REVISÃO
Endoprótese de tíbia
proximal - protocolo de reabilitação
Endoprosthetic replacement of the
proximal tibial - rehabilitation protocol
Ana Elisa de Brito Quessada, Ft.*, Katerine
Aparecida Brumate Ramos*, Vera Lúcia dos Santos
Alves, Ft., D.Sc.**, Eduardo Sadao
Yonamine***, Emília Cardoso Martinez, Ft., M.Sc.****
*Curso de
Fisioterapia das Faculdades Metropolitanas Unidas, São Paulo/SP, **Professora
Adjunta da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e da
Universidade de Mogi das Cruzes, Chefe do Serviço de Fisioterapia
Cardiorrespiratória e Metabólica da Santa Casa de São Paulo, São Paulo/SP,
***Médico, Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de
São Paulo, Chefe do Grupo de Oncologia Ortopédica da Santa Casa de São Paulo,
São Paulo/SP, ****Professora Adjunta das Faculdades Metropolitanas Unidas, São
Paulo/SP, fisioterapeuta membro da equipe de pesquisa em reabilitação da Santa
Casa de São Paulo/SP
Recebido em 7 de
fevereiro de 2019; aceito em 1 de maio de 2019.
Correspondência: Emília Cardoso
Martinez, Av. Miruna 553, 04084-002 São Paulo SP,
E-mail: emilia.cm@gmail.com; Ana Elisa de Brito Quessada:
anenhadance@gmail.com; Katerine Aparecida Brumate Ramos: kethbrumate@gmail.com; Vera Lúcia dos Santos
Alves: fisioterapia sc@uol.com; Eduardo Sadao Yonamine: esy@me.com
Resumo
Introdução: Uma das técnicas
cirúrgicas utilizadas como uma alternativa à amputação no tratamento de
sarcomas ósseos é a substituição do segmento acometido por endopróteses
não convencionais. Embora a endoprótese melhore a
qualidade de vida dos indivíduos existe uma necessidade de reabilitação
intensiva para se obter melhores resultados funcionais. Objetivo: Realizar uma
revisão de literatura sobre as intervenções fisioterapêuticas no pós-operatório
de endoprótese não convencional de tíbia proximal,
para o tratamento de sarcomas ósseos. Métodos:
Revisão de literatura, direcionada a protocolos fisioterapêuticos na
reabilitação de pacientes submetidos à cirurgia de preservação de membros de
tíbia proximal. Resultados: Dentre os
artigos estudados, três foram selecionados para comparação de protocolos
fisioterapêuticos de tratamento no pós-operatório de cirurgia de preservação de
membros de tíbia proximal. Conclusão:
Concluiu-se que é necessário um maior incentivo no desenvolvimento de pesquisas
relacionadas a protocolos de reabilitação fisioterapêutica no pós-operatório de
LSS em tíbia proximal, para que sejam obtidas mais alternativas de tratamento
que visam melhorar a qualidade de vida e sobrevida destes pacientes.
Palavras-chave: osteossarcoma,
próteses e implantes, tíbia, salvamento de membro, joelho.
Abstract
Introduction:
One of the surgical treatment techniques used as an alternative to amputation
is limb salvage surgery (LSS) with endoprothesis.
Although the LSS can improve quality of life, causes a variety of functional
deficiencies, and creates a need to integrate physical therapy rehabilitation
into the team for LSS. Objective: To
carry out a review on the physiotherapeutic interventions in the postoperative
LSS in patients with proximal tibial osteosarcoma. Methods: Literature review, aimed at physiotherapeutic protocols in
the rehabilitation of patients submitted to preservation surgery of limbs of
proximal tibia. Results: Among the
articles studied, three were selected for comparison of physiotherapeutic
treatment protocols in the postoperative of preservation surgery of limbs of
proximal tibia. Conclusion: We
concluded that a greater incentive is needed in the development of research
related to physiotherapeutic rehabilitation protocols in the LSS postoperative
period in the proximal tibia, in order to obtain more treatment alternatives
that aim to improve the quality of life and survival of these patients.
Key-words: osteosarcoma,
prostheses and implants, tibia, limb salvage, knee.
