RELATO DE CASO

Assistência fisioterapêutica a um paciente submetido à cirurgia de revascularização do miocárdio com evolução de mediastinite como complicação pós-operatória

Physiotherapeutic assistance to a patient submitted to coronary artery bypass grafting with mediastinitis as postoperative complication

 

Jonaína Fiorim Pereira de Oliveira, D.Sc.*, Lívia Maria Marques Bonomo, M.Sc.*, Flávia Azevedo de Brito, M.Sc.*, Regina Mamede, D.Sc.*, Cleilda Ribeiro Tótola**, Fernando Luiz Torres Gomes, D.Sc.***

 

*Fisioterapeuta do Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (HUCAM/UFES), **Especialista em Saúde do Idoso e Biomecânica, Fisioterapeuta do HUCAM/UFES, ***Médico do HUCAM/UFES

 

Recebido 14 de novembro de 2018; aceito em 27 de junho de 2019.

Correspondência: Flávia Azevedo de Brito, Av. Paulo Pereira Gomes, N.40, Cond. Monte Verde, casa 02, Morada de Laranjeiras, 29166-828 Serra ES, E-mail: flabrito05@hotmail.com; Jonaína Fiorim Pereira Oliveira: nanafiorim@hotmail.com; Livia Maria Marques Bonomo: liviambonomo@gmail.com; Regina Mamede Costa: rmamede1@terra.com.br; Cleilda Ribeiro Tótola: c.r.totola@gmail.com; Fernando Luiz Torres Gomes: fltgomes@hotmail.com

 

Resumo

A fisioterapia integra os cuidados do paciente submetido à cirurgia cardíaca. Porém são escassos estudos que relacionam esta ciência a pacientes que desenvolveram mediastinite pós-operatória. O objetivo do estudo foi relatar o acompanhamento fisioterapêutico em um caso clínico de mediastinite associada à Cirurgia de Revascularização Miocárdica realizada no Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (HUCAM). Desenvolveu-se um estudo de caso relatando a abordagem fisioterapêutica realizada ao paciente durante o período de internação hospitalar. O tratamento fisioterapêutico do paciente do estudo ocorreu duas vezes ao dia com os objetivos de restabelecer as funções pulmonares e a mobilidade para o retorno às atividades funcionais. As condutas aplicadas, junto às abordagens clínicas, visaram à melhora rápida e a alta hospitalar precoce. Conclui-se que a diversidade dessas situações e a existência de poucos estudos sobre a atuação fisioterapêutica nesses casos mostram uma lacuna de conhecimento nesta área da saúde e a possibilidade de explorar o assunto para ampliar a atuação deste profissional em futuros casos semelhantes.

Palavras-chave: mediastinite, doenças cardiovasculares, Fisioterapia.

 

Abstract

Physical therapy integrates the care of patients submitted to cardiac surgery. However, there are few studies that relate this science to patients who developed postoperative mediastinitis. The objective of the study was to report the physiotherapeutic follow-up in a clinical case of mediastinitis associated with myocardial revascularization surgery (MRS) performed at the Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (HUCAM). A case study was developed reporting the physiotherapeutic approach performed during the period of hospital stay. The physiotherapeutic treatment of the study patient occurred twice a day and the objectives were to restore mobility and pulmonary functions aiming the returning to functional activities. The physiotherapeutic conducts together with the clinical approaches aimed a rapid recovery and early hospital discharge. It is concluded that the diversity of these situations and the existence of few studies on physiotherapeutic performance in these cases shows a knowledge gap in this area of health and the possibility of exploring the subject to expand the performance of this professional in future similar cases.

Key-words: mediastinitis, cardiovascular diseases, Physical therapy specialty.

 

Introdução

 

Nas últimas décadas, a prevalência de doenças cardiovasculares tem aumentado expressivamente, sendo causa de grande morbimortalidade entre a população mundial [1,2]. No Brasil, essas doenças ocupam a liderança das causas de morte e de internação hospitalar, correspondendo a 32,6% das causas de óbitos de causa determinada [3].

