ARTIGO
ORIGINAL
Estudo
comparativo das oportunidades para o desenvolvimento motor em ambientes
domésticos de crianças em escolas públicas versus escolas privadas
Comparative study of opportunities for motor development in children of
public versus private schools
Amanda Géssika Medeiros Bernardino*, Maria Nazaret
da Silva*, Polianne Medeiros Brito**, Célio Diniz
Machado Neto**, Renan Alves da Silva Júnior**, Manuela Carla de Souza Lima
Daltro***
*Estudante
do Curso de Fisioterapia das Faculdades Integradas de Patos – FIP, Patos/PB,
**Mestre e professor das Faculdades Integradas de Patos – FIP, Patos/PB,
***Doutora e Professora das Faculdades Integradas de Patos – FIP, Patos/PB
Endereço
para correspondência:
Manuela Carla de Souza Lima Daltro, Rua Misael de Sousa, 991 Jardim Guanabara
Patos PB, E-mail: manucacarla@hotmail.com
Resumo
O desenvolvimento neuropsicomotor da criança é um aspecto importante do
desenvolvimento infantil e crianças de baixo nível socioeconômico. Esse
trabalho teve como objetivo comparar as oportunidades do desenvolvimento motor
em crianças de escolas públicas versus escolas privadas. Foi uma pesquisa do
tipo aplicada, com abordagem quantitativa, através do questionário Affordances in the Home Environment for Motor Development
– AHEMD – 18-42 meses. Nos resultados foi utilizado o programa estatístico SPSS
para análise descritiva da distribuição das subescalas,
escolaridade, estado civil, renda, sexo, idade gestacional e peso ao nascer.
Observou-se que em relação à escolaridade 34,4% dos responsáveis das escolas
públicas e 62,05% das escolas privadas tinham ensino médio (p=0,00); no quesito
estado civil 34,4% nas escolas públicas e 68,8% nas escolas privadas eram
casados (p=0,02) com diferença de média de renda mensal de R$1127,50 na escola
pública e R$2884,38 nas escolas privadas. Quanto à subescalas
AHEMD – 18-42 meses, todas apresentaram diferença significativa em que as
maiores médias foram encontradas nos domicílios das crianças de escolas
privadas. Ao fim do mesmo, conclui-se que as crianças de escola privada
recebiam mais oportunidades para o desenvolvimento motor em ambientes
domésticos do que crianças de escolas públicas.
Palavras-chave: desenvolvimento neuropsicomotor, criança, oportunidades, desenvolvimento
infantil, desenvolvimento motor.
Abstract
The neuropsychomotor development of child is an
important aspect of child development, and children with low socioeconomic
status are at risk for developmental delays. Thus, this study aimed to compare
motor development opportunities in children from public schools versus private
schools. It was a research of the applied type, with quantitative approach,
through the questionnaire Affordances in the Home Environment for Motor
Development - AHEMD - 18-42 months. In the results, the SPSS statistical
program was used for descriptive analysis of the distribution of subscales,
schooling, marital status, income, sex, gestational age and birth weight. It
was observed that, regarding to schooling, 34.4% of the responsible of public
schools and 62.05% of private schools had high school education (p = 0.00); In
civil status 34.4% of public schools and 68.8% of private schools were married
(p = 0.02), with a difference of average monthly income of R$ 1127.50 in the
public school and R$ 2884.38 in private schools. Regarding the AHEMD subscales
- 18-42 months, all presented a significant difference in which the highest
averages were found in the homes of the children of private schools. At the end
of the study, it was concluded that, for private school children, were given
more opportunities for motor development in domestic environment than children
in public schools.
Key-words: neuropsychomotor development, child, opportunities, child
development, motor development.
O desenvolvimento
motor refere-se à mudança progressiva na capacidade motora de um indivíduo,
desencadeada pela interação desse indivíduo com seu ambiente e com a tarefa em
que esteja engajado [1]. Rosa Neto [2] afirma que a atividade motora é de suma
importância para o desenvolvimento global da criança.
