ARTIGO ORIGINAL
Capacidade pulmonar, muscular e funcional de pacientes
com doença renal crônica
Pulmonary,
muscular and functional capacity of patients with chronic kidney disease
Mariana
Nunes Lúcio, Ft.*, Ana Karla Vieira Brüggemann,
Ft., M.Sc.**, Davi de Souza Francisco, Ft.*, Stefani dos
Santos Marcelino, Ft.*, Ana Flávia Gesser, Ft.*,
Catherine Corrêa Peruzzolo,
Ft.,M.Sc.**, Elaine Paulin, Ft., D.Sc.***
*Graduado pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC),
Florianópolis/SC, **Mestre pelo programa de Pós-graduação em Fisioterapia da
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis/SC, ***Docente
permanente do Programa de Pós-graduação em Fisioterapia da Universidade do
Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis/SC
Recebido
em 30 de outubro de 2018; aceito em 5 de janeiro de 2019.
Correspondência: Elaine Paulin, Centro de Ciências da Saúde e do Esporte –
CEFID/UDESC, Laboratório de Fisioterapia Respiratória (LAFIR), Rua Pascoal
Simone, 358 Coqueiros 88080-350 Florianópolis SC
Elaine Paulin: elaine.paulin@udesc.br
Mariana
Nunes Lúcio: mariananunesln@gmail.com
Ana
Karla Vieira Brüggemann: anakarla_vb@hotmail.com
Davi
de Souza Francisco: davisouzafrancisco@gmail.com
Stefani
Dos Santos Marcelino: stefanism5@hotmail.com
Ana
Flávia Gesser: ana_gesser@hotmail.com
Catherine
Corrêa Peruzzolo:
cati_catherine2@hotmail.com
Resumo
Objetivo: Conhecer o perfil
pulmonar, muscular e funcional de pacientes com doença renal crônica (DRC) e
verificar a relação entre a força muscular periférica e a capacidade funcional
desses pacientes. Métodos: 21
pacientes com DRC e 17 saudáveis foram avaliados quanto à antropometria, função
pulmonar, força muscular periférica e capacidade funcional. Para comparação
entres os grupos foi utilizado o teste t de Student
ou U de Mann Whitney. Para correlacionar a força muscular periférica com a
capacidade funcional do grupo DRC utilizou-se o coeficiente de Pearson ou Spearman. Resultados:
Houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos DRC e saudável,
respectivamente, nas variáveis da função pulmonar: volume expiratório forçado
no primeiro segundo (77,62 ± 18,05% vs. 99,71 ± 16,43%; p = 0,001) e capacidade
vital forçada (78,86 ± 17,16% vs. 98,48 ± 16,99%; p = 0,001); e na força muscular
periférica de quadríceps direito (127,76 ± 49,77 Nm
vs. 170,90 ± 55,38 Nm; p = 0,006) e esquerdo (134,10
± 55,19 Nm vs. 171,05 ± 57,86 Nm;
p = 0,04). O teste de caminhada de 6 minutos foi menor no grupo DRC comparado
ao saudável em valor absoluto (419,95 ± 98,51m vs. 616,90 ± 90,01m; p <
0,0001) e em % do predito (66,07 ± 15,04% vs. 94,80 ± 9,35%; p < 0,0001).
Observou-se correlação moderada entre a capacidade funcional e a força muscular
periférica de quadríceps direito (rho = 0,52; p =
0,01) e quadríceps esquerdo (r = 0,63; p = 0,002) no grupo DRC. Conclusão: Pacientes com DRC apresentam
alteração na função pulmonar, redução da força muscular periférica e da
capacidade funcional.
Palavras-chave: doença renal crônica,
diálise renal, espirometria, força muscular, tolerância ao exercício.
