ARTIGO ORIGINAL

Avaliação das habilidades funcionais e independência de crianças com distúrbios neuromotores: estudo preliminar

Evaluation of functional skills and independence of children with neuromotor disorders: preliminary study

 

Edna Karla Ferreira Laurentino*, Renan Alves da Silva Junior**

 

*Discente do Curso de Fisioterapia nas Faculdades Integradas de Patos – FIP, Patos/PB, **Mestre e Professor do Curso de Fisioterapia das Faculdades Integradas de Patos – FIP, Patos/PB

 

Endereço para correspondência: Renan Alves da Silva Júnior, Rua Leonizia M Leite 167, 58428-153 Campina Grande PB, E-mail: renanasjr@hotmail.com; Edna Karla Ferreira Laurentino: ednakarlaferreira@hotmail.com

 

Resumo

O desenvolvimento motor atípico acomete a criança na aquisição e refinamento de habilidades motoras e cognitivas, podendo leva-las a necessidade de uma maior atenção e conduta especifica. Objetivos: Avaliar as habilidades funcionais e independências de crianças com distúrbios neuromotores. Métodos: Trata-se de um estudo aplicado, transversal e descritivo, realizado com pacientes do setor de pediatria de uma Clínica Escola, dentre eles foram avaliadas 9 crianças. Foi utilizado o instrumento WeeFIM, atribuídos os escores de acordo com os dados obtidos com os cuidadores, associada a observação durante a avaliação do paciente realizando tarefas designadas. Resultados: Há variantes e heterogeneidade de funcionalidade entre as crianças com distúrbios neuromotores, com diferentes níveis de comprometimento da função nos domínios da WeeFIM. Foi observado que existe ligação entre a variedade de escores e as idades das crianças, as diferentes patologias envolvidas e seus níveis, além do uso de dispositivos auxiliares ou não. Ainda foi verificado que habilidades motoras e cada domínio da escala estão ligados diretamente, influenciando no desenvolvimento neuropsicomotor da criança. Conclusão: Com tais informações, é possível reconhecer as necessidades neuromusculares de cada indivíduo e traçar o plano terapêutico mais eficiente para a criança.

Palavras-chave: avaliação, habilidades motoras, crianças, distúrbios neuromotores.

 

Abstract

The atypical motor development affects the child in the acquisition and refinement of motor and cognitive abilities which may lead to greater attention and specific conduct. Objectives: To evaluate the functional abilities and independence of children with neuromotor disorders. Methods: This is an applied study, transversal and descriptive, performed with patients of the pediatrics sector of a School Clinic, among them were evaluated 9 children. WeeFIM instrument was used, assigning the scores according to the data obtained with the caregivers, associated with observation during the evaluation of the patient performing assigned tasks. Results: There are variants and heterogeneity of functionality among children with neuromotor, disturbances with different levels of impairment of function in the WeeFIM domains. We observed a connection between the variety of scores and the ages of the children, the different pathologies involved and their levels, besides the use of auxiliary devices or not. We also verified that motor skills and each domain of the scale are directly linked, influencing the neuropsychomotor development of the child. Conclusion: with such information, it is possible to recognize the neuromuscular needs of each individual and to draw up the most effective therapeutic plan for children.

Key-words: evaluation, motor skills, children, neuromotor disorders.

 

Introdução

 

O ponto de partida de todo desenvolvimento motor na criança é o aprimoramento motor, todo decurso do desenvolvimento é caracterizado por mudanças complexas e interligadas as quais desencadeiam todos os aspectos de crescimento e maturação dos sistemas do organismo, sendo processos de alterações no comportamento motor, relacionado a idade, tanto na postura quanto no movimento da criança [1,2,3].

A aquisição e maturação das habilidades motoras ocorrem de maneira diferente para cada indivíduo, sendo um processo particular, de grande variedade entre os desempenhos na primeira infância, que deriva do desenvolvimento do Sistema Nervoso Central (SNC), responsável pela capacidade de adquirir idiossincrasia nas tarefas e oportunidades no estimulo ambiental [4,5].