Segundo Beresford [3] os componentes da aprendizagem motora exercem
influência significativa na aquisição das habilidades de aprendizagem cognitiva
particularmente da noção de corpo, tempo e espaço principalmente nos anos que
antecedem a idade escolar.
O desenvolvimento
motor se dá com muita eficácia na infância, período em que há uma ampla
plasticidade do sistema nervoso central, admitindo aumento nos ganhos motores e
sistemas integrados [4].
Saccani [5] acrescenta que
os primeiros anos de vida de um indivíduo são formados por importantes
marcos motores, físicos, mentais e sociais, sendo o período em que a
criança tem especial sensibilidade aos estímulos vindos do ambiente, através de
seus sentidos.
Tecklin [6] afirma que o
processo de desenvolvimento é dinâmico e é possível de ser moldado a partir de
estímulos externos. A interação entre aspectos relativos ao indivíduo, como
suas características físicas e estruturais, ao ambiente em que está plantado e
à tarefa a ser aprendida são determinantes na
aquisição e aprimoramento das diversas habilidades motoras.
O lugar em que o
lactente convive pode dar distintos formatos ou moldar aspectos do seu
comportamento motor. O ambiente positivo atua como facilitador do
desenvolvimento normal, pois possibilita a exploração e interação com o meio.
Por sua vez, o ambiente desfavorável atrasa o ritmo de desenvolvimento e
diminui as possibilidades de aprendizado da criança. Paralelamente aos fatores
de risco biológicos e as desvantagens ambientais podem influenciar negativamente
na melhora do desenvolvimento das crianças [7].
O brincar é uma
atividade correspondente, automática e necessária para a criança,
constituindo-se por isso, peça importantíssima no seu desenvolvimento. A função
dos jogos e dos brinquedos não se limita ao mundo das emoções e da
sensibilidade, ela parece funcional também do domínio da inteligência e
contribui, em linhas decisivas, para a evolução do pensamento e todas as
funções intelectuais superiores. Assume também um papel social, e esse fato faz
com que as atividades lúdicas extravasem sua importância para além do indivíduo.
O impacto de fatores
biológicos, psicossociais, individuais, familiares e ambientais no
desenvolvimento infantil tem constituído objeto de inúmeros estudos nas ultimas
décadas. Crianças pertencentes a grupos de baixa renda encaram desafios no
ambiente familiar e no institucional, onde a estimulação e o suporte social são
inadequados incidindo diretamente no grau evolutivo de seu desenvolvimento, em
detrimento às crianças com condições favoráveis no seio da família, cercada de
relações e laços positivos de formação [8].
Com isso, esse estudo
teve como objetivo: comparar as oportunidades para o desenvolvimento motor em
ambientes domésticos de crianças de escola pública e escola privada.
O presente estudo
caracteriza-se como um estudo de corte transversal, com abordagem quantitativa.
A pesquisa foi realizada em 2 escolas, uma de rede
pública e outra de rede particular, localizadas na cidade de Patos -PB. A
coleta de dados foi realizada durante o segundo semestre de 2016, participaram
da pesquisa um grupo formado por 32 responsáveis pelos alunos da escola púbica
e 32 da escola particular.
Para a coleta de
dados foi utilizado o questionário Affordances in the Home Environment for Motor Development – AHEMD – 18-42 meses. Trata-se de um
questionário com a parte inicial destinada à identificação das características
da criança e família, e 67 perguntas relacionadas ao ambiente familiar, sendo
dividido em cinco subescalas: espaço exterior, espaço
interior, variedade de estimulação, material de motricidade fina e material de
motricidade grossa.
Após a aplicação do
questionário, os dados coletados foram introduzidos e classificados com o
auxílio de uma aplicação do programa Microsoft Excel (AHEMD Calculador VPbeta1.5.xls), construído pelos idealizadores do Projeto
AHEMD e disponibilizado no endereço eletrônico
(http:www.ese.ipvc.pt/~dmh/AHEMD/ahemd.htm). Para efeito de comparação e a fim
de verificar possíveis influências do fator econômico sobre aspectos
relacionados ao lar, os lares submetidos ao estudo foram divididos em dois
grupos: Grupo A – formando alunos de escolas públicas e o Grupo B - constituído
por alunos de escolas particulares.
