REVISÃO

Os efeitos da equoterapia em crianças com autismo

The effects of equine therapy in children with autism

 

Fernando de Oliveira Ribeiro*, Gabriela Cunha Pimentel*, Nandra Oneide Pantoja Moraes*, Luana Valéria dos Santos Blois, M.Sc.**

 

*Acadêmicos do 8º período do curso de Fisioterapia do Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA/PA), Belém/PA, **Docente do curso de Fisioterapia do Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA/PA), Belém/PA

 

Recebido em 18 de dezembro de 2018; aceito em 23 de setembro de 2019.

Correspondência: Luana Valéria dos Santos Blois, Travessa da Estrella, 3295, 66080-472 Belém PA

 

Luana Valéria dos Santos Blois: luablois@yahoo.com.br

Fernando de Oliveira Ribeiro: fernandoliveira__@hotmail.com

Nandra Oneide Pantoja Moraes: nandraoneide@hotmail.com

Gabriela Cunha Pimentel: gabic_p@hotmail.com

 

Resumo

Introdução: A equoterapia é uma das alternativas para melhor atender as especificidades das crianças com transtorno espectro autistas, no intuito de contribuir em seu desenvolvimento global. Objetivo: Analisar os efeitos de intervenções terapêuticas baseadas na equoterapia para o desenvolvimento de crianças com autismo. Métodos: A metodologia deste estudo foi pautada na revisão bibliográfica, de caráter descritivo, a fim de compreender os efeitos da equoterapia no desenvolvimento da criança autista. Foi realizado levantamento de artigos científicos publicados entre 2016 e 2018, com busca nas bases de dados Scielo, Pubmed, PEDro e Lilacs. Resultados: Os resultados desta pesquisa apontam que a equoterapia propicia inúmeros efeitos benéficos para crianças autistas no que se refere à motricidade e aos aspectos cognitivos e psicológicos, visto que as atividades propostas pela terapia com cavalos geram benefícios ao equilíbrio, concentração e postura. Conclusão: Considerando os efeitos benéficos que a equoterapia gera no desenvolvimento global da criança autista, é imprescindível que profissionais como os fisioterapeutas busquem mais informações sobre a referida terapia, atuando com práticas interventivas eficazes dentro do contexto da fisioterapia em neuropediatria e mediadores no processo de construção para melhor qualidade de vida em indivíduos autistas por meio das terapias complementares com cavalos.

Palavras-chave: terapia assistida por cavalos, transtorno espectro autista, fisioterapia.

 

Abstract

Introduction: Equine therapy is one of the alternatives to better meet the specificities of children with autism spectrum disorder, in order to contribute to their overall development. Objective: To analyze the effects of therapeutic interventions based on equine therapy for the development of children with autism. Methods: The methodology of this study was based on a descriptive literature review to understand the effects of equine therapy on the development of autistic children. A survey of articles published between 2016 and 2018 was carried out, in the databases Scielo, Pubmed, PEDro and Lilacs. Results: The results indicate that equine therapy offers innumerable beneficial effects for autistic children about motor, cognitive and psychological aspects, since the activities proposed by horse therapy generate benefits to balance, concentration and posture. Conclusion: Considering the beneficial effects of equine therapy on the overall development of autistic children, it is essential that professionals such as physiotherapists seek more information on this therapy, acting with effective intervention practices within the context of physiotherapy in neuropediatrics and mediators in the construction process for better quality of life in autistic individuals through complementary therapies with horses.

Key-words: equine-assisted therapy, autism spectrum disorder, physical therapy.

 

Introdução

 

O TEA (Transtorno Espectro Autista) representa uma síndrome comportamental responsável por comprometer o desenvolvimento motor e psiconeurológico, o que gera prejuízos a diferentes áreas como o cognitivo, a linguagem e a sociabilidade do indivíduo [1]. Logo, novas técnicas e terapias complementares surgem nesse cenário para melhorar a qualidade de vida dos indivíduos autistas, principalmente das crianças, tendo em vista o comprometimento no desenvolvimento global [2].

A terapia assistida por animais é uma delas e nos últimos anos obteve uma aceitação cada vez mais crescente na sociedade contemporânea no que se refere ao tratamento de pessoas com TEA, tendo o enfoque na estimulação dos campos cognitivos, emocionais e sociais dos pacientes. Isso se deve pelo fato de que os autistas demonstram uma empatia especial pelos animais [3]. Desse modo, os pacientes autistas que realizam a terapia assistida por animais são estimulados a formarem laços, como na equoterapia [4].

