RELATO DE CASO

Intervenção fisioterapêutica no transtorno do espectro autista

Physiotherapy intervention in autistic disorder

 

José Diêgo Ponciano Oliveira*, Ana Luíza Lima de Araújo Guedes*, Micael da Silva Lins**, Manuela Carla de Souza Lima Daltro***

 

*Estudantes do Curso de Fisioterapia das Faculdades Integradas de Patos – FIP, Patos/PB, **Graduado em Fisioterapia pelas Faculdades Integradas de Patos – FIP, Patos/PB, ***Doutora e Professora das Faculdades Integradas de Patos – FIP, Patos/PB

 

Endereço para correspondência: Manuela Carla de Souza Lima Daltro, Rua: Misael de Sousa, 991, Jardim Guanabara, Patos, PB, Email: manucacarla@hotmail.com

 

Resumo

Transtorno do Espectro Autista abrange alterações severas e precoces nas áreas de socialização, comunicação e cognição, como também poderão ocorrer prejuízos no que diz respeito ao planejamento e sequenciamento motor. Com isso, o objetivo deste trabalho foi avaliar a eficácia da intervenção fisioterapêutica em um infante com TEA. Trata-se de um relato de caso, composto por uma criança escolhida de forma intencional. Para a coleta de dados foram utilizados: uma entrevista com o responsável, a escala Medida da Função Motora (MFM), o questionário Affordances in the Home Environment for Motor Development – AHEMD – 18-42 meses e o Perfil Sensorial Abreviado, antes e após 20 atendimentos. Sendo possível observar que o nível de oportunidades para o desenvolvimento motor no ambiente foi considerado fraco, o nível de desenvolvimento motor antes da terapia teve escore de 22 e após a terapia escore de 33, quanto ao perfil sensorial da criança o escore total ao final teve aumento após o tratamento, principalmente nos processamentos auditivo, visual, tátil, oral e respostas emocionais. Portanto ao fim do estudo foi possível observar que o tratamento fisioterapêutico em conjunto com as terapias de fonoaudiologia e terapia ocupacional contribuíram para evolução do índice de desenvolvimento motor e sensorial da criança.

Palavras-chave: TEA, intervenção, fisioterapia.

 

Abstract

Autism Spectrum Disorder involves severe and early changes in the areas of socialization, communication, and cognition, as well as damages in planning and motor sequencing. Therefore, the objective of this study was to evaluate the efficacy of the physiotherapeutic intervention in an infant with ASD. This is a case report, composed of an intentionally chosen child. For the data collection, we used an interview with the person responsible, the Motor Function Measurement (MFM), the Affordances in the Home Environment for Motor Development (AHEMD) questionnaire - 18-42 months, and the Short Sensory Profile before and after 20 calls. It is possible to observe that the level of motor development opportunities in the area was considered weak, the level of motor development before the therapy had a score of 22 and after the therapy score of 33, regarding the sensory profile of the child the total score at the end had after treatment, especially in the auditory, visual, tactile, oral and emotional answers. Therefore, at the end of the study, it was possible to observe that the physiotherapeutic treatment together with the therapies of speech and occupational therapy contributed to the evolution of the child's motor and sensory development index.

Key-words: ASD, intervention, physiotherapy.

 

Introdução

 

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) abrange alterações rigorosas precocemente nas áreas de socialização, comunicação e cognição. Os sinais e sintomas são, em geral, graves e persistentes, com grandes mudanças individuais, mas frequentemente exigem das famílias cuidados extensos e permanentes períodos de dedicação [1].

Ferreira e Thompson [2] afirmam que o indivíduo com TEA apresenta dificuldade de compreender seu corpo em sua globalidade, em segmentos, assim como seu corpo em movimento. Quando partes do corpo não são percebidas e as funções de cada uma são desconhecidas, é possível observar movimentos, ações e gestos pouco organizados. A dificuldade na estruturação do esquema corporal atrapalha também o desenvolvimento do equilíbrio estático, da lateralidade, da noção de reversibilidade; funções de base necessárias à aquisição da autonomia e aprendizagens cognitivo-motoras.

A partir de experiências sensório-motoras, a criança com TEA poderá aumentar sua afinidade com o mundo, inicialmente difícil pela dificuldade de entrar em contato com os outros, seja por meio do contato físico ou por meio do olhar. Diferentes técnicas podem ser usadas na fisioterapia, tais como: integração sensorial, massoterapia, trabalho de propriocepção em diferentes superfícies, método Rood e o protocolo PediaSuit™ [3].

