ARTIGO ORIGINAL

Cirurgia de revascularização do miocárdio melhora a qualidade de vida relacionada a saúde, ansiedade e depressão: um estudo de coorte prospectivo

Coronary artery bypass surgery improves health-related quality of life, anxiety and depression: a prospective cohort study

 

Mara Lílian Soares Nasrala, M.Sc.*, Walkiria Shimoya-Bittencourt, D.Sc.*, Viviane Martins Santos, D.Sc.*, Ariane Hidalgo Mansano Pletsch, D.Sc.*, Maristela Prado e Silva Nazário, D.Sc.*, Elias Nasrala Neto, D.Sc.*

 

*Docente da Universidade de Cuiabá, UNIC/MT

 

Recebido em 21 de fevereiro de 2019; aceito em 6 de dezembro de 2019.

Correspondência: Mara Lílian Soares Nasrala, Rua Mestre Albertino, 95/1301, 78045-356 Cuiabá MT

 

Mara Lilian Soares Nasrala: maranasrala@gmail.com

Walkiria Shimoya-Bittencourt: wshimoya@yahoo.com.br

Viviane Martins Santos: martinssantos.viviane@gmail.com

Ariane Hidalgo Mansano Pletsch: arihmansano@gmail.com

Maristela Prado e Silva Nazário: maristelaprado@hotmail.com

Elias Nasrala Neto: enasrala@gmail.com

 

Resumo

Introdução: As doenças cardiovasculares somam 1/3 de todas as mortes na América Latina e no Brasil, representando a 2ª causa de morte no país. Objetivos: Mensurar e acompanhar a qualidade de vida relacionada a saúde (QVRS) durante 180 dias e correlacionar os resultados com ansiedade, depressão em pacientes submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM). Métodos: 63 pacientes foram submetidos a CRM eletiva, no pré-operatório foram coletados os dados sociodemográficos e clínicos depois os pacientes preencheram questionários: MacNew QLMI para avaliação de QVRS, IDATE Traço-Estado para avaliação de ansiedade e Beck Depression Inventory (BDI) para avaliação de depressão. Após a alta hospitalar, em seus domicílios, os pacientes responderam novamente os questionários e foram acompanhados por 6 meses. Resultados: Foi observada melhora significativa da QVRS após 60 dias, que se manteve estável entre 120-180 dias após CRM. Houve uma correlação negativa significante entre QVRS e depressão e QVRS e ansiedade. Quanto aos domínios do QLMI, observou-se melhora significante no físico e social após 120 e 180 dias da cirurgia. Não foi observada diferença significativa nos escores de depressão e ansiedade em relação ao tempo de CRM. Porém, observou-se redução significativa nos níveis de depressão 180 dias após CRM. Conclusão: Pacientes submetidos a CRM apresentam uma melhora espontânea significativa em sua QVRS após 60 dias e que se estabiliza até 180 dias. Fatores como ansiedade e depressão podem afetar o curso de sua completa recuperação emocional, física e social.

Palavras-chave: ansiedade, depressão, qualidade de vida, cirurgia de revascularização do miocárdio.

 

Abstract

Introduction: Cardiovascular diseases account for 1/3 of all deaths in Latin America and Brazil is the second leading cause of death in the country. Objectives: The aim of the present study was to measure and to follow health-related quality of life (HRQL) up to 180 days after coronary artery bypass graft (CABG) and to correlate the results with presence of anxiety, depression. Methods: A cohort of 63 patients who had undergone to elective CABG were followed for 180 days. Patients were asked to answer questionnaires: HRQL (MacNew QLMI); IDATE with two distinct scales for evaluation of draw and anxiety state; and Beck Depression Inventory (BDI) for evaluation of attitudes and depression symptoms. Results: Results obtained demonstrated significant inverse correlation between HRQL and depression, and between HRQL and anxiety. A significant increase of HRQL after 60 days post-CABG was observed, which stabilizes after 120-180 days. A significant increase in the physical and social QLMI domains after 120-180 days post-CABG was also observed. The analysis of depression and anxiety scores did not show significant difference regarding time. However, the distribution of levels (normal, light/moderated and moderated/severe) of depression showed a significant reduction of depression. No correlation between the presence of postoperative complications and HRQL scores were detected. Conclusion: Concluding these results demonstrated a spontaneous improvement of HRQL after 60 days post-CABG, which stabilizes in 180 days. Factors as anxiety and depression can affect social, physical and emotional recuperation.