O desenvolvimento motor é caracterizado pelo ganho de uma grande variedade de movimentos, motivando a aquisição de um amplo arbítrio dos elementos motores, como a motricidade global e fina, organização corporal espaço-temporal, equilíbrio e coordenação e lateralidade, para que possam ser usadas nas atividades de vida diária [6].

Muitos fatores podem influenciar no desenvolvimento motor, pois o processo não acontece de forma estática, podendo ser o produto de condições biológicas, ambientais, sócias e genéticas, que podem interferir na obtenção das habilidades motoras e funcionais da criança, dentre os fatores que podem influenciar negativamente o desenvolvimento neuropsicomotor está o nível socioeconômico da família e a escolaridade da mãe, aumentando o risco de déficits no desenvolvimento do sujeito [7].

Assim, indivíduos com desenvolvimento atípico ou que apresentam atraso no desenvolver neuropsicomotor precisam de uma maior atenção e conduta especifica, já que as sequelas bem como de coordenação e controle da motricidade podem se estender até a idade adulta [8].

Podendo esses prejuízos motores estar comumente associados a danos secundários de graus psicológicos e sociais, tais como isolamento, baixa autoestima, hiperatividade, entre outras dificuldades de socializar que afetam o desempenho escolar da criança [9].

A habilidade motora une três categorias de movimento, são elas, a locomoção, a manipulação e o equilíbrio. O estudo da aptidão motora se dar pela observação da mecânica motora e a investida em compreender as causas de sua alteração. Sendo assim, a avaliação ou pesquisa pode estar voltada ao aspecto patológico do sujeito, o que deve ser relacionado ao seu desempenho motor e habilidades motoras a idade, sexo ou classe social, além da patologia em si [7].

O comprometimento neuropsicomotor da criança pode acarretar déficits em partes variadas do corpo, resultando nas classificações topográficas: monoplegia, hemiplegia, paraplegia, triplegia, e quadriplegia. A classificação segundo as alterações clinicas apresentadas pelo indivíduo dar-se pelo tipo de tônus muscular e desordens de movimentos, que podem ser espástico, discinético ou atetóide, atáxico, hipotônico e misto [10]. O comprometimento também pode ser classificado pela gravidade quando se dá pela Encefalopatia Crônica não Progressiva da Infância (ECNPI) [11].

 O desenvolvimento motor anormal não está ligado somente à presença de distúrbios neuromotores ou anatômicos. Sendo assim até indivíduos que não apresentam grandes sequelas podem ter comprometimento em algum ramo do seu desenvolvimento neuropsicomotor, com danos mais frequentes á memoria, a coordenação motora e a linguagem [12]

Muitos estudos na área da saúde são realizados com base nos atrasos do desenvolvimento motor, o que ressalta a importância da avaliação e identificação precoce das alterações de comportamento motor. Através do diagnóstico precoce, se propicia a intervenção ainda no primeiro ano de vida, se beneficiando da plasticidade neural como fator de aprimoramento das aquisições motoras [13,14]. Entretanto, tem sido um desafio para os profissionais da saúde e/ou pesquisadores [15,16].

O instrumento Pediatric Functional Independence Measure (WeeFIM) é uma escala de ordem, que envolve atividades de múltiplas áreas: autocuidado, mobilidade/transferências, controle de esfíncteres, locomoção, comunicação e interação social. Sua versão para adultos, traduzida e validada no Brasil como Medida de Independência Funcional (MIF) é a avaliação mais utilizada em reabilitação no mundo todo, se aplicando a uma gama de circunstancias de incapacidades [17,18]. Sendo a WeeFIM um instrumento a ser considerado na avaliação das mesmas condições em crianças [19].

A conveniente avaliação da funcionalidade nos primeiros anos de vida é de extrema relevância pois favorece o traçado de um quadro de estratégias terapêuticas adequadas a cada paciente e suas incapacidades, com foco em suas maiores necessidades, porém depende do uso de instrumentos como escalas, que, de modo especifico, são escassos para a primeira infância, principalmente no Brasil [15,20]. A escala WeeFIM, embora muito utilizada no exterior, na avaliação e reabilitação em várias áreas da saúde, no pais é pouco estudada e evidenciada [21].