Foi utilizado o
programa estatístico Statistical Package for
Social Sciences (SPSS 22.0), A descrição das
variáveis quantitativas foi feita mediante cálculo das medidas de tendência
central (média) e dispersão (desvio-padrão); para as variáveis qualitativas
foram calculadas frequências absolutas (n) e relativas (%). E uso do Test T
para realizar correlação entre as variáveis de escola pública e privada.
Admitiu-se nível de significância estatística de 5%.
O projeto foi
aprovado pelo comitê de Ética em Pesquisa das Faculdades Integradas de Patos –
FIP, sob nº: 1.239.193 e seguiu a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de
Saúde.
Nas características
socioeconômicas dos responsáveis das crianças verificou-se que 93,8% eram as
mães, sendo a média de idade de 27,28 anos (DP= 6,11) nas escolas públicas e
31,36 anos (DP = 6,72) nas escolas privadas, com uma diferença significativa em
relação ao estado civil, em que nas escolas privadas existe maior número de
responsáveis casados correspondendo a 63,8%; e a média da renda familiar de R$
1127,50 ± 1068,80 nas públicas e R$ 2884,38 ± 789,90 nas
privadas (Tabela I).
Tabela
I - Características socioeconômicas dos
responsáveis das crianças de 18-42 meses, de escola pública versus privada na
cidade de Patos, no ano de 2017.
Fonte: Dados da
pesquisa, 2017.
Em relação às
características das crianças percebe-se que 60,5% eram do sexo masculino nas
escolas públicas, sendo que 90,63% tanto de escola pública como de escola
privada nasceram à termo, a média de peso ao
nascimento foi de 3293,56 ± 775,15 g nas escolas públicas e 3417,34 ± 637,80 g
nas escolas privadas (Tabela II).
Tabela
II -
Características das crianças de 18-42
meses, de escola pública versus privada na cidade de Patos, no ano de 2017.
Fonte: Dados da
pesquisa, 2017.
A tabela III apresenta
os resultados por subescalas do questionário AHMDE
18-42 meses, em que os maiores escores da escola pública encontravam-se na
variedade de estimulação com a média de 10,59 e na escola privada a motricidade
fina com média de 41,09. Porém, ao comparar os resultados dos
escores das escolas pública versus privada percebe-se que em todas subescalas a escola privada possui maiores escores e a
diferença estatística entre elas é altamente significativa (p = 0,00). (Tabela
III).
Tabela
III -
Valores dos resultados das subescalas do questionário AHMDE 18-42 meses de escola
pública versus privada na cidade de Patos, no ano de 2017.
Fonte: Dados da
pesquisa, 2017.
No atual estudo
pode-se observar que nas escolas privadas os responsáveis possuíam maior nível
de escolaridade. Estudos mostram que o maior nível de escolaridade das mães é
um fator que está diretamente relacionado a uma maior variedade de estimulação
e interação com os seus bebês [9].
Percebe-se que em
relação ao estado civil um maior número de responsáveis casados foi encontrado
nas escolas privadas correspondendo a 68,8%. Algumas investigações com famílias
afroamericanas indicaram que a presença do pai na
família nuclear, estaria associada com mais comportamentos maternos positivos e
com o favorecimento do desenvolvimento infantil, sendo o divórcio dos pais um
fato crucial no desenvolvimento da criança [10].
Segundo Rutter e Sroufe [11], pais que
são estruturados e moram juntos, a criança se
desenvolve rapidamente e consequentemente de forma sadia, esse crescimento e
desenvolvimento não é observado entre as crianças cujo principal cuidador não
possuí companheiro, e entre aquelas crianças que não dispunham do convívio
paterno. A presença do companheiro interfere positivamente na qualidade da
estimulação disponível no ambiente familiar, o que pode estar ligado à
influência positiva de sua presença no desempenho da função materna.