De acordo com a complexidade da doença cardíaca apresentada pelo paciente, pode-se realizar tratamento com enfoque clínico ou, se necessário, cirúrgico. As cirurgias cardíacas são procedimentos amplamente utilizados e as taxas de complicações pós-operatórias a elas relacionadas permanecem expressivas, despontando entre elas, as complicações pulmonares [1,3,4,5], seguidas pela mediastinite [4].

As complicações pulmonares pós-operatórias em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca são um problema clínico importante, com impacto negativo na morbidade, na mortalidade, no tempo de hospitalização e nos custos de saúde [1,4-6]. A causa da disfunção pulmonar após a cirurgia cardíaca resulta da associação multifatorial entre anestesia, trauma cirúrgico, tempo de ventilação mecânica, tempo de circulação extracorpórea, dor, comorbidades associadas à função pulmonar pré-operatória, tipo do procedimento cirúrgico e seu tempo de duração [4,6].

As lesões pulmonares após a cirurgia cardíaca abrangem comprometimentos funcionais, fisiológicos, bioquímicos e histológicos. Os pacientes apresentam redução importante dos volumes pulmonares, prejuízos na mecânica respiratória, diminuição da complacência pulmonar e aumento do trabalho respiratório. A redução dos volumes e capacidades pulmonares contribui para alterações nas trocas gasosas, resultando em hipoxemia e diminuição na capacidade de difusão [3].

Atelectasia e hipoxemia encontram-se entre as principais complicações pulmonares no pós-operatório de cirurgia cardíaca. Porém, também podem ser observadas tosse seca ou produtiva, dispneia, broncoespasmo, hipercapnia, derrame pleural, pneumonia, pneumotórax, insuficiência ventilatória e reintubação [2-4,7].

Outra complicação pós-operatória da cirurgia cardíaca é a mediastinite, infecção grave que envolve o espaço mediastinal e o osso esterno. Os riscos de mediastinite aumentam com a presença de algumas afecções pré-existentes ou procedimentos associados, como: sexo masculino; idade avançada; diabetes mellitus; revascularização do miocárdio utilizando-se as duas artérias mamárias internas; uso de corticoterapia prévia; cirurgia prolongada; longo período de internação hospitalar; ventilação mecânica por mais de 72 horas; doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), tabagismo, entre outros. O tabagismo crônico associado à DPOC causa problemas ventilatórios, levando à instabilidade do esterno, favorecendo maior incidência de mediastinite. O tratamento da mediastinite varia desde o uso de antimicrobianos, sem procedimento cirúrgico associado, até completa esternectomia, procedimentos plásticos reconstrutivos e oxigenoterapia hiperbárica [6].

Já está bem descrito na literatura que a fisioterapia respiratória é parte integrante na gestão dos cuidados do paciente cardiopata, tanto no período pré-operatório (visando prevenção de complicações pulmonares) quanto no período pós-operatório (com manobras de higiene brônquica e reexpansão pulmonar) [1,2,4,8]. No entanto, estudos que relacionam a atuação da fisioterapia no pós-operatório de cirurgia cardíaca com mediastinite são escassos. Portanto, o objetivo desse relato é apresentar os efeitos do acompanhamento fisioterapêutico de um caso de pós-operatório de cirurgia cardíaca (revascularização do miocárdio) com evolução de mediastinite como complicação pós-operatória, expondo as técnicas selecionadas e a repercussão clínica dos procedimentos aplicados.

 

Apresentação do caso

 

O presente trabalho trata-se de um estudo de caso, realizado com um paciente internado no Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (HUCAM), localizado no município de Vitória, Espírito Santo, Brasil. A escolha desta abordagem se deu pelo fato da complicação apresentada pelo paciente ser relevante para elucidar os cuidados da fisioterapia hospitalar nesse contexto. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo (CEP-UFES), através do parecer nº 2.627.165 de 2018. Houve uma preocupação ética, de explicar pausadamente para o paciente do estudo todos os aspectos inerentes à pesquisa e participação dele na mesma, conforme resolução 466/12, em seguida o paciente assinou e recebeu uma cópia do termo de consentimento livre e esclarecido.