Diante do que foi exposto, o estudo teve como objetivo primário: avaliar as habilidades funcionais e independências de crianças com distúrbios neuromotores. Assim como, objetivos secundários: identificar alterações nas habilidades e independências de crianças com distúrbios neuromotores; comparar os escores obtidos, identificando as variantes e semelhanças dentre as alterações em cada um dos distúrbios neuromotores e compreender as variações obtidas nas avaliações de crianças que fazem uso de algum dispositivo auxiliar.

 

Material e métodos

 

Trata-se de um estudo de natureza aplicada, classificado como transversal e descritivo de abordagem quantitativa, que foi realizada em uma Clínica Escola de Fisioterapia, localizada no sertão da Paraíba. Sendo o procedimento de coleta de dados realizado entre os meses de agosto de 2017 e setembro de 2017.

Os participantes foram pacientes atendidos no setor de pediatria da Clínica Escola de Fisioterapia, entre as idades de 11 meses e 7 anos, apresentando distúrbio neuromotor diagnosticado, os quais os responsáveis aceitaram sua participação na pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido da pesquisa.

Com relação aos instrumentos, foi utilizado uma Ficha de Avaliação desenvolvida especificamente para este estudo pelos pesquisadores envolvidos e é composta de três partes: identificação e dados pessoais do paciente; Data de nascimento; Idade; Sexo; Naturalidade e Filiação (em sigla). A segunda parte tem o objetivo de coletar os aspectos clínicos da patologia que o participante apresenta, como: Diagnóstico (médico); Diagnóstico Funcional e o Uso de dispositivos auxiliares (cadeira de rodas, órtese, prótese, andador, etc.). A terceira e última parte da ficha é uma avaliação da funcionalidade do participante contendo cinco níveis de atividades que o mesmo irá realizar no momento da aplicação do instrumento, são elas: Ficar de pé; sentar; subir degraus; Correr e Pular.

Também foi utilizado como instrumento a escala WeeFIM, que é uma adaptação da Medida de Independência Funcional (MIF) desenvolvida para avaliação das capacidades e independências de crianças, pouco evidenciada no Brasil, apesar de muito aceita na literatura internacional. A sua aplicação foi realizada a partir de informações fornecidas pelo próprio paciente, cuidador ou familiar disponível, sobre um conjunto de 18 itens que identifica o desempenho funcional em três domínios: autocuidado (alimentação, higiene, banho, vestir parte superior e inferior do corpo, ir ao banheiro, controlar a bexiga), mobilidade (transferência, cadeira de rodas, caminhada, escada) e cognição (compreensão, expressão, interação, memoria, comunicação). Cada item é avaliado com um escore, que tem uma variação de 1 a 7, onde 1 e 2 indicam dependência completa, 3, 4 e 5 indicam independência modificada (dependência moderada ou mínima, ou ainda supervisão na realização da atividade) e os escores 6 e 7 indicam independência, onde 6 indica o uso de algum dispositivo auxiliar na independência e 7 é a independência completa e sem auxílio. Cada item contém o escore, a descrição da realização da atividade e o uso ou não de algum dispositivo de auxílio. A pontuação máxima é 126 pontos, e quanto maior a soma dos escores, menos funcional o participante é, e consequentemente, mais dependente, assim como quanto menor for a soma, mais independente esse participante é [22].