Abstract
Objective: To study the
pulmonary, muscular and functional profile of patients with chronic kidney
disease (CKD) and verify the correlation between peripheral muscle strength and
functional capacity of these patients. Methods:
21 patients with CKD and 17 healthy individuals were evaluated for
anthropometry, pulmonary function, peripheral muscle strength and functional
capacity. In the comparison between the groups, the Student t test or the Mann
Whitney U test were used. Correlation of peripheral muscle strength with the
functional capacity of the CKD group was tested by the Pearson or Spearman
coefficient. Results: There was a
statistically significant difference between the CKD and healthy groups,
respectively, in the pulmonary function variables: forced expiratory volume in
the first second (77.62 ± 18.05% vs. 99.71 ± 16.43%, p = 0.001) and forced
vital capacity (78.86 ± 17.16% vs. 98.48 ± 16.99%, p=0.001); and right
quadriceps muscle strength (127.76 ± 49.77 Nm vs. 170.90 ± 55.38 Nm, p = 0.006)
and left quadriceps (134.10 ± 55.19 Nm vs. 171.05 ± 57.86 Nm; p = 0.04). The
6-minute walk test was lower in the CKD group compared to healthy in absolute
values (419.95 ± 98.51 m vs. 616.90 ± 90.01 m, p < 0.0001) and in %
predicted (66,07 ± 15.04% vs. 94.80 ± 9.35%, p<0.0001). There was a moderate
correlation between functional capacity and muscle strength of right quadriceps
(rho = 0.52, p = 0.01) and left quadriceps (r = 0.63, p = 0.002) in the CKD
group. Conclusion: Patients with CKD
have altered pulmonary function, reduced peripheral muscle strength and
functional capacity.
Key-words: renal
insufficiency chronic, renal dialysis, spirometry, muscle strength, exercise
tolerance.
A
doença renal crônica (DRC) é um problema de saúde pública que afeta os
pacientes em hemodiálise, gerando repercussões sistêmicas com impacto na sua
funcionalidade e qualidade de vida [1]. No Brasil, aproximadamente cento e
vinte mil pessoas encontram-se em tratamento dialítico, gerando um gasto médio
para a saúde pública de quase três bilhões de reais ao ano [2].
Pacientes
com DRC em hemodiálise podem desenvolver disfunções em diferentes sistemas,
incluindo o muscular, ósseo, cardiovascular, metabólico e respiratório,
especialmente em estágios mais avançados da doença [3,4]. A inflamação
sistêmica e outros fatores que surgem com a progressão da DRC favorecem o
surgimento de alterações estruturais no sistema muscular [4,5], que é conhecido
como sarcopenia urêmica. Essa disfunção pode ser agravada, ainda, com o baixo
nível de atividade física que esses indivíduos apresentam [6], podendo
comprometer ainda mais a realização das atividades de vida diária e aumentar o
risco de mortalidade nessa população [5,7]. Além disso, a sarcopenia pode
comprometer também o funcionamento do sistema respiratório, visto que a
musculatura responsável pela ventilação também sofre com a redução da força e endurance [8,9].
Outra alteração respiratória presente nos pacientes é a redução dos volumes e
capacidades pulmonares, devido à sobrecarga de líquido corporal no período interdialítico [10], que aumenta os riscos de edema
pulmonar, derrame pleural e alterações espirométricas,
que são comuns na DRC [11].
Outras
condições crônicas são encontradas nesses pacientes, como diabetes mellitus,
hipertensão arterial sistêmica e complicações vasculares que associadas à
sarcopenia contribuem ainda mais para a redução da capacidade funcional e para
a baixa tolerância ao exercício desses indivíduos [8,9,12].
Dessa
maneira, é crescente o número de estudos que vem utilizando o exercício físico
e outras estratégias terapêuticas como intervenção complementar ao tratamento
dialítico e que descrevem melhoras fisiológicas, funcionais e psicológicas em
pacientes com DRC [13,14]. Entretanto, é observado na literatura que a função
física desta população ainda não é avaliada como parte da rotina dos serviços
de hemodiálise e que o exercício físico como terapia ainda não é tão encorajado
por conta das condições gerais de saúde dos pacientes com DRC. Assim sendo, o
diagnóstico precoce das alterações funcionais e a prescrição precoce de
exercícios precisam ser sistematizadas na prática clínica [15].
Diante
disso, o objetivo deste estudo foi conhecer o perfil pulmonar, muscular e
funcional de pacientes com DRC em hemodiálise, bem como verificar se existe
relação entre a força muscular periférica e a capacidade funcional desses
pacientes.
Sujeitos
A
amostra foi formada por 21 pacientes de ambos os sexos com diagnóstico de DRC
que realizavam tratamento de hemodiálise na clínica APAR VIDA Clínica de Rins
em São José/SC e por 17 indivíduos saudáveis recrutados a partir da comunidade.
Os indivíduos saudáveis foram pareados com os pacientes com DRC por sexo,
idade, peso, estatura e classificação do índice de massa corporal (IMC).