Os sarcomas ósseos
primários representam menos de 10% dos tumores malignos que acometem crianças e
adolescentes. Até a década de 70, o tratamento dos sarcomas ósseos era baseado
em cirurgias mutilantes tendo como primeira, e, na maioria das vezes, única opção
a amputação. Cerca de 80% dos casos evoluíam para óbito no período máximo de
dois anos. Os tratamentos consistiam fundamentalmente nas cirurgias de
ressecção, cujo principal objetivo era a erradicação do tumor, na tentativa de
controle local da doença [1-4].
O osteossarcoma
é o tumor maligno primário mais frequente do osso, especialmente na
adolescência [5]. O tumor contabiliza 15% dos tumores ósseos primários e a taxa
de incidência é de 0,3 por milhão. É caracterizado por altas taxas de morbidade
e mortalidade. As manifestações clínicas da doença incluem dor nos membros e
fraturas patológicas [6,7]. Apresentam como um dos principais sítios de
localização a articulação do joelho, seja a extremidade distal do fêmur ou
extremidade proximal da tíbia. Estas localizações comprometem muitas vezes a
articulação do joelho, como um todo, necessitando de intervenções cirúrgicas
com a substituição dos segmentos por endopróteses
[6]. Além da cirurgia, o tratamento envolve quimioterapia neoadjuvante. Até a
década de 1970, a amputação foi o tratamento de escolha para os ossos malignos,
porém, avanços significativos foram feitos nas últimas décadas no tratamento do
osteossarcoma. Novas técnicas cirúrgicas inovadoras
levaram cirurgiões a considerar a cirurgia de preservação de membros para
sarcomas como uma alternativa viável à amputação. A cirurgia de preservação de
membros em ortopedia tem sido amplamente direcionada aos osteossarcomas,
quase 85% de todos os tumores malignos são tratados com preservação de membros,
sem comprometer o resultado oncológico [2,6,8].
A introdução da
quimioterapia neoadjuvante nos anos 80 aumentou muito a possibilidade de
ressecção tumoral com preservação de membro. Mais de 80% dos pacientes com osteossarcoma de extremidade se tornaram candidatos à
cirurgia preservadora de membro [6]. O objetivo principal da cirurgia de
preservação de membros em oncologia musculoesquelética é a restauração da
função, diminuição da morbidade e consequentemente aumento da qualidade de
vida. Embora a cirurgia de preservação de membros possa melhorar a qualidade de
vida, ela gera uma variedade de deficiências funcionais imediatas e cria uma
necessidade de intervenção precoce de reabilitação [2].
A tíbia proximal é uma
localização anatômica bastante desafiadora para reconstrução, devido a
dificuldades de cobertura com tecidos moles e a necessidade de restaurar o
mecanismo extensor do joelho. Está associada a uma alta incidência de
complicações cirúrgicas que chegam a ser até 55% maiores que ocorridas na
extremidade distal do fêmur [9-11].
A reabilitação deve se
tornar uma parte ativa da abordagem da equipe, visando sempre restaurar ao
máximo a capacidade funcional dos indivíduos, de acordo com o prognóstico
traçado [2]. Os objetivos de reabilitação para pacientes oncológicos são evitar
a dor e maximizar a mobilidade para o resto da vida do paciente,
independentemente do seu comprimento [4]. A preservação de membros tem
vantagens, mas não temos evidências sólidas se a qualidade de vida desses
pacientes é superior àqueles que sofrem amputação. A taxa de complicações não
oncológicas é muito maior após a cirurgia de preservação de membros do que após
a amputação, e consequentemente cirurgias adicionais podem ser necessárias [3].
Portanto, é imprescindível que a equipe de reabilitação esteja totalmente
sintonizada com a equipe cirúrgica e siga as diretrizes e os objetivos
individuais de cada caso, minimizando erros que podem culminar em aumento da
morbidade.
Existem algumas
particularidades no manejo pós-operatório das endopróteses
não convencionais de joelho, enquanto o pós-operatório da substituição do fêmur
distal segue os padrões da artroplastia convencional
do joelho, com carga e movimentação ativa precoce, a substituição da tíbia
requer uma série de cuidados e restrições, devido à reconstrução do aparelho
extensor. A substituição da tíbia proximal gera desconforto do ponto de vista
da reabilitação. Existe sempre um grande dilema entre realizar a movimentação
precoce ou manter a imobilização prolongada.
