ARTIGO
ORIGINAL
Qualidade
de sono de cuidadores de crianças e adolescentes com transtornos mentais
Quality of sleep of caregivers of children and adolescents with mental
disorders
Katyanna Prisncila
Wanderley Barbosa*, Patrícia Mantins Montanari**, Manuela Carla de Souza Lima Daltro***, Roberto
Alexandre Franken****
*Graduanda
em Fisioterapia pelas Faculdades Integradas de Patos FIP Patos PB, **Doutora em
Saúde pública pela Universidade de São Paulo, ***Doutora em ciência da saúde
pela FCMSCSP e Professora das Faculdades Integradas de Patos FIP, ****Doutor em
Medicina pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e Professor Titular da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de
São Paulo (FCMSCSP)
Endereço
para correspondência:
Manuela Carla de Souza Lima Daltro, Rua Misael de Sousa, 991 Jardim Guanabara
Patos PB, E-mail: manucacarla@hotmail.com
Resumo
Por conta das
elevadas cargas de trabalho são grandes os problemas fisiológicos e
psiquiátricos nos cuidadores, especialmente relacionados ao desânimo, angústia,
estresse e alterações do sono. A referida pesquisa caracteriza-se como um
estudo de análise descritiva e exploratória, com abordagem quantitativa, com o
objetivo de avaliar a qualidade de sono de cuidadores de crianças e
adolescentes com transtornos mentais. O estudo foi composto por 20 cuidadores
de crianças e adolescentes do Centro de Atenção Psicossocial Infantil da cidade
de Patos no Estado da Paraíba, através de uma entrevista semi-estruturada, o Índice de Qualidade de Sono de
Pittsburgh e a escala de Epworth. A análise dos dados
foi realizada através do programa SPSS versão 2.2. Observou-se que através do
questionário de Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh, 50% classificaram-se
como sono ruim e 50% com presença de distúrbio de sono (média = 10,9; desvio
padrão = 4,3) e de acordo com o Epworth Sleepiness Scale, somente 10%
dos cuidadores apresentaram escore acima de 9,
indicando alta probabilidade de cochilar, sendo recomendável procurar ajuda
médica. Chega-se a conclusão que é necessário voltar políticas públicas para
esse público, uma vez que a saúde da criança e adolescente depende da de seu
cuidador.
Palavras-chave: Sono, cuidador
psiquiátrico, transtornos mentais.
Abstract
Due to the high workloads, the physiological and psychological problems
in the caregivers are important, and especially related to discouragement,
anguish, stress and alterations of the sleep. This descriptive and exploratory
study aimed to evaluate the sleep quality of caregivers of children and
adolescents with mental disorders. The sample was composed of 20 caregivers of
children and adolescents of the Center for Child Psychosocial Care of the city
of Patos in the State of Paraíba,
through a semi-structured interview, the Pittsburgh Sleep Quality Index and the
Epworth scale. Data analysis was performed using SPSS software version 2.2. It
was observed that, through the Pittsburgh Sleep Quality Index questionnaire,
50% classified themselves as poor sleep and 50% with presence of sleep disorder
(mean = 10.9, standard deviation = 4.3) and according to the Epworth Sleepiness
Scale, only 10% of the caregivers presented a score above 9 indicating a high
probability of napping, being advisable to seek medical help. We concluded that
it is necessary to return public policies to this public, since the health of
the child and adolescent depends on that of their caregiver.
Key-words: sleep,
psychiatric caregiver, mental disorders.
Campos [1] afirma que
com o advento da Reforma Psiquiátrica no Brasil, muitas modificações surgiram
no setor de saúde. O modelo de atenção ao portador de transtorno mental antes
hospital acêntrico sugere que o seguimento e a evolução dos tratamentos
aconteçam no contexto das dinâmicas familiares, devendo a família receber o suporte dos serviços substitutivos em saúde mental
e da Atenção Básica. Sabe-se, porém, que os serviços existentes possuem
dificuldades para assistir a totalidade dos portadores de transtorno mental no
que concerne à acessibilidade, como também que o cuidar de um portador de
transtorno mental constitui-se em tarefa complexa, em vista das singularidades
apresentadas por esses indivíduos [2].