Key-words: anxiety, depression, coronary artery bypass graft, quality of life.

 

Introdução

 

A doença aterosclerótica coronariana (DAC) tem alta incidência e representa a maior causa de morte nos países desenvolvidos e em desenvolvimento [1]. É um dos maiores problemas de saúde pública na América Latina onde as doenças cardiovasculares somam 1/3 de todas as mortes e no Brasil, representa a 2ª causa de morte no país [2]. Uma das causas seria, provavelmente, a falta de acesso da população brasileira aos cuidados de saúde, diagnóstico e terapêutica imediata para cada caso.

A cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM) é um tratamento evidente para doença cardíaca coronária [3-5] e é um procedimento muito comum. Em 2017, foram realizadas mais de 800.000 operações em todo o mundo [6]. A CRM geralmente melhora o estado de saúde, capacidade funcional, prolonga a vida, e melhora a qualidade de vida (QV). No entanto, alguns resultados após a cirurgia ainda são inexplicáveis. Por exemplo, aproximadamente 35% dos pacientes queixam-se de dor anginosa e 40% têm limitação de atividade um ano após a cirurgia [7]. Portanto, a identificação de agentes causadores modificáveis que contribuem para esses desfechos negativos pode melhorar a resposta dos pacientes após a revascularização do miocárdio.

O termo qualidade de vida pode ter vários sinônimos, entre eles, condições de saúde e funcionamento social [8]. Qualidade de vida relacionada com a saúde (QVRS) está centrada na avaliação subjetiva do paciente sobre seu estado de saúde e o impacto que a mesma pode ter sobre sua condição física, psicológica e sua integração social [9].

Os questionários de avaliação de QVRS podem ser genéricos ou específicos. O MacNew QLMI é um questionário específico, auto administrado amplamente utilizado para pacientes com DAC. Foi validado em 22 idiomas em pacientes com IAM, angina e insuficiência cardíaca isquêmica. Avalia a qualidade de vida geral (escore total) e em três domínios emocional, físico e social [10,11].

A QVRS está significantemente correlacionada com depressão e ansiedade após IAM. Pacientes com diagnóstico de depressão e ansiedade após IAM apresentam menores taxas de retorno ao trabalho e reduzem sua atividade sexual. Estes sintomas parecem não estar correlacionados com mortalidade após doze meses de IAM, mas são determinantes na QVRS daqueles que sobreviveram este período [12,13].

Estudos [14-17] têm demonstrado que a recuperação de eventos cardíacos agudos, como o IAM, podem ser afetados por fatores psicológicos. Os fatores mais prevalentes que podem afetar a capacidade funcional e QV são a depressão e ansiedade. As taxas de prevalência de depressão pós-operatória podem chegar em 97,9% dos casos [6,18]. Apesar dessa alta prevalência mais de 50% dos pacientes submetidos a CRM não são rastreados para sintomas depressivos por seus prestadores de cuidados de saúde [6,19]. A ansiedade, por sua vez, pode se manifestar como comprometimento funcional pela dor torácica e falta de ar [17]. Estes desfechos podem influenciar negativamente o prognóstico aumentando o tempo de permanência hospitalar, prolongando a recuperação e reduzindo a QVRS [17]. Além disso, os profissionais de saúde ainda enfrentam desafios na identificação e gestão precoces dos resultados negativos durante a fase inicial do tratamento CRM [6,19].

