REVISÃO

Recrutamento alveolar no intra e pós-operatório de cirurgia de grande porte

Alveolar recruitment in the postoperative period of major surgery

 

Hilda Tunú da Costa Neta*, Fernanda Laísse Silva Souza*, Denise dos Santos Monteiro*, Rayne Borges Torres-Sette**

 

*Graduandas do curso de Fisioterapia das Faculdades Integradas de Patos-FIP, **Mestra e Professora das Faculdades Integradas de Patos- FIP, Patos/PB

 

Endereço para correspondência: Rayne Borges Torres Sette, Faculdades Integradas de Patos – FIP, Rua Horácio Nobrega, s/n, 58704-000 Belo Horizonte Patos PB, E-mail: raynetorres@fiponline.edu.br

 

Resumo

Manobra de recrutamento alveolar (MRA), no intra ou pós-operatório, de cirurgias de grande porte tem sido um método de escolha para reduzir complicações pulmonares. O objetivo deste estudo foi avaliar os efeitos da MRA no intra e pós-operatório de cirurgias de grande porte, identificar quais critérios para realizá-la e qual forma obtém melhores resultados. Tratou-se de pesquisa sistematizada em bases de dados Scielo e Pubmed, incluído ensaios clínicos publicados nos últimos 10 anos, escritos em inglês, português ou espanhol. Foram selecionados doze artigos de cirurgias cardíacas, torácicas, bariátricas e laparoscópicas abdominais. As análises demonstraram que MRA favorece oxigenação, diminui complicações pulmonares, uso de suporte de oxigênio ou de ventilação não-invasiva no pós-operatório e reduz tempo de recuperação anestésica e hospitalar. O critério para sua execução nas cirurgias exploratórias foi hipoxemia e de forma preventiva nas laparoscópicas e cirurgia torácica unilateral. Manobras com níveis mais elevados de pressão, acima de 30cmH2O, associada à estratégia protetora tiveram melhores resultados. Portanto, MRA quando utilizada no intra ou pós-operatório imediato de cirurgias de grande porte reduz morbidade, como critério deve-se utilizar presença de hipoxemia e de forma preventiva em cirurgias torácicas unilaterais ou laparoscópica e níveis mais elevados de pressão são mais eficazes.

Palavras-chave: recrutamento alveolar, pós-operatório, laporoscopia.

 

Abstract

Alveolar recruitment maneuver (ARM), in the intra- or postoperative period, of large surgeries has been a method of choice to reduce pulmonary complications. The objective of que study was to evaluate the effects of ARM in the intra and postoperative period of major surgeries, to identify the criteria to perform it and to obtain the best results. This was systematized research in Scielo and Pubmed databases, including clinical trials published in the last 10 years written in English, Portuguese or Spanish. Twelve articles were selected for cardiac, thoracic, bariatric and abdominal laparoscopic surgeries. The analysis demonstrated that ARM favors oxygenation, reduces pulmonary complications, use of oxygen support or non-invasive ventilation in the postoperative period and reduces anesthetic and hospital recovery time. The criterion for its execution in exploratory surgeries was hypoxemia and preventively in the laparoscopic and unilateral thoracic surgery. Maneuvers with higher pressure levels above 30cmH2O associated with the protective strategy had better results. Therefore, ARM when used in the immediate intraoperative or postoperative period of major surgeries reduces morbidity, as a criterion one should use hypoxemia and preventively in unilateral or laparoscopic thoracic surgeries and higher levels of pressure are more effective.

Key-words: alveolar recruitment, surgery, postoperative, laparoscopy.

 

Introdução

 

A cirurgia é responsável pela diminuição da sintomatologia, além de melhorar a sobrevida e a qualidade de vida dos pacientes. Contudo, nas cirurgias cardíacas complicações pulmonares são constatadas com frequência e constituem considerável causa de morbidade e mortalidade para pacientes no pós-operatório imediato de intervenção cirúrgica [1]. Já as cirurgias bariátricas podem ter complicações como intercorrências pelo próprio ato cirúrgico, risco de infecção, possibilidade de embolia pulmonar e complicações decorrentes do excesso de peso [2].

As complicações pulmonares no pós-cirúrgico apresentam fisiopatologia multifatorial. Sua evolução é resposta da combinação das sequelas da anestesia, do trauma cirúrgico e da circulação extracorpórea (CEC) [3]. Recentemente, estudos científicos vêm investigando estratégias terapêuticas que venham a prevenir ou reduzir as complicações pulmonares após intervenção cirúrgica [4,5]. De acordo com esse cenário, a fisioterapia respiratória tem sido cada vez mais solicitada, já que faz uso de técnicas capazes de favorecer a mecânica respiratória, a reexpansão pulmonar e a higiene brônquica.

