RELATO DE CASOS

Efeitos da suit terapia (Pediasuit) no desempenho da marcha em crianças com ataxia: estudo de dois casos

Effects of suit therapy (Pediasuit) on gait performance in children with ataxia: a study of two cases

 

Carla de Medeiros*, Renan Alves da Silva Júnior M.Sc.**, Ellen Lima Xavier*, Ericka Raiane da Silva*, Thais Sttephane Alves Maia*

 

*Fisioterapeutas graduadas pelas Faculdades Integradas de Patos – FIP, Patos, Paraíba, Brasil; **Mestre, professor das Faculdades Integradas de Patos – FIP, Patos, Paraíba, Brasil e proprietário da Clínica de Reabilitação Infantil Espaço Fisiokids em Campina Grande, Paraíba, Brasil

 

Endereço para correspondência: Renan Alves da Silva Júnior, rua Leonisia Martins Leite, 167, 58428-153 Campina Grande PB, Email: renanasjr@hotmail.com

 

Resumo

Introdução: Ataxia é uma palavra de origem grega que significa “fora de controle”. A habilidade da marcha varia conforme a patologia primária, podendo ocorrer um misto de desvios. A Suit Terapia é utilizada para estimular a plasticidade do Sistema nervoso central. Objetivo: Analisar os efeitos da Suit Terapia no desempenho da marcha de crianças com ataxia. Metodologia: Estudo quantitativo, composto por duas crianças: participante 1(P1) com idade de 9 anos e participante 2(P2) de 13 anos. Ambos os gêneros, apresentando ataxia e realizando tratamento fisioterapêutico convencional. Os dados coletados foram através do GMFM-66 (Gross Motor Function Measure) e uma Ficha de avaliação da marcha. Analisados e tabulados a partir do programa Microsoft Excel e GMAE (Gross Motor Ability Estimator). Resultados: Evidenciou-se nas avaliações inicias e finais do GMFM-66 e em relação as pontuações obtidas no desempenho da marcha na escada de canto, barra paralela e esteira ergométrica, que houve um aumento considerável no desempenho motor com o uso da Suit Terapia (PediaSuit), observando melhora de coordenação motora ampla, equilíbrio, alinhamento biomecânico, melhorando assim, o quadro motor da criança. Conclusão: Concluiu-se que houve um aumento da percepção corporal dos participantes, promovendo um aumento do feedback e uma melhora dos sinais clínicos.

Palavras-chave: ataxia, desenvolvimento motor, marcha, Suit Terapia.

 

Abstract

Introduction: Ataxia is a Greek word that means "out of control". The gait ability varies according to the primary pathology, and a mix of deviations may occur. Suit Therapy is used to stimulate the plasticity of the central nervous system. Objective: To analyze the effects of Suit Therapy on the gait performance of children with ataxia. Methodology: A quantitative study, composed of two children: participant 1 (P1) with age of 9 years and participant 2 (P2) of 13 years. Both genders, presenting ataxia and undergoing conventional physiotherapeutic treatment. The data collected were GMFM-66 (Gross Motor Function Measure) and a gait evaluation form. Analyzed and tabulated in Microsoft Excel and Gross Motor Ability Estimator (GMAE) program. Results: We evidenced in the initial and final evaluations of the GMFM-66 and in relation to the scores obtained in gait performance in the corner ladder, parallel bar and treadmill, that there was a considerable increase in motor performance with the use of Suit Therapy (PediaSuit), observing improvement of ample motor coordination, balance, biomechanical alignment, thus improving the child's motor frame. Conclusion: We concluded that there was an increase in the participants' body perception, promoting an increase in feedback and an improvement in clinical signs.

Key-words: Ataxia, motor development, march, Suit therapy.

 

Introdução

 

A marcha humana como uma forma de locomoção bípede com movimentos cíclicos ocorre uma interação entre os sistemas: neuro-motor, sensorial, musculoesquelético e necessita de consumo de energia metabólica [1].

A palavra ataxia vem do grego ataxia (ataxia) e significa “ausência de ordenação, incoordenação”. A ataxia é caracterizada por déficits na velocidade, amplitude de deslocamento, precisão direcional e força de movimento [2]. Ainda que não exista um tratamento que interrompa o curso da maioria das ataxias, ou que previna o aparecimento dos sintomas em pessoas com risco na família, muitos cuidados podem ser tomados para melhorar a qualidade de vida dos pacientes [3].

A Suit Terapia utiliza um macacão terapêutico como recurso para estimular a plasticidade do Sistema nervoso central, proporcionando ao paciente a correção de padrões patológicos, possibilitando a execução de novas percepções de movimentos [4]. A vestimenta é composta por capacete, colete, calça, calçados e joelheiras que interligam através de ligas elásticas, objetivando promover o alinhamento corporal e descarga de peso [5].