De acordo com Thornicrof e Tansella [3] os
transtornos psiquiátricos causam problemas no indivíduo, na família e na
comunidade. Os portadores de tais transtornos sofrem por sua incapacidade de
participarem das atividades cotidianas e de assumirem suas responsabilidades. O
impacto das enfermidades psiquiátricas na sociedade envolve o custo da
prestação de cuidados, a perda de produtividade e a ocorrência de problemas
legais envolvendo pacientes psiquiátricos.
A função de cuidar é
desgastante, por conta disso, conhecer quem são os cuidadores e a situação em
que eles se localizam, pode ajudar a se pensar em formas de diminuir esse
desgaste, prevenindo dificuldades de saúde física e emocional, o que tem
finalidade de melhorar a qualidade de vida tanto do paciente quanto do cuidador
[4].
O
sono é um acontecimento
vital, tão indispensável quanto o ato da
nutrição. Dormir tem uma função
biológica essencial na concretização da
memória, normalização das funções
endócrinas, termorregulação, conservação e
restauração da energia, e na restauração do metabolismo energético cerebral.
Perturbações do sono podem ocasionar alterações significativas no funcionamento
corporal, ocupacional, cognitivo e social do indivíduo, além de afetar
substancialmente a qualidade de vida [5].
Os transtornos do
sono trazem grandes preocupações e repercussões para os seres humanos, ao
induzirem danos na qualidade de vida, disfunção autonômica, diminuição do
desempenho profissional ou acadêmica, aumento dos transtornos psiquiátricos e
diminuição da vigilância, com prejuízos na segurança pessoal e consequente
aumento do número de acidentes. Indivíduos que dormem mal tendem a ter mais
morbidades, menores expectativa de vida e envelhecimento precoce [6].
Um estudo feito com
cuidadores de crianças com câncer demonstrou que o sono foi o aspecto de vida
ao qual mais comumente foi atribuído algum nível de prejuízo, sendo que para
80,9% o sono era mais danificado durante a internação. Além disso, os
cuidadores que apresentaram insônia estavam expressivamente mais
sobrecarregados e apresentavam mais sinais depressivos [7].
Índices de Qualidade
de Vida (QV) em geral, bem como a satisfação com muitos domínios
característicos da vida, foram correlacionados com a qualidade de sono.
Portanto, qualidade do sono insatisfatória está diretamente incluída a baixos
escores de QV. A literatura tem destacado a associação entre transtornos do
sono com depressão [8].
Rosa [9] relata que
vários aspectos da vida do cuidador estão comprometidos, porém, a principal
queixa relaciona-se ao descanso, principalmente às interrupções ou qualidade
noturna do sono (...) o sono e sua qualidade estão incluídos à saúde mental e
ao que há de mais expressivo em relação à individualidade e preservação da
liberdade do provedor de cuidado.
Diante do contexto,
esse trabalho teve como objetivo principal: avaliar a qualidade de sono de
cuidadores de crianças e adolescentes com transtornos mentais.
O presente estudo
caracteriza-se como um estudo de corte transversal, com abordagem quantitativa.
A pesquisa foi realizada em uma clínica escola de fisioterapia das Faculdades
Integradas de Patos, onde funciona um programa de acompanhamento a esses cuidadores,
no segundo semestre de 2016, após aprovação do Comitê de Ética em pesquisa com
seres humanos.
Para a coleta de
dados foram utilizados uma entrevista, o questionário de qualidade de sono de
Pittsburgh (PSQI) e a escala de Epworth.
A entrevista teve por
objetivo conhecer o perfil demográfico, socioeconômico e cultural dos
cuidadores e foi composta por questões temáticas que envolvem: sexo, idade,
vida conjugal, profissão, hábitos de vida; patologia da criança/adolescente e
qualidade de sono.