Até que os preditores de QVRS sejam conhecidos, profissionais de saúde não poderão identificar os pacientes com alto risco para pobre QVRS ou desenvolver intervenções objetivando melhorar o estado de saúde em pacientes com DAC. Torna-se importante, então, identificar as causas ou os preditores para pobre QVRS em pacientes que se submetem a CRM, para que se possa oferecer um suporte adicional pré- e pós-operatório, para mudança dos fatores de risco, melhorando os resultados do tratamento cirúrgico e promovendo uma melhor QVRS.

Portanto, o objetivo do presente estudo foi mensurar e acompanhar a QVRS durante 180 dias e correlacionar os resultados com ansiedade, depressão em pacientes submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio.

 

Material e métodos

 

Foi realizado um estudo de coorte prospectivo. A pesquisa foi realizada na unidade coronariana e centro de cardiocirurgia do Hospital Santa Rosa em Cuiabá/MT. Pacientes com diagnóstico de insuficiência coronariana e encaminhados para CRM eram elegíveis para participar deste estudo. Todos eram orientados quanto aos procedimentos do estudo e assinaram a carta de consentimento informado antes da aplicação da ficha de avaliação e de responder os questionários. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Humanos Universidade de Cuiabá com o CAAE: 22902013.0.0000.5165.

Foram excluídos da amostra pacientes que apresentavam inabilidade para completar os questionários devido à falta de lucidez, confusão mental, cegueira e analfabetismo, ou que no decorrer do estudo, apresentassem novo episódio de IAM ou nova cirurgia.

Todos os pacientes eram entrevistados no período pré-operatório pela fisioterapeuta responsável que preencheu a ficha de avaliação para coleta dos dados sociodemográficos e clínicos dos pacientes. Logo após os pacientes respondiam os questionários MacNew QLMI para avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde, o IDATE - Traço e Estado para avaliação do traço e estado de ansiedade e o Beck Depression Inventory (BDI) para avaliação de depressão. Os prontuários hospitalares foram consultados para maiores informações quanto ao quadro clínico e aspectos sociais de todos os pacientes.

Imediatamente após a CRM eram anotados, a partir do relatório de perfusão, o tempo de circulação extracorpórea (CEC), o número de anastomoses, e em quais artérias coronárias foram realizados os enxertos. Durante todo o período internação na unidade coronariana (UCO) e na enfermaria do Hospital todos os pacientes foram observados e as possíveis complicações da cirurgia cardíaca foram anotadas na ficha de avaliação.

Após a alta hospitalar, a cada 60 dias da data da cirurgia até 180 dias os pacientes responderam os mesmos questionários em suas residências. Para aqueles que residiam em outras cidades, o envio dos questionários que foram enviados juntamente com um envelope selado e previamente endereçado foi realizado pelos correios. Foram feitos contatos telefônicos para confirmar o recebimento do questionário, incentivando e solicitando o envio dos mesmos o mais rápido possível. As intercorrências clínicas ocorridas nestes 180 dias foram anotadas nas fichas de avaliação para posterior análise estatística.

 

Mensuração dos escores

 

A mensuração da QVRS com o MacNew QLMI foi realizada através da soma dos escores de cada uma das 27 questões, com uma escala que vai de 1 a 7, resultando num total de 27 a 189 pontos, onde maior pontuação representa maior QVRS. A avaliação das dimensões do MacNew QLMI foi obtida através da soma dos escores das questões alocadas nos domínios emocional (14 questões), físico (14 questões) e social (13 questões), algumas questões fazem parte de mais de um domínio.

Na avaliação dos resultados do BDI, a mensuração foi obtida pela soma das 21 questões com escalas que variavam de 0 a 3 resultando num total de 0 a 63 pontos, e foram classificadas de 0 a 10 pontos como normal, 11 a 19 pontos como depressão leve à moderada, e ≥ a 20 pontos como depressão moderada à severa.