PediaSuit é um método terapêutico intensivo que tem como foco o reposicionamento biomecânico e a descarga de peso, utilizando um macacão no qual procura melhorar a motricidade, promover equilíbrio, aumentar a força muscular, entre outras funções essenciais para a adequação do desenvolvimento sensório-motor e melhoria do tônus muscular [5].

Diante do exposto, o objetivo do estudo, foi analisar os efeitos da Suit terapia no desempenho da marcha de crianças atáxicas e avaliar o tempo e a realização das tarefas nas fases da marcha.

 

Material e métodos

 

Apresentação dos casos

 

O estudo caracteriza-se como uma pesquisa aplicada com um interesse prático, onde os resultados são imediatamente utilizados para solucionar problemas que ocorrem na realidade [6]. O trabalho foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa das Faculdades Integradas de Patos- FIP sobre o número de CAAE (51309315.6.000.5181), estando de acordo com a resolução 466/12 do conselho Nacional de Saúde.

A amostra foi do tipo não probabilística do tipo intencional, ou seja, utilizam-se crianças que, na opinião do pesquisador, possuam, as características específicas que ele deseja refletir em sua amostra [7]. Composta por duas crianças, ambas com ataxia, sem nenhuma outra patologia associada. Caso clínico 01: Participante 1(P1) com 09 anos, do sexo masculino, sinais clínicos: passada instável, decomposição do movimento, ataxia calcanhar-joelho e disbasia, com hipertonia de ação quanto ao tônus. Caso clinico 02: participante com idade de 13 anos, do sexo feminino, sinais clínicos: passada instável, decomposição do movimento, ataxia calcanhar-joelho e disbasia com discreta hipotonia. Os dois casos foram selecionados através de prontuários dos pacientes da Clínica Escola de Fisioterapia no município de Patos – PB que se encaixasse com o perfil do estudo, em tratamento fisioterapêutico convencional e apresentando marcha independente, houve concordância com os responsáveis em assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Os instrumentos utilizados foram: Ficha de Avaliação da Marcha, para avaliar o desempenho da marcha na escada de canto, barra paralela e esteira ergométrica e como complemento de análise dos efeitos clínicos aplicou-se a escala GMFM-66 (Gross Motor Function Measure) versão 01 (Traduzida no Brasil). E foi utilizada uma câmera fotográfica (Sony Cyber-shot W610) para gravar em vídeo todas as avaliações realizadas.

Como implementos para coleta de dados foi utilizado um macacão ortopédico da marca (PediaSuit) que consiste em chapéu, colete, calção, joelheiras e calçados adaptados que são interligados por bandas elásticas.

Realizou-se três avaliações, na primeira avaliação, as crianças vestindo roupas leves, sem sapatos (AI), a segunda avaliação com uso parcial do macacão (colete e calção interligados por bandas elásticas) (AII) e na terceira avaliação foram incluídos os adereços do macacão (chapéu, joelheira e calçados, também interligados por bandas elásticas) (AIII). Isto é, fazendo uso total do PediaSuit.

Antes de iniciar os procedimentos, para utilização do GMFM- 66 fomos apresentados à vestimenta ortopédica. Os testes foram realizados em uma sala grande, bem iluminada, sem ruídos e com tatames, para avaliação da marcha: Escada de canto, escada progressiva, banco grande, fita adesiva e fita métrica para marcação no chão (linha reta e círculo), e cronômetro para que não fosse ultrapassado o limite de tempo exigido pelo teste, barra paralela com obstáculos (uso de bastões) demarcado em linha reta o apoio dos passos com fita adesiva e a Esteira ergométrica cronometrada por 5 minutos, no qual foi observado o desempenho da marcha e inibição de sinais clínicos, o total de passos e quantidade de degraus. Em seguida, aplicou-se a escala do GMFM-66, usando o seguinte critério de escores, no qual 0 não inicia o movimento; 1 inicia; 2 parcialmente completa; 3 completa, em que não foi permitido tocar na criança, deixando que ela realizasse sozinha o que foi pedido, porém o encorajamento verbal com uso de brinquedos foi aceito.

Foram três dias distintos para realização das avaliações, um em cada dia, A aplicação dos testes teve duração mínima de 45 minutos e máxima de 70 minutos.

   Os dados foram analisados e tabulados os escores a partir do programa editor de planilhas Microsoft Excel e para análise do grau de função motora grossa e nível de desenvolvimento motor da criança foi utilizada um software próprio da GMFM-66, o GMAE (Gross Motor Ability Estimator).