ANG, sexo masculino, 56 anos, branco, ex-tabagista (30 maços/ano), ex-etilista, com hipertensão arterial sistêmica (HAS) e história pregressa de Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) em parede inferior de ventrículo direito (VD), tratado com Angioplastia através de implante de um stent convencional para coronária direita em maio de 2016 no Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (HUCAM).

Em 06/04/2017 realizou cateterismo (Figura 1) com os seguintes acometimentos: Coronária Direita (CD) com re-estenose de 90%; Circunflexa (CX) calcificada e Descendente anterior (DA) com 80% oclusão.

Optou-se pela cirurgia de Revascularização do Miocárdio (CRVM) realizada em 17/04/2017 com utilização da mamária para revascularização da artéria descendente anterior (DA) e safena para coronária direita (CD). A cirurgia apresentou tempo de circulação extracorpórea de (CEC) 37 minutos e tempo de pinçamento da artéria aorta de 31 minutos. Paciente recebeu alta hospitalar no 8° dia de pós-operatório de CRVM (25/04/2017), com queixa de tosse produtiva com expectoração purulenta, sem ocorrência de febre. Na ocasião, a ferida operatória apresentava-se com esterno estável, sem saída de secreções, sem hiperemia significativa em esternotomia e leve hiperemia em ferida operatória de safenectomia.

No 18° dia de pós-operatório de RVM, retornou ao ambulatório de Cardiologia do HUCAM (em 05/05/2017) com quadro de febre aferida (37,5°C), hiporexia, tosse secretiva e saída de secreção purulenta em ferida operatória da esternotomia (Figura 2). No momento da avaliação, apresentava-se taquicárdico, hipotenso e com tremores. Na mesma data, foi encaminhado para internação hospitalar e admitido no Pronto Socorro deste hospital, com início de antibioticoterapia e aberto protocolo de sepse.

No dia seguinte, em 06/05/2017, foi avaliado pela equipe de cirurgia cardiovascular do HUCAM. Ao exame, observou-se ferida operatória com pequena deiscência em terço médio com drenagem de secreção purulenta em moderada quantidade e esterno estável à palpação, sendo também interrogado provável diagnóstico de pneumonia (confirmada posteriormente) associado ao quadro geral. Coletado amostra para cultura da secreção de ferida operatória.

A tomografia computadorizada de tórax sem contraste realizada em 06/05/2017 evidenciou alterações cirúrgicas em toda extensão do esterno, associadas a proeminente densidificação do tecido subcutâneo e mioadiposo adjacente, com formação de pequenas coleções hipoatenuantes subjacentes e bolhas gasosas de permeio, que se estendem ao mediastino anterior, sem, contudo, invadir os limites do pericárdio, devendo corresponder a processo inflamatório/infeccioso local, na dependência de correlação clínico-laboratorial.

Em 12/05/2018, foi submetido à tomografia computadorizada com contraste que evidenciou redução da densificação do tecido subcutâneo e mioadiposo adjacente às alterações cirúrgicas do esterno, bem como das pequenas coleções hipoatenuantes subjacentes e bolhas gasosas de permeio no mediastino.

Realiza ainda, em 16/05/2017, uma biópsia incisional do mediastino cujo resultado do exame anátomo-patológico revelou quadro histológico consistente com Nocardiose, sendo também possível considerar Actinomicose e Micobacteriose não tuberculosas.

Mediante a todos os achados referentes ao caso, em 29/05/2017, foi proposto os diagnósticos de mediastinite e osteomielite.

