ARTIGO
ORIGINAL
Qualidade
do sono de profissionais noturnos de um hospital em um município do sertão
paraibano
Sleep quality of night work professionals at a hospital of Paraiba
Marcelly de Medeiros
Cordeiro*, Lethicia Rachel Virgolino
e Silva**, Manuela Carla de Souza Lima Daltro***
*Tecnóloga
em Segurança do trabalho pelo Instituto Federal da Paraíba-IFPB, **Discente do
Curso de Fisioterapia das Faculdades Integradas de Patos-FIP, ***Doutora em
Ciências da Saúde das Faculdade de Ciências Médicas da
Santa Casa de São Paulo-FCMSCSP e professora das Faculdades Integradas de
Patos-FIP
Endereço
para correspondência:
Manuela Carla de Souza Lima Daltro, Rua Misael de Sousa, 991 Jardim Guanabara
Patos PB, E-mail:manucacarla@hotmail.com.
Resumo
A má qualidade do
sono é um problema entre os trabalhadores que efetuam suas atividades em turno
noturno. O objetivo deste trabalho foi analisar a qualidade de sono e sinais de
prejuízos na saúde de profissionais atuantes em um hospital público de um
município paraibano. O hospital conta com 72 funcionários, a amostra foi
composta por 25 profissionais que executavam suas funções laborais em turno
noturno. Utilizou-se uma entrevista semiestruturada, o Índice de Qualidade de
Sono de Pittsburgh e a Escala de Sonolência Excessiva de Epworth.
Observou-se que, 64% sentiam dor de cabeça após as noites de plantão, 60%
ardência nos olhos, 40% diminuição na atenção, 20% dor no estômago, 8% disseram
ter outros sintomas além desses e 20% não sentiam nada após as noites de
trabalho, é importante salientar que, os participantes puderam marcar mais de
um sintoma, além disso, 40% sentiam que sua vida social era afetada pelo
trabalho noturno. O Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh mostrou que 16%
apresentaram uma boa qualidade de sono, 48% má qualidade no sono e 36% demonstram
presença de distúrbios do sono. Conclui-se que os participantes desse estudo
apresentam sinais de danos na qualidade de vida.
Palavras-chave: sono, profissionais
de saúde, trabalho noturno.
Abstract
The poor quality of sleep is a problem among workers who perform their
activities in night shift. To analyze the quality of sleep
and signs of damage on the health of working professionals in a public hospital
of a municipality in Brazil. The hospital has 72 employees,
the sample was comprised of 25 professionals who performed their duties in
working night shift. We used a semi-structured interview, the Pittsburgh sleep
quality and Excessive Sleepiness scale of Epworth. It was observed that 64%
feel headache after duty nights, 60% feel burning eyes, 40% feel decrease in
attention, 20% feel pain in the stomach, 8% said they have other symptoms in
addition and 20% did not they feel anything after night work, (The participants
could mark more than one symptom), further 40% feel that their social life is
affected by night work. Pittsburgh Sleep Quality Index, showed that 16% had a
good quality sleep, 48% poor quality of sleep and 36% showed the presence of
sleep disorders. We observed the participants of this study show signs of
damage to the quality of life.
Key-words: sleep,
health professionals night work.
O trabalho noturno
originou-se da necessidade do homem organizar-se em sociedade. Entretanto, após
a Revolução Industrial, com o desenvolvimento da luz artificial e a demanda
crescente de serviços e mercadorias, houve uma maior necessidade do trabalho
noturno. Este começou a atingir uma população cada vez maior de trabalhadores
que tiveram uma mudança de hábito típica da espécie humana [1].
Portanto, o trabalho
em turno foi criado para organizar a jornada diária do trabalho de forma
temporal, pois alguns serviços precisam de trabalhadores durante 24 horas, como
por exemplo, os serviços de saúde, de segurança, aeroportos, dentre outros que
não podem parar suas atividades.
Conforme a
Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), decreto nº 5452/1943, capítulo II,
seção IV, artigo 73, parágrafo 2º, considera-se noturno [...] o trabalho
executado entre as 22 (vinte e duas) horas de um dia até as 5
(cinco) horas do dia seguinte[2].
O sistema de trabalho
em turnos noturno por ir contra a natureza humana, eminentemente diurna, e
trazer prejuízos para a saúde do trabalhador tanto nos aspectos físicos e
psíquicos, como emocionais e sociais [3].
Silva et al. [4] acrescentam que o trabalho
noturno pode trazer para a saúde do trabalhador consequências como: fadiga e
acidentes, estresse[5], insônia[6], distúrbios do sono[7], distúrbios
psicossomáticos[8], distúrbios gastrointestinais[9].