Os
critérios de inclusão dos pacientes com DRC foram: 1) pacientes com idade
superior a 18 anos com diagnóstico de DRC e que estavam em tratamento de
hemodiálise há pelo menos 6 meses, 2) estáveis e sob acompanhamento médico; 3)
que não apresentavam: hipertensão descontrolada, doença cardíaca isquêmica
recente (3 meses ou menos), angina instável e arritmias cardíacas graves; 4)
com ausência de doenças (respiratórias, ortopédicas e/ou neurológicas) que limitassem
qualquer uma das avaliações da pesquisa; 5) e sem envolvimento em programas de
treinamento físico há pelo menos 6 meses antes do início da pesquisa. Os
critérios de exclusão dos pacientes com DRC foram: 1) incapacidade de realizar
qualquer uma das avaliações do estudo (falta de compreensão ou colaboração); 2)
apresentação de descompensação do quadro clínico durante as avaliações.
Os
critérios de inclusão dos indivíduos saudáveis foram: 1) ausência de distúrbios
respiratórios, doenças cardíacas, sistêmicas e osteomioarticulares;
2) e não serem tabagistas. Já os critérios de exclusão para esses indivíduos
foram: 1) incapacidade de realizar qualquer uma das avaliações do estudo (falta
de compreensão ou colaboração).
Desenho do estudo
Tratou-se
de uma pesquisa analítica, transversal e de abordagem quantitativa. O estudo
foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da UDESC
(CAEE: 45904615.7.0000.0118) e todos os participantes incluídos na pesquisa,
que preencheram os critérios de inclusão e que aceitaram participar do estudo
foram previamente informados sobre as avaliações e os objetivos do estudo e
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Todas as
avaliações dos pacientes e dos indivíduos saudáveis aconteceram no Centro de
Ciências da Saúde e do Esporte – CEFID/UDESC.
As avaliações dos pacientes com DRC
ocorreram sempre em um dia útil que o paciente não realizasse o tratamento de
hemodiálise, com informe e concordância da equipe médica da clínica. As
avaliações realizadas por todos os participantes foram: avaliação
antropométrica, avaliação cardiopulmonar, prova de função pulmonar, avaliação
da força muscular periférica e capacidade funcional.
Avaliação antropométrica
Foram
mensuradas a massa corporal e a estatura dos participantes para posterior
cálculo do IMC. Para aferição da massa corporal, foi utilizada uma balança
digital portátil Actlife
da marca Balmak®
já calibrada. A estatura foi mensurada utilizando um estadiômetro
portátil da marca Welmy®.
O IMC foi calculado com base na fórmula: massa corporal/estatura2
(kg/m2). Os participantes foram classificados, conforme o IMC em
baixo peso (< 18,5 kg/m2), normal (18,5-24,9 kg/m2),
sobrepeso (25-29,9 kg/m2) e obeso (≥ 30 kg/m2) [16].
Avaliação cardiopulmonar
Foram
mensuradas pressão arterial (PA) utilizando um esfigmomanômetro aneróide da marca Premium®, frequência cardíaca (FC)
utilizando um medidor cardíaco da marca polar FS2C BLK, saturação periférica de
oxigênio (SpO2) com um oxímetro de pulso SB100 Fingertip
da marca Rossmax® e frequência respiratória (FR) por
meio da observação dos movimentos de expansão torácica durante a respiração
tranquila por um minuto.
Prova de função pulmonar
Foi
realizada utilizando um espirômetro portátil EasyOne da marca
NDD® com calibração previamente checada seguindo os padrões da American Thoracic
Society (ATS) e European Respiratory
Society (ERS) [17]. As variáveis espirométricas
avaliadas foram: capacidade vital forçada (CVF), volume expiratório forçado no
primeiro segundo (VEF1) e a razão VEF1/CVF, sendo a melhor manobra de três
aceitáveis e duas reprodutivas selecionada para o estudo. Os valores preditos
foram calculados de acordo com Pereira et
al. [7], e expressos em valores absolutos e em percentual de previsto. Os
participantes que apresentaram valores inferiores aos de normalidade realizaram
novamente a manobra após 15 minutos e inalação de broncodilatador
salbutamol (400 µg). Para ser classificada como prova
de função pulmonar normal, as variáveis CVF e VEF1 deveriam ser ≥ 80% do
predito e a relação VEF1/CVF ≥ 0,7 [18]. Os indivíduos saudáveis só foram
incluídos na pesquisa caso apresentassem os valores dentro dos de normalidade.