É função do fisioterapeuta melhorar o desenvolvimento motor deste paciente e acionar as áreas da concentração e da interação social, através de estímulos sensório-motores, utilização de bolas, jogos interativos e brinquedos pedagógicos [4].

Com isso, essa pesquisa tem como objetivo avaliar a eficácia da intervenção fisioterapêutica em um infante com TEA.

 

Material e métodos

 

Apresentação do caso

 

Após aprovação do projeto (1.869.367) pelo Comitê de Ética em Pesquisa, das Faculdades Integradas de Patos/PB, o paciente foi avaliado e tratado na Clínica Escola de Fisioterapia das FIP 2x/ semana durante 1 ano.

Para a coleta de dados foram utilizados: uma entrevista ao responsável com um questionário elaborado composto por questões que possibilitariam obter respostas quanto a satisfação dos pais sobre o atendimento fisioterapêutico e os resultados obtidos, a escala Medida da Função Motora (MFM) composta por 32 itens, estáticos e dinâmicos, que mede as capacidades motoras do examinado, o questionário Affordances in the Home Environment for Motor Development – AHEMD – 18-42 meses que se trata de um questionário com a parte inicial destinada à identificação das características da criança e família, e 67 perguntas relacionadas ao ambiente familiar, sendo dividido em cinco subescalas: espaço exterior, espaço interior, variedade de estimulação, material de motricidade fina e material de motricidade grossa e o Perfil Sensorial Abreviado, uma versão mais curta do perfil sensorial, que foi desenvolvido como uma ferramenta de triagem para identificar as crianças com dificuldades sensoriais de forma mais rápida e para uso como uma medida de processamento sensorial para fins de pesquisa, antes e após 20 atendimentos no setor de estimulação precoce da clínica escola.

Os dados obtidos foram cotados utilizando-se o programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS 22.0) e após a aplicação do questionário AHEMD, os dados coletados foram introduzidos e classificados com o auxílio de uma aplicação do programa Microsoft Excel (AHEMD Calculador VPbeta1.5.xls), construído pelos idealizadores do Projeto AHEMD e disponibilizado no endereço eletrônico (http:www.ese.ipvc.pt/~dmh/ AHEMD/ahemd. htm).

O infante em questão era do sexo masculino, possuía 2 anos de idade, com diagnóstico de TEA há cerca de 2 meses do início do tratamento fisioterapêutico, realizava em conjunto com a fisioterapia, acompanhamento psicológico e fonoaudiológico.

O gráfico 1 apresenta o nível de oportunidades para o desenvolvimento motor no ambiente doméstico através do questionário Affordances in the Home Environment for Motor Development – AHEMD – 18-42 meses, sendo possível observar que o espaço interior da casa (7,5), a variedade de estimulação (12), materiais de motricidade fina (37), materiais de motricidade grossa (19) foram considerados fracos para o desenvolvimento motor da criança.

 

 

Gráfico 1 - Nível de oportunidades para o desenvolvimento motor no ambiente doméstico por área.

 

O gráfico 2 mostra o comparativo do nível de desenvolvimento motor antes e após a terapia através do Hammersmith Motor Ability Score, podendo observar que houve aumento no nível de desenvolvimento motor após a terapia.

 

 

Gráfico 2 - Comparativo do nível de desenvolvimento motor antes e após a terapia.

 

A tabela I apresenta o comparativo do perfil sensorial da criança antes e após a terapia, em que o escore total do final teve aumento após o tratamento, principalmente nos processamentos auditivo, visual, tátil, oral e respostas emocionais.

 

Tabela I - Comparativo do perfil sensorial antes e após a terapia.

 

 

A mãe ao ser abordada quanto a satisfação com o tratamento avaliou os resultados positivos; quantificando em 10 numa escala de 0 à 10, conforme relato abaixo:

 

“Já tá engatinhando, se arrastando, ele não fazia nada disso e, tá interagindo muito mais.” (Mãe da criança)

 

Discussão

 

O TEA é uma síndrome comportamental que possui etiologias diferentes e algumas características, como incapacidade de se relacionarem com outras pessoas, distúrbios de linguagem, resistência ao aprendizado e não aceitação de mudanças na rotina. As crianças com TEA apresentam dificuldades funcionais que afetam sua interação social [5].