Cronfli [10] salienta alguns
riscos provocados pela carência de sono em curto prazo, como: cansaço e
sonolência diurna, irritabilidade, alterações de humor, perda da memória de
fatos recentes, criatividade comprometida, redução da capacidade de planejar e
executar, lentidão do raciocínio, desatenção e dificuldade de concentração, e
em longo prazo: vigor físico e tônus muscular
diminuído, envelhecimento precoce, comprometimento do sistema imunológico,
tendência a desenvolver obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e
gastrointestinais e perda da memória.
Diante do exposto,
observa-se que são muitas as consequências do trabalho em turno noturno e as
mesmas afetam não somente o trabalhador, como também sua família de maneira
indireta. Portanto, torna-se imperioso um olhar voltado para profissionais que
exercem suas funções nessa espécie de gestão temporal de trabalho.
Este estudo teve como
objetivo geral: analisar a qualidade do sono dos profissionais que trabalham em
turno noturno em um hospital de um município do sertão paraibano.
O presente estudo
tratou-se de uma pesquisa de campo, de natureza aplicada, de abordagem
quantitativa e com objetivos exploratórios.
A pesquisa foi
realizada em um hospital público, localizado em um município do alto sertão
paraibano, durante o segundo semestre de 2016, após aprovação do trabalho pelo
Comitê de Ética, sob parecer número 1.639.501.
O hospital, onde foi
realizada a pesquisa, conta com 72 funcionários. A amostra foi composta por 25
funcionários que exerciam suas funções em turno noturno e que aceitaram
participar da pesquisa, correspondendo a 18% do total de funcionários. Foram
entrevistados enfermeiros, motoristas de ambulância, auxiliares de serviços
gerais e vigias do hospital em questão.
Para serem inclusos
na pesquisa, os indivíduos deveriam ser funcionários do hospital em questão,
exercer suas atividades laborais em turno noturno e deveriam assinar o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
A coleta de dados se
possibilitou através da aplicação de uma entrevista, do Índice de qualidade do
sono de Pittsburgh e da Escala de sonolência excessiva de Epworth.
A entrevista contou
com questões como: idade e sexo do entrevistado, situação conjugal, se tem
filhos, quantidade e idade dos filhos, tempo de serviço em organização noturna,
se faz uso de bebidas alcóolicas, se fuma, se o entrevistado possui mais de um
emprego, dentre outras.
O questionário de
Índice de qualidade do sono de Pittsburgh (PSQI), segundo Cardoso et al[11] é um questionário com 10 questões, que formam 7
componentes para avaliação. Os escores inferiores a 5,
referem-se a uma boa qualidade de sono, escores entre 5 e 10, representam uma
má qualidade de sono e escores superiores a 10, equivalem a uma possível
presença de distúrbios de sono.
A Escala de
sonolência excessiva de Epworth é um questionário auto administrado e se refere à possibilidade de cochilar em
oito situações cotidianas. Para graduar a possibilidade de cochilar, o
indivíduo utiliza uma escala de 0 (zero) a 3 (três),
onde 0 corresponde a nenhuma e 3 a grande probabilidade de cochilar[12]. Escore
até 9, é considerado normal, já um escore superior a
9, equivale a sonolência excessiva e recomenda-se a procura de um especialista.
Os dados foram
analisados através do programa estatístico Statistical Package for the
Social Sciences (SPSS 22.0).
A realização desse
estudo considerou os aspectos éticos vigentes pela Resolução nº 466/12,
aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde, que determina os preceitos éticos da
pesquisa envolvendo seres humanos direta ou indiretamente, assegurando a
garantia de que a privacidade do indivíduo da pesquisa será preservada como
todos os direitos dos princípios éticos.
A amostra do presente
estudo foi composta por 25 funcionários de um hospital localizado em um
município do alto sertão paraibano, correspondendo ao número de funcionários
que estavam disponíveis no dia da coleta de dados, que atendiam aos critérios
de inclusão e que aceitaram participar da pesquisa, sendo 68% (17) do sexo
feminino, com idades variando entre 21 a 57 anos, com média de 38,8 anos e
desvio padrão de 9,2 anos. Dos 25 participantes, 60% (15) possuíam companheiro(a) e 100% (25) trabalhavam em regime alternado,
ou seja, turno rodiziante. Quanto a afastamento por
motivo de saúde, 28% (7) afirmaram já terem se afastado ao menos uma vez. No
decorrer do estudo, foi visto que 40% (10) dos participantes sentiam que sua
vida social era afetada pelo trabalho noturno. Quanto a
satisfação com o trabalho 92% (23) dos participantes respondera estar
satisfeitos com seu trabalho.