Força muscular periférica
Para
mensurar a força dos músculos extensores do joelho, foi utilizado o Isocinético Biodex System 4
Pro (Estados Unidos) no modo isométrico. O participante foi posicionado sentado
na cadeira do aparelho com 85º de flexão de quadril (inclinação do encosto da
cadeira) e com o côndilo femoral lateral alinhado ao eixo de rotação do
equipamento. Para evitar compensações, o tronco, quadril e o membro inferior
avaliado foram estabilizados por meio de cintos. A partir da posição de 60º de
flexão de joelho e com frases de incentivo emitidas pelo avaliador, o paciente
realizou cinco contrações isométricas voluntárias máximas mantidas por 5
segundos cada, com intervalos de 60 segundos para descanso entre elas. Para a
análise foi utilizado o maior valor do pico de torque das 5 contrações dos
extensores de joelho [19,20].
Capacidade funcional
Para
avaliar a capacidade funcional foi utilizado o teste de caminhada de 6 minutos
(TC6min), realizado de acordo com os critérios descritos pela American Thoracic
Society [21]. O teste foi realizado em um corredor de 30 metros com
demarcações a cada metro. Após explicação prévia sobre o teste, o participante
deveria caminhar pelo corredor a maior distância possível durante um período de
6 minutos sendo estimulado com frases padronizadas a cada minuto. Foram realizados
dois testes com um intervalo de 30 minutos. Antes e após os testes foram
monitoradas a PA, FC, SpO2 e a sensação de dispneia e de fadiga de
membros inferiores pela Escala de Borg modificada. O
teste com maior distância foi utilizado para análise e os valores de referência
utilizados foram os descritos por Britto et
al. [22].
Análise estatística
Os
dados coletados foram armazenados em um banco de dados no programa Microsoft
Excel® e cada participante cadastrado segundo um número codificador. A análise
estatística foi realizada pelo pacote estatístico SPSS – Statistical Package for Social Sciences
(versão 20.0). Para analisar o comportamento das variáveis coletadas foi
utilizada estatística descritiva por meio de média e desvio padrão para as
variáveis numéricas e frequências para as variáveis categóricas.
Para
verificar a normalidade dos dados foi aplicado o teste de Shapiro-Wilk. De acordo com a distribuição dos dados, foi utilizado
para a comparação das variáveis entre o grupo de pacientes com DRC e o grupo de
indivíduos saudáveis, o teste t de Student ou o teste
U de Mann Whitney.
Para
avaliar a relação entre a força muscular periférica e a capacidade funcional
dos indivíduos com DRC, foi utilizado o coeficiente de correlação linear de
Pearson (r) e o coeficiente de correlação de Spearman
(rho). O nível de significância adotado para o
tratamento estatístico foi de 5%.
Foram
avaliados 21 pacientes com DRC (14 homens e 7 mulheres) e 17 indivíduos saudáveis
(11 homens e 6 mulheres). As características antropométricas dos participantes
são apresentadas na Tabela I. Em relação ao IMC dos pacientes com DRC, 6
pacientes (33,3%) encontravam-se dentro dos valores de normalidade e 14 (66,7%)
apresentaram sobrepeso. Já em relação aos indivíduos saudáveis, 7 indivíduos
(41,2%) encontravam-se dentro dos valores de normalidade e 10 (58,8%)
apresentaram sobrepeso.
Tabela I – Características dos participantes do estudo.
DRC
= pacientes com doença renal crônica; F = feminino; M: masculino; IMC = índice
de massa corporal.
Na
avaliação da função pulmonar do grupo renal, 8 pacientes (38,1%) apresentaram
prova de função pulmonar normal, 9 (42,9%) apresentaram distúrbio ventilatório
restritivo leve, 2 (9,5%) apresentaram distúrbio ventilatório restritivo
moderado e 2 pacientes (9,5%) apresentaram distúrbio ventilatório obstrutivo
leve. Todos os indivíduos saudáveis apresentaram prova de função pulmonar
normal.
Em
relação à comparação entre os grupos
renal e saudável, na prova de função
pulmonar houve diferença estatisticamente significativa,
respectivamente, nas
variáveis VEF1 (77,62 ± 18,05% vs. 99,71 ± 16,43%;
p = 0,001) e CVF (78,86 ±
17,16% vs. 98,48 ± 16,99%; p = 0,001).