Assim, a equoterapia vai auxiliar na integração em grupo, no comportamento e na efetividade, no que se refere ao tratamento de crianças autistas, promovendo inúmeros efeitos benéficos [5], através do trabalho em torno do estímulo corporal, uma vez que, embora o paciente não execute movimentos, estará recebendo os estímulos corporais por meio do movimento tridimensional proporcionado pelo passo do cavalo [6].

Logo, este artigo tem como objetivo geral analisar os efeitos de intervenções terapêuticas baseadas na equoterapia para o desenvolvimento neuromotor de crianças com autismo. Nesse sentido, esta pesquisa visa promover reflexões sobre a equoterapia para crianças autistas como uma estratégia complementar que possibilita inúmeros efeitos positivos e significativos para o desenvolvimento da criança com TEA, além de suscitar interesse para futuros trabalhos acadêmicos na área.

 

Material e métodos

 

A metodologia deste estudo foi pautada na revisão bibliográfica, de caráter descritivo, sendo realizada uma busca nas bases de dados Medline, Scielo, Pubmed, PEDro e Lilacs.

Os critérios de inclusão foram: artigos que tivessem relação com o tema proposto, pesquisas com publicação entre 2010 e 2018, artigos completos, disponíveis online, textos na língua portuguesa e inglesa. Os critérios de exclusão foram: artigos de revisões de literatura.

Realizou-se a leitura de títulos e resumos para a seleção de artigos pertinentes à pesquisa, utilizando as palavras-chave da pesquisa como Equoterapia, Autismo, Crianças com TEA, Fisioterapia em Neuropediatria, bem como as palavras-chave na língua inglesa como equine-assisted therapy, autism, children with ASD, physiotherapy in neuropediatrics.

Após a seleção dos artigos relevantes para a pesquisa, foi realizada a leitura exploratória, seletiva, analítica e interpretativa dos textos e foi feita a análise dos dados.

 

Resultados

 

Os artigos pré-selecionados foram submetidos aos critérios de inclusão e de exclusão desta pesquisa, resultando em 10 artigos da base de dados Scielo, 0 artigos da base de dados Lilacs, 15 da base de dados Pubmed, 3 da base de dados da PEDro e 15 da base de dados da Medline. Após a leitura dos resumos, restaram 20 artigos para uma avaliação mais detalhada. Em seguida, com a realização mais minuciosa e criteriosa dos artigos pré-selecionados, foram selecionados um total de 14 artigos, sendo 6 da Scielo, 5 da Pubmed e 3 da Medline, com 5 artigos em português e 9 em inglês.

 

 

Fonte: autoria própria (2018).

Figura 1 - Fluxograma dos estudos identificados e selecionados conforme a busca nas bases de dados.

 

Em relação aos 14 artigos incluídos, 5 observaram melhorias significativas nos aspectos comportamentais, 5 verificaram melhorias significativas sobre as habilidades motoras e 4 observaram melhorias na comunicação social, ambos os artigos também apresentaram resultados significativos e diferenciados nos aspectos de melhora da autoestima, autocuidado, postura corporal, cognição, como também melhora das funções sensoriais e afetividade.

 

 

Fonte: autoria própria (2018).

Figura 2 - Fluxograma dos estudos incluídos e seus resultados similares.

 

 

Quadro 1 - Artigos incluídos com seus respectivos autores, anos, títulos, objetivos resultados e conclusão. (ver anexo em PDF).

Discussão

 

Os resultados da pesquisa apontaram que a equoterapia promove efeitos substanciais no desenvolvimento da criança autista, pois o cavalo proporciona movimentos tridimensionais e multidirecionais comandado em percurso, possibilitando várias informações concomitantes ao corpo humano como controle bimanual sobre as rédeas, comandos por entre os pés, transferência do peso corporal entre outros. Os diferentes tipos de andaduras dos cavalos vão proporcionar estímulos corporais através de movimentos e oscilações com a finalidade de promover estímulos sensoriais, a ativação e modulação nervosa, capazes de emitir como resposta eferente (motora) um conjunto de ativações sensoriais como afirma Barbosa e Muster [15], proporcionando inúmeros benefícios psíquicos, melhorando a interação social, a atenção, a autonomia, a autoconfiança e autoestima, favorecendo também o equilíbrio e a motricidade [4].