O PSQI avaliou a
qualidade e agitações do sono durante o período de um mês e foi desenvolvido
por Buysse [10], é um questionário padronizado,
simples e bem aceito pelos pacientes [11]. O instrumento é constituído por 19
questões em auto relato e cinco questões direcionadas
ao cônjuge ou acompanhante de quarto. As últimas cinco questões são utilizadas
apenas para a prática clinica, não contribuindo para a pontuação total do
índice. As 19 questões são categorizadas em sete componentes, graduados em
escores de zero (nenhuma dificuldade) a três (dificuldade grave).
Já o Epworth Sleepiness Scale (ESS) foi criado para avaliar a ocorrência de
sonolência diurna excessiva (SDE), referindo-se á probabilidade de cochilar em
situações diárias. É uma escala bem utilizada por ser considerada simples e de
fácil entendimento e preenchimento rápido. Para graduar a possibilidade de
cochilar, o indivíduo utiliza uma escala de 0 (zero) a
3 (três), onde 0 corresponde a nenhuma e 3 a grande probabilidade de cochilar;
o escore até 9, é considerado normal, já um escore superior a 9, equivale a
sonolência excessiva e recomenda-se a procura de um especialista [12].
Os dados obtidos
foram cotados utilizando-se o programa estatístico Statistical Package for the
Social Sciences (SPSS 22.0).
Esta pesquisa seguiu
as normas da resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e foi encaminhada
para o Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos das Faculdades
Integradas de Patos, sendo aprovada sob número
1.584.059.
Caracterização
da amostra
Foram incluídos no
estudo 20 cuidadores de crianças e adolescentes com transtornos mentais que
consecutivamente tiveram disponibilidade para participar do estudo durante o
período de coleta dos dados. Não houve recusas. A idade dos cuidadores variou
de 24 a 65 anos (média = 38,9 anos; desvio padrão = 8,6 anos). Dezenove (95%)
cuidadores eram mulheres, 9 (45%) concluíram o ensino
fundamental, 10 (50%) eram donas de casa, 8 (40%) eram casados e 12 (60%) eram
católicos (Tabela I).
Tabela
I - Características sociodemográficas
dos cuidadores que participaram do projeto de extensão “Programa de
acompanhamento aos cuidadores de crianças e adolescentes com transtornos
mentais” na cidade de Patos/PB, 2016.
Fonte: Dados da pesquisa,
2016.
Qualidade
de sono
Os cuidadores foram
submetidos ao questionário de Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh, em que
50% classificaram-se como sono ruim e 50% com presença de distúrbio de sono
(média = 10,9; desvio padrão = 4,3) (Gráfico 1) Dados
expostos da pesquisa.
Fonte: Dados da
Pesquisa 2016
Gráfico
1 - Qualidade de Sono de acordo com o
questionário de qualidade de sono de Pittsburgh (PSQI), dos cuidadores
participantes do projeto de extensão “Programa de Acompanhamento aos Cuidadores
de Crianças e Adolescentes com Transtornos Mentais”, na cidade de Patos/PB,
2016.
O Gráfico 2 demonstra que de acordo com o Epworth Sleepiness Scale
(ESS), somente 10% dos cuidadores apresentaram escore acima de 9, indicando
alta probabilidade de cochilar, sendo recomendável procurar ajuda médica.
Fonte: Dados da
Pesquisa 2016.
Gráfico
2 - Ocorrência de sonolência diurna, de acordo
com o Epworth Sleepiness Scale dos cuidadores participantes do projeto de extensão
“Programa de Acompanhamento aos Cuidadores de Crianças e Adolescentes com
Transtornos Mentais”, na cidade de Patos/PB, 2016.
A presente pesquisa
aponta predomínio das mulheres como cuidadoras de crianças e adolescentes com
transtornos mentais. Souza Filho [13] afirma que nos serviços de saúde mental
ocorre a presença constante de cuidadores do sexo feminino, pois as relações de
cuidado foram historicamente construídas ao longo do tempo, sendo observados os
papéis de gênero nas mesmas. O cuidar é uma função atribuída na maior parte das
vezes ao sexo feminino, embora tenham ocorrido algumas modificações ao longo da
história.