A mensuração dos questionários IDATE Traço-Estado foi realizada através da soma dos escores das 20 questões com escalas que variavam de 1 a 4 resultando num total de 20 a 80 pontos, e foram classificadas de 0 a 30 pontos como nível baixo de ansiedade, 31 a 49 pontos como nível médio de ansiedade e 50 a 80 pontos como nível alto de ansiedade.

 

Análise estatística

 

Todos os dados obtidos foram tabulados e organizados de acordo com o tempo pós-cirurgia. Por se tratar de dados nominais e ordinais toda a análise foi realizada com testes não-paramétricos. Para análise da correlação entre duas variáveis, foi utilizado o coeficiente de postos de Spearman. A comparação entre as medianas dos diferentes escores em relação ao tempo foi realizada através do teste de Friedman, seguido, quando adequado, do teste de comparações múltiplas. O nível de significância foi estabelecido em 0,05.

 

Resultados

 

Durante o período de estudo, 81 pacientes foram elegíveis. Destes, 18 foram excluídos e 63 pacientes entraram para o estudo. Durante o seguimento, 5 (7,9%) foram a óbito, e 28 (44,4%) abandonaram o estudo ou não foram encontrados após a alta hospitalar, restando então 30 pacientes para acompanhamento em 180 dias (Figura 1).

 

 

Figura 1 - Fluxo de entrada dos pacientes do estudo.

 

Em relação à idade dos 63 pacientes avaliados, o limite inferior foi de 39 anos e o limite superior foi de 85 anos, sendo a média para o sexo feminino 62 ± 8 anos e para o sexo masculino 57 ± 11 anos. A maior ocorrência de CRM para os homens foi na década de 50-59 anos com 38% e para as mulheres foi na década de 60-69 anos com 53% dos pacientes estudados. Com relação ao nível de escolaridade, dos 63 pacientes estudados somente 5 (7,9%) possuíam nível superior. Quanto ao estado civil dos pacientes, 53 (84,1%) estavam casados no período de estudo e 56% eram da cor branca. Quanto aos fatores de riscos para DAC, os mais frequentes foram hipertensão arterial sistêmica (77,8%), tabagismo (66,7%), sedentarismo (63,5%) e dislipidemia (50,8%) conforme tabela I.

 

Tabela ICaracterísticas demográficas e clínicas dos pacientes.

 

*Um mesmo paciente pode apresentar mais de um fator de risco

 

Qualidade de vida, ansiedade e depressão no tempo

 

A avaliação da QVRS, ansiedade e depressão dos 63 pacientes no pré-operatório foram realizadas através da aplicação dos questionários MacNew QLMI, BDI e IDATE Traço-Estado respectivamente.

A análise dos escores totais do MacNew QLMI no pré-operatório e 60, 120 e 180 dias após a cirurgia demonstrou aumento significante nos escores de qualidade de vida após 60 dias quando comparados com o pré-operatório e se manteve estável após 120 ou 180 dias (Figura 2).

 

 

* p < 0,05, ** p < 0,01 comparado com pré-operatório.

Figura 2Análise das medianas dos escores totais de qualidade de vida no tempo (n=30).

 

A figura 3 apresenta as medianas dos escores do MacNew QLMI quanto aos domínios emocional, físico e social. Como se pode observar não houve diferença significante nos escores do domínio emocional, mas observa-se aumento significante nos escores dos domínios físico e social após 120 e 180 dias.

 

 

(n= 30) * p < 0,05, ** p< 0,01 comparado com pré-operatório.

Figura 3Análise das medianas dos escores nos domínios do MacNew QLMI.

 

A análise dos escores das medianas do BDI no tempo não apresentou diferença significante nos escores quando comparados com o pré-operatório. Porém a análise da distribuição dos escores do BDI (normal, leve/moderada, moderada/severa) para avaliação de depressão demonstrou diferença significante da distribuição observando-se aumento na percentagem de escores normais e redução na percentagem de escores leve/moderada (c2 = 14,249 p < 0,05) como mostra figura 4.