Desta forma, vislumbra-se que a fisioterapia em neuropediatria é um instrumento que apresenta um leque de possibilidades, em complementação ao tratamento convencional, por meio da técnica da equoterapia [4,12]. Esta fisioterapia neurofuncional promove ações terapêuticas que visam à melhora da funcionalidade e no desempenho psicomotor da criança.

Assim, o estudo demonstra a relevância da equoterapia como um ramo da fisioterapia neuropediátrica, que, segundo Borgi et al. [4], gera avanços na autonomia, na participação social e na motricidade, o que corrobora Wiese et al. [3] quando afirmam que a equoterapia pode gerar resultados substanciais no seu desenvolvimento social, bem como melhorar a concentração, o envolvimento, a interação recíproca e a comunicação.

Além disso, os resultados deste estudo confirmam que o surgimento dos primeiros sintomas do autismo ocorrem ainda na primeira infância, antes dos três anos de idade como salienta Holanda et al. [1], sendo primordial ressaltar que a estimulação e intervenção precoce é de suma importância para o desenvolvimento da criança autista, como alertam Bender e Guarany [9], uma vez que geram melhorias em seu quadro clínico e promovem progressos substanciais e duradouros no desenvolvimento global da criança autista.

Outrossim, a equoterapia desenvolve novas formas de comunicação, interação social e autoestima, por meio da relação com os cavalos, que aceitam as crianças autistas do modo que são, estimulando-as a buscar modos de expressar seus sentimentos e emoções como apontam Cruz e Pottker [7]. Nesse sentido, Lanning et al. [5] ainda complementam destacando que a terapia assistida por cavalos propicia uma abordagem dinâmica da psicologia da criança com TEA e a montagem nos cavalos diminui a ansiedade e proporciona sentimentos de autoestima e de autoconfiança, permitindo amenizar os sintomas autísticos e gerando aumento no desempenho cotidiano.

Dessa forma, conforme Freire [9], a interação que a criança autista estabelece com o cavalo, desde o primeiro contato e cuidados preliminares até a montaria, contribui para a construção de novas estratégias de comunicação, estimula a interação social, a autoconfiança e a autoestima, visto que, segundo Souza e Silva [10], as terapias que utilizam cavalos representam um conjunto de técnicas que atuam no sentido de amenizar danos sensório-motores, intelectuais, cognitivos e comportamentais, por intermédio de situações lúdico-desportivas com o equino.

Além disso, é relevante salientar que, segundo Llambias et al. [11], a equoterapia precisa ser adaptada conforme as especificidades dos sujeitos autistas envolvidos, isto é, a terapia assistida por cavalos no tratamento de crianças autistas precisa basear suas atividades na ludicidade, utilizando diferentes materiais com finalidades específicas conforme elenca Lanning et al. [5] quando mencionam o bastão para a melhoria da postura, as argolas e os cones para o equilíbrio e concentração, tendo em vista que é por meio da ludicidade que as crianças aprendem e vivenciam o mundo.

Isso ocorre em virtude do papel social que os cavalos assumem na equoterapia, uma vez que, de acordo com Harris e Williams [14], os equinos atuam como facilitadores sociais, tendo em vista que facilitam as interações sociais por meio do aumento nos níveis de empatia da criança com TEA, representando, conforme argumenta Malcolm et al. [12], um meio de transição com o qual a criança autista estabelece um vínculo, formando as estruturas necessárias para que este vínculo se estenda ao ser humano.

Portanto, os efeitos que a equoterapia gera no desenvolvimento da criança autista compreendem, conforme Cruz e Pottker [7], a estimulação corpórea da criança, estimulando, ainda, o equilíbrio, desenvolvendo a postura e a coordenação motora, bem como promover a socialização e a diminuição da agressividade e agitação, desenvolvendo o raciocínio, a linguagem, os sentidos, a lateralidade e a orientação espaço temporal.

 

Conclusão

 

O presente artigo constatou a importância da equoterapia no tratamento de crianças autistas, elencando que as atividades assistidas por cavalos geram efeitos positivos e significativos no desenvolvimento das crianças com TEA, principalmente no que se refere à socialização, à comunicação e à motricidade.

Desse modo, faz-se necessário que a sociedade esteja esclarecida acerca do autismo e das terapias, não somente convencionais, mas complementares que podem impulsionar as potencialidades do indivíduo autista e contribuir para sua inclusão efetiva na sociedade.

