REVISÃO
Efeitos
do fortalecimento muscular do assoalho pélvico em pacientes pós-acidente
vascular encefálico com incontinência urinária
Effects
of pelvic floor muscle strengthening in post-stroke patients with urinary
incontinence
Débora Alves da Silva,
Ft.*, Waléria Aparecida Costa Ferreira, Ft.*, Patrick
Roberto Avelino, Ft., M.Sc.**, Henrique Silveira
Costa, Ft., D.Sc.***, Kênia
Kiefer Parreiras de Menezes, Ft., D.Sc.****
*Fisioterapeuta
pela Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira/MG, **Fisioterapeuta, Mestre
em Ciências da Reabilitação pela Universidade Federal de Minas Gerais,
***Fisioterapeuta, Doutor em Medicina Tropical pela Universidade Federal de
Minas Gerais, ****Fisioterapeuta, Doutor em Ciências da Reabilitação pela
Universidade Federal de Minas Gerais
Estudo
desenvolvido na Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira, Minas
Gerais.
Recebido em 22 de
fevereiro de 2019; aceito em 26 de abril de 2019.
Correspondência: Kênia
Kiefer Parreiras de Menezes, Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento
de Fisioterapia, Belo Horizonte MG, E-mail: keniakiefer@yahoo.com.br; Débora
Silva: deboraalves23@yahoo.com.br; Waléria Ferreira:
waleria_ap@hotmail.com; Patrick Roberto Avelino: patrickpk4@yahoo.com.br;
Henrique Costa: henriquesilveira@yahoo.com.br
Resumo
Introdução: Pacientes
pós-acidente vascular encefálico (AVE) apresentam alterações motoras, causando
perda de força muscular, que afeta inclusive os músculos do assoalho pélvico.
Essa perda de força pode levar a incontinência urinária que consiste na perda
involuntária de urina. A Sociedade Internacional de Incontinência Urinária
(SIC) indicou a fisioterapia como tratamento de primeira linha para a
incontinência urinária, mas ainda não foram encontradas revisões sistemáticas
da literatura que avalie o efeito do fortalecimento muscular do assoalho
pélvico em pacientes pós-AVE com IU. Objetivo:
Realizar uma revisão sistemática da literatura sobre os efeitos do
fortalecimento do assoalho pélvico em pacientes pós-AVE com IU. Métodos: Buscas nas bases Medline, Lilacs, Scielo, PEDro, sem restrição de
data ou idioma de publicação. Foram utilizadas combinações de palavras-chave,
tais como: acidente vascular encefálico, reabilitação, incontinência urinária,
fisioterapia, assoalho pélvico, além de seus respectivos termos em inglês. Os
estudos foram analisados por dois avaliadores independentes. A qualidade
metodológica dos estudos incluídos foi avaliada de acordo com a escala PEDro. Resultados:
A estratégia de busca resultou em 693 artigos, e após a análise de títulos,
resumos e textos completos, realizados por dois avaliadores independentes,
foram excluídos 688, restando cinco artigos selecionados para a presente
revisão sistemática. Em geral, os estudos mostraram que os pacientes pós-AVE
obtiveram melhora em todas as medidas de desfecho investigadas (força,
resistência e atividade dos músculos do assoalho pélvico, frequência de micção,
número de episódios de incontinência, número de absorventes usados, quantidade
da perda de urina, função do trato urinário inferior, sintomas da bexiga
hiperativa e independência funcional), exceto na qualidade de vida e impacto da
incontinência, tanto a curto como a longo prazo. Conclusão: Os resultados parecem promissores em relação à eficácia
do fortalecimento muscular do assoalho pélvico como uma intervenção para a
reabilitação de indivíduos com IU pós-AVE. No entanto, tais conclusões se
baseiam em apenas cinco estudos, de qualidade metodológica moderada,
necessitando de mais estudos sobre o assunto.
Palavras-chave: acidente vascular
encefálico, reabilitação, incontinência urinária, fisioterapia, músculos do
assoalho pélvico.