O tratamento clínico proposto contemplou a utilização de antibiotioterapia associada à procedimentos cirúrgicos e oxigenoterapia hiperbárica. Foram realizadas reabordagens da ferida operatória (FO) pela cirurgia cardíaca em 17/05/2017 (com abertura do esterno, desbridamento e relato de saída de secreção purulenta) e em 02/06/2017 (com desbridamento do manúbrio do esterno e de partes moles e retirada dos fios de aço) respectivamente. Após os procedimentos cirúrgicos descritos a FO manteve-se aberta.

Adicionalmente, foi realizado tratamento com hiperbárica (12/06/2017 à 11/07/2017) e em 12/07/2017 foi realizado novo procedimento cirúrgico para reaproximação das bordas esternais e inserção de dreno de tórax em região esternal. A retirada deste dreno ocorreu em 16/07/2017.

Em 19/07/2017 (92 dias após a cirurgia de RVM), paciente recebe alta hospitalar, estável clínica e hemodinamicamente, sem febre, com encaminhamentos médicos e retorno ambulatorial agendado. Realizada orientação sobre adesão medicamentosa e retorno ao serviço deste hospital em caso de febre ou outros sintomas.

 

 

Figura 1 - Linha do tempo.

 

 

Figura 2 - Evolução da ferida operatória ao longo período de internação.

 

Fisioterapia

 

Durante todo o período de internação deste paciente na enfermaria de Cardiologia do HUCAM, a abordagem fisioterapêutica foi realizada duas vezes ao dia (turnos matutino e vespertino). Os sinais vitais do paciente foram avaliados por um fisioterapeuta no início e no final de cada atendimento. Eram checados: frequência respiratória, frequência cardíaca, saturação de oxigênio no sangue (através da oxímetria de pulso), pressão arterial e o estado geral do paciente.

As técnicas de fisioterapia respiratória utilizadas foram: Técnicas de higiene brônquica; técnicas de reexpansão pulmonar (inspiração em três tempos, inspiração sustentada, incentivador respiratório a fluxo, exercício ativo de MMSS associado à respiração - máximo 90 graus); reeducação diafragmática; e estímulo à tosse com proteção da FO.

Para a realização da fisioterapia motora foram avaliados alguns sinais e sintomas que indicariam intolerância ao esforço, tais como fadiga, cianose, palidez, náusea, sudorese, queda da saturação parcial de oxigênio, hipotensão postural ou aumento da frequência cardíaca (FC) acima de 20 bpm em relação à FC basal o qual poderia implicar na interrupção da sessão. Inicialmente foram realizados exercícios ativos de membros superiores (MMSSs) (metabólicos, abrir e fechar as mãos) e exercícios ativos de membros inferiores (MMIIs) (metabólicos, flexão/extensão). A cinesioterapia foi realizada em decúbito dorsal, sentado e em ortostase progressivamente.

Em sequência foi realizada marcha estacionária, deambulação assistida com aumento progressivo da distância, respeitando os limites individuais do paciente. A progressão do esforço obedeceu a alguns critérios: manutenção da estabilidade clínica, adequada resposta da FC e da pressão arterial (PA), e disposição do paciente.

Durante os atendimentos na enfermaria foram realizadas orientações para as atividades de vida diária (AVDs), como mudanças de decúbito frequentes, procurando não forçar os membros superiores (MMSSs) e utilizando a força em membros inferiores (MMIIs); a maneira correta de levantar-se do leito, ou seja, que o paciente fique em decúbito lateral para o lado em que for sair do leito, e ao mesmo tempo abaixar os MMIIs e elevar o troco inicialmente com auxílio de acompanhante/cuidador. Foram realizadas também orientações quanto à maneira correta de sentar e levantar-se da cadeira/poltrona, dando ênfase à inclinação do tronco para à frente, e que a força de impulsão fosse realizada pelos MMIIs. Além disso, o paciente foi instruído a não permanecer em decúbito lateral.

Para alta hospitalar foram realizadas as orientações para as AVDs (vestir-se, transferências posturais e outras); exercícios metabólicos de MMSSs e MMIIs, exercícios respiratório diafragmático, incentivador respiratório fluxo e deambulação em terrenos planos.

