REVISÃO
Exercício
cíclico na saúde cardiovascular da mulher: uma análise pela variabilidade da
frequência cardíaca
Women's
cardiovascular health exercise: an analysis of heart rate variability
Wagner Santos Araújo, M.Sc.*, Marvyn de Santana do
Sacramento**, Lígia Gabrielle Leite Lacerda***, Jaimo
Souza Araujo, Ft.****, Ana Marice
Teixeira Ladeia, D.Sc.*****, Jefferson Petto, Ft., D.Sc.******
*Doutorando em Medicina e Saúde Humana, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador/BA, Docente do Curso de Fisioterapia da UNESULBAHIA, Eunápolis/BA, **Acadêmico de Fisioterapia, Faculdade Social da Bahia, Salvador/BA, ***Enfermeira do Hospital AMES, Eunápolis/BA, ****Fisioterapeuta, Santa Cruz de Cabrália/BA, *****Médica, Coordenadora da Pós-graduação Stricto Sensu em Medicina e Saúde Humana, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador/BA, ******Docente do Curso na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Faculdade Social da Bahia, Universidade Salvador e Faculdade Adventista da Bahia
Este
trabalho é parte da tese de doutorado de Wagner Santos
Araújo pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde
Pública sob orientação do Prof. Dr. Jefferson
Petto
Recebido em 13 de
janeiro de 2019; aceito em 19 de novembro de 2019.
Correspondência: Marvyn
de Santana do Sacramento, Rua Rio Grande do Sul, 356, 40830-140 Salvador BA
Marvyn de Santana do
Sacramento: marvynsantana@gmail.com
Wagner Santos Araújo:
wagaraujo@hotmail.com
Lígia Gabrielle Leite
Lacerda: gabrielle2019leite@gmail.com
Jaimo Souza Araujo: jaimo2019araujo@gmail.com
Ana Marice
Teixeira Ladeia: anamarice@bahiana.edu.br
Jefferson
Petto: gfpecba@bol.com.br
Resumo
Introdução: Doenças cardiovasculares
permanecem como a principal causa de morte em mulheres. Alguns recursos, como a
variabilidade da frequência cardíaca (VFC), permitem predizer os riscos de
intercorrências. Esta análise permite verificar de forma não invasiva as
influências do sistema nervoso autônomo sobre o nodo sinusal, estando a
predominância da sinalização simpática, associada a desfechos negativos. O
exercício físico é a medida preventiva com melhor custo benefício para a
manutenção da saúde cardiovascular e os estudos mais recentes vêm demonstrando
sua capacidade em modular a atividade autonômica. Objetivo: Verificar se o
exercício físico cíclico é capaz de aumentar a VFC em mulheres, independente da
condição clínica. Métodos: Trata-se
de uma revisão sistemática orientada pelo Preferred Reporting Items
for Systematic Reviews and
Meta-Analyses (PRISMA) guideline. As buscas foram
realizadas entre julho e agosto de 2019 nas bases de dados: Medline
via Pubmed, Literatura Latino-americana e do Caribe
em Ciências da Saúde (Lilacs), Scientific Electronic Library Online (Scielo), Physiotherapy Evidence Database (PEDro) e Cochrane
Central Register of Controlled Trials (Cochrane
Central). Resultados: Foram
identificados 492 artigos, dos quais, 14 estudos participaram da seleção final,
totalizando 1.579 mulheres. Condições como: gestação, pós-menopausa, diabetes
mellitus tipo 2, envelhecimento, cirurgia de by-pass gástrico, fibromialgia e
ovários policísticos foram abordadas. Os dois únicos estudos que se opuseram a
efetividade do exercício físico apresentaram uma sessão semanal, quantidade
incapaz de promover tais benefícios. Conclusão:
O exercício cíclico foi capaz de aumentar a sinalização parassimpática, com
consequente aumento da variabilidade da frequência cardíaca. Estes achados
confirmam que o exercício prescrito corretamente é capaz de alterar
positivamente a modulação autonômica cardíaca, reduzindo as chances de
intercorrências.
Palavras-chave: diabetes mellitus,
sobrepeso, síndrome do ovário policístico, comportamento sedentário, fibromialgia.