Abstract
Introduction:
Post-stroke patients present motor impairments, such as muscle weakness, which
also affects the pelvic floor muscles. This loss of strength can lead to
urinary incontinence (UI), which consists of involuntary loss of urine. The
International Society for Urinary Incontinence has indicated physical therapy
as a first-line treatment for UI, but no systematic reviews of the literature
have yet found that evaluates the effects of pelvic floor muscle training in
post-stroke patients with UI. Objective:
To perform a systematic review of the literature investigating the effects of
pelvic floor strengthening in post-stroke patients with UI. Methods: Searches in Medline, Lilacs, Scielo, PEDro, without
restriction of date or language of publication were performed. The terms
included the following descriptors: stroke, rehabilitation, urinary
incontinence, physical therapy, pelvic floor, as well as these terms in
Portuguese, with strategies specific to each base. The studies were analyzed by
two independent evaluators. The methodological quality of the included studies
was evaluated according to the PEDro scale. Results: The search strategy resulted in
693 articles, and after the analysis of titles, abstracts and full texts, 688
were excluded, resulting in five articles selected for the present systematic
review. In general, studies have shown that post-stroke patients improved all
investigated outcome measures (strength, endurance and pelvic floor muscle
activity, urinary frequency, number of incontinence episodes, number of
absorbents used, amount of loss of urine, lower urinary tract function,
overactive bladder symptoms and functional independence), except for the
quality of life and impact of incontinence, both short-term and long-term. Conclusion: As observed, the results
seem promising regarding the efficacy of pelvic floor muscle training as an
intervention for the rehabilitation of individuals with UI post-stroke.
However, these conclusions are based on only five studies, of moderate
methodological quality, requiring further studies.
Key-words: stroke,
rehabilitation, urinary incontinence, physical therapy, pelvic floor muscles.
A Organização Mundial
da Saúde define o acidente vascular encefálico (AVE) como uma alteração
neurológica de origem vascular, que pode envolver um ou mais vasos sanguíneos,
ocasionando um comprometimento transitório ou definitivo na função cerebral
[1]. Esse déficit neurológico é descrito como um distúrbio que leva à
interrupção de fluxo sanguíneo para uma área específica do encéfalo, podendo
ser classificado como isquêmico ou hemorrágico [1]. Dentre as alterações
motoras, destacam-se a hemiplegia, caracterizada pela paralisia ou ausência de
contração muscular, ou a hemiparesia, que é a perda de força muscular, ambas no
hemicorpo contralateral à lesão encefálica [2]. O AVE tornou-se a segunda maior
causa de mortes no mundo, sendo considerada também uma das principais causas de
incapacidades em adultos [3].
Os déficits
neurológicos decorrentes do AVE podem levar a perda de força e sensibilidade,
diminuição da capacidade de movimentação e controle de diversas áreas
corporais, além de gerar distúrbios como a perda do controle dos esfíncteres
anal e vesical [4]. A perda ou diminuição de força e movimento muscular, por
paralisia ou fraqueza dos músculos, resultam na produção de força insuficiente
para a realização de movimentos voluntários, como a contração do assoalho
pélvico, podendo levar a incontinência urinária (IU) [4]. A IU, principal
distúrbio do assoalho pélvico, consiste na perda incontrolável de urina e é um
dos mais constrangedores e estressantes sintomas urinários, provocando implicações
sociais, ocupacionais, psicológicas, físicas, sexuais e econômicas [5]. A IU
pode ser classificada como: esforço, quando normalmente ocorre aumento da
pressão abdominal e esta pressão extra será transmitida à bexiga, culminando em
perda de urina; urgência, caracterizada pela urgência miccional que pode ser
seguida de perda urinária; e mista, que corresponde à combinação dos dois tipos
de incontinência descritos acima. Além disso, é comum também encontrarmos em
pacientes pós-AVE a bexiga neurogênica, que consiste na perda do funcionamento
normal da bexiga provocada por lesões de uma parte do sistema nervoso.
A IU é um grande
problema após AVE, com uma prevalência variando de 37% a 79% nos dias e semanas
após lesão [6]. Além disso, estima-se que um ano após o AVE, aproximadamente um
terço desses indivíduos permanece com IU [7]. Tais sequelas frequentemente
comprometem a autoestima e autoimagem do indivíduo, bem como sua interação com
a família e a sociedade [4], devendo ser um importante fator a ser considerado
no processo de reabilitação destes pacientes. Exercícios para fortalecimento da
musculatura do assoalho pélvico têm mostrado efeito significativo em indivíduos
pós–AVE [8,9]. Os recursos fisioterapêuticos utilizados são: cinesioterapia, que
se baseia em exercícios de fortalecimento da musculatura do assoalho pélvico, o
qual aumenta o tônus e a resistência uretral; cones vaginais, com variações dos
pesos e tem como objetivo aperfeiçoar os processos fisiológicos por meio da
contração da musculatura perineal; e a eletroestimulação, que manda impulsos
elétricos para o nervo eferente da musculatura perineal, aumenta o fluxo
sanguíneo para os músculos, reestabelece as conexões neuromusculares e melhora
a função da fibra, aumentando seu tônus e alterando seu padrão de ação [10].