 

 

Figura 4Análise da classificação dos escores do BDI no tempo (n=30). *p < 0,05.

 

A análise das medianas dos escores do IDATE Traço-Estado no tempo não demonstrou diferença significativa. Do mesmo modo a classificação dos escores (baixo, moderado e alto) também não mostrou diferença significativa nos escores do IDATE-Traço e IDATE-Estado após aplicado o teste c2.

A correlação entre os escores totais de qualidade de vida obtidos através do MacNew QLMI no pré-operatório e dos escores demonstrou uma alta correlação negativa (r = - 0,723, p < 0,001) verificado através do coeficiente de Spearman, pacientes com altos escores de qualidade de vida apresentaram baixos níveis de depressão e vice-versa como mostra a figura 5.

 

 

Figura 5Correlação entre os escores totais do MacNew QLMI e dos escores do BDI (r = - 0,723 p < 0,001) com n = 63 pacientes.

 

Discussão

 

Um dos principais achados deste estudo foi o aumento espontâneo significante nos escores de qualidade de vida, após 60 dias de CRM, quando comparados com o pré-operatório e os mesmos se mantiveram estáveis após 120 e 180 dias de pós-operatório.

A CRM é um procedimento muito utilizado e sua efetividade tem sido demonstrada em vários trabalhos. Os seus objetivos principais são o alívio da angina, o aumento da sobrevida e aumento da QVRS. Porém, resultados de estudos anteriores têm mostrado que alguns pacientes apresentam baixa QVRS mesmo após a cirurgia, constituindo motivo de preocupação entre os profissionais de saúde, depondo contra o sucesso da mesma [21,22].

A maioria dos estudos sobre a melhora da QVRS em pacientes após CRM é baseada em impressões clínicas, enquanto aspectos psicossociais ou emocionais têm sido menos estudados. Segundo Perrotti et al. [22], é necessário identificar com clareza o custo-benefício da cirurgia estabelecendo quais pacientes necessitam de maiores preparações, maiores cuidados pré-operatórios e necessidade de reabilitação cardíaca (RC). Alguns estudos [20,23] sugerem que pacientes com alto risco de desenvolvimento de ansiedade e depressão pós-operatória devem ser identificados antes da cirurgia, pois a identificação dos fatores preditivos pode aumentar e incentivar o desenvolvimento de intervenções preventivas para aqueles que apresentarem probabilidade para baixa QVRS, ansiedade e depressão pós-operatória.

O American College of Cardiology (ACC) e a American Heart Association (AHA) sugerem que a melhora da QVRS seja uma das indicações primárias para a realização da CRM [24]. Ao avaliar as mudanças na QVRS entre o pré-operatório e 60, 120 e 180 dias após CRM, nossos resultados demonstraram uma melhora significante na QVRS após 60 dias de CRM que se mantém estável até 120 ou 180 dias. Este achado importante do presente estudo vem demonstrar que os pacientes perceberam melhora precoce nos níveis de QVRS, em 60 dias após a CRM, justificando os objetivos e as indicações propostas pelo Guideline de CRM do ACC/AHA [24].

Oldridge et al. [25], utilizando o QLMI, avaliaram a QVRS em pacientes 6 semanas após IAM com sintomas de moderada depressão e ansiedade. Os pacientes foram divididos aleatoriamente em dois grupos, no primeiro grupo os pacientes se submeteram a um programa de 8 semanas de RC e no segundo os pacientes receberam apenas os cuidados convencionais. Os resultados obtidos indicaram que em apenas 8 semanas houve uma melhora significante da QVRS, como observado em nosso estudo e não havia diferença significativa entre os grupos de RC e cuidados convencionais neste período de tempo.

