ARTIGO
ORIGINAL
Conhecimento
dos acadêmicos de fisioterapia sobre o manejo da dor
Knowledge
of physical therapy students on pain management
Alan Carlos Nery dos
Santos*, Luiz Alberto Batista Bahiano**, Ramon
Martins Barbosa*, Monique Lima Barbosa*, Anelize
Gimenez de Souza*, Jefferson Petto***
*Grupo de
Pesquisa Ciências da Saúde em Fisioterapia, Universidade Salvador (UNIFACS),
Feira de Santana/BA, **Universidade Salvador (UNIFACS), Salvador/BA,***Grupo de
Pesquisa Ciências da Saúde em Fisioterapia, Universidade Salvador (UNIFACS),
Feira de Santana/BA, Curso de Fisioterapia da Faculdade Adventista da Bahia
(FADBA), Cachoeira/BA, Escola Bahiana de Medicina e
Saúde Pública (EBMSP), Salvador/BA
Recebido em 16 de
fevereiro de 2019; aceito em 1 de abril de 2019.
Correspondência: Alan Carlos Nery dos
Santos, Universidade Salvador (UNIFACS), Campus Getúlio Vargas, Av. Getúlio
Vargas, 2.734, Parque Getúlio Vargas, 44075-525 Feira de Santana BA, E-mail:
allannery.santos@hotmail.com; Luiz Alberto Batista Bahiano:
lbahiano@hotmail.com; Ramon Martins Barbosa: ramonmaestromartins@hotmail.com;
Monique Lima Barbosa: moniquefisio19@hotmail.com; Anelize
Gimenez de Souza: ane_gimenez@icloud.com; Jefferson Petto: gfpecba@bol.com.br.
Resumo
Introdução: Estudos indicam que
acadêmicos de vários semestres da fisioterapia apresentam limitações no
conhecimento relacionado à dor e suas terapêuticas. Contudo, essa temática
ainda é pouco explorada em acadêmicos no último ano da graduação em
fisioterapia. Objetivo: Descrever o
conhecimento sobre dor por parte dos acadêmicos do último ano de uma
instituição privada de ensino superior. Métodos:
Estudo descritivo transversal com 59 acadêmicos de ambos os sexos, matriculados
no estágio curricular supervisionado, do último ano do curso de fisioterapia de
uma instituição privada de ensino superior. Todos os participantes foram
submetidos a um questionário validado contendo questões relacionadas à
fisiopatologia, subjetividade, avaliação e terapêuticas não farmacológicas da
dor. Resultados: Cinquenta e seis
voluntários compuseram a amostra final deste estudo. 88% deles indicaram não
existir uma disciplina ou um professor especialista sobre dor. 58% dos
acadêmicos não reconhecem a dor como um sinal vital. Houve conhecimento
satisfatório sobre conceitos básicos relacionados à fisiopatologia, avaliação e
tratamento da dor. Contudo, falhas que comprometem o manejo da dor foram
detectadas. Conclusão: Existe
inconsistência no conhecimento de acadêmicos do último ano do curso de
fisioterapia sobre aspectos ligados a avaliação e tratamento de pacientes com
dor.
Palavras-chave: conhecimento, dor
crônica, Fisioterapia, medicina física e reabilitação.
Abstract
Introduction:
Studies indicate that academics from several semesters of physical therapy have
limitations in knowledge related to pain and its therapeutics. However, this
subject is still little explored in academics in the last year of graduation in
physical therapy. Objective: To
describe the knowledge about pain on the part of the academics of the last year
of a private institution of higher education. Methods: Descriptive cross-sectional study with 59 male and female
students, enrolled in the supervised curricular traineeship, of the last year
of the physical therapy course of a private institution of higher education.
All participants were submitted to a validated questionnaire containing
questions related to pathophysiology, subjectivity, evaluation and
non-pharmacological pain therapy. Results:
Fifty-six volunteers composed the final sample of this study. 88% of them
indicate that there is no discipline or specialist pain teacher. 58% of
academics do not recognize pain as a vital sign. There was satisfactory
knowledge about basic concepts related to pathophysiology, evaluation and
treatment of pain. However, failures that compromise the management of pain
were detected. Conclusion: There is
inconsistency in the knowledge of academics of the last year of the physical
therapy course on aspects related to the evaluation and treatment of patients
with pain.
Key-words: knowledge,
Physical Therapy Specialty, chronic pain, physical and rehabilitation medicine.
Principalmente nas
últimas décadas, pesquisas têm apontado limitações no conhecimento de
acadêmicos e profissionais da saúde sobre diversos aspectos clínicos. Na
fisioterapia, alguns estudos indicam que acadêmicos apresentam conhecimento
insatisfatório em temas ligados a fisioterapia cardiovascular, saúde pública, neurofuncional, suporte básico de vida e dor [1-5].
