ARTIGO ORIGINAL
A efetividade da fisioterapia pélvica para a vida
diária de pacientes com incontinência urinária: estudo experimental pragmático
retrospectivo
Effectiveness
of physical therapy for daily life of patients with urinary incontinence:
retrospective pragmatic experimental study
Patrícia
Zaidan de Barros, Ft., D.Sc*, Elirez Bezzera da Silva, D.Sc.**
*Especialista em Fisioterapia Uroginecológica,
D.Sc. em Ciências do Exercício e do Esporte
(UERJ), colaboradora do Ambulatório de Fisioterapia
Pélvica do Hospital
Federal dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro HFSE, Membro do
Grupo de
Pesquisa CES/UERJ, **Graduado em Fisioterapia e Educação
Física, Professor do
Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em
Ciências do Exercício e do Esporte, Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ), Coordenador do Grupo de
Pesquisa CES/UERJ
Recebido
em 29 de novembro de 2018; aceito em 2 de junho de 2019.
Correspondência: Patricia
Zaidan, Rua Miguel Couto 134/402, 20070-030 Rio de
Janeiro RJ, E-mail: patriciazaidan@gmail.com; Elirez Bezzera da Silva: elirezsilva@cosmevelho.com.br
Resumo
Objetivo: Avaliar a efetividade
da fisioterapia pélvica sobre a vida diária de pacientes com incontinência
urinária (IU). Métodos: Estudo
experimental pragmático retrospectivo. Foram analisados 128 prontuários de
pacientes encaminhados à fisioterapia pélvica para o Hospital Federal dos
Servidores do Rio de Janeiro com diagnóstico médico de IU nos anos 2010-2013.
Estes pacientes foram avaliados e tratados por fisioterapeutas especializados.
Foram coletados pré e pós-tratamento: resultados do International Consultation on Incontinence Questionnaire-Short Form
(ICIQ-SF), a quantidade de protetores diários utilizados, a força dos músculos
do assoalho pélvico (MAPs). Além disso, sexo; idade;
tipo de IU; a intervenção realizada; quantidade, duração e frequência das
sessões semanais. Resultados: Ao
comparar os resultados dos questionários aplicados antes e após a intervenção
da fisioterapia pélvica, observou-se uma diminuição significativa nos seguintes
parâmetros: na frequência de IU de 4,1 ± 0,7 para 1,4 ± 1,5 (P = 0,0001); na
quantidade de urina que o paciente perdeu de 4,5 ± 1,2 para 1,5 ± 1,6 (P =
0,0001); no impacto causado pela perda urinária de 8,9 ± 1,9 para 1,7 ± 2,7 (P
= 0,0001) e no escore final ICIQ - SF de 17, 5 ± 2,8 para 4,5 ± 5,4 (P =
0,0001). Conclusão: Na prática, a
fisioterapia pélvica mostrou ser de grande contribuição para a vida diária de
pacientes com IU, pois possibilitou o aumento da força dos MAPs,
com consequente diminuição de perda urinária e uso de protetores diários,
diminuindo significativamente o impacto da IU na vida diária destes pacientes
(P = 0,0001).
Palavras-chave: Fisioterapia,
incontinência urinária, qualidade de vida.
Abstract
Objective: To verify the
effectiveness of pelvic physical therapy in the daily life of patients with
urinary incontinence (UI). Methods:
Retrospective pragmatic experimental study. We analyzed 128 medical records of
patients referred to pelvic physical therapy for the Hospital Federal dos Servidores do Rio de Janeiro (Hospital of the Servants of
Rio de Janeiro) with medical diagnosis of UI. These patients were evaluated and
treated by specialized physiotherapists. Pre- and post-treatment data were
collected from the International Consultation on Incontinence Questionnaire -
Short Form (ICIQ-SF), the number of daily protectors used, the strength of the
pelvic floor muscles (MAPs). In addition, sex; age; Type of UI; The
intervention; Quantity, duration and frequency of weekly sessions. Results: When comparing the results of
the questionnaires applied before and after pelvic physiotherapy intervention,
a significant decrease was observed in the following parameters: in the UI
frequency of 4.1 ± 0.7 to 1.4 ± 1.5 (P = 0.0001); In the amount of urine the
patient lost from 4.5 ± 1.2 to 1.5 ± 1.6 (P = 0.0001); In the impact caused by
urinary loss from 8.9 ± 1.9 to 1.7 ± 2.7 (P = 0.0001) and in the ICIQ-SF final
score from 17.5 ± 2.8 to 4.5 ± 5.4 (P = 0.0001). Conclusion: In practice, pelvic physical therapy has been shown to
be effective in the treatment of patients with UI, since it has allowed the
increase of the strength of the pelvic floor muscles, with consequent reduction
of urinary loss and use of daily protectors, significantly reducing the impact
of UI on daily life of these patients (P = 0.001).