Tabela
I - Características individuais da população
estudada.
Fonte: Dados da
pesquisa, 2016.
A Tabela II demonstra
a carga horária e o tempo de serviço dos funcionários. A diferença entre a
carga horária dos profissionais nesse estudo se deu pelo fato dos entrevistados
não exercerem atividades semelhantes, foram entrevistados enfermeiros, motoristas
de ambulância, auxiliares de serviços gerais e vigias noturno do hospital em
questão.
Tabela
II -
Distribuição da população estudada de
acordo com a carga horária e o tempo de serviço.
Fonte: Dados da
pesquisa, 2016.
Quanto a hábitos e outros
fatores que podem influenciar no sono dos indivíduos, foram analisados, consumo
de bebidas alcoólicas, no qual 48% (12) afirmaram consumir este tipo de bebida,
uso de cigarro, em que 16% (4) responderam serem fumantes, se os indivíduos
tinham o hábito de praticar atividade física, em que 56% (14) disseram não ter
habitualidade de se exercitarem, se exercem outra profissão, no qual 24% (6)
afirmaram ter outra profissão e se tinham filhos com idade inferior a 6 anos, em que 16% (4) responderam terem filhos com essa
faixa etária, os resultados quanto a esses fatores podem ser observados no
Tabela III.
Tabela
III
- Distribuição da população estudada de
acordo com fatores que podem influenciar o sono.
Fonte: Dados da
pesquisa, 2016.
No que se refere aos
dados sobre a saúde, ao serem perguntados sobre o que sentiam após os plantões,
vários foram os sinais e sintomas relatados pelos funcionários, tais sinais e
sintomas podem indicar prejuízos na saúde dos indivíduos, portanto deve-se ter
atenção quanto aos mesmos para que não evoluam para um quadro mais grave, os
sinais e sintomas descritos pelos trabalhadores podem ser analisados no gráfico
1. Torna-se pertinente aqui dizer, que cada
entrevistado podia marcar mais de um sintoma.
Fonte: Dados da
pesquisa, 2016.
Gráfico
1 - Distribuição da
população estudada de acordo com sinais e sintomas após plantão
noturno.
Ao aplicar o
questionário do índice de qualidade de sono de Pittsburgh obteve-se
os seguintes resultados (Tabela IV): escore ≤ 5 (Boa qualidade de sono):
16% (4), escore > 5 = 10 (Má qualidade de sono): 48% (12), escore > 10
(Presença de distúrbio do sono): 36% (9) e ao aplicar a escala de sonolência de
Epworth (Tabela IV) observou-se que 48% (12) dos
indivíduos apresentaram um escore > 9, por tanto recomenda-se a procura de
um especialista.
Tabela
IV -
Distribuição da população estudada de
acordo com o Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh e a Escala de Sonolência
Excessiva de Epworth.
Fonte: Dados da
pesquisa, 2016.
Ao analisar os dados
acima, percebe-se que o gênero feminino predominou neste estudo, assim como em
um estudo sobre os efeitos do trabalho noturno na saúde e em dimensões do
contexto organizacional, desenvolvido por Prata e Silva[13]
que mostrou que o gênero feminino teve um predomínio de 62,9%.
De acordo com
Benavente et al. [14] é importante considerar que
algumas características sociodemográficas podem
influenciar na qualidade do sono dos indivíduos, um dos fatores, segundo os
autores, é o estado civil, pois geralmente os indivíduos casados, tendem a ter
uma dupla jornada, diferentemente dos solteiros.
Quanto a afastamento
por motivo de saúde, Para Gemilli, Hilleshein e Lautert [15] os
profissionais que trabalham em turnos, principalmente à noite, são mais suscetíveis a alterações no organismo, o que, em
consequência, aumenta o risco para acidentes de trabalho e afastamento.
O funcionário que
trabalha no turno noturno está mais sujeito a se ausentar do trabalho, se
comparado com os que trabalham durante o dia, devido à sua dificuldade de
adaptação ao horário [16].
Em relação a vida social, na pesquisa de Rotenberg
et al. [17], os autores observaram
que homens e mulheres compartilham a percepção de que o trabalho noturno
implica grandes mudanças em suas vidas. O trabalho no período noturno traz como
consequência o isolamento e a dificuldade de participação em acontecimentos
sociais e festejos comemorativos [1].
Gemilli, Hilleshein
e Lautert [15] afirmam que trabalhar em turnos propicia
exclusão social, dificuldade de relacionamento familiar e de planejamento da
vida, e, desta forma, pode gerar insatisfação no trabalho.