Em relação às dimensões do MacNew (emocional, físico e social) no tempo de CRM avaliadas neste estudo, observou-se melhora significativa em 120 e 180 dias nas dimensões físico e social. Estes achados diferem dos de Oldridge et al. [25], nos quais os autores demonstraram melhora significante na dimensão emocional e na tolerância ao exercício em 8 semanas. Porém estes resultados só foram encontrados no grupo que realizou RC, o grupo não tratado somente apresentou melhora significante no físico e no emocional em 360 dias. Isto vem confirmar a importância da RC, no tratamento de pacientes coronariopatas.

Um melhor acompanhamento e suporte para os pacientes submetidos à CRM poderiam promover uma melhora na QVRS em todos os domínios, como foi demonstrado em estudos anteriores. Pesquisas comprovam que existe um potencial de melhora precoce dos escores de QVRS nos domínios físico e emocional dos pacientes que se submetem à CRM, proporcionada pela RC. Este aumento percebido pelos pacientes nos domínios físico e emocional vai se refletir posteriormente em aumento dos escores totais de QVRS. Deveria haver, então, uma política de desenvolvimento de programas de RC e de encorajamento dos pacientes para participação nestes programas em nosso país.

A ISCAB Investigators [26] relatou que em Israel poucos pacientes (5%) usam os programas de RC existentes devido ao fraco encorajamento dos cirurgiões e da limitada cobertura dos fundos de saúde. Também demonstrou que a atividade física e RC foram fortes fatores preventivos na avaliação de baixa saúde total.

Vários estudos [23,24,27] têm demonstrado que os programas de RC poderiam ajudar pacientes com baixa automotivação para atividade física a melhorar sua QVRS após CRM.

Um achado importante neste estudo foi a diminuição significativa nos escores de depressão ao longo do tempo. Embora a análise seja qualitativa e as medianas dos escores não tenham apresentado diferença significante em 180 dias de CRM, a mediana dos escores do BDI foi 9,5 (normais) contra 16 (depressão leve a moderada) no pré-operatório.

Isto também foi observado por Khoueiry et al. [28], em seu estudo, no qual vários autores demonstraram que os escores de depressão são significantemente menores após a cirurgia que os escores de base.

Quando os escores do BDI foram comparados pela classificação sugerida por Andrade et al. [29] (Normal, Leve/Modera e Moderada/Severa), observa-se melhora significativa nos sintomas de depressão no tempo. Esta é uma análise confiável, pois outros pesquisadores [29-31] têm utilizado o mesmo ponto de corte usado em nosso estudo, i.e., de ≤ 10 para normal, ≥ 11 e ≤ 19 para leve/moderada e ≥ 20 moderada/severa para classificar os pacientes com atitudes ou sintomas de depressão.

Kidd et al. [4] observaram que muitos estudos têm demonstrado que uma proporção significativa de pacientes apresenta uma recuperação deficiente após CRM e umas das causas tem sido a falência na melhora subjetiva da QVRS. Acrescentaram ainda que a depressão pós-IAM tem sido um preditor significante para esta baixa QVRS.

Os resultados obtidos neste estudo também demonstraram que a depressão é um importante preditor para baixa QVRS, uma vez que pudemos observar uma correlação significante entre QVRS e depressão. Esta correlação apresentou sentido negativo, i.e., pacientes com altos escores de qualidade de vida apresentavam baixos escores de depressão e vice-versa.

Ansiedade após CRM tem sido menos estudada que depressão, um pequeno número de estudos e os diferentes tipos de distúrbios avaliados podem explicar as discrepâncias entre os mesmos [32].

Neste estudo, a análise das medianas dos escores do IDATE Traço-Estado no tempo não demonstrou diferença significativa em ambas as escalas. Após a análise dos escores nas classificações sugeridas por Spilberger, Gorsuch e Lushene [33] (baixo, moderado e alto nível de ansiedade) também não indicou diferença significativa. Mesmo sem encontrar diferenças estatisticamente significantes no pré-operatório, na escala traço de ansiedade apenas 17% dos pacientes apresentava baixo nível de ansiedade e em 180 dias este número subiu para 33%.

Um estudo anterior [34] relatou que o traço de ansiedade se refere a diferenças individuais relativamente estáveis em propensão à ansiedade, isto é, a diferença na tendência de reagir a situações percebidas como ameaçadoras com consequente elevação aos estados de ansiedade, então seria de se esperar que pessoas com altos traços de ansiedade demonstrariam também altos escores no estado de ansiedade. Isto foi verificado neste estudo no qual a mediana dos escores de ansiedade na avaliação do tempo de CRM em ambas as escalas apresentaram valores semelhantes

Um outro estudo [35], utilizando o IDATE Traço-Estado para avaliação de ansiedade antes e após CRM, verificou que as mudanças nos sintomas de traço e estado de ansiedade no período de recuperação após a cirurgia não eram estatisticamente significantes, somente apareciam diferenças significativas quando os pacientes foram comparados quanto ao sexo.

Confirmando nossos resultados Oldridge et al. [25] avaliaram a QVRS utilizando o QLMI e a ansiedade utilizando o IDATE-Estado em sua população de 201 pacientes divididos randomicamente em dois grupos, um grupo tratado com RC e outro utilizando cuidados convencionais. O grupo tratado com cuidados convencionais não apresentou diferença significante nos escores do IDATE-Estado. Porém o grupo tratado com RC apresentou uma diminuição significativa nos escores do IDATE-Estado (menor ansiedade). Este achado revela e reforça a necessidade da RC no tratamento de pacientes após CRM.

Como observado neste estudo, existe correlação negativa entre ansiedade e QVRS. A realização de RC poderia, então, com a melhora dos níveis de ansiedade, promover secundariamente melhora da QVRS dos pacientes submetidos à CRM. Isto também foi demonstrado por Duits et al. [32] sugerindo que uma preparação pré-operatória como informações sobre eventos peri-operatórios e fisioterapia pré-operatória (respiração profunda, tosse, exercícios de MMII e técnicas de saída do leito) reduziria o estresse psicológico dos pacientes e consequentemente melhorando sua percepção de QVRS.

Estudos anteriores [4-6] têm confirmado que os sintomas de ansiedade e depressão estão associados com pobres resultados em pacientes que se submetem a CRM e consequentemente com alterações na QVRS.

Uma cuidadosa rotina de avaliação destes sintomas no pré-operatório poderia promover um suporte de medidas preventivas pré e pós-operatórias, como a estimulação de mobilização precoce, motivação e encaminhamento para programas de RC. A RC, além de aumentar a tolerância ao exercício, poderia promover a diminuição de depressão e ansiedade de pacientes coronariopatas, como sugerem os Guidelines de RC produzindo melhores resultados clínicos e psicológicos nos pacientes após CRM, que mais tarde seriam refletidos em aumento da QVRS.

Algumas limitações podem ser apontadas neste estudo, uma delas foi o tamanho da amostra que poderia ser maior a fim de compensar as perdas durante o seguimento do estudo. Uma outra limitação foi a ausência de um programa de reabilitação cardiovascular a fim de comparar os resultados. Estudos adicionais são necessários na identificação de pacientes predispostos a pobre QVRS, presença de depressão e ansiedade após CRM e para comparar os resultados obtidos com pacientes tratados com RC, pois os resultados deste estudo em conjunto com estudos anteriores sugerem que os programas de RC contribuem para melhora das condições físicas, emocionais e sociais constituindo um fator determinante na melhora da QVRS.

 

Conclusão

 

O estudo demonstra que a CRM está associada a uma importante melhora na QVRS. Pacientes submetidos a CRM apresentam uma melhora espontânea significativa em sua QVRS após 60 dias e que se estabiliza até 180 dias. Contudo, fatores como ansiedade e depressão podem afetar o curso de sua completa recuperação emocional, física e social. Deste modo, esforços devem ser realizados na identificação precoce destes fatores a fim de garantir a plena recuperação e alta QVRS para estes pacientes.

 

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