Key-words: Physical
therapy, urinary incontinence, quality of life.
A
incontinência urinária (IU), além de ser multifatorial com enorme complexidade
terapêutica, causa um imenso impacto sobre a qualidade de vida das pessoas.
Acarreta distúrbios de extrema importância que afetam variados aspectos na
vida, não exclusivamente o aspecto físico como também o social, psicológico,
ocupacional, doméstico e social [1]. Este constrangimento conduz o paciente a
procurar além do serviço médico, o serviço fisioterapêutico com a intenção de
cura ou suavização de seu problema [2].
De
acordo com a Sociedade Internacional de Continência (ICS) a IU é definida como
queixa de qualquer perda involuntária de urina, devendo ser exposto fatores
relevantes específicos como tipo, frequência, severidade, predisposição,
impacto social e na qualidade de vida. Sua proporção está relacionada à perda,
uso de protetores – quantidade e tipo, e a mudança de vestuário íntimo e/ou
externo [3].
A
IU pode ser classificada em Incontinência Urinária de Esforço (IUE), que se
caracteriza pela queixa de perda involuntária aos esforços físicos;
Incontinência Urinária de Urgência (IUU), que se distingue como queixa de perda
involuntária acompanhado de um desejo imperioso de urgência; e Incontinência
Urinária Mista (IUM), que consiste na queixa de perda involuntária associada
aos esforços físicos e a urgência [3].
A
perda urinária é um estado anormal e, em qualquer idade, não depende apenas da
integridade do trato urinário inferior. Diversos fatores têm sido relacionados
à sua ocorrência, sendo ponderados como os mais importantes a idade avançada,
gestação, o parto, o hipoestrogenismo na menopausa, a
prostatectomia, algumas doenças neurológicas que
atingem o sistema nervoso central como acidente vascular encefálico, a doença
de Parkinson, e, além disso, medicamentos e cirurgias que podem ocasionar
alterações no tônus muscular pélvico e/ou causar danos nervosos [4,5].
O
impacto da IU e suas intervenções associada com o relato de saúde na qualidade
de vida segundo a concepção do indivíduo, pode ser avaliada de forma objetiva
ou subjetiva. Isto pode ser feito por questionários específicos a qualquer
pessoa incontinente para estimar o impacto da perda urinária em sua vida, a
investigação de como cada um distingue a percepção deste problema permite o
profissional ajustar sua terapêutica de acordo com a necessidade e expectativa
individual, favorecendo a aderência do paciente e o seu êxito na intervenção
[6]. Apesar de inúmeros questionários desenvolvidos, poucos são validados para
o português, sendo os mais utilizados com alta confiabilidade e preponderância,
inclusive na escala de medidas de gravidade, o International Consultation on Incontinence Questionnaire-Short Form (ICIQ-SF) e o King’s Health Questionnaire [7,8].
Este
estudo teve por objetivo verificar a efetividade da fisioterapia pélvica para a
vida diária de pacientes com incontinência urinária.
Estudo
experimental pragmático retrospectivo aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital
Federal dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro (HFSE) com o número 000503.
Foram analisados 128 prontuários de pacientes encaminhados ao Ambulatório de
Fisioterapia Pélvica do HFSE, com diagnóstico médico de IU nos anos de 2010 a
2013, dos quais foram coletadas as seguintes informações: sexo, idade, tipo de
IU, tratamento fisioterapêutico realizado, duração, frequência semanal e
quantidade das sessões realizadas, quantificação e a qualificação da IU na vida
diária pré e pós-tratamento, mensuradas pelo International Consultationon Incontinence Questionnaire-Short Form (ICIQ), que é um instrumento simples, breve,
adaptado a cultura brasileira, – que avalia especificamente o impacto da perda
de urina na qualidade de vida dos pacientes. O ICIQ-SF é composto de quatro
questões que avaliam a frequência, a gravidade, a quantidade de urina perdida e
o impacto da IU na vida diária, além de um conjunto de oito itens de autodiagnostico,
relacionados às causas ou a situações de IU vivenciadas pelos pacientes, sendo
que apenas as três primeiras questões são pontuadas. O escore total varia de 0
a 21 pontos, quanto maior a pontuação maior o impacto da IU na vida diária.
Perda
urinária no pré e na pós-intervenção, mensuradas pela
quantidade de protetores diários, força dos MAPs pré e pós-intervenção, mensuradas pela avaliação funcional
do assoalho pélvico (AFA) também foram analisados.