Em um primeiro momento, foi apresentado o TCLE ao responsável pelo participante e feita a leitura acompanhado de uma breve explicação de como seria realizada a pesquisa e os objetivos do estudo, bem como os benefícios envolvidos. Logo após a assinatura permitindo que o participante faça parte da amostra, foi realizada a aplicação da Ficha de Avaliação, com perguntas direcionadas ao cuidador, e ao final, a avaliação da funcionalidade, onde foi solicitado que o paciente realize as atividades com os braços para cima: “fique de pé, com as mãos para o céu”, “ok, agora sente-se”, assim como subir 3 degraus, correr de um lado ao outro da sala e pular sem sair do lugar. Logo após foi aplicado o instrumento WeeFIM através de perguntas relacionadas ao ambiente de casa e a realização das AVD’s associando a observação do participante reproduzindo a atividade como ela seria realizada em casa, exemplo: “Você consegue escovar os dentes? Sozinho? Sem ajuda de nada? Como consegue? Mostre-me” ou, no caso do cuidador “Ele (a) consegue comer sozinho (a) à mesa? Quem prepara o pratinho? Ele (a) precisa de algum instrumento que ajuda a segurar o talher, ou levar a comida a boca? Você precisa ficar observando ele (a) comer? Como isso ocorre? ”. O escore é atribuído de acordo com a configuração de atividade mais próximo a realidade do participante, como: 7 se ele realiza toda a atividade, sem ajuda ou supervisão, 6 se ele necessita de algum dispositivo, porém realiza a atividade completamente, 5 se precisar de uma supervisão ou apoio na realização da tarefa, 5 se ele realiza pouco mais da metade da atividade, mais precisa de ajuda para completar a ação, 4 se ele realiza metade da atividade completa e precisa de ajuda na outra metade, 3 se ele realiza menos de 50% da tarefa, 2 se ele realiza 25% ou menos e 1 se ele depende totalmente do cuidador para realizar a atividade.

Após a coleta de dados, os mesmos foram tabelados a fim de observar e colher resultados de acordo com a coerência interna de cada item do instrumento, comparando as pontuações obtidas na avaliação do pesquisar e os dados apresentados na entrevista. Ao termino da coleta, com a amostra total, será realizada a análise estatística com auxílio do software estatístico Statistical Package for the Social Science (SPSS Statistics for Windows, Versão 22.0. Armonk, NY: IBM Corp. lançado em 2013).

 

Resultados

 

Foram avaliados 9 participantes, que resultou em dados acerca da análise descritiva dos escores da WeeFIM, de acordo com o diagnóstico clínico e fisioterapêutico de cada um, assim como a idade e o uso de dispositivos auxiliares, descrição e comparação das habilidades motoras adquiridas por cada participante e seu respectivo escore da escala e médias dos escores de cada domínio da escala WeeFIM distribuídos de acordo com cada indivíduo da pesquisa (Tabela I).

Podemos observar que 4 (44,4%) dos participantes apresentaram escores mínimos (18) que indicam dependência total, dentre eles diagnósticos de Síndrome de Down e de West, Encefalocele associado a Microcefalia e Encefalopatia Crônica não Progressiva da Infância, 2 (50%) delas são distúrbios associados, um agravante ao prognóstico dos indivíduos acometidos pela soma de déficits. Outras 3 (33,3%) crianças apresentaram destaque em algumas modalidades da WeeFIM, deixando seus escores um pouco acima do ponto de corte mínimo da escala, entre elas, também, a Síndrome de Down, ECNPI e encefalocele associado a Microcefalia. Apenas o participante 01 (11,1%), apresentando Distrofia Muscular de Cintura obteve escore máximo na escala, indicando independência total (Tabela I).

 

Tabela I - Análise descritiva dos escores da WeeFIM, de acordo com o diagnóstico Clínico e Fisioterapêutico de cada participante.

 

Fonte: Dados da pesquisa

 

Verificou-se que há diferença considerável entre a média dos escores de cada patologia, que nos leva a discutir as relações entre o diagnóstico e seus níveis de comprometimento, bem como a sua funcionalidade afetada, e as necessidades de cada distúrbio de acordo com as modalidades afetadas na escala WeeFIM.