Em relação ao estado
civil 45% eram casados. Estudo de Quadros et al. [14] realizado com cuidadores de usuários de CAPS avaliou 936
pessoas, constatando que 59,7% dos entrevistados viviam com companheiro.
Barbosa e col. [15], afirmam que a presença de um filho com algum tipo de
deficiência pode causar mudanças conflituosas e inconstantes levando a um
distanciamento na relação conjugal.
Quanto a variável
ocupação, 50% dos cuidadores eram donas de casa. Estudos de Thober,
Creutzberg e Viegas [16] relatam que as mudanças mais
impactantes que ocorrem no dia-a-dia dos cuidadores são na vida pessoal e
profissional, a tarefa de cuidar exige dedicação completa pela necessidade do
cuidado, dispendendo-se assim bastante tempo e força física. Tunali e Power [17] acrescentam que a maior parte dos
cuidadores acaba abandonando à carreira profissional, devido à necessidade de
ter que assistir à criança, em grande parte do seu tempo.
Quanto ao fator
religião, a atual pesquisa mostra que todos cuidadores possuem religião, sendo
60% dos cuidadores católicos e 40% evangélicos, corroborando com o estudo de Cavalheri [18], realizado com familiares de pacientes de
CAPS, este mostra que a amostra total dos entrevistados declarou possuir uma
religião e que buscavam nessa religião a ajuda de Deus
para o enfrentamento das dificuldades desencadeadas pelo cuidado.
No presente estudo,
45% dos cuidadores concluíram o ensino fundamental. Dados de Kantorskiet [19] em estudo realizado com cuidadores de
pacientes do CAPS, mostram que 21 (3,4%) dos
cuidadores eram analfabetos, dentro 625 entrevistados. A carência de estudo
pode dificultar o exercício da função de cuidador, e impedir uma melhor
assistência no tratamento, como exemplo, na administração de medicamentos,
compreensão e conhecimento sobre o tratamento, e comunicação com os
profissionais [20].
O conhecimento sobre
os cuidadores e de seus problemas no processo de cuidar, permite aos
profissionais da área da saúde, planejar e implantar políticas e programas
públicos de suporte social à família, voltados à realidade do cuidador. Isso
porque o cuidador está em condições de sobrecarga de trabalho, o que colabora
para o adoecer e para o desenvolvimento de situações
de conflito entre o cuidador e o idoso dependente [21] .
Cuidadores de pessoas
com doenças crônicas já foram descritos como portadores de problemas de sono.
Eles têm mais dificuldade em começar a dormir, têm despertares frequentes não
provocados [22]. Estudos prévios de Gallagher [23]
indicam que a qualidade de sono ruim e maior sobrecarga estavam associados a níveis mais elevados de depressão e ansiedade.
De acordo com o
Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças Mentais (DSM-IV), o
comprometimento do sono é parte importante dos critérios diagnósticos para
depressão e ansiedade e, por outro lado, o distúrbio do sono é um fator de
risco para os sintomas depressivos e ansiosos, e estes levam à insônia [24,25].
A avaliação da
sonolência diurna feita no estudo de Ostejo [26]
mostrou diferença estatisticamente significativa em relação aos cuidadores de
crianças com paralisia cerebral, em que estes apresentavam mais sonolência
durante o dia em comparação com cuidadores de crianças com desenvolvimento
normal. Martins, Ribeiro e Garrett [27] relatam que isso se deve à sobrecarga
de trabalho, tempo despendido no cuidador com a criança e ao desgaste físico e
emocional.
Ao fim da pesquisa
pode-se observar que de acordo com o questionário de Índice de Qualidade de
Sono de Pittsburgh, 50% classificaram-se como sono ruim e 50% com presença de
distúrbio de sono. Sendo necessária a criação de políticas públicas voltadas
para esse público, bem como a disponibilização de redes de suporte social a
esses cuidadores, como também uma melhoria na estruturação e adequação dos
serviços de saúde mental, uma vez que a saúde da criança e adolescente depende
da de seu cuidador.