O
tratamento fisioterapêutico e as respectivas avaliações foram conduzidos e
registrados nos 128 prontuários por fisioterapeutas experientes e
especializados em fisioterapia pélvica.
Para
o tratamento estatístico dos dados foi realizado inicialmente a análise
descritiva (média e desvio padrão). O pressuposto de normalidade foi verificado
a partir do teste Kolmogorov-Sminorv, que uma vez
atendido, rodou-se o teste t de student para amostras
pareadas. Toda a análise estatística foi executada no programa SPSS 21 e o
nível de significância adotado foi P ≤ 0,05.
Os
128 pacientes apresentaram idade de 64,5 ± 8,6 anos, sendo 99 homens e 29
mulheres (P1 e P2 – ICIQ-SF). As IU encontradas foram de esforço (6%), de
urgência (4%), mista (12%), após prostatectomia
radical (77%) e ressecção transuretral (1%). Foram realizados como tratamento a
eletroestimulação: 65 Hz/500µs/20min para a IUE e IU após a prostatectomia
radical, 10 Hz/250µs/20min para a IUU, 65 Hz/500µs/15min + 10 Hz/250µs/15min
para IUM; exercício dos MAPs: duas séries de 5
repetições de uma contração máxima e um repouso de 6 segundos entre elas em
decúbito lateral com toque retal mais 3 séries de oito repetições sustentando
por 4 segundos a contração e um repouso de 4 segundos entre elas em decúbito
lateral, sentado, ponte, e em pé/agachando; exercícios domiciliares com o tempo
de trabalho e repouso de acordo com o grau de força de cada paciente avaliado
pelo AFA, porém todos foram orientados a realizar deitados de lado e/ou
sentados, durante 5 min, entre 3 e 5 vezes por semana; e biofeedback de acordo com o grau
de força de cada paciente avaliado pelo AFA, com duração de 5 min. As
intervenções foram realizadas tanto individualmente como associadas, variando
com o quadro clínico.
A
quantidade de sessões foi de 20,5 ± 11,3, com duração de cerca de 30 minutos e
frequência semanal igual a duas vezes. A quantidade de protetores diários após
o tratamento fisioterapêutico diminuiu significativamente de 3,1 ± 1,7 para 0,8
± 1,1 (t = 16,7; P = 0,0001). A força dos MAPs após o
tratamento fisioterapêutico aumentou significativamente de 2,1 ± 0,9 para 3,8 ±
0,8 (t = -26,6; P = 0,0001). O impacto da IU nas atividades de vida diária após
o tratamento fisioterapêutico diminuiu significativamente de 17,5 ± 2,8 para
4,5 ± 5,4 (t = 25,7; P = 0, 0001).
A
Tabela I apresenta a comparação obtida dos resultados dos questionários anexos
ao prontuário de cada indivíduo, aplicados antes e após a intervenção
fisioterapêutica.
Tabela I - Incontinência Urinária em 128 pacientes do HFSE no período de 2010 a
2013 - ICIQ-SF.
P3
(pergunta 3 do ICIQ-SF) = Com que frequência você perde urina (0 = nunca; 5
= tempo todo; intervalo = 1; P4 (pergunta 4 do ICIQ-SF) = Gostaríamos de saber a
quantidade de urina que você pensa que perde? (0 = nenhuma; 6 = Uma grande
quantidade; intervalo = 2); P5 (pergunta 5 do ICIQ-SF) = Em geral quanto que
perder urina interfere na sua vida diária? (escala de 0 a 10, onde 0 = não
interfere e 10 = interfere muito; intervalo = 1); Escore ICIQ = P3 + P4+ P5;
intervalo = 1; t = valor t do test t-student.
A
Tabela II descrita abaixo mostra pela pergunta P6 quais momentos o paciente
perdeu urina em sua vida diária. A maior parte dos entrevistados (n = 90)
afirmou perder urina enquanto tossia ou espirrava (opção C). Após o tratamento
a maioria (n = 93) assinalou a opção nunca perder (opção A).
Tabela II - Qualificação da perda urinária (item 6 ICIQ-SF*).
*Mais
de uma opção, os pacientes poderiam apontar para esta questão.
Em
função dos resultados expressos no presente estudo, a prática da fisioterapia
pélvica realizada no Ambulatório de Fisioterapia do Setor de Urologia do HFSE
torna-se uma eficaz alternativa na recuperação da continência urinária de seus
pacientes. Tal possibilidade pode ser explicada pelo treinamento muscular, que
conferiu resistência e força aos MAPs dos mesmos.