Abstract
Introduction:
Cardiovascular diseases remain the leading cause of death in women. Some
features, such as heart rate variability (HRV), allow to predict future risk
events. This analysis aimed to verify noninvasively the influences of the
autonomic nervous system on the sinus node, by sympathetic and parasympathetic
afferents. The predominance of sympathetic activation is associated with
negative outcomes. Exercise is the most cost-effective preventive measure for
maintaining cardiovascular health. More recent studies with male and female
population have demonstrated their ability to modulate autonomic activity. Objective: To verify whether cyclic
exercise can increase HRV in women, regardless of clinical condition. Methods: This is a systematic review
guided by the Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and
Meta-Analyzes (PRISMA) guideline. Searches were performed between July and
August 2019 in the databases: Medline via Pubmed,
Latin American and Caribbean Health Sciences Literature (LILACS), Scientific
Electronic Library Online (Scielo), Physiotherapy
Evidence Database (PEDro) and Library Central
Cochrane. Results: 492 articles were
identified, of which 14 studies participated in the discussion of this study,
totaling 1.579 women. Conclusion:
Cyclic exercise was able to increase parasympathetic signaling, with consequent
increase in heart rate variability. These findings confirm that correctly
prescribed exercise can positively alter cardiac autonomic modulation, reducing
the chances of complications.
Key-words: diabetes
mellitus, overweight, polycystic ovary syndrome, sedentary behavior,
fibromyalgia.
A saúde cardiovascular
das mulheres vem sendo extensamente pesquisada, mas, apesar das ações afirmativas
de diversos órgãos para a conscientização e prevenção de doenças
cardiovasculares (DCV), esta ainda é a maior causa de
mortalidade neste grupo. Os quadros de morbidade decorrente das DCVs também são foco de atenção pública, visto o impacto
social e econômico, que pode saltar de 555 bilhões para 1,1 trilhão até 2035
[1].
Algumas estratégias,
como a avaliação da variabilidade da frequência cardíaca (VFC), permitem
predizer o risco para DCV, morte súbita e acidente vascular encefálico [2,3]. A
avaliação é feita de forma não invasiva, com o uso de um dispositivo eletrônico
capaz de identificar a distância entre os intervalos R-R do traçado
eletrocardiográfico. A pessoa avaliada deve ser orientada previamente quanto à
restrição de atividade física no dia anterior, bem como uso de substâncias que
possam alterar a resposta cardiovascular, como a cafeína. A avaliação pode ser
realizada com o paciente em sedestação, ortostase ou decúbito dorsal. A padronização no
distanciamento dos intervalos R-R sinaliza maior ativação simpática sobre o
coração, que estão relacionados aos desfechos negativos supracitados [4].
Condições como a
alteração da função hormonal, diabetes mellitus e sedentarismo são favoráveis à
diminuição da VFC, sendo esta condição um marcador que está atrelado ao
desenvolvimento e pior prognóstico nas DCVs [5].
Neste contexto, o exercício físico, que é o instrumento basilar para a
prevenção e reabilitação de doenças cardiometabólicas,
tem apresentado repercussão sobre o tônus vagal com consequente aumento da VFC
[6].
Um ensaio clínico
randomizado desenvolvido por Earnest et al. [6] demonstrou que o exercício
cíclico, realizado durante 6 meses, foi efetivo para o aumento da sinalização
parassimpática em mulheres pós-menopausadas. Estes
resultados estiveram restritos a determinadas cargas de trabalho, o que levanta
questões sobre os ajustes de carga e intensidade para chegar aos melhores
desfechos do exercício sobre a modulação autonômica.
Pensando nas oscilações
hormonais e inflamatórias, características dos ciclos menstruais, etapas da
vida da mulher e condições patogênicas que podem atuar sobre a modulação
autonômica cardíaca, o objetivo desta revisão sistemática é verificar os
efeitos do treinamento e as nuances da prescrição do exercício cíclico sobre a
VFC de mulheres com diferentes condições clínicas.
Trata-se de um estudo
de revisão sistemática da literatura realizado de acordo com os critérios
estabelecidos pelo Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) guideline [7]. As buscas foram realizadas entre julho e agosto
de 2019 nas bases de dados: Medline via Pubmed, Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências
da Saúde (Lilacs), Scientific Electronic Library Online (Scielo), Physiotherapy Evidence Database (PEDro) e Biblioteca Cochrane Central. Foram verificadas as
referências dos trabalhos selecionados para encontrar outros estudos
relacionados ao tema. A última busca ocorreu no dia 10 de agosto.