O nível de gravidade do autismo é determinado pelo grau de autonomia, sabendo-se que o atraso mental, prejudica o desenvolvimento cognitivo e limita o potencial de prognóstico. Contudo, utilizando-se um método de aprendizagem adaptado e apoio consistente, o indivíduo com deficiência intelectual pode atingir maiores níveis de autonomia ao longo do tempo [6].

O desenvolvimento motor infantil pode ser influenciado por fatores como exposição a riscos biológicos, genéticos e ambientais. Dentre eles, o ambiente domiciliar é apontado como o fator extrínseco mais influente no desenvolvimento infantil. Além das características da casa, que é o primeiro ambiente vivenciado pela criança no início da vida, a interação com os pais, a variação de estímulos e o acesso a brinquedos também são indicadores críticos para a qualidade do ambiente domiciliar [7].

A criança com TEA precisa ser exposta a um ambiente doméstico rico em estímulos sensoriais diversos, envolvendo os cinco sentidos. É comprovado cientificamente que até os 4 anos de idade, essas intervenções são bem-sucedidas [8].

Siaulys [9] defende que a vida da criança é a brincadeira, pois esta é uma maneira prazerosa de movimentar-se e de ser independente. Enquanto brinca, a criança desenvolve seus sentidos, adquire habilidades corporais, conhece objetos e suas características, como forma, textura, temperatura, cor, tamanho e som. Ao brincar, ela entra em contato com o ambiente que a cerca, interage com pessoas, desenvolve sua mente e sua afetividade, torna-se ativa e curiosa com relação ao mundo.

As particularidades do desempenho motor dos indivíduos com TEA não são empregadas como critérios de diagnóstico, porém alguns autores como mencionados no artigo de Liu [10], defendem sobre a implantação desses padrões motores deficitários nesses critérios, indicando que habilidades motoras comprometidas, diagnosticadas previamente, requerem uma intervenção precoce e com isso, algumas dificuldades cognitivas e sociais poderiam ser minimizadas [11]. Para esses autores, as habilidades motoras finas e globais podem acarretar implicações e déficits para as habilidades sociais e de comunicação.

As crianças com TEA convivem com déficits que comprometem a interação social, comunicação e flexibilidade no raciocínio. Além disso, elas podem apresentar comprometimentos motores que estarão presentes por toda a vida e, que são passíveis de tratamento fisioterapêutico. Assim, a fisioterapia torna-se necessária para a intervenção precoce, consagrando a plasticidade cerebral, e interferindo positivamente no desenvolvimento e melhora da qualidade de vida, permitindo ao indivíduo com autismo obter uma integração social mais adequada [12].

Para Segura, Nascimento e Klein [13], é necessário um maior embasamento da prática fisioterapêutica em relação ao paciente autista, pois este apresenta um desenvolvimento adaptativo inferior, o que exige do profissional um atendimento especial, voltado para a redução da dependência e maior socialização.

A intervenção fisioterapêutica no paciente com TEA tem por objetivo concentrar-se nos comprometimentos motores que causam limitações funcionais e no aprendizado cognitivo de tarefas funcionais, pois, a estimulação de uma tarefa, surge de um processo de auto-organização a adequação do Sistema Nervoso Central às condições ambientais, da tarefa e do indivíduo [14].

A fisioterapia atua na ativação sensorial e motora. No tratamento podem ser utilizadas bolas, jogos interativos, brinquedos pedagógicos. Existe a busca para melhorar a concentração, a memória e as habilidades motoras, como a coordenação e o equilíbrio [13]. Intervenções terapêuticas que agem no estímulo sensorial têm mostrado efeitos positivos, além de intervenções visuais e auditivas em crianças com TEA [15].

É importante a família se empenhar na inclusão social desta criança, em união com os profissionais envolvidos, sendo estes conhecedores da patologia e de suas técnicas terapêuticas, incluindo tudo que cerca o cotidiano e que está sendo estudado e aprimorado nos últimos anos sobre estes indivíduos, desde técnicas que visam uma comunicação, até os métodos que desenvolvam melhor a capacidade [16].

Um bom profissional precisa ter a habilidade de perceber as características particulares dos indivíduos que trata, conseguindo traçar alternativas que possam facilitar ou aprimorar o seu atendimento, fazendo com que a adesão do paciente ao mesmo seja a maior possível, alcançando, com isso, resultados mais eficazes [17].

Principalmente no que diz respeito ao paciente pediátrico, pois este possui características muito peculiares, que o diferenciam significativamente do paciente adulto, pois passa por uma fase de descoberta do mundo e encontra-se bastante inseguro frente a essas novas descobertas. Aspectos como a ausência de linguagem verbal, a limitação na compreensão de comandos verbais e de explicações racionais sobre os fatos vividos, a hiperatividade e ansiedade diante de ações muito prolongadas e repetitivas, o apego intenso aos pais e a hesitação em relacionar-se com pessoas estranhas são próprias desta fase de desenvolvimento [18].

 

Conclusão

 

Ao fim do estudo foi possível observar que o tratamento fisioterapêutico em conjunto com as terapias de fonoaudiologia e terapia ocupacional contribuíram para evolução do índice de desenvolvimento motor e sensorial da criança, como também foi possível observar que o nível de oportunidades para o desenvolvimento motor no ambiente doméstico foi baixo, e a satisfação dos pais com o tratamento foi positiva, sendo avaliada em 10, numa escala que ia de 0 a 10.

 

Referências

 

  1. Gomes P, Lima LHL, Bueno MKG, Araújo LA, Souza NM. Autismo no Brasil, desafios familiares e estratégias de superação: revisão sistemática. J Pediatr 2015;91(2):111-21.
  2. Ferreira C, Thompson R. Imagem e esquema corporal. São Paulo: Saraiva; 2002.
  3. Daltro M. Fisioterapia na saúde mental. Patos: FIP; 2016.
  4. Segura DCA, Nascimento FC, Klein D. Estudo do conhecimento clínico dos profissionais da fisioterapia no tratamento de crianças autistas. Arq Ciências Saúde UNIPAR 2011;15(2):159-65.
  5. Klin A. Autismo e síndrome de Asperger: uma visão geral. Rev Bras Psiquiatr 2006; 28(suppl 1):3-11.
  6. Cristóbal CMJ. Trastorno del espectro del autismo: implicaciones en la práctica clínica de una conceptualización basada en el déficit. Rev Asoc Esp Neuropsiq 2015;35(128):775-87.
  7. Defilipo É, Frônio JS, Teixeira MTB, Leite ICG, Bastos RR, Vieira MT et al. Opportunities in the home environment for motor development. Rev Saúde Pública 2012;46(4):633-41.
  8. Rodrigues LP, Gabbard C. Avaliação das oportunidades de estimulação motora presentes na casa familiar: projecto affordances in the home environment for motor development. In: Barreiros J, Cordovil R, Carvalheira S, eds. Desenvolvimento Motor da Criança. Lisboa: FMH; 2007. p.51-60.
  9. Siaulys MOC. Brincar para todos. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial; 2005.
  10. Liu T. Sensory processing and motor skill performance in elementary school children with autism spectrum disorder. Percept Mot Skills 2013;116(1):197-209.
  11. Lloyd M, MacDonald M, Lord C. Motor skills of toddlers with autism spectrum disorders. Autism 2013; 17(2):133-46.
  12. Cazorla J, Cornellà J. Las posibilidades de la fisioterapia en el tratamiento multidisciplinar del autismo. Rev Pediatr Aten Primaria 2014;16(61):37-46.
  13. Segura D et al. Estudo do conhecimento clínico dos profissionais da fisioterapia no tratamento de crianças autistas. Arquivos de Ciências da Saúde da UNIPAR; 2011.
  14. Bertoldi ALS, Israel VL, Ladewig I. O papel da atenção na fisioterapia neurofuncional. Fisioter Pesqui 2011;18(2):195-200.
  15. Teixeira-Machado L. Dançaterapia no autismo: um estudo de caso. Fisioter Pesqui 2015; 22(2):205-11.
  16. Silva Junior LP. Avaliação do perfil motor de crianças autistas de 7 a 14 anos frequentadoras da Clínica Somar da Cidade de Recife/PE. [TCC]. Campina Grande: Universidade Estadual da Paraíba; 2013.
  17. Salgueiro JB, Ramos MZ, Falk MLR, Raymundo MM, Schenkel SS. Avaliação das ações humanizadoras desenvolvidas na pediatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Rev HCPA Porto Alegre 2007;27(2):5-9.
  18. Faquinello P, Higarashi IH, Marcon SS. O atendimento humanizado em unidade pediátrica: percepção do acompanhante da criança hospitalizada. Texto & Contexto Enferm 2007;16(4):609-16.