 

Discussão

 

O pós-operatório de cirurgia de revascularização do miocárdio (CRVM) é considerado um período crítico, quando as complicações podem influenciar a recuperação do paciente. Ressalta-se que a assistência fisioterapêutica precoce não deve se concentrar apenas na prevenção de complicações e morbidades como também na recuperação funcional do paciente [9-11]. Apesar de o cirurgião exercer um papel fundamental nos desfechos da cirurgia, a eficácia e segurança do procedimento também dependem dos esforços de toda a equipe multidisciplinar nos cuidados pré e, sobretudo, nos cuidados pós-operatório, uma vez que os riscos de complicações são maiores durante e logo após a cirurgia [12,13].

Desse modo os principais objetivos da assistência fisioterapêutica ao paciente submetido à CRVM com evolução de mediastinite como complicação pós-operatória são prevenir/ minimizar as disfunções pulmonares e manutenção/ganho mobilidade para as atividades funcionais.

A mediastinite é uma das mais graves complicações pós-operatória da cirurgia cardíaca. É definida como a infecção dos tecidos profundos da ferida operatória associada à osteomielite de esterno, podendo comprometer também o espaço retroesternal [12].

Várias são as possibilidades de portas de entrada para agentes patogênicos nos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, pelo comprometimento da irrigação do esterno; uso das artérias torácicas internas na cirurgia de revascularização do miocárdio e utilização de próteses em contato com a corrente sanguínea [13]. A incidência de mediastinite nas esternotomias é de 5% e o óbito provocado pela mediastinite está em torno de 15% [12].

De acordo com Pinto et al. [14], os fatores de risco associados à mediastinite são divididos em pré-cirúrgicos, cirúrgicos e pós-cirúrgicos. Dentre os pré-cirúrgicos, destacam-se: idade avançada, sexo masculino, tabagismo, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), hipertensão pulmonar e a diabetes mellitus. Já está bem descrito na literatura que o paciente diabético apresenta alterações na microcirculação e na cicatrização, contribuindo para maior incidência de infecção operatória [12-14].

O relato de caso descrito acima reforça os achados de outros autores que mostraram que o sexo masculino está sob maior risco de mediastinite [14,15]. Um dos mecanismos prováveis se relaciona com os aspectos anatômicos do homem (folículos pilosos na região da esternotomia), favorecendo o crescimento e a infecção bacteriana [14]. Além disso, esses grupos de pesquisadores também demonstraram que o tabagismo crônico é um fator de risco para problemas respiratórios, levando à instabilidade de esterno, favorecendo a maior incidência de mediastinite [14,15].

Dentre os fatores de risco cirúrgicos destacam-se [11]: tipo de cirurgia (eletiva ou urgência), tempo cirúrgico prolongado, cirurgia de revascularização do miocárdio (CRVM) utilizando artérias mamárias bilaterais e a inserção de balão intra-aórtico. Corroborando os resultados encontrados pelos autores supracitados, o paciente do presente estudo de caso realizou CRVM utilizando artéria mamária.

Já os fatores pós-cirúrgicos, destacam-se os tempos prolongados de internação hospitalar, e de permanência nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), sangramento e complicações respiratórias [14].

Como já descrito previamente, na cirurgia cardíaca, considerada de grande porte, muitas complicações podem ocorrer, entre elas as pulmonares [1,3-5]. Estudos realizados em diferentes serviços de saúde destacam as complicações pulmonares como fator de risco associado à mediastinite [1,4,14].

As complicações pulmonares após cirurgia cardíaca estão associadas à anestesia geral que parece reduzir a capacidade residual funcional (CRF) em cerca de 20%; a incisão (esternotomia) e a presença de drenos pleurais, que por sua vez, reduzem o volume residual (VR), a capacidade vital (CV), a capacidade pulmonar total (CPT), levando à formação de atelectasias, com alterações da ventilação-perfusão (V/Q), da pressão parcial de gás carbônico no sangue arterial (PaCO2) e pressão parcial de oxigênio no sangue arterial (PaO2) [16].