A revisão de literatura
foi escolhida com o intuito de colher e abordar protocolos fisioterapêuticos no
pós-operatório de cirurgia de preservação de membros de tíbia proximal, visando
expor as melhores alternativas de tratamento para melhorar a qualidade de vida
e sobrevida desses pacientes.
Este estudo tem como objetivo realizar
uma revisão de literatura sobre as intervenções fisioterapeutas diante do
pós-operatório de cirurgia de preservação de membros com a utilização de endoprótese não convencional em pacientes com sarcomas
ósseos de tíbia proximal.
Este estudo foi
elaborado a partir de uma revisão da literatura nas bases de dados Medline, Lilacs, Pubmed e Scielo no período entre
1994 e 2017. As palavras-chave utilizadas foram osteosarcoma
(osteossarcoma), proximal tibia
(tibia proximal), Limb Salvage (preservação de membros), endoprothesis
(endoprótese) e rehabilitation
(reabilitação). Somando-se todas as bases de dados, foram encontrados 20
artigos. Após a leitura dos artigos, notou-se que alguns deles se repetiram nas
diferentes bases e outros não preenchiam os critérios deste estudo. Foram
selecionados 3 artigos que preenchiam os critérios inicialmente propostos e que
foram lidos na íntegra.
Foram incluídos os
artigos que apresentaram os seguintes critérios: definição de osteossarcoma,
ênfase na extremidade proximal da tíbia,
diferentes intervenções cirúrgicas,
atuação fisioterapêutica no
pós-operatório
e disponibilidade dos artigos na íntegra nos idiomas
português, inglês ou
espanhol. Foram excluídos do estudo artigos publicados antes de
1994, artigos
que enfatizavam como intervenção cirúrgica a
amputação e não a endoprótese.
Foram selecionados três
artigos que enfatizam protocolos de reabilitação fisioterapêutica no pós-operatório
de cirurgia de preservação de membros com endoprótese
não convencional de tíbia proximal. Para cada artigo selecionado, criou-se uma
tabela cronológica com as principais intervenções fisioterapêuticas utilizadas
nos respectivos estudos.
Tabela I – Protocolo de reabilitação proposto por Shehadeh
et al. [4].
ADM = amplitude de
movimento.
Tabela II – Protocolo de reabilitação proposto por Oren
et al. [2].
ADM = amplitude de
movimento, CPM = mobilização passiva contínua.
Tabela
III – Protocolo de reabilitação proposto por Tsai et al. [8].
ADM = amplitude de
movimento.
A cirurgia de
preservação de membros com endoprótese não
convencional constitui grande avanço no tratamento de pacientes com diagnóstico
de sarcomas ósseos, que associado à fisioterapia pós-operatória, traz
resultados positivos quanto à recuperação destes pacientes [8]. Entretanto,
sabe-se que diretrizes para a reabilitação desses pacientes ainda não foram
formalmente estabelecidas [4], devido à carência de informações na literatura.
Com base em três
artigos selecionados, foi possível reunir informações sobre objetivos e
condutas do tratamento fisioterapêutico no pós-operatório de cirurgia de
preservação de membros com endoprótese não convencional
de tíbia proximal.
Segundo Shehadeh et al.
[4], o desenvolvimento de um protocolo de reabilitação padronizado é viável, e
pode melhorar o resultado funcional e o manejo pós-operatório desses pacientes.
O objetivo da reabilitação foi a extensão total do membro para não prejudicar a
capacidade de deambular normalmente. Já Oren et al. [2], além da extensão total do
membro, também objetivaram o aprimoramento de amplitude de movimento das
articulações, fortalecimento muscular, tratamento de cicatrizes, mobilização de
tecidos moles e o uso de auxiliares de marcha. Tsai et al. [8] se diferenciou por evitar
contratura do membro acometido, manter ou fortalecer musculatura do membro
contralateral e membros superiores; manter ou melhorar padrão respiratório e
orientar quanto ao tipo de procedimento cirúrgico, como objetivos principais.