Para tanto, considerando os efeitos benéficos que a equoterapia gera para o desenvolvimento global da criança autista, é imprescindível que profissionais como os fisioterapeutas busquem cada vez mais informações sobre a referida terapia, a fim de atuar com práticas interventivas eficazes dentro do contexto da fisioterapia em neuropediatria, atuando como mediadores no processo de construção de uma melhor qualidade de vida para os indivíduos autista por meio das terapias complementares com cavalos.

Portanto, é fundamental o levantamento de mais discussões e reflexões concernentes à promoção da equoterapia como tratamento eficaz para crianças autistas, com vistas de fomentar o respeito às diferenças, à identidade da criança com TEA e a sua autonomia, reconhecendo-as como sujeitos dotados de potencialidades próprias.

 

Referências

 

  1. Holanda RL, Lima FSP, Lobo LBC, Nunes TTV. Equoterapia e cognição em pacientes autistas: um estudo de caso. Psicol Reflex Crít 2004;17(1).
  2. Anderson S, Meints K. The effects of equine-assisted activities on the social functioning in children and adolescents with autism spectrum disorder. J Autism Dev Disord 2016;46(10):3344-52. https://doi.org/10.1007/s10803-016-2869-3
  3. Wiese C, Simpson R, Kumar S. The effectiveness of equine-based therapy in the treatment of social and behavioural aspects of children with autism spectrum disorder: a systematic review. The Internet Journal of Allied Health Sciences and Practice 2016;14(3).
  4. Borgi M, Loliva D, Cerino S, Chiarotti F, Venerosi A, Bramini M et al. Effectiveness of a standardized equine-assisted therapy program for children with autism spectrum disorder. J Autism Dev Disord 2016;46(1):1-9. https://doi.org/10.1007/s10803-015-2530-6
  5. Lanning BA, Baier MEM, Ivey-Hatz J, Krenek N, Tubbs JD. Effects of equine assisted activities on autism spectrum disorder. J Autism Dev Disord 2014;44(8):1897-907. https://doi.org/10.1007/s10803-014-2062-5
  6. Wuang YY, Wang CH, Huang MAO, Su CHW. The effectiveness of simulated developmental horse-riding program in children with autism. Adapt Phys Activ 2010;27(2):113-26.
  7. Cruz BDQ, Pottker CA. As contribuições da equoterapia para o desenvolvimento psicomotor da criança com transtorno de espectro autista. Uningá Review 2017;32(1):147-58.
  8. Bender DD, Guarany NR. Efeito da equoterapia no desempenho funcional de crianças e adolescentes com autismo. Revista Terapia Ocupacional 2016;27(3):271-7. https://doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v27i3p271-277
  9. Freire HB, Andrade PR, Motti GS. Equoterapia como recurso terapêutico no tratamento de crianças autistas. Multitemas 2005;32:55-66.
  10. Souza MB, Silva PLN. Equoterapia no tratamento do transtorno do espectro autista: a percepção dos técnicos. Rev Ciênc Conhecimento 2015;9(1):4-22.
  11. Llambias C, Magill-Evans J, Smith V, Warren S. Equine-assisted occupational therapy: increasing engagement for children with autism spectrum disorder. Am J Occup Ther 2016;70(6):7006220040p1-7006220040p9. https://doi.org/10.5014/ajot.2016.020701
  12. Malcolm R, Ecks S, Pickersgill M. ‘It just opens up their world’: autism, empathy, and the therapeutic effects of equine interactions. Anthropol Med 2018;25(2):220-34. https://doi.org/10.1080/13648470.2017.1291115
  13. Gabriels RL, Pan Z, Dechant B, Agnew JA, Brim N, Mesibov G. Randomized controlled trial of therapeutic horseback riding in children and adolescents with autism spectrum disorder. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry 2015;54(7):541-9. https://doi.org/10.1016/j.jaac.2015.04.007
  14. Harris A, Williams JM. The impact of a horse riding intervention on the social functioning of children with autism spectrum disorder. Int J Environ Res Public Health 2017;14(7). pii: E776. https://doi.org/10.3390/ijerph14070776
  15. Barbosa OB, Munster MA. O efeito de um programa de equoterapia no desenvolvimento psicomotor de crianças com indicativos de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Rev Bras Educ Espec 2014;20(1):69-84. https://doi.org/10.1590/S1413-65382014000100006