Critérios
de elegibilidade
Foram selecionados
estudos que analisaram a influência do exercício cíclico sobre a VFC em
mulheres escritos nos idiomas: inglês, português ou espanhol. As buscas foram
restritas a estudos publicados de 2000 a 2019. Foram excluídos estudos com
amostra heterogênea (com sexo masculino), estudos com intervenção mista
(exercício neuromuscular, exercício calistênico e
isometria).
Estratégia
de busca
Os termos do Medical Subject Headings (MeSH) utilizados
foram: “Heart Rate” AND “Variability” AND
“Exercise”
AND “Women”
com os respectivos sinônimos. Nas bases de dados de idioma português as mesmas
buscas foram repetidas utilizando Descritores em Ciências da Saúde (DeCS). As buscas foram realizadas por 2 revisores de modo
independente, inicialmente pelos títulos e resumos. Todos os estudos
selecionados foram levados para leitura do texto completo. As duplicatas foram
identificadas e removidas por meio do software Endnote
versão X9, da empresa Clarivate Analytics.
Síntese
qualitativa
Após a confirmação dos
artigos selecionados os dados foram extraídos por dois pesquisadores com uma
planilha elaborada previamente pelos autores. Divergências sobre os dados
extraídos foram discutidas entre os pesquisadores.
Qualidade
das evidências e risco de viés
A qualidade das
evidências foi avaliada pela escala de Downs and Black [8], cuja avaliação inclui: comunicação, validade
externa, validade interna (viés), validade interna (fatores de confusão) e
poder estatístico. Em cada avaliação (com exceção da questão 5, onde o valor
máximo é 2) foi atribuído resultado 0 para condições não apresentadas no estudo
e 1 para critérios identificados. Dois pesquisadores participaram desta etapa e
os diferentes resultados seriam avaliados por um terceiro pesquisador, mas não
houve necessidade.
A seleção nas bases de
dados encontrou 471 resultados incialmente. As buscas através das referências nos levaram
a outros 21 artigos. Após a triagem 14 artigos foram incluídos na seleção
final. As etapas de busca e triagem estão expostas na Figura 1. As amostras dos
estudos selecionados compreenderam de 20 a 373 mulheres entre 18 e 75 anos. Os
estudos envolveram mulheres no período gestacional, pós-menopausa, obesidade e
cirurgia de bypass gástrico, idosas com DM2,
fibromialgia, e ovário policístico. A caracterização dos estudos foi
apresentada na Tabela I.
Figura 1 - Fluxograma de seleção dos artigos.
Quanto à qualidade das
evidências e risco de viés, avaliada pela escala proposta por Downs and Black [7], as mesmas
podem ser observadas nos seus diferentes domínios no Quadro 1.
Quadro 1 - Qualidade das evidências pela escala de Downs
and Black [7].
Esta revisão
sistemática da literatura selecionou 14 artigos com amostra total de 1.579
mulheres. A heterogeneidade no desenho dos estudos e condição clínica da
população impossibilitou a realização de uma metanálise,
mas a síntese qualitativa demonstrou que o exercício físico supervisionado,
realizado de forma sistemática, é capaz de aumentar a sinalização
parassimpática, por vezes, reduzindo a modulação simpática cardíaca.
Durante o período
gestacional a integração entre as alterações na produção hormonal, o ganho de
massa gorda e aumento da atividade inflamatória são os principais eventos que
justificam uma diminuição da modulação parassimpática cardíaca. Este evento
ocorre de forma progressiva ao longo de todo puerpério e representam aumento do
risco de intercorrências cardiovasculares, principalmente durante o parto [22].
Os estudos que
avaliaram mulheres durante a fase gestacional divergiram sobre os benefícios do
exercício físico nesta fase. Dois ensaios clínicos elaborados por Carpenter et
al. [12,13] apontam para uma diminuição da variabilidade em gestantes
submetidas ao exercício físico. Porém, esse grupo aplicou apenas uma sessão
semanal de exercício cíclico em bicicleta ergométrica, durante 18 minutos,
sendo os três primeiros a fase de aquecimento. O cerne para esta divergência
está pautado em um dos princípios básicos da fisiologia do exercício, a
periodização e o volume de treino. A prescrição do exercício deve ser realizada
de forma individualizada e obedecer a uma frequência semanal, sendo, uma única
sessão com tão pouco tempo de exposição, um valor aquém do ideal, como é
sugerido pelas Diretrizes do American College of Sport and Medicine de 2014 [23].
Na pesquisa de Stuzman et al.