A
Sociedade
Internacional de Continência (SIC) indicou a fisioterapia como
tratamento de
primeira linha para a incontinência urinária, devido
à sua alta efetividade,
baixo custo e riscos [11]. Estudos recentes têm demonstrado que o
fortalecimento da musculatura do assoalho pélvico proporciona
melhora nas
atividades de vida diária e qualidade de vida,
diminuição dos sintomas da IU,
redução da frequência de micção e da
perda urinária, melhora da função muscular
pélvica, e resistência estática e dinâmica
sendo, portanto, recomendado como
ferramenta para o processo de reabilitação destes
pacientes [9,12]. No entanto,
embora estes resultados pareçam promissores, não foram
encontradas na
literatura revisões sistemáticas que tenham investigado
os efeitos do
fortalecimento do assoalho pélvico em pacientes com IU
pós- AVE. Sabemos que as
revisões sistemáticas são consideradas a melhor
forma de sintetizar a
informação existente sobre um determinado tópico,
pois são realizadas seguindo
um método de características sistemáticas e
explícitas [13]. No entanto, não
foram encontradas revisões sistemáticas sobre efeitos do
fortalecimento dos
músculos do assoalho pélvico em indivíduos
pós-AVE.
Assim, o objetivo do
presente artigo foi realizar uma revisão sistemática da literatura sobre os
efeitos do fortalecimento do assoalho pélvico em pacientes com IU pós-AVE.
Desenho
Este estudo trata-se de
uma revisão sistemática, com o objetivo de descrever o que há na literatura
sobre os efeitos do fortalecimento muscular do assoalho pélvico em paciente
pós- AVE com IU.
Procedimentos
O período de
abrangência foi qualquer estudo publicado até o período de março/2018. Foram
conduzidas buscas nas seguintes bases de dados: Medline,
Lilacs, Scielo e PEDro, com estratégicas específicas para cada base,
acrescida de uma busca manual em todas referências dos artigos incluídos pela
busca nas bases. Não houve restrição de data ou idioma de publicação. Foram
utilizadas combinações de palavras-chave, tais como: acidente vascular
encefálico, reabilitação, incontinência urinária, fisioterapia, assoalho
pélvico, além de seus respectivos termos em inglês. As estratégias de busca
específicas encontram-se no quadro 1. Os artigos foram selecionados de forma
independente por dois avaliadores e, em caso de discordâncias, estas foram
resolvidas por um terceiro avaliador. As cópias dos textos completos desses
estudos foram obtidas e, para estudos não disponíveis online gratuitamente, uma
cópia foi solicitada aos autores via e-mail.
Critérios
de inclusão e exclusão
Foram incluídos estudos
experimentais, obrigatoriamente ensaios clínicos aleatorizados, que tenham
utilizado qualquer método fisioterapêutico como intervenção para o
fortalecimento da musculatura do assoalho pélvico (cinesioterapia,
eletroestimulação, uso de cones vaginais, etc.), em pacientes com IU pós-AVE,
de ambos os sexos, sem restrição de idade. As medidas de desfecho de interesse
foram todas as investigadas pelos estudos incluídos, tanto em nível de
estrutura e função, atividade e/ou participação social. Foram excluídos estudos
não-experimentais, estudos de revisão, estudos duplicados ou estudos que
incluíssem mais de uma modalidade de intervenção no mesmo grupo de tratamento,
além do fisioterapêutico.
As informações
extraídas dos estudos foram: tipo de estudo, características dos participantes
incluídos (como idade, tempo da lesão, tipo de AVE, tempo pós-lesão, etc.),
objetivo do estudo, protocolo da intervenção (como tempo de duração,
intensidade, frequência, descrição das atividades, etc.), medidas de desfecho
utilizadas, relação investigada (comparação entre grupos) e os resultados
encontrados. Quando informações necessárias não foram encontradas na versão
publicada dos estudos, detalhes adicionais foram solicitados ao autor via
e-mail.
Qualidade
metodológica
A qualidade
metodológica dos estudos incluídos foi avaliada de acordo com a escala PEDro, descrita na base de dados Physiotherapy Evidence Database
(www.pedro.org