A fisioterapia no período pós-operatório, após a entrada do paciente na unidade de terapia intensiva (UTI), colabora muito para a ventilação apropriada e o sucesso da extubação [4,5,6]. A intervenção fisioterapêutica no paciente cirúrgico é fundamental e compreendem inúmeras estratégias, entre as quais está a manobra de recrutamento alveolar (MRA). Este método que emprega o aumento da pressão transpulmonar com o intuito de recrutar unidades alveolares colapsadas, acrescentando área pulmonar disponível para a troca gasosa, resultando na melhora da oxigenação arterial [7,8].

Já há algum tempo na literatura é relatada o uso da manobra de recrutamento alveolar em intra e pós-operatório de cirurgia cardíaca [3,4,7,8]. Entretanto, não há um consenso sobre como realizar essa manobra, já que cada estudo descreve uma forma. O objetivo do presente estudo foi verificar os efeitos do uso da manobra de recrutamento alveolar no intra e pós-operatório de cirurgias de grande porte, abdominais e torácicas, identificar quais critérios para realizar a manobra e qual forma de realização obtém melhor resultado. Para isso, foi realizada uma revisão sistemática na literatura nos últimos dez anos.

 

Material e métodos

 

Pesquisa do tipo sistematizada, utilizando as bases de dados Scielo e Pubmed, tendo como descritores: “recrutamento alveolar” e “alveolar recruitment”, Os critérios de busca foram: artigos intervencionais, realizados em humanos e nos últimos 10 anos. Excluídos aqueles que não fossem sobre manobras de recrutamento alveolar em intra e pós-operatório, repetidos ou cujo texto completo não estivessem escritos nas línguas Portuguesa, Inglesa ou Espanhola. Com os critérios de busca foram encontrados 83 artigos, mas após aplicação critérios de exclusão restaram doze artigos. Os artigos foram analisados e dispostos em tabela contendo autor e ano, tipo de estudo, amostra, método de recrutamento e resultados.

 

Resultados

 

Foram selecionados doze artigos dos últimos dez anos, que obedeceram aos critérios de inclusão. Dos artigos analisados, dois foram estudos simples [9,11] e 10 estudos foram controlados e/ou randomizados [12-15,17-21], sendo o mais recente deles com amostra bastante significativa (320 pacientes) [21], conforme tabela 1.

Três foram de cirurgia cardíaca [9,11,21], três de cirurgia bariátrica [12,13,15], dois de cirurgia torácica [18,19] e quatro de abdominais por laparoscopia [14-17,20].  As análises dos artigos demonstraram que estratégias de recrutamento alveolar podem favorecer a função respiratória no intra e pós-operatório de cirurgias de grande porte pela redução da atelectasia e do shunt intrapulmonar, aperfeiçoando a relação ventilação-perfusão e, consequentemente, a oxigenação arterial [9,11-13,15].

As vantagens da manobra de recrutamento alveolar (MRA) vão além da reversão de atelectasias e melhora da distribuição da ventilação para as áreas anteriormente colapsadas, pois pode resultar ainda em diminuição da probabilidade de barotrauma, redução da resistência vascular pulmonar junto à hipóxia, aumentando o desempenho do ventrículo direito e diminuindo a necessidade de suporte de oxigênio e de ventilação mecânica não invasiva no período pós-operatório [11,15,21].

A Tabela I resume os artigos selecionados, autores, ano de publicação, população estudada, tipo de recrutamento alveolar e os resultados encontrados.

 

Tabela I - Características dos estudos revisados. (ver anexo em PDF)

 

Discussão

 

A manobra de recrutamento alveolar é de fácil aplicação e se mostrou eficiente para melhorar a oxigenação em pacientes com hipoxemia no pós-operatório de cirurgias cardíacas [9,11,21], no intra [12,15] e pós-operatório [13] de cirurgias bariátricas, assim como, reduzir complicações pulmonares em pós-operatório quando utilizado durante cirurgia bariátrica por vídeolaparoscopia[14]. Nenhum dos trabalhos relatou alterações hemodinâmicas significativas, em apenas um deles foi reduzido o nível de pressão durante recrutamento em um paciente [9]. Entretanto, em nenhum desses trabalhos o protocolo utilizado para realizar o recrutamento alveolar foi o mesmo. Em apenas um dos artigos encontrados [20] foi relatada a MRA como mais propensa ao desenvolvimento de complicações pulmonares em relação à estratégia protetora, porém, no grupo que realizou a MRA foi utilizado volume corrente (VC) de 10 ml/kg. Sendo que, já existe um consenso na literatura que volumes correntes baixos (VC<6 ml/kg de peso) são caracterizados como protetor em pulmões com hipoxemia, como visto na síndrome do desconforto respiratório adulto (SDRA) [22].