[9], na qual houve orientação para realização não supervisionada de caminhada
cinco vezes por semana, ao final da gestação foi observada uma atenuação da
diminuição da VFC em comparação com o GC. Em um ensaio clínico, Scholten et al.
[10] aplicaram o exercício em mulheres saudáveis e pré
eclâmpticas, com cicloergômetro de 2-3 vezes por
semana com 70-80% do VO2max. Eles observaram que a relação entre os
índices de baixa e alta frequência diminuíram nos dois grupos, representando um
aumento da modulação vagal ou diminuição do tônus simpático. Estes achados
reforçam o nosso posicionamento a respeito do número de sessões semanais.
Outra condição estudada
a partir da VFC em mulheres é o período pós-menopausa. Nesta fase, a incidência
de doenças cardiovasculares está aumentada e possui relação direta com o
sedentarismo. Todos os estudos identificados reportaram aumento da sinalização
vagal no grupo exercício [6,14-16].
A pesquisa de Earnest et al.
[6] demonstra que o efeito do exercício sobre a variabilidade foi proporcional
a carga de exercício, sendo inexistente a alteração tanto no grupo controle
quanto no grupo com gasto calórico mais baixo (4 kcal/kg/semana). Os melhores
resultados, obtidos em 8 e 12 kcal/kg/semana, sugerem o volume de treinamento
como diferencial para alcançar os benefícios do exercício, visto que a
velocidade foi padronizada entre os grupos.
Outro estudo, realizado
por Earnest et
al.
[15], relacionou a VFC com os níveis de insulina. Os autores
verificaram que maior sinalização parassimpática
cardíaca esteve associada a
menores valores de insulina e comprovaram esta mudança por meio
de intervenção
com gasto de 4, 8 ou 12 kcal por kg por semana, sendo os melhores
resultados
observados nas duas últimas opções. A
redução da resistência insulínica é
um fator
primordial para a prevenção do DM2 e pode ser explicada
pela liberação dos
sítios de ligação IRS-1 e IRS-2, melhora do perfil
inflamatório, aumento de
massa magra e como sugerida, maior atuação
parassimpática também sobre as
células beta-pancreáticas [24].
Ao analisar pacientes
diabéticas, a VFC se modificou de acordo com o número de sessões semanais.
Nesse estudo participaram 60 idosas com DM2, a partir dos 65 anos. Elas foram
submetidas a 12 semanas de treinamento e esteira ergométrica na velocidade do
VO2máx. As voluntárias foram randomizadas para o G1 ou G2, com duas
sessões de 60min semanais ou quatro sessões de 30 min, respectivamente. O grupo
2 apresentou aumento na sinalização parassimpática, enquanto o G1 não sofreu
alteração, sendo sugerido maior frequência para este grupo [18].
O processo de
envelhecimento tem impactos diretos sobre a modulação autonômica cardíaca.
Nesta fase, a frequência cardíaca máxima é reduzida, a produção hormonal e
balanço oxidativo encontram-se alterados, além da perda de massa muscular que
favorece a inflamação subclínica e o diabetes mellitus associado ao
envelhecimento [25]. Todos estes aspectos influenciam direta ou indiretamente o
aumento da sinalização simpática. Neste sentido, a pesquisa de Earnest et al.
[19] é de grande relevância ao mostrar que o exercício físico realizado com o
objetivo de atingir 4, 8 ou 12 kcal/kg/semana foi capaz de alterar
significativamente os valores de AF (p<0,02) e RMSSD (p<0,02) idosas. No
grupo com população acima dos 65 anos, esta melhora ocorreu independente do
ganho de capacidade física.
Ademais, alguns outros
estudos observaram população com fibromialgia, síndrome do ovário policístico e
pós-operatório de cirurgia bariátrica, todos com desfecho positivo sobre a VFC.
Os dados encontrados na literatura até o momento têm demonstrado o exercício
cíclico como alternativa viável para ajuste da modulação autonômica cardíaca
com aumento da predominância vagal. Estes achados suportam a orientação para
atividade física em todos os grupos observados, respeitando um número de
sessões de duas a cinco vezes na semana, com tempo de exposição a partir de 30
minutos por sessão de treinamento.
Apesar das mudanças
proporcionadas pelo envelhecimento, sedentarismo e condições patogênicas sobre
a VFC em mulheres, estes impactos são atenuados na presença de uma rotina de
exercícios. Para tanto, é necessário respeitar princípios básicos da fisiologia
do exercício, como a periodização, controle do volume de treinamento e o cuidado
com subdosagens.
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES.