[1]. Nas duas últimas décadas tem-se observado que esse problema possui papel
importante ao influenciar o comportamento das deficiências [2]. Ao que parece,
a obesidade também pode impactar nas atividades e agravar as limitações e ou
participação social, provocando restrições em diversas situações, tais como:
vestir-se, tomar banho, alimentar-se, levantar ou carregar pequenos objetos,
andar pequenas distâncias, subir e descer escadas, utilizar o transporte
público e realizar as atividades laborais [2,3].
Para
a Organização Mundial da Saúde (OMS), a obesidade tornou-se uma epidemia de
escala global e um dos maiores desafios de saúde pública do século XXI,
condicionada principalmente pelo perfil de atividade física e alimentar [4]. No
Brasil, o sobrepeso e a obesidade vêm aumentando em ambos os sexos e em todas
as faixas etárias, nos diversos níveis econômicos, com a velocidade de
crescimento mais expressiva na população de menor renda [5].
Os
variados aspectos biopsicossociais envolvem não apenas o indivíduo e suas
escolhas, mas também o ambiente inserido (econômico, cultural, político, social),
e são fundamentais para crescente prevalência da obesidade e com isso assumem
um lugar estratégico na avaliação do problema e nas propostas de intervenções.
Por outro lado, grande parte dos desafios atuais reside em compreender como se
dá a interação entre esses diferentes fatores [6,7].
A
ampliação da concepção restrita da obesidade como doença e propostas da adoção
de mudanças ambientais têm se tornado contundente diante da baixa
resolutividade das intervenções focadas apenas no corpo e no atendimento
individualizado [8]. A abordagem da obesidade na esfera da promoção de saúde
pode contribuir para reflexão do problema em uma visão referenciada não apenas
na doença e na recuperação da saúde [9].
Intervenções
com o objetivo de reduzir o peso corporal para melhorar a saúde e os aspectos
relacionados à saúde de indivíduos e ou populações são complexas. Este tipo de
intervenção deve pautar-se nos preceitos do modelo biopsicossocial e, portanto,
necessita ponderar o indivíduo em toda sua totalidade. Desse modo, há que se
considerar as estruturas, funções, atividade, participação, fatores pessoais e
ambientais, de forma multidimensional e equânime. Aspectos físicos,
psicológicos, cognitivos, atitudinais, sociais e familiares, precisam ser
analisados a fim de se obter sucesso na redução do peso corporal [3].
De
acordo com essa perspectiva, o modelo da Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), proposto pela OMS em 2001,
mostra-se fundamental para delinear as consequências de patologias e lesões
tanto em nível individual, como da sociedade; fornece uma linguagem padronizada
e universal; aborda uma visão biopsicossocial e é organizada com característica
multidimensional e multidirecional entre componentes de incapacidade e
funcionalidade humana (funções, estruturas do corpo, atividades e
participação), bem como de fatores contextuais (fatores ambientais e fatores
pessoais) [10-12].
Dada
a variedade de categorias da CIF, surgiu a necessidade de torná-la prática para
o emprego de potenciais utilizadores. Para responder a isso, a Functioning and Disability Reference Group da OMS-Family
of International Classifications Collaborating
Centres Network, em colaboração com organizações internacionais
relacionadas a OMS, desenvolveram ferramentas práticas baseadas na CIF,
designadas por core sets, que correspondem a uma seleção breve ou compreensiva
de categorias essenciais da CIF, consideradas mais relevantes para descrever as
funções de um indivíduo com uma condição ou contexto específico de saúde
prioritário [13,14].