Contudo, embora seja coerente pensar que essas limitações possam ser ajustadas
com a experiência profissional, a literatura se apresentou contrária a esse
pensamento. Isso porque mesmo profissionais experientes apresentam
inconsistências entre o embasamento teórico e seus papeis nos diversos níveis
de atenção à saúde [6].
Ainda em relação à
formação acadêmica do fisioterapeuta, estudos demonstram que tanto a ausência
de uma disciplina específica quanto a de um professor especialista na área de
ensino podem ser fatores contribuintes para uma inadequada formação
profissional [2]. Um exemplo disso pode ser observado no ensino da dor, em que,
de acordo com uma recente revisão, fragmentar o conteúdo relacionado a essa
temática em diversas disciplinas não tem sido suficiente para promover uma
adequada formação. Ainda de acordo com esse estudo, as limitações na formação
dos acadêmicos parecem estender-se para o campo de atuação profissional, uma
vez que fisioterapeutas graduados apresentam conhecimento insuficiente para
garantir a continuidade da gestão, avaliação, mensuração e controle da dor [7].
Interessante notar que
a dor é considerada um sinal vital, sendo, portanto, um direito humano de ter
acesso a uma avaliação e tratamento ministrado por profissionais de saúde com
adequada formação profissional [8,9]. Outro dado que coaduna com a necessidade
de uma adequada formação é que mais da metade dos pacientes que procuram os
serviços de fisioterapia apresentam a dor como sintoma principal [10]. Além
disso, ela tem impactos significativos sobre a funcionalidade durante as
atividades de vida diária, laborais, qualidade de vida e custos com a saúde
[11-14].
Portanto, levando-se em
conta a necessidade de estudos que visem monitorar o conhecimento dos futuros
profissionais da fisioterapia, bem como da identificação de fatores que possam
estar relacionados as limitações na formação acadêmica destes profissionais, o
presente estudo objetivou descrever o conhecimento sobre dor por parte dos
acadêmicos do último ano do curso de fisioterapia de uma instituição privada de
ensino superior.
Este estudo foi
concebido a partir do projeto de pesquisa: "Avaliação do conhecimento
sobre dor por parte dos discentes concluintes de fisioterapia da cidade de
Salvador", desenvolvido na Escola de Ciências da Saúde da Universidade
Salvador, Salvador/BA. A pesquisa foi submetida e aprovada pelo comité de ética
e pesquisa da referida instituição sobre parecer nº 106938/2014 e CAAE:
38987714.5.0000.5033. Foram incluídos discentes de ambos os sexos regularmente
matriculados no último ano do curso de fisioterapia da instituição
anteriormente mencionada. Contudo, foram excluídos da análise final, os
estudantes que responderam o questionário de forma incompleta.
O presente estudo
utilizou-se de uma análise descritiva para buscar entender mais profundamente o
conhecimento de temas referentes à dor abordados durante a graduação. Temas
como: aspectos gerais da dor, terapêuticas farmacológicas e não farmacológicas
juntamente com a atuação da fisioterapia no controle da dor foram investigadas.
A coleta dos dados
ocorreu em março de 2015, durante a apresentação da disciplina de estágio
curricular obrigatório, com a participação de todos os alunos regularmente
matriculados. O instrumento utilizado para a coleta de dados foi o questionário
autoaplicável proposto e validado por Sereza e Dellaroza [15]. Essa ferramenta é composta por 27 questões
objetivas, sendo 12 quesitos sobre aspectos gerais da dor e 15 relacionados às
terapêuticas para a dor. Posteriormente, foram acrescentadas 10 questões elaboradas
pelos pesquisadores, a respeito da atuação da fisioterapia no controle da dor,
levando-se em consideração os métodos de avaliação, tratamento e percepção do
acadêmico sobre o seu preparo para trabalhar com pessoas com dor.
Toda a pesquisa foi
realizada de acordo com as recomendações da Declaração de Helsinque e a
Resolução CNS 466/12. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido. Os dados obtidos foram tabulados em planilhas do Microsoft
Excel e descritos posteriormente de forma absoluta e em porcentagem. Para
facilitar o entendimento dos resultados e a análise de dados, os itens do
questionário foram agrupados em formação acadêmica, aspectos relacionados à
fisiopatologia, avaliação e subjetividade da dor e fisioterapia no controle da
dor.
Dos 59 acadêmicos de
ambos os sexos, do último ano do curso de fisioterapia, regularmente
matriculados nas disciplinas de estágio supervisionado, 56 responderam aos
questionários que compuseram esta pesquisa. Isso se deu pelo fato de que três
questionários foram excluídos por estarem parcialmente respondidos.