Os resultados
referentes ao nível socioeconômico mostram que famílias com renda mensal igual
ou superior a R$ 1.500,00 expõem filhos com melhores performances cognitivas do
que aquelas com renda mensal inferior. Distintos estudos vão ao encontro deste
achado ao evidenciarem maiores atrasos no desenvolvimento cognitivo em crianças
que possuíam família com baixo nível socioeconômico, independente de
apresentarem fatores de risco biológicos ou não [132.
O atual estudo mostra
que a média de peso ao nascimento foi maior na escola privada. Existe uma
constante associação entre a qualidade do ambiente e o desenvolvimento das
crianças. Alguns fatores de risco, tais como, baixo peso ao nascer,
desnutrição, baixa renda familiar, baixa escolaridade dos pais e famílias muito
numerosas exercem influência na qualidade do ambiente e desenvolvimento
infantil [13].
A prematuridade, o
nível intelectual dos pais e o estatuto socioeconómico são reconhecidos como
fatores intervenientes nas oportunidades facilitadoras para um efetivo
desenvolvimento psicomotor [14].
A gravidez precoce
nos grupos sociais mais carentes pode resultar em início tardio ou até mesmo ausência de atendimento pré-natal, pressupondo maior probabilidade
de complicações obstétricas, se forem consideradas as precárias
condições sanitárias em que ocorrem a gestação e o parto [15].
Quanto ao
questionário AHEMD – 18-42 meses, todas as subescalas
(espaço exterior e interior, variedade de estimulação, motricidade fina e
grossa) apresentaram diferença significativa (p=0,00) em que as maiores médias
foram encontradas nos domicílios das crianças de escolas privadas. A baixa
escolaridade dos pais está integrada ao menor acesso às informações e
conhecimentos acerca da importância de estímulos e brinquedos adequados em
determinadas faixas etárias para o desenvolvimento dos filhos, levando à compra
de materiais e jogos inadequados [16].
Andrade [17] descreve
uma melhor organização do ambiente físico e temporal, uma maior oportunidade de
variação na estimulação diária e um maior envolvimento emocional e verbal com a
criança em mães que têm mais anos de estudo, neste caso os das escolas
privadas.
Os achados das subescalas das crianças de escolas públicas vão ao encontro
de outros estudos com populações brasileiras que encontraram reduzido número de
brinquedos de faz de conta, de encaixar, materiais educativos, jogos e
materiais de construção adequados à faixa etária das crianças nos 71 domicílios
avaliados [18].
No estudo de Nobre et al. [18] que tinha como objetivo analisar as
oportunidades para o desenvolvimento motor em ambientes domésticos de
diferentes níveis socioeconômicos no Estado do Ceará, Brasil , mostraram dados
bastante preocupantes, pois mostram uma prevalência da inadequação das
estruturas arquitetônicas das residências favorecedoras do desenvolvimento
motor e a inexistência de materiais suficientes ao desenvolvimento da
motricidade grossa e fina de crianças.
Já a pesquisa de
Müller [19] em Porto Alegre, na região sul do País, que investigou o espaço
exterior de residências concluiu que nenhuma delas oferecia oportunidades
suficientes para o desenvolvimento motor das crianças.
Kishimoto [20] afirma que o
uso do brinquedo é fundamental para qualquer criança, mas eles devem ser
utilizados como ajuda na formação do individuo.
De acordo com a
UNESCO a qualidade do ambiente domiciliar nos
primeiros anos de vida é um indicador crítico do desenvolvimento na infância e
pode ser utilizado como medida indireta do desenvolvimento infantil [21].
O fator
socioeconômico tornou-se estatisticamente significativo quando comparada as
crianças das escolas públicas com as de escola privada, influenciando também as
subescalas AHEMD – 18-42 meses, em que todas
apresentaram diferença significativa com as maiores médias encontradas nos
domicílios das crianças de escolas privadas. Conclui-se que crianças de escola
privada recebiam mais oportunidades para o desenvolvimento motor em ambientes
domésticos do que crianças de escolas públicas.