No
âmbito da saúde pública brasileira, o nível de conhecimento e aplicação da CIF,
pela comunidade científica, profissionais e gestores envolvidos no Sistema
Único de Saúde (SUS), ainda é precária e inconstante, principalmente frente a
data de sua aprovação pela OMS [15]. Diante do exposto, torna-se necessário
acontecer mudanças no rumo das políticas públicas de saúde no Brasil, a fim de
migrar da visão biomédica e hospitalocêntrica para
uma visão biopsicossocial e espiritual. Acredita-se que deste modo, o padrão
curativo, dispendioso e de baixa resolutividade, possa dar lugar a um modelo
que privilegie a prevenção de doenças e a promoção da saúde, ampliando a
resolutividade dos serviços e informando as pessoas e populações sobre seu real
estado de saúde, capacidades e limites [16].
Nesse
contexto, o objetivo do estudo foi avaliar a relação entre o Índice de Massa
Corporal (IMC) de mulheres com obesidade tipo I e II com os domínios “Funções
do Corpo” e “Atividades e Participação” presentes em um core set resumido da
CIF, desenvolvido para obesidade, com a intenção de se obter dados que possam
ser utilizados para a tomada de decisão clínica mais assertiva e resolutiva.
Cuidados éticos
A
pesquisa foi iniciada após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa
envolvendo seres humanos da Universidade de Franca/SP, com número do parecer:
1.522.794. Para participação, os indivíduos envolvidos, assinaram o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE) em duas vias. Este e demais cuidados adotados foram
amparados pela resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.
Tipo e local do estudo
Trata-se
de um estudo observacional e transversal realizado em um município localizado
na região Centro Oeste do estado de Minas Gerais.
Participantes e procedimentos
As
nutricionistas das 17 Unidades Básicas de Saúde (UBS) do município indicaram
138 mulheres com obesidade para participarem do estudo. Posteriormente, estas
foram contatadas pelos pesquisadores, que efetuaram o convite e explicaram o
objetivo da pesquisa, os riscos e benefícios relacionados a participação na
mesma.
As
voluntárias foram triadas de acordo com os critérios de inclusão (sexo feminino,
diagnóstico de obesidade tipo I ou II; idade entre 20 e 40 anos; assinar o
TCLE) e não inclusão (gestantes e participantes que não se encontravam em casa
no momento da coleta de dados). Das 138 mulheres indicadas, 72 estavam aptas a
participar e foram inscritas no estudo.
A
determinação dos dados antropométricos, estatura e peso corporal, foi feita com
o objetivo de calcular o Índice de Massa Corporal (IMC=Peso/Altura²). Por meio
deste critério, avaliou-se a distribuição do peso, sendo consideradas com
obesidade tipo I as mulheres que apresentavam valores entre 30 kg/m² e 34,9
kg/m² e grau II entre 35 kg/m² e 39,9 kg/m² [17].
Logo
após a seleção da amostra, um pesquisador treinado realizou a entrevista com as
voluntárias usando como roteiro estruturado o core set resumido da CIF. Esse
instrumento fornece um conjunto de nove categorias da CIF, distribuídas em
funções (três), atividades e participação (quatro) e fatores ambientais (duas),
que permitem a compreensão das principais incapacidades encontradas em pessoas
obesas. O core set foi desenvolvido por Stucki et al. [18] e atualmente se encontra
disponível no site www.icf-research-branch.org, do ICF Research Branch que é um parceiro da OMS em
pesquisas com a CIF [19]. Para cada uma das categorias do core set resumido o
entrevistador atribuiu um qualificador genérico da CIF, no formato de escala Likert de cinco pontos, onde o zero (0) representa a
ausência do problema (0% a 4%), um (1) refere-se a um problema leve (5% a 24%),
dois (2) refere-se a um problema moderado (25% a 49%), três (3) problema grave
(50% a 95%) e quatro (4) problema completo (96% a 100 %). Os qualificadores
oito (8) não especificado e nove (9) não aplicável, não precisaram ser
utilizados. Em relação às categorias de fator ambiental os qualificadores
mantiveram o mesmo significado, contudo, quando se atribuiu ao fator ambiental
uma influência positiva sobre a categoria, os qualificadores recebiam um sinal
positivo e quando estes atuavam como barreiras, um sinal de negativo.
Análise dos dados
Inicialmente
os dados foram trabalhados de acordo com a estatística descritiva,
representados por medidas de tendência central (média e mediana) e de dispersão
(desvio padrão, erro padrão e intervalo de confiança). Para verificação da
normalidade destes dados, foi utilizado o teste de Kolmogorov-Smirnov.
Com
relação à análise intergrupos (obesas tipo I e obesas
tipo II), foi aplicado o teste Mann-Whitney. A análise da correlação entre os
parâmetros avaliados no estudo foi realizada pelo teste de Correlação de Spearman. Todas as análises foram realizadas no software
GraphPad Prism 5.0, com nível de significância
ajustado para α = 0,05. Os dados foram apresentados em tabelas.
Das
138 mulheres indicadas pelas nutricionistas, 23 não foram incluídas na pesquisa
por não assinarem o TCLE; 27 por não estarem presentes na residência no momento
da coleta de dados; 14 por não estarem com o IMC dentro da classificação
estabelecida pelo estudo e duas por estarem gestantes.
Ao
final, a amostra foi composta por 72 mulheres obesas, e o valor médio, mais ou
menos o desvio padrão das suas características (idade, classificação do IMC e
peso), juntamente com o intervalo de confiança de 95%, estão apresentados na
tabela I.
Tabela I – Características gerais da amostra estudada.
IMC
= Índice de Massa Corpórea; DP = desvio padrão; IC = intervalo de confiança.
A
análise intergrupos não demonstrou uma diferença
significativa entre as obesas
do tipo I (1,50 ± 0,26 pontos) e II (3,0 ± 0,29 pontos)
com relação à categoria
“Funções do Corpo”. Já no que tange o
escore de “Atividades e Participação”
houve diferença significativa (p = 0,013) entre os grupos
obesidade tipo I e
obesidade tipo II (Tabela II).
Tabela II – Comparação
dos escores “Funções do corpo” e
“Atividades e Participação”
de mulheres obesas.
Dados
expressos em mediana ± erro padrão (EP). O *representa a diferença estatística,
com valor de p ≤ 0,05.
Os
resultados não demonstraram uma correlação significativa entre o IMC e o escore
“Funções do Corpo” em nenhum dos grupos do estudo. Entretanto, foi observado em
mulheres obesas do tipo II, que o IMC se correlacionou significativamente (p = 0,002)
e positivamente (r=0,51) com a pontuação de “Atividades e Participação”
(Tabelas III e IV).
Tabela III – Matriz de correlação entre o IMC e o escore “Funções do Corpo” em
mulheres com obesidade tipo I e II.
Tabela IV – Matriz de correlação entre o IMC e o escore “Atividades e Participação”
em mulheres com obesidade tipo I e II.
O
objetivo do estudo foi analisar a relação entre o IMC e a
funcionalidade/incapacidade de mulheres com obesidade tipo I e tipo II. Os
dados foram extraídos de um core set resumido da CIF, criado para obesidade. Os
core sets são instrumentos semelhantes a check lists, que direcionam o olhar do avaliador para as
principais categorias relacionadas a uma determinada condição de saúde.
É
importante mencionar que os core sets nunca foram consenso entre os
pesquisadores e profissionais de saúde que trabalham com a CIF e o modelo
biopsicossocial. Muitos defendem que esse tipo de instrumento criado para uma
única condição de saúde, recoloca a doença e o processo de incapacidade no
padrão linear, assim como ocorre no modelo biomédico. Além disso, é sabido que
indivíduos com o mesmo diagnóstico nosológico
apresentam queixas e situações totalmente distintas e, portanto, engessar os
itens a serem avaliados poderia trazer prejuízos à informação obtida [20-22].
Apesar de todas as críticas, optou-se por aplicá-lo, pelo fato de ser um
instrumento mundialmente utilizado e que seria capaz de fornecer dados
suficientemente confiáveis para a realização das análises.
Para
o cálculo do IMC foi utilizada a fórmula (IMC = Peso/Altura²). Este índice é
uma medida válida e confiável, empregada ao redor do mundo, sobretudo em
estudos populacionais, principalmente pelo baixo custo e simplicidade de
aplicação [23].
Neste
estudo, a média de peso das mulheres com obesidade grau I e grau II foi de
84,71 kg e 97,25 kg, respectivamente. Sabe-se que na composição da fórmula do
IMC, o peso é a única variável modificável e ao relacioná-lo com a altura das
participantes, observa-se que o peso da amostra deveria estar compreendido na
faixa de 48,6 kg a 65,6 kg, para se encaixar na classificação de eutrofia [24,25]. É sabido que o aumento do peso pode
interferir negativamente na saúde e nos aspectos relacionados à saúde, além de
estar relacionado a uma série de comorbidades, tais como: diabetes mellitus
tipo 2, doença cardíaca coronariana, infertilidade, hipertensão, dislipidemia,
apneia do sono, problemas respiratórios, alguns tipos de câncer, entre outros
[26].
Neste
sentido, a obesidade deve ser encarada como um problema de saúde pública e,
portanto, precisa ser minimizada ou tratada como tal. Um plano de intervenção
cognitivo comportamental, que demonstre com clareza a situação atual do
indivíduo, bem como as metas a serem alcançadas, podem motivá-lo e encorajá-lo
a desafiar a si próprio “estratégias de coping”, a se comprometer com o planejamento e
consequentemente modificar seu estilo de vida [27,28]. Neste estudo, seria
necessária uma redução média de 25,4 Kg para que as participantes alcançassem o
IMC normal e de acordo com a literatura, para isso ocorrer, é de fundamental
importância o acompanhamento multiprofissional [29].
O
fator peso denota extrema importância na vida de indivíduos obesos, haja vista
que na análise do presente estudo, houve significância quanto ao escore final
do componente de atividades e participação entre mulheres obesas tipo I
(problema leve) e mulheres obesas tipo II (problema moderado), avaliadas por
meio de autorrelato. Ou seja, se analisarmos os
percentuais correspondentes aos qualificadores da CIF propostos pela OMS, as
mulheres com obesidade tipo II, com problema moderado, “25% a 49%”
(qualificador 2), tiveram um acréscimo considerável no componente de atividades
e participação, em comparação à percepção das mulheres com obesidade tipo I,
que exprimiram problema leve, “5% a 24%” (qualificador 1). Pataky
et al. [30] realizaram um estudo para
verificar a capacidade funcional em grupos de pessoas que apresentavam
diferentes graus de obesidade. Os resultados atestaram que quanto maior o grau
de obesidade, maior será o problema funcional enfrentado. Um dos testes
aplicados foi o teste de caminhada de seis minutos, e a resistência dos
indivíduos foi progressivamente menor nos grupos com maior grau de obesidade.
As pessoas do grupo com IMC normal “18 a 25 kg/m2” caminharam 613,4
± 45,9 metros; o grupo de obeso grau I “≥ 30 a 34,9 kg/m2”
caminhou 532,3 ± 62,7 metros; o grupo de obeso grau II “≥ 35 a 39,9 kg/m2”
caminhou 487,3 ± 61,2 metros e o grupo de obeso grau III “≥ 40 kg/m2”
caminhou 462,8 ± 68,2 metros. Houve diferença significativa entre os indivíduos
com um IMC normal e todos os outros três graus de obesidade (p < 0,05) [30].
Sobre
a correlação realizada no presente estudo, o escore final
do componente de
Funções do Corpo não se relacionou
significativamente com o IMC das mulheres com
obesidade tipo II. Uma das explicações pode estar
relacionada ao fato de que
esse componente representado no core set é composto por
três categorias: “b130
– Funções da energia e de impulsos; b530 –
Funções de manutenção do peso e b540
– Funções metabólicas gerais”. Essas
categorias correspondem a funções dos
sistemas orgânicos [31], o que pode fazer com que o
indivíduo encare essas
funções como um fator de difícil
modificação. Diferentemente ocorre com o
componente de Atividades e Participação, que repercutem
como atividades
corriqueiras de vida diária propriamente dita e, por isso, o
indivíduo pode ter
a percepção que uma simples mudança na rotina,
como por exemplo, a realização
de uma caminhada, já é o suficiente para trazer
alterações importantes em sua
funcionalidade como um todo.
Já
quanto à última análise realizada entre o escore final do componente de
Atividades e Participação e o IMC das mulheres com obesidade tipo II, houve
correlação significativa e positiva. No estudo de Costa et al. [32], estratificando o componente d do core set para
obesidade, duas categorias obtiveram o qualificador zero (nenhum problema) como
a resposta mais assinalada, as categorias “d450 – Andar e d570 – Cuidar da
própria saúde”. As outras duas categorias obtiveram o qualificador quatro
(problema completo) como a resposta mais assinalada, as categorias “d240 –
Lidar com o estresse e outras demandas psicológicas e d455 – Deslocar-se” [32].
Coincidência
ou não, as duas categorias assinaladas como problema completo
“d240 e d455”
parecem estar diretamente relacionadas. Ao verificarmos que há
problema total
quanto ao ‘deslocar-se’, que inclui atividades funcionais
como subir, correr e
pular [31], e ao mesmo tempo a categoria que trata o ‘lidar com o
estresse’,
também está completamente afetada, podemos relatar de
maneira hipotética que o
não cumprimento das atividades supracitadas, estaria atuando
como um gatilho ou
fator agravante para a problemática do ‘lidar com estresse
e demandas
psicológicas’. Se esta hipótese for confirmada, uma
medida para a recuperação
da saúde funcional [33] poderia ser a realização
de exercícios que contemplem o
deslocar-se, como o treinamento funcional ou o treinamento intervalado
de alta
“ou moderada” intensidade (HIIT) [34]. Entretanto, essa
modalidade deve ser
realizada mediante o acompanhamento fisioterapêutico, para dosar
os valores
pressóricos e dados vitais pertinentes à clínica
do indivíduo, bem como a
indicação, ritmo de execução e
evolução [35] das estratégias de
intervenção para
cada mulher obesa.
Corroborando
essa possibilidade, destaca-se que os benefícios fisiológicos e bioquímicos
provenientes do exercício físico são bastante expressivos no combate ao
estresse [36] e outras demandas psicológicas (depressão e ansiedade), que tanto
afetam a população em geral [37]. Além disso, podem propiciar uma melhora na
funcionalidade e consequentemente na percepção da qualidade de vida [38].
Uma
limitação que pode ser apontada no presente estudo é quanto a não aparição dos
dois constructos presentes no componente d na CIF versão completa, “desempenho
e capacidade” [31]. Com certeza, poderíamos detalhar mais acerca das categorias
que apresentaram problema completo e definir assim, a interferência direta ou
indireta dos fatores ambientais nestas categorias. Porém, sabemos que o
propósito dos core sets são a padronização das informações, mas, de forma
prática e rápida no momento da coleta de dados e, por isso, lidam com os
qualificadores genéricos em seus componentes.
Mulheres
classificadas com obesidade grau II apresentam um maior comprometimento nas
atividades e participação do que mulheres com obesidade grau I. Analisando por
essa ótica, as reais necessidades e os diferentes domínios nos quais os indivíduos
apresentam dificuldades, devem ser reconhecidos, permitindo que os
profissionais e gestores de saúde planejem programas efetivos de intervenção
específicos para as necessidades dos indivíduos obesos, afetando tanto a pessoa
quanto o ambiente em que estão inseridos. Os achados do estudo podem direcionar
a tomada de decisão clínica e permitir que as ações sejam direcionadas para as
reais necessidades dessas pessoas.
Agradecemos
à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo
apoio financeiro.