No tópico sobre
formação acadêmica apresentado na Tabela I, observamos que a maioria dos
entrevistados afirmou não existir uma disciplina específica sobre dor em sua
matriz curricular. Assim como a disciplina, também não existe um professor
especialista sobre o tema. Além disso, 58% não reconhecem a dor como um sinal
vital e 74% nunca participaram de eventos acadêmicos sobre o tema. 52% afirmaram
não ter recebido informações suficientes para realizar o manejo clínico de
pacientes com dor. Contudo, 97% deles reconheceram a necessidade de
aprimoramento técnico e científico para o tratamento da dor.
Tabela I - Formação acadêmica em fisioterapia relacionada à dor.
A Figura 1 mostra como
o tema dor foi abordado durante a graduação. Nela podemos observar que os
aspectos relacionados à fisiopatologia, classificação, métodos de avaliação,
tratamento farmacológico e não farmacológico da dor foram os mais abordados,
respectivamente.
Figura 1 – Abordagem do tema dor durante a graduação em fisioterapia.
Na Tabela II
encontram-se a distribuição das respostas sobre o conhecimento relacionado à
fisiopatologia da dor. Nela observamos que a maioria dos participantes
apresentou conhecimento satisfatório sobre o tema, embora apenas 10% concorde
que a dor não está diretamente relacionada ao grau da lesão.
Tabela II - Distribuição das respostas sobre fisiopatologia da dor.
*Indica a resposta
correta.
A Tabela III apresenta
as frequências das respostas sobre subjetividade e avaliação da dor. Nesse
tópico, apenas uma pequena parcela dos acadêmicos avaliados apresentava
conhecimento insatisfatório.
Por outro lado, as
respostas das questões complementares ao tema indicam que quase a totalidade
dos acadêmicos (98%) conhecia a existência de escalas ou inventários para
avaliação e mensuração da dor, 86% deles informaram utilizar tais instrumentos
na avaliação dos pacientes. A escala visual analógica foi apontada por 85% da
amostra como ferramenta para avaliação da dor.
Tabela
III - Distribuição das respostas sobre
subjetividade e avaliação da dor.
*Indica a
resposta correta.
Em relação à
terapêutica da dor, podemos observar conhecimento satisfatório na maioria das
afirmações apresentadas na Tabela IV. Chama a atenção que mais da metade da
amostra acredita que pacientes com dor são assistidos com eficácia, o que
demonstra desconhecimento sobre o tópico em questão.
Tabela IV - Distribuição das respostas sobre terapêutica da dor.
*Indica a resposta
correta.
Ainda em relação à
terapêutica não farmacológica, 59% dos voluntários assinalaram que existem
evidencias sobre a utilização de exercícios físicos aeróbicos no tratamento da
dor crônica. Outro dado expressivo é que 98% assinalaram sim quanto à
existência de evidências que suportem a utilização de exercícios de alongamento
e mobilização neural no manejo da dor.
Por fim, quando
questionados sobre a especialidade da fisioterapia em que desejavam atuar após
a formação acadêmica, 39% apontaram a fisioterapia traumato-ortopédica,
23% a fisioterapia em terapia intensiva, 22% a fisioterapia pediátrica, 12% a
fisioterapia dermatofuncional, 10% a fisioterapia neurofuncional, 10% fisioterapia em osteopatia,
8% a fisioterapia do trabalho, 8% a fisioterapia esportiva e 3% a fisioterapia
em oncologia.
Em resposta ao objetivo
deste estudo, identificamos que o tema dor não é abordado em uma disciplina
específica e, sim, como subtema em vários componentes curriculares no curso de
Fisioterapia. Além disso, verificamos que o professor que ministra essa
disciplina não é especialista no tema em questão. Notamos também, que 58% dos
avaliados não reconhecem a dor como um sinal vital. Outro dado interessante é
que quase a totalidade das áreas de interesse dos participantes deste estudo
lida no seu dia a dia com a triagem, avaliação e tratamento da dor.
Assim como em outros
estudos realizados no Brasil, identificamos que o tema dor não é abordado em
uma disciplina específica [1,7,15]. Esse fato demonstra que as instituições de
ensino superior estão tendo dificuldade para montar uma grade mínima sobre o
tema, tal como sugerido pela IASP [16] e por Castro et al. [17]. De acordo com
o último autor, os conteúdos sobre dor poderiam ser abordados em uma disciplina
específica com carga horária mínima de 60 horas [17]. Já o órgão internacional
propôs que o tema fosse abordado durante dois semestres, no último ano de
formação, em uma carga horária de 90 horas [16].
Embora a estratégia de
diluir o conteúdo sobre a dor em diversas disciplinas possa permitir
aprendizagem geral, como apresentado nesta e em outras pesquisas, o conteúdo
específico sobre o tema pode não estar sendo contemplado satisfatoriamente
[1,7]. De fato, os resultados deste estudo indicam que os alunos do último ano
do curso de fisioterapia apresentam conhecimento insatisfatório relacionado à
avaliação e tratamento fisioterapêutico da dor. Em relação ao primeiro,
observamos que embora os acadêmicos tenham afirmado conhecer e aplicar
ferramentas de avaliação durante a prática do estágio curricular
supervisionado, os mesmos aplicaram em sua maioria a escala visual analógica.
Essa é uma ferramenta que permite avaliação unidimensional, não contemplando
assim os aspectos multidimensionais que cercam este complexo fenômeno. Além
disso, esse instrumento (escala analógica virtual) é uma ferramenta de quantificação
do fenômeno doloroso. Desta forma, aspectos psicossomáticos, cinesiológicos e funcionais podem estar sendo
negligenciados durante a abordagem fisioterapêutica [18,19]. Estes dados
reforçam a hipótese de estudos que apontam que a dor é mal diagnosticada e
avaliada, em diversos níveis de atenção à saúde [10].
Com relação à
terapêutica não farmacológica da dor, observamos bom desempenho dos
participantes. Contudo, grande parte deles parece ter dúvidas em relação ao
momento de realizar intervenções, além de demonstrarem pouco conhecimento
quando questionados se pacientes com dor eram assistidos com eficácia. Somado a
esse fato, apenas 59% concordaram quanto à existência de evidências sobre a
aplicação de exercícios físicos aeróbicos, enquanto quase a totalidade dos
participantes assinalou que existem evidências sobre aplicação da mobilização
neural e alongamento no tratamento da dor. A grande questão é que as duas
últimas opções de tratamento, embora muito utilizadas na prática clínica do
fisioterapeuta, ainda não possuem evidências que permitam concluir
adequadamente sobre os seus efeitos e benefícios para pacientes com dor
[20-23]. Já por outro lado, o exercício físico apresenta evidências e
indicações. Por outro lado, fica claro que a literatura ainda é pouco explorada
quanto à prescrição dos exercícios físicos e seus benefícios [22,24].
Corroborando nossos resultados, outros estudos
concluíram que acadêmicos de fisioterapia apresentam pouco conhecimento
relacionado ao tratamento farmacológico e não farmacológico da dor. Em recente
revisão sobre o tema, publicada pelo nosso grupo, apontamos que mesmo
profissionais da fisioterapia apresentam conhecimento limitado quando o assunto
é a dor e suas abordagens terapêuticas [7]. Essa revisão também sugere assim
como outras que sejam traçadas medidas educacionais, tanto no sentido de
reformulação da grade curricular da fisioterapia relacionada à dor quanto
adoções de estratégias de educação continuada para aprimoramento dos acadêmicos
e profissionais que atuam com pacientes com quadros álgicos [1,7,25].
Além disso, as
limitações no conhecimento verificadas neste estudo podem ser tanto um reflexo
negativo da ausência de um componente curricular específico quanto a ausência
de um professor especialista para ministrar disciplina. Em outro estudo
publicado por nosso grupo foi demonstrado que acadêmicos do ensino superior,
quando ensinados por especialistas, apresentam melhor desempenho no
conhecimento que estudantes que não tiveram um professor especialista [2].
Outro dado desse estudo, que chama a atenção, é que os participantes oriundos
de instituições sem a disciplina avaliada apresentaram desconhecimento sobre as
contraindicações, fato que pode agravar o quadro clínico de pacientes tratados
pela fisioterapia [2].
Vale ressaltar que
embora os resultados deste estudo sejam importantes para direcionar novas
perspectivas de ensino a metodologia observacional do estudo, não permitem uma
adequada relação de causa-efeito. Além disso, uma amostra unicêntrica
limita a extrapolação dos dados, principalmente por não incluir universidades
públicas. No entanto, estudos em outros centros apontaram resultados
semelhantes. Outro ponto é que a avaliação empregada para estimar os
conhecimentos dos alunos se limita ao domínio teórico do assunto, não podendo
fazer inferências concretas sobre o domínio prático do assunto.
Finalmente, com base
nas informações apresentadas, sugere-se que a qualidade do conteúdo somada ao
tempo destinado ao estudo desse tema na grade curricular são os dois pontos que
irão determinar a aquisição de habilidades e competências para o manejo da dor
[2,7,17].
Existe inconsistência
no conhecimento dos acadêmicos do último ano do curso de fisioterapia sobre
aspectos ligados a avaliação e tratamento de pacientes com dor. Este achado
parece ser potencializado pela ausência de professor especialista na disciplina
de dor e na não contemplação na grade curricular de um tempo suficiente para a
exposição desse tema.