Em ambos os estudos no
pós-operatório imediato o joelho é mantido em extensão com um imobilizador onde
o membro deve ser posicionado em elevação e rotação neutra, favorecendo a
cicatrização da nova cápsula articular e o tendão patelar, e permitir o
estabelecimento de um bom mecanismo extensor [2,4,8]. É indicado o
fortalecimento isométrico do membro inferior operado e descarga de peso parcial
com um andador ou muletas. Tsai et al. [8] enfatizam, também, a importância de exercícios ativos
livres e resistidos do membro contralateral e membros superiores, alongamento
da cadeia anterior dos membros inferiores e exercícios respiratórios em padrão
diafragmático. Todas as intervenções citadas são realizadas até a 6ª semana de
pós-operatório.
A fase ambulatorial
iniciada de 4 a 6 semanas após a cirurgia, o ganho de amplitude de movimento de
flexão do joelho, de acordo com Shehadeh et al. [4], foi iniciado através de exercícios
leves e de forma passiva, com o objetivo de atingir 90º graus de flexão. Oren et al. [2]
utilizaram, após a remoção da imobilização, o aparelho de mobilização passiva
contínua (CPM) e exercícios ativos para o ganho de amplitude de movimento. Já Tsai et al. [8]
utilizaram para ganho de ADM apenas o peso do membro operado contra a ação da
gravidade. Para o treino de marcha o apoio sobre o membro operado iniciou entre
a 8ª e a 10ª semana após a cirurgia e a partir do segundo mês de treino de
marcha evoluiu o apoio parcial para total sob o membro operado e o
fortalecimento de quadríceps evoluiu de modo isométrico para ativo por volta da
4ª semana. O fortalecimento, de acordo com Oren et al. [2], foi realizado através de
exercícios ativos.
É importante destacar
que o tratamento fisioterapêutico deve ser iniciado logo após a definição do
diagnóstico juntamente com o tratamento quimioterápico neo-adjuvante.
Nesse período, o objetivo é evitar contratura no membro acometido, manter ou
fortalecer a musculatura do membro inferior contralateral e dos membros
superiores, manter ou melhorar o padrão respiratório, treinar a marcha com
auxílio de muletas sem apoio sobre o membro acometido e orientar quanto ao tipo
de procedimento cirúrgico e fisioterapia pós-operatória.
A fisioterapia na fase
pré-operatória incluiu avaliação física da função dos membros e preparar o
paciente para reduzir o tempo de reabilitação e estresse emocional após a
cirurgia [2]. Podem ser realizados exercícios isométricos de quadríceps e
glúteos, exercícios ativos-livres e resistidos do membro contralateral e
membros superiores, alongamento da cadeia anterior e posterior dos membros
inferiores, treino de marcha com muletas sem descarga de peso [8].
Outras técnicas
fisioterapêuticas podem ser utilizadas para complementar o tratamento e
favorecer um bom prognóstico. A cirurgia de preservação de membros deixa
cicatrizes longas e profundas que causam adesões de pele e tecidos moles, isso
limita amplitude de movimento e causa dor, sendo importante a mobilização da
cicatriz. Os métodos incluem fricção e alongamento profundo.
Após a conclusão da
quimioterapia ou radioterapia, e considerando a condição do sistema imunológico
e cicatrização, é possível tratar o paciente com hidroterapia. O efeito de
flutuabilidade e a influência da temperatura da água permitem efeito analgésico
e um melhor desempenho no tratamento fisioterapêutico, bem como a resistência
da água pode ser usada como meio de reforço da força muscular.
Com o que foi exposto
no presente trabalho, percebe-se que existe um consenso na literatura sobre
manter o membro imobilizado durante as primeiras 4-6 semanas sem realização de
movimentação ativa. É necessário um maior incentivo no desenvolvimento de
pesquisas relacionadas a protocolos de reabilitação fisioterapêutica no
pós-operatório de cirurgia de preservação de membros de tíbia proximal, para
que sejam obtidas mais alternativas de tratamento que visam melhorar a
qualidade de vida e sobrevida destes pacientes.