 

Resultados

 

Os participantes (n=2) realizaram o treino de marcha, na escada de canto, barra paralela e esteira ergométrica e foram analisados em três avaliações (AI, AII, AIII).

Os resultados ilustrados na Tabela I exibem que os participantes (n=2) apresentaram valores diferentes quanto às três avaliações (AI, AII, AIII), bem como, demonstraram que existe um melhor desempenho da marcha em AIII quando comparado o total dos escores nas avaliações AI e AII, dessas crianças.

Quanto a Escada de canto, ambos obtiveram um aumento principalmente na quantidade de degraus de subida e descida sem apoio, onde o participante 1 apresentou uma diferença da AI para AIII de 1 degrau, já o participante 2 obteve uma evoluiu 3 degraus. Diante dessa progressão é indicativo de melhora do equilíbrio dinâmico e uma diminuição da passada instável e decomposição do movimento durante a marcha com o uso da Suit Terapia (PediaSuit), aumentando a independência funcional e diminuindo o tempo no desempenho da atividade.

Na Barra paralela, verificou-se que o deslocamento póstero-anterior da marcha (passos para trás sem apoio), o P1 evoluiu 3 degraus e o P2 conseguiu 5 passos, quando comparada AI e AIII. Em vista de um aumento da estabilidade fazendo com que os participantes tivessem maior concentração no movimento e aptidão do espaço temporal ao ultrapassar os obstáculos durante a marcha, podendo apontar um aumento na realização das fases apoio e balanço da marcha.

Com relação à Esteira ergométrica, conforme a tabela I mostra que os participantes apresentaram pontuações maiores durante a avaliação de 05 minutos com a utilização do PediaSuit no AIII quando comparado a AI, onde o P1 conseguiu 13 passos e 10 passos para o P2, uma vez que as ligas elásticas facilitam a ação dos músculos, sugere-se que o uso do macacão promoveu uma marcha mais próxima do normal, oferecendo mais estabilidade e inibindo sinais clínicos presentes na ataxia.

 

Tabela I - Distribuição quanto aos elementos testados no desempenho da marcha.

 

Fonte: Dados da pesquisa, 2016.

 

Nesse estudo, foi observado que a função motora grossa dos participantes variou de 69,10% a 84,05%, ambos com nível I do GMFCS, segundo os dados do GMAE.

Com relação à função motora grossa pelo protocolo GMFM-66, os dados obtidos no GMAE para o P1 da avaliação experimental AI obteve um escore de 72,16% e para o P2 um escore de 69,10%, observou-se na avaliação experimental AII do P1 um aumento do escore para 76,75% e do participante 2 para 71,69%. Já no AIII verificou-se um aumento ainda maior para ambos participantes, no qual o P1 obteve um escore de 82,99% e o P2 atingiu um escore de 84,05%. Os resultados quanto a função motora grossa demonstrou um maior escore para ambos participantes na AIII, isto é, com o uso total do macacão ortopédico (PediaSuit), havendo um aumento do desempenho motor geral para o P1 de 10,83% e para P2 de 14,95% (Figura 1).

 

 

Fonte: Dados da pesquisa,2016.

Figura 1 - Distribuição quanto à função motora grossa GMFM -66(escores pelo GMAE).

 

Observou-se ainda a função motora grossa em membros inferiores (MMII), visto que na avaliação experimental AI, o participante 1 alcançou 68,83% e o participante 2 atingiu 65,22%. Na AII houve um aumento do escore para 72,83% do P1 e 68,53% para o P2, em relação a avaliação experimental AIII notou-se um aumento relevante aos demais, com um escore de 78,15% para o P1 e 78,15% para P2. No aspecto motor dos MMII, comparando os escores de AI e AIII, teve um ganho do desempenho de 9,32% para P1 com o uso da Suit Terapia (PediaSuit) e 13,87% para P2 (Figura 2).

 

 

Fonte: Dados da pesquisa, 2016.

Figura 2 - Distribuição quanto à função motora grossa GMFM-66 em relação aos MMII (GMAE).

 

Discussão

 

Em um estudo de caso investigou-se os efeitos do PIF (programa intensivo de fisioterapia) em pacientes neurológicos utilizando a roupa com elásticos na marcha, nas tarefas motoras, na habilidade motora grossa e na assistência dos cuidadores. Na análise da marcha, notaram modificações nos parâmetros cinemáticos como aumento da velocidade, melhora da extensão do quadril na fase de apoio terminal, melhora da simetria corporal na rotação pélvica e redução da hiperextensão do joelho no apoio médio [8]. Os resultados do presente estudo mostraram que todos os participantes apresentaram um aumento quanto a velocidade na esteira ergométrica, visto que houve um aumento do total de passos dos sujeitos no mesmo intervalo de tempo avaliado, assim como também uma melhora da habilidade motora quanto a membros inferiores (Tabela I).