De acordo com a idade, tido que 6 (66,6%) dos indivíduos apresentavam idades entre 11 meses e 3 anos, de acordo com a avalição com a escala WeeFIM, esses obtiveram escores entre 18 e 43 pontos. Os outros 3 (33,3%) dos participantes tinham idades entre 5 e 7 anos, obtendo escores de 18 a 126 pontos na escala (pontos de corte da escala). Considerando os extremos de idades, temos o participante 04 (11 meses) apresentando escore mínimo de 18 pontos na escala, enquanto o indivíduo 01 (7 anos) apresentou escore máximo de 126 pontos na WeeFIM (Tabela II).

 

Tabela II Descrição dos dados da escala WeeFIM de acordo com a idade e o uso de dispositivos auxiliares pelos participantes.

Fonte: Dados da pesquisa

 

Quanto ao uso de dispositivos auxiliares, verificou-se que o participante 01, não faz uso de nenhum aparelho, o que pode se justificar, de acordo com sua alta pontuação da escala WeeFIM, pela sua independência total e consequentemente, irrelevância da utilização de tais elementos. Pôde-se constatar que 33,3% dos indivíduos fazem uso de algum tipo de dispositivo auxiliar incluindo cadeira de rodas e órteses, desses nenhum apresentou escore mínimo (18) na escala de funcionalidade, indicando alguma independência mesmo que modificada, os outros 66,6 % totalizando 6 indivíduos, não fazem uso de nenhum elemento de auxilio, desses 4 (66%) apresentaram escore mínimo na WeeFIM, o que representa dependência total (Tabela II).

Acerca das habilidades motoras, em destaque: ficar de pé, se sentar, subir degraus, correr e pular, constatou-se que 5 (55,5%) crianças não realizam nenhuma dessas atividades, dessas 3 (60%) obtiveram escore mínimo na escala WeeFIM, caracterizando dependência total, e 2 (40%) receberam entre 29 e 30 pontos. Apenas 1 (11,1%) das crianças avaliadas realiza todas as atividades, essa obteve escore máximo na escala (126) que se refere a independência total, somente 4 (44,4%) ficam de pé e se sentam, 2 (22,2%) conseguem subir degraus, e 1 (11,1%) realizam o correr e o pular (Tabela III).

 

Tabela III Descrição e comparação das habilidades motoras adquiridas por cada participante e seu respectivo escore da WeeFIM.

 

Fonte: Dados da pesquisa

 

Com relação ao grau de comprometimento funcional, sabe-se que pode-se variar de acordo com a abrangência topográfica, a fisiologia dos tônus e o grau de acometimento, se apresentando na pesquisa entre quadriparesia, hipotonia e paraparesia de acordo com o que for mais explícito na avaliação funcional, dessa forma, cerca de 5 (55,5%) crianças apresentaram quadriparesia, 3 (33,3%) hipotonia e 1 (11,1%) paraparesia.

 

 

Fonte: Dados da pesquisa (2017)

Figura 1 - Participante 1 realizando comando "se sentar" da Ficha de avaliação.

 

 

Fonte: Dados da pesquisa (2017)

Figura 2 - Participante 9 realizando comando "se sentar" da Ficha de avaliação.

 

O grau de comprometimento, que pode ainda ser leve, moderado ou grave, implica diretamente na independência do indivíduo, assim como a abrangência topográfica, quando se expande aos quatro membros temos uma área maior de comprometimento de função, visto no participante 09 (Figura 2) que apresenta quadriparesia, fato que não se aplica quando se trata de paraparesia, observado no participante 01, afetando unicamente os membros inferiores, em grau leve (Figura 1).

Deve-se considerar, entretanto que a escala WeeFIM dispõe de modalidades variadas de funcionalidade (Autocuidado, Transferência, Controle de Esfíncteres, Locomoção, Comunicação e Cognição social) abrangendo a independência motora e também as habilidades comunicativa e expressiva da criança.

No geral, levando em consideração apenas os aspectos que unem todos os indivíduos, obtendo-se um grupo de crianças com distúrbios neuromotores, no que diz respeito ao ganho e refinamento das capacidades motoras atribuídas a fase da infância, destaca-se a grande deficiência na obtenção dessas habilidades nesses indivíduos. Portanto, no que se refere as modalidades que a escala WeeFIM apresenta, temos o indivíduo 01 apresentando escore máximo (7) atingido em todas elas, que diz respeito a independência completa e sem auxilio, já os participantes 02, 03 e 04 apresentaram escores mínimos (1) em todas as modalidades, o que indica dependência completa (Figura 1).

As modalidades de destaque positivo foram: locomoção, comunicação e cognição social, com pelo menos 3 (33,3%) crianças apresentando escore acima de 1 nas modalidades supracitadas, já nas modalidades de destaque negativo, apresentam-se: autocuidado, transferência e controle de esfíncteres, onde nenhuma dessas tiveram mais de 1 (11,1%) criança ultrapassando o escore mínimo (1) (Figura 3).

 

Fonte: Dados da pesquisa (2017)

Figura 3 - Médias dos escores de cada domínio da escala WeeFIM distribuídos de acordo com cada participante da pesquisa.

 

Com relação a cada modalidade da escala WeeFIM, 7 indivíduos (77,7%) não realizaram, seja parcialmente ou totalmente, as atividades de autocuidado, 8 (88,8%) dos participantes são totalmente dependentes quanto a transferência e controle de esfíncteres. No que diz respeito a locomoção 3 (33,3%) dos indivíduos obtiveram escore acima do mínimo (1), desses, 1 indivíduo é totalmente independente, 1 obteve escore 6 na escala, que se refere ao uso de dispositivo auxiliar, referindo uma independência modificada, e 1 necessita de ajuda máxima (escore 2) nessa modalidade. Relacionado a comunicação e cognição social, 4 (44,4%) participantes obtiveram escores acima do mínimo (1) dentre eles o indivíduo 01 é independente, o 07 necessita de algum estimulo para realizar comunicação, e ajuda mínima quanto a interação social, já os 08 e 09, ambos com diagnostico de ECNPI, patologia com predominância motora, apresenta algum desempenho em se expressar, se comunicar e criar vinculo, dentro de suas limitações (Figura 1).

 

Discussão

 

 que ocorre de maneira linear durante a maturação e desenvolvimento do SNC no decorrer dos primeiros anos, o que nos leva a idade como uma variável influente no ganho de habilidades motoras e independência dos indivíduos, entretanto, tais aspectos do desenvolvimento são influenciados por diversos outros fatores que podem se sobrepor ao fator da idade. A respeito do ganho das habilidades motoras, pode-se observar através de seus marcos (ficar de pé, se sentar, subir degraus, correr e pular) comuns a infância, que são fatores indispensáveis a funcionalidade e independência do indivíduo [20].

No tocante a funcionalidade em crianças com síndrome de Down, visto que das duas crianças presentes na pesquisa, uma com 11 meses apresentou escore mínimo na WeeFIM (18), enquanto a outra com 2 anos apresentou uma pontuação bem acima da mínima (43), com destaque para as modalidades de comunicação e cognição social, o que se justifica pelo atraso motor indicado pela idade e fase de desenvolvimento da criança, visto que na fase de desenvolvimento motor essa criança vai apresentar melhor escore na parte cognitiva, ainda não desenvolvida, pois o retardo da síndrome vai afetar a parte motora, que pode ser revertida e desenvolvida na fase escolar ,o que corrobora com Leonard et al. (2002) que mostraram em seu estudo que 89% das crianças necessitam de ajuda para caminhada e transferência, em comparação com 64% e 35% que não necessitaram de ajuda nos domínios de autocuidado e cognição, respectivamente, havendo a correlação entre os domínios e a idade, pois quanto mais baixa, mais comprometimento para a caminhada e transferência de cadeira, sugerindo que essas duas habilidades são totalmente desenvolvidas pela idade escolar [21]. Porém, quando associada a Síndrome de West, patologia caracterizada por crises de convulsão generalizada, que se inicia entre 4 e 7 meses de idade e tem prognóstico reservado, apresenta déficits adicionais, com complicações pelas lesões causadas pelos espasmos que dificulta a aquisição de habilidades motoras [23].

Paralisia Cerebral, em virtude de lesão no sistema nervoso central, apresentam grande impacto no ganho motor e de habilidades das crianças, com perdas de capacidades essenciais como andar, sentar e falar, que afetam a funcionalidade, como visto nos escores atribuídos a essas crianças na pesquisa (18-30 pontos na WeeFIM), fato que corrobora com um estudo de Morais e Viana (2012) que obtiveram resultados com pontuações abaixo de 100 na escala PEDI, indicando funcionalidade abaixo do normal em 77,7% (7) das 9 crianças com PC [24].

A utilização de dispositivos auxiliares é uma variável peculiar a cada indivíduo, uma vez que seu uso depende de vários fatores, tais qual: a necessidade do uso pela criança, a conscientização dos cuidadores quanto a importância dessa necessidade, a disponibilidade do acessório por terceiros, ou ainda a condição socioeconômica da família. Por esse motivo, torna-se difícil a descrição e comparação do uso aos resultados da avaliação da funcionalidade dos participantes. Podemos verificar que, o uso de dispositivos auxiliares, principalmente em crianças com Paralisia Cerebral teve impacto nos escores da WeeFIM, onde das 9 crianças avaliadas, 3 (33,3%) fazem uso de dispositivos auxiliares (cadeira de rodas ou órtese) e nenhuma delas apresentou escore mínimo (18) na escala. Em semelhança a tal resultado, a pesquisa de Cury et al. [25] que obteve como resultado que crianças portadoras de PC apresentaram melhor desempenho nos aspectos qualitativos da marcha na condição com órtese, comparada com a condição sem órtese, e a de Glumac et al. [26], no qual pais de crianças com PC da República da Guatemala consideraram o uso do equipamento como elemento crucial para a promoção da participação da criança na vida familiar e comunitária, proporcionando-lhes maior liberdade e tempo para realização de suas atividades.

 

Conclusão

 

A partir desse estudo concluímos que há variantes e heterogeneidade de funcionalidade entre as crianças com distúrbios neuromotores, com diferentes níveis de comprometimento da função nos domínios de autocuidado, transferência, controle de esfíncteres, mobilidade, comunicação e cognição social. Foi observado que existe ligação entre as habilidades motoras, os domínios de mobilidade, autocuidado e cognição social, onde uma habilidade é fundamental ao bom funcionamento da outra, influenciando diretamente nas atividades de vida diária, demonstrando o impacto no desenvolvimento neuropsicomotor da criança.

Com tais informações, é possível reconhecer as necessidades neuromusculares de cada indivíduo e traçar o plano terapêutico, incluindo no planejamento uma intervenção mais eficiente para a criança, desenvolvendo seus potenciais, e orientando os pais a os estimular de acordo com suas peculiaridades, focando nas funções e atividades do dia-a-dia, permitindo a melhora da sua qualidade de vida. Referindo importância a avalição através da escala WeeFIM, que pode definir perfis de funcionalidade para as crianças, demonstrando a necessidade de ser traduzida e adaptada ao pais, uma vez que já é utilizada e evidenciada com sucesso internacionalmente, além de alimentar as literaturas e automaticamente facilitar o estudo acerca de várias patologias e suas consequências.

Portanto, a pesquisa apesar dos dados preliminares, teve resultados quanto a avaliação das habilidades motoras e independências de crianças com distúrbios neuromotores, destacando variantes de tais habilidades e funcionalidades nos participantes da pesquisa de acordo com idade, diagnostico clinico e fisioterapêutico e uso de dispositivos auxiliares, sendo maior o comprometimento motor ou cognitivo em alguns indivíduos de acordo com cada uma das variante, e que o conhecimento acerca dos níveis funcionais da criança são relevantes a avaliação dos profissionais envolvidos em sua terapêutica, o que facilitaria no traçar dos objetivos e condutas de acordo com as maiores necessidades do indivíduo, levando em consideração suas limitações e dependências.

 

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