Com o trabalho
noturno, fica difícil manter o ócio familiar e as relações sociais, o que faz
com que muitos trabalhadores tenham a sensação de isolamento
pois suas atividades não coincidem com as das pessoas que os cercam
[18].
Quanto a satisfação
pelo trabalho, obteve-se nesse estudo resultado similar ao obtido na pesquisa
de Magalhães et al. [19] em que os autores observaram
que 95% dos trabalhadores responderam estar satisfeitos com seu trabalho.
Silva et al. [4] identificaram que, apesar da
percepção das alterações na saúde decorrente da realização do serviço no
noturno, poucos profissionais de turno noturno expressaram o desejo de trocar
de turno de trabalho. Os resultados indicam que uma maior satisfação com o
horário de trabalho está fortemente correlacionada com uma maior percepção de
que o horário permite tempo para atividades pessoais e sociais fora da empresa
[20].
Diferentemente do
estudo feito por Mauro et al. [21], em que os trabalhadores
tinham carga horária semanal de: 20 horas (1,4%), 30 horas (51,6%), 40 horas
(17%) e outra carga horária (25,4%).
Trabalhar no sentido
inverso ao funcionamento fisiológico do organismo pode levar a alterações do
desempenho com consequências prejudiciais para a segurança dos trabalhadores. O
trabalho noturno é considerado um agente etiológico ou fator de risco de
natureza ocupacional, sendo descrito como má adaptação à organização do horário
de trabalho [22].
Portanto, pode-se
dizer que passar anos exercendo atividades laborais nesse sistema temporal de
trabalho, é ainda mais prejudicial para a qualidade de vida e para a saúde dos
trabalhadores.
O álcool, embora
promova o sono a princípio, produz um efeito contrário ao ser metabolizado,
aumentando as interrupções do sono que podem ser acompanhadas de taquicardia,
sudorese e pesadelos [23].
A nicotina também
interfere no início do sono, atrasando-o, e ao mesmo tempo, a abstinência
abrupta pode levar a perturbações do sono durante uma ou duas noites [24].
A atividade física,
por sua vez, interfere positivamente na qualidade do sono [25]. Estudos sugerem
que o excesso de esforço físico e alta demanda de trabalho são indicadores de
riscos para distúrbios do sono [26]. Partindo deste pensamento, entende-se que
o exercício de mais de uma profissão afeta a qualidade de sono.
Rotenberg et al. [17] observaram uma tendência, nas trabalhadoras com filhos, a
dormir menos de manhã e a dormir mais vezes por dia, quando comparadas às
colegas que não os têm; nenhuma diferença significativa foi observada pelos
autores, entre os homens com e sem filhos.
Estudo feito por
Mendes e Martino [27] verificou alguns sinais e sintomas em trabalhadores
noturnos, como dor de cabeça, alterações gastrointestinais e dificuldade de
concentração. Conforme Furlani1 o trabalho em turno noturno por trazer consigo
horários de refeições irregulares, pode desencadear problemas
gastrointestinais, podendo assim desencadear dores no estômago. Ainda em
conformidade com o autor após uma noite sem sono a atenção e os reflexos
diminuem.
Segundo Antunes et al. [28] , os efeitos das alterações no
padrão de sono são diversos, podem ocorrer dores de cabeça, ardência nos olhos,
entre outros sintomas. Com isso, explica-se a presença desses sinais
apresentados por um grande número de participantes deste estudo após as noites
de plantões.
Os resultados obtidos
através do índice de qualidade de sono de Pittsburgh, se mostraram semelhante
ao estudo de Barboza et al. [29], em que obteve-se um resultado
de 92% para o escore > 5 = 10 (Má qualidade de sono) e 8% para o escore ≤
5 (Boa qualidade de sono). Já os resultados obtidos através da escala de
sonolência excessiva de Epworth, se mostraram
inferior ao do estudo de Barboza et al. [29], para
um escore > 9, que em seu estudo, obtiveram um resultado de 70,7%
considerado anormal/sonolência diurna excessiva.
Ao analisar os
resultados obtidos no decorrer deste estudo, conclui-se que os participantes
desta pesquisa dispõem de alterações na saúde, após estarem atuando no trabalho
em turnos noturno. As evidências apresentadas demonstram que trabalhadores que
exercem suas atividades laborais em sistema de organização noturno, apresentam
frequentemente alterações no sono, que levam a diversas outras consequências
negativas, interferindo não só na qualidade do sono, mas também na qualidade de
vida e da saúde do trabalhador.