Outra pesquisa avaliou-se os ganhos na função motora e sensorial de pacientes submetidos à Terapia Neuromotora Intensiva (TNMI). O tratamento foi realizado durante um período de cinco semanas de TNMI com uso do traje PediaSuit e constatou melhora na percepção dos estímulos sensoriais, devido a essa melhora na percepção dos estímulos esses podem possibilitar a resposta motora mais coordenada, não devendo ser relacionado com ganho de força e massa muscular, mas dependendo da evolução da patologia esses dados podem se tornar irrelevantes [9]. Assim como foi observado no nosso estudo, quanto a avaliação da marcha na barra paralela e escada de canto conforme a tabela I, a pesquisa corrobora com a melhora da resposta motora mais coordenada, em razão de maior número de passos e melhora da estabilidade no deslocamento póstero-anterior.

Em outro estudo, verificou-se a resposta de um paciente de cinco anos de idade ao protocolo PediaSuit, que apresentava hemiparesia à esquerda, foi tratado durante seis meses e apresentou uma melhora de 10,14% na avaliação pelo GMFM-66 [10]. Os resultados confirmaram com o atual estudo, que por sua vez também teve um aumento na avaliação experimental III (PediaSuit) quando comparado com a AI, em relação ao percentual da função motora grossa global, no qual o participante 1 apresentou 10,83% e o participante 2 mostrou 14,95% e observou-se ainda um maior desempenho motor dos MMII, apresentando percentual para participante 1 de 9,32% e 13,87% para participante 2, gerando maior independência na realização da marcha desses participantes, como também um melhor alinhamento biomecânico.

 

Conclusão

 

Os resultados sugerem que o uso da Suit Terapia (PediaSuit) em crianças com ataxia é um excelente método de tratamento, uma vez que proporcionou uma melhora de equilíbrio e alinhamento biomecânico, promovendo maior estabilidade e inibindo os sinais clínicos presentes na ataxia, fazendo com que os participantes apresentassem uma marcha mais próxima do normal, gerando uma normalização do tônus muscular, da função sensorial e vestibular, e coordenação motora ampla, melhorando assim, o quadro motor da criança.

Diante disso, conclui-se que houve um aumento da percepção corporal dos participantes, promovendo um aumento do feedback e uma melhora dos sinais clínicos.

 

Referências

 

  1. Morais Filho MC, Albertin dos Reis R, Myuki Kawamura C, Avaliação do padrão de movimento dos joelhos e tornozelos durante a maturação da marcha normal. Rev Acta Ortop Bras 2010;18(1)23-5.
  2. Bradt J, Magee WL, Dileo C, Wheeler BL, McGilloway E. Music therapy for acquired brain injury. Cochrane database syst rev 2010, Issue 7. Art. No.: CD006787. doi: 10.1002/14651858.CD006787.pub2.
  3. Jardim LB, Saute JAM, Castilhos RM, Pereira MLS, Kuler AM, Finard SA et al. Manual sobre ataxias cerebelares para profissionais de saúde da Rede - Ataxias Diagnóstico e Terapia Aplicada - AAPPAD, Porto Alegre; 2010 [acesso em: 2016 Ago 2]. Disponível em: http://www.aappad.com.br/.
  4. Borges AC. O uso do protocolo pedia suit no tratamento de crianças com paralisia cerebral [monografia]. Brasilia (DF): Faculdade de Ceilândia, Universidade de Brasília; 2012.
  5. Pediasuit Method [internet]. USA; 2008 [citado 2016 Ago 3]. Disponível em: http://www.pediasuit.com/>.
  6. Marconi MA. Técnicas de pesquisa: planejamento e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisa, elaboração, análise e interpretação de dados. São Paulo: Atlas; 2008.
  7. Moura LS, Ferreira MC, Paine PA. Manual de elaboração de projeto de pesquisa. Rio de Janeiro/RJ: Universidade Estadual do Rio de Janeiro; 1998.
  8. Bailes AF, Greve K, Schmitt LC. Changes in two children with cerebral palsy after intensive suit therapy: a case report. Pediatr Phys Ther 2010;22:76-85.
  9. Neves EB, Krueger E, Cióla MCS, Costin ACMS, Chiarello CR, Rosário MO. Terapia neuromotora intensiva na reabilitação da atrofia muscular espinhal: estudo de caso. Rev Neurocienc 2013;22(1):66-74.
  10. Pedrozo, L. PediaSuit ProtocolIntensive Therapy Case Study. 2011 [citado 2016 Ago 28]. Disponível em: http://www.therapies4kids.com.