Corroborando a referida hipótese, a literatura mostra a importância fundamental
no suporte dos órgãos pélvicos e na manutenção da continência urinária pelos MAPs fortalecidos, já que estes juntamente com as fibras de
músculos estriados, extrínsecas à uretra no nível do diafragma pélvico,
favorecem positivamente a continência urinária ativa [9,10].
Os
benefícios da fisioterapia pélvica evidenciados no presente estudo foram também
encontrados em outros estudos. Filocamo et al. [11], em um estudo randomizado
com total de 300 pacientes incontinentes pós-prostatectomizados,
relataram que a intervenção fisioterapêutica acelerou a melhora e/ou cura total
do quadro de incontinência. Dos pacientes que receberam a reabilitação do
assoalho pélvico, 96% tornaram-se continentes em comparação a 64.6% dos
indivíduos que não receberam o tratamento (P < 0,00001).
Outro
estudo randomizado realizado por Mariotti et al. [12] apresentou a vantagem
significativa da eletroestimulação associada ao biofeedback. Ao separar 60
pacientes em dois grupos controle e intervenção, 96,7% dos indivíduos do grupo
que receberam a intervenção tornaram-se continentes, enquanto que no grupo
controle que não receberam nenhum tratamento, 67,7% permaneceram incontinentes
(P < 0,0001).
Outros
autores como Kakihara et al. [13] mostram que a Fisioterapia contribuiu para a redução da
IU independente da técnica utilizada, cinesioterapia associada a
eletroestimulação ou não (P < 0,001). Ribeiro et al. [14] compararam que
96,15% dos pacientes que receberam intervenção de tratamento com biofeedback
acompanhada de eletroestimulação e exercícios diários obtiveram resultados
superiores em termos de duração e severidade, bem como sintomas da IU, força
muscular do assoalho pélvico e melhora da qualidade de vida contra 75% dos
pacientes controle (P = 0.028).
Da
mesma forma, no estudo de Sand et al. [15], 42 indivíduos foram divididos em dois grupos: controle
e eletroestimulação. O grupo controle não sofreu alterações nos episódios de
perda urinária, força muscular e no escore de mensuração da escala visual, já o
grupo eletroestimulação mostrou-se superior ao grupo controle, pois obteve
redução na perda urinária, melhora da força muscular e diminuição na escala
visual de mensuração, (P = 0,04; P = 0,02 e P = 0,007)
respectivamente.
Entre
outros, Castro et al. [16] analisaram
e compararam a eficácia da fisioterapia pélvica em estudo randomizado duplo
cego totalizando 118 indivíduos divididos em quatro grupos, um controle e três
ativos. Esse estudo mostrou que houve uma queda no peso do pad test do grupo ativo, quando comparado ao
grupo controle. Não houve diferença entre as três terapias ativas após seis
meses de tratamento (P = 0,003).
A
IU exerce um grande impacto sobre a saúde e a qualidade de vida do indivíduo
[17,18]. O tratamento pode não curá-la, mas
melhorá-la, prevenindo complicações e contribuindo de forma positiva em sua
vida diária [18,19]. Este estudo mostrou como era grande a perda urinária
sofrida por estes pacientes e como isto interferiu de forma negativa em suas
vidas. Com o tratamento fisioterapêutico realizado ocorreu a diminuição
significativa da IU, com aumento da força dos MAP e consequente diminuição do
impacto da IU na vida diária destas pessoas.
O
presente estudo por ser retrospectivo, apresenta como limitação o viés de
relato. Entretanto, por ser experimental pragmático, cientificamente, se faz
importante ser considerado uma abordagem prévia para os experimentos
controlados e randomizados. Neste sentido, sua tipologia metodológica descreve
a efetividade da intervenção, buscando a avaliação da eficácia através da
rotina clínica de atendimentos.
Assim,
a partir de uma população mais heterogênea de pacientes, os protocolos de
tratamentos realizados são mais flexíveis de acordo com as necessidades
individuais, o que representa uma aproximação das características dos pacientes
à intervenção realizada na prática clínica, com isso, permite-se a avaliação
dos benefícios das intervenções aplicadas em um contexto de realidade. Com
isso, o comprometimento da validade interna é contrabalanceado com o aumento da
validade externa do estudo.
A
fisioterapia pélvica realizada no Ambulatório de Fisioterapia do Setor de
Urologia do HFSE mostrou-se efetiva no tratamento de pacientes com IU, pois
possibilitou o aumento da força dos músculos do assoalho pélvico, com
consequente diminuição de perda urinária e uso de protetores diários,
diminuindo significativamente o impacto da IU na vida diária destes pacientes
(P = 0,0001).