A
força muscular periférica obteve diferença estatisticamente significativa na
comparação entre os grupos renal e saudável, respectivamente, tanto no
quadríceps direito (127,76 ± 49,77 Nm vs. 170,90 ±
55,38 Nm; p = 0,006), quanto no quadríceps esquerdo
(134,10 ± 55,19 Nm vs. 171,05 ± 57,86 Nm; p = 0,04).
Na
avaliação da capacidade funcional, a distância do TC6min foi menor no grupo de
pacientes com DRC comparado com o de indivíduos saudáveis em valor absoluto
(419,95 ± 98,51 m vs. 616,90 ± 90,01 m; p < 0,0001) e em % do predito (66,07
± 15,04% vs. 94,80 ± 9,35%; p < 0,0001). Os dados referentes à função
pulmonar, força muscular periférica e capacidade funcional dos grupos estudados
encontram-se na Tabela II.
Tabela II – Comparação das variáveis entre os grupos.
DRC
= pacientes com doença renal crônica; VEF1 = volume expiratório forçado no
primeiro segundo; CVF = capacidade vital forçada; VEF1/CVF = relação entre o
volume expiratório forçado no primeiro segundo e a capacidade vital forçada;
DTC6min = distância percorrida no teste de caminhada de 6 minutos; * p<0,05.
Houve
correlação moderada entre a força muscular periférica e a capacidade funcional
dos pacientes com DRC, para o quadríceps direito (rho
= 0,52; p = 0,01) e para o quadríceps esquerdo (r = 0,63; p = 0,002), conforme
mostrado na Figura 1.
DTC6
(m) = distância do teste de caminhada de 6 minutos em metros; r = coeficiente
de correlação de Pearson; rho = coeficiente de
correlação de Spearman; R² = coeficiente de
determinação.
Figura 1 – Análise da relação entre a força muscular periférica de quadríceps
direto e esquerdo e a DTC6 no grupo de pacientes com DRC.
Foi
calculado o poder da amostra de 21 participantes com DRC e 17 indivíduos
saudáveis realizando um cálculo amostral post hoc, por meio do teste t no
programa GPower 3.1. Foram utilizados os valores
médios da força muscular direita, esquerda e distância do teste de caminhada
nos dois grupos com seus respectivos desvios padrão para confirmar se essa
população respondeu ao objetivo proposto. Em todas as análises, foi utilizado
um erro de 5%. Para força muscular direita, o poder para a amostra foi de 0,80;
para a força muscular esquerda 0,63; e para o TC6min 0,99.
Pode-se
observar que não foram encontradas diferenças significativas entre as
características antropométricas dos grupos para as variáveis: idade, peso,
altura e IMC, demonstrando que a amostra é homogênea. Além disso, verificou-se
que a média do IMC do grupo de pacientes com DRC encontrava-se acima de 20 kg/m2,
demonstrando um menor risco de mortalidade relativa nesta população [23].
Em
relação à função pulmonar do grupo renal, verificou-se que mais da metade da
amostra, (52,4% dos pacientes), apresentou distúrbio ventilatório restritivo
leve e moderado. Esse resultado é semelhante ao encontrado no estudo de Kovelis et al.[11],
no qual 8 pacientes (47,0%) apresentaram distúrbio restritivo
leve antes
da sessão de hemodiálise, e somente 2 pacientes obtiveram
normalização desse
após a sessão. Em nossos resultados foi possível
observar em relação à função
pulmonar que os pacientes do grupo com DRC obtiveram piores resultados
de CVF%
e VEF1%, quando comparados aos seus pares saudáveis. Esses
achados são
similares aos observados por outros autores, como por Cury, Brunetto
e Aydos [9], os quais sugerem que o parâmetro força
muscular é o componente principal e o que mais influencia no prejuízo da função pulmonar de pacientes
em hemodiálise. Ainda que em nosso estudo a força da musculatura respiratória
não tenha sido avaliada, sabe-se que o déficit ventilatório decorrente do
comprometimento urêmico na musculatura respiratória, associada a outras
alterações teciduais pulmonares, compromete a função deste sistema, resultando
em diminuição da capacidade pulmonar [24,25]. Outros autores [26] também
observaram comprometimentos das variáveis espirométricas
em pacientes com DRC submetidos à hemodiálise, verificando que em uma amostra
de 30 pacientes, 13 (45,0%) e 15 (52,0%) pacientes não atingiram 80% do
previsto para a CVF% e VEF1%, respectivamente.