Além disso, as reações inflamatórias desencadeadas pela circulação extracorpórea (CEC) promovem extravazamento de líquido extravascular pulmonar e inativação do surfactante e o colapso de algumas regiões prejudicando as trocas gasosas e causando aumento do trabalho respiratório no período pós-operatório [16].

Já está bem estabelecido na literatura científica que a atelectasia, pneumonia e a hipoxemia encontram-se entre as principais complicações pulmonares no pós-operatório de cirurgia cardíaca [17]. No caso descrito, o paciente evoluiu com tosse produtiva e pneumonia.

Os mesmos autores [17] também relatam que a dor pós-operatória é outro aspecto que pode dificultar a capacidade do paciente tossir, respirar e movimentar-se adequadamente. Em pacientes que evoluíram com diagnóstico de mediastiniteessa dificuldade pode ser maximizada. O paciente do referido relato de caso evoluiu com dor em FO, dificuldade para tossir e respiração superficial. Técnicas fisioterapêuticas de higiene brônquica, orientação quanto à proteção da FO durante a tosse e redução diafragmática foram utilizadas no manejo da reabilitação pulmonar.

O tratamento da mediastinite pós-esternotomia ainda representa um desafio. Já está bem estabelecida uma abordagem interdisciplinar no manejo do paciente com mediastinite. Os avanços alcançados até o momento propiciaram novas opções terapêuticas para essas infecções graves. As evidências indicam que abordagens agressivas e precoces, associadas ao uso de antimicrobianos, representam importante forma de tratamento. Neste contexto, a oxigenoterapia hiperbárica surge como uma terapêutica adjuvante no tratamento da mediastinite [18].

No referido relato de caso, além da utilização de antibiotioterapia e procedimentos cirúrgicos, outra modalidade de tratamento utilizada foi a oxigenoterapia hiperbárica. A oxigenoterapia hiperbárica [6] é uma modalidade terapêutica que consiste na utilização de oxigênio puro (100%) a pressões maiores que a atmosférica, com o paciente no interior de câmara especialmente preparada. Seu mecanismo básico de atuação é a aceleração da formação de tecido de granulação, além de agir como coadjuvante no controle de infecções, objetivando um processo de cura mais acelerado.

Uma publicação de 2013 mostrou resultados favoráveis, como diminuição de tempo de hospitalização e custos hospitalares, em relação à utilização da oxigenoterapia hiperbárica como terapêutica adjuvante no tratamento mediastinite [18].

Estudos realizados em diferentes serviços mostram a importância e a necessidade da equipe multidisciplinar atuar de forma interdisciplinar, estruturada e harmoniosa, com funções distintas na abordagem ao paciente. A fisioterapia desponta como um colaborador na prevenção e no tratamento de complicações no pós-operatório, principalmente quando esse profissional compreende as alterações ocorridas na cirurgia e suas consequências, tornando dessa forma mais eficaz o seu manejo no tratamento a ser tomado com este paciente.

Para este paciente, os objetivos fisioterapêuticos foram restabelecer as funções pulmonares e manutenção/ganho de mobilidade para o retorno às atividades funcionais, condutas que, junto às abordagens clínicas, visam a melhora rápida e alta hospitalar precoce.

Atender uma condição tão particular no âmbito hospitalar nos permite amadurecer como profissionais, buscando técnicas mais adequadas para reabilitar o paciente com todas as suas especificidades, além de incitar a pesquisa e a difusão de novos conhecimentos.

 

Conclusão

 

O diagnóstico precoce da mediastinite e a intervenção terapêutica são fundamentais para a recuperação do paciente. A diversidade dessas situações e a existência de poucos estudos sobre a atuação fisioterapêutica nesses casos mostram uma lacuna de conhecimento nesta área da saúde e a possibilidade de explorar o assunto para ampliar a atuação deste profissional em futuros casos semelhantes.

 

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