Em pós-operatório de cirurgia cardíaca, por meio desta revisão, pôde ser observado que MRA melhora a oxigenação em pacientes com hipoxemia [9,11,21]. Embora não tenha tipo consenso na forma de realizar o recrutamento alveolar, foi possível observar que manobras com pressões mais altas e a manutenção da PEEP em nível mais elevado após a manobra (recrutamento intensivo) obtiveram melhores resultados, em pacientes com hipoxemia. Esses benefícios não foram observados apenas durante a ventilação mecânica, como também perdurou após a extubação, resultando em menor suporte de oxigênio e menor uso de ventilação mecânica não invasiva. Isto reduziu a morbidade desses pacientes, diminuindo o tempo de permanência na unidade de terapia intensiva e alta hospitalar [21]. Vale salientar que, nesse último estudo, também foi utilizado estratégia protetora com baixo volume corrente em ambos os grupos.

As cirurgias bariátricas, assim como as cardíacas, são consideradas cirurgias de grande porte e com frequência apresentam complicações pulmonares com hipoxemia. Nos estudos encontrados por esta revisão, foi possível observar que a MRA no intra-operatório ou pós-operatório é benéfica para a oxigenação [12,13,15]. Embora não tenha visto consenso entre as manobras, no estudo de Souza et al. [13], foi possível observar que pressões mais elevadas são mais benéficas para melhora da oxigenação, assim como visto na cirurgia cardíaca, já relatado anteriormente.

As cirurgias torácicas são consideradas cirurgias de grande porte, com a hipoxemia sendo um grande problema, já que apenas um pulmão é ventilado durante o procedimento. A MRA também constitui uma alternativa para melhorar essa oxigenação. Park e colaboradores [18] realizaram a MRA no grupo experimento de duas formas: com pressão inspiratória de 40 cmH2O (que  foi chamado de manobra de capacidade vital) por 10 respirações manuais e depois com aumento da PEEP para 15 cmH2O até instituição da ventilação em um pulmão. Já Unzueta et al. [19], realizaram a MRA no grupo experimento antes da seletividade de um pulmão e logo após restauração da ventilação em ambos os pulmões. A MRA constituiu uma PEEP de 15 cmH2O por cinco respirações e depois 20 cmH2O por 10 respirações e pressão patamar de 40 cmH2O. Em ambos os estudos durante a instituição da ventilação em um pulmão o volume corrente ajustado foi de 6 ml/kg de peso. Apesar de ser sido realizado de forma diferente, os estudos demonstraram que a MRA diminui a hipoxemia que pode se instalar durante o procedimento a ventilação em um único pulmão.

As cirurgias torácicas e abdominais por videolaparoscopia também demonstram benefícios com o uso das manobras de recrutamento alveolar [14,16,17], exceto quando comparado a MRA foi comparada com a estratégia protetora, como já mencionado anteriormente [20]. Em alguns estudos, a MRA foi realizada antes da insuflação de gás [14,16] e em outro, a manobra ocorreu após a desinsuflação[17]. Mas foi possível observar que não só a MRA é benéfica [14], mas a manutenção de uma PEEP, principalmente, quando mais elevada [16], resulta em melhora da oxigenação e menor tempo de recuperação pós- anestésica. Além do que, no estudo de Remístico et al. [17], foi observado um menor risco relativo em desenvolver complicações pulmonares verificados por imagens radiológicas e melhores resultados espirométricos no grupo que realizou a MRA.

Pode ser observado que não existe um consenso na literatura sobre a forma de realizar a manobra de recrutamento alveolar, contudo foi possível evidenciar que um recrutamento intensivo utilizando pressões mais altas, acima de 30 cmH2O, associadas à estratégia pulmonar protetora, não só melhora a oxigenação, como também diminui o suporte de oxigênio, de ventilação mecânica não-invasiva no pós-operatório e diminui o tempo de recuperação anestésica e de internação hospitalar. Isto pode vir a reduzir gastos hospitalares, além de melhorar a morbidade do paciente após cirurgias torácicas e bariátricas, exploradora ou por laparoscopia.

 

Conclusão

 

Concluindo, a MRA quando utilizadas no intra ou pós-operatório imediato de cirurgias de grande porte, torácicas e bariátricas, de forma exploratória ou por laparoscopia, melhora a oxigenação, reduz as complicações pulmonares, diminui o suporte de oxigênio e de ventilação mecânica não-invasiva no pós-operatório e reduz o tempo de permanência na sala de recuperação anestésica e hospitalar. Como critério para realizar a MRA, a maioria dos estudos utilizou como parâmetro o índice de oxigenação, executando a manobra em pacientes hipoxêmicos, no intra ou pós-operatório. Exceto nas cirurgias torácica com ventilação em um único pulmão, nessas, a MRA foi efetuada antes de seletivar um pulmão ou após a restituição da ventilação em ambos os pulmões. Dessa forma, nas cirurgias unilaterais de pulmão e nas laparoscópicas, a MRA foi realizada de forma preventiva. Os melhores resultados foram encontrados quando a MRA, utilizou valores mais elevados, maior do que 30cmH2O, associada ao uso de estratégia pulmonar protetora, com baixo volume corrente e a manutenção de uma PEEP mais elevada após o recrutamento.

 

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