A
função pulmonar prejudicada pode ser resultado direto de toxinas urêmicas
circulantes no sangue dos pacientes ou pode resultar indiretamente da
sobrecarga de fluido, fibrose intersticial, anemia, desnutrição, distúrbios
eletrolíticos e/ou desequilíbrio ácido-base, calcificação pulmonar, infecções
recorrentes e alveolite, que são problemas comuns
nesses pacientes [27-29]. A sobrecarga de fluidos, juntamente com um potencial
aumento da permeabilidade capilar pulmonar, pode resultar em edema pulmonar e
derrame pleural, anormalidades que poderiam explicar, pelo menos em parte, a
diminuição da função pulmonar. Embora esse excesso de fluido seja removido
durante a sessão de hemodiálise, existe o acúmulo de fluido durante o período interdialítico, que tem propensão à coleta nos pulmões e
pode levar a congestão pulmonar progressiva [30,31].
Em
relação à capacidade muscular, foi possível observar que os pacientes com DRC
apresentam redução da força de quadríceps femoral em ambos os membros
inferiores, quando comparados aos seus pares saudáveis. Essa observação
corrobora os resultados de estudos anteriores [4,5], os quais indicam a sarcopenia
como uma alteração muito presente nessa população, pois a DRC, assim como
outras doenças crônicas, provoca alterações sistêmicas, como o aumento da
atividade inflamatória, acidose metabólica, alterações hormonais, presença de
comorbidades, déficit nutricional e redução do nível de atividade física. O
somatório dessas e outras alterações reduzem o anabolismo e favorecem o
catabolismo desses pacientes, levando à perda da massa e da força muscular
[4,5,32]. Além disso, a sarcopenia está associada com a gravidade da doença e
com a mortalidade desses pacientes [5,7,33]. Entretanto, esse é um fator que
pode ser amenizado por meio do exercício físico [13] e outras estratégias
terapêuticas [14] durante o tratamento dialítico. Dessa forma, nosso resultado sugere
que a redução da força muscular periférica nessa população pode estar mais
associada à progressão da doença e a inatividade física, que ocorre com o
início da hemodiálise [5,6], do que propriamente com o processo de senilidade,
visto que a média de idade do nosso estudo foi abaixo da terceira idade.
Outro
fator que é reduzido e que também está associado a um maior risco de
mortalidade nesses pacientes é a função física [3,34,35]. Em nosso estudo, foi
possível observar que os pacientes com DRC apresentam redução da capacidade
funcional quando comparados aos seus pares saudáveis, tanto no valor absoluto
como na % do predito do TC6min. Estudos anteriores demonstram que essa redução
pode estar associada à sarcopenia [36] e também ao baixo nível de atividade
física que esses pacientes apresentam [6]. Por conta disso, outro objetivo do
nosso estudo foi verificar a relação entre a força muscular periférica e a
capacidade funcional nesses pacientes, na qual observamos uma correlação
moderada para a força de quadríceps direito (rho =
0,52; p = 0,01) e esquerdo (r = 0,63; p = 0,002) com a DTC6min. Esse resultado
vem ressaltar que a redução da força muscular periférica está associada com a
capacidade funcional na DRC, afetando não apenas a parte estrutural do sistema
muscular, mas podendo influenciar, também, na funcionalidade e na realização
das atividades de vida diária desses pacientes.
Dessa
forma, os resultados encontrados em nosso estudo salientam a importância da
realização de pesquisas que investiguem os efeitos terapêuticos dos diferentes
tipos de exercício físico e de outras estratégias seguras que o fisioterapeuta
utiliza na prática clínica para a melhora da capacidade pulmonar, muscular e
funcional desses pacientes.
Por
meio deste estudo, pode-se concluir que pacientes com DRC que realizam
hemodiálise apresentam alteração na
função pulmonar e redução da força
muscular
periférica, demonstrando comprometimento na capacidade funcional
quando
comparados a indivíduos saudáveis. Além disso,
aqueles pacientes com maior
comprometimento muscular apresentam uma redução na
capacidade funcional maior
que pacientes menos comprometidos. Desta forma, reforça-se a
necessidade de
estudos que investiguem a eficácia da reabilitação
física, visando melhorar a
capacidade pulmonar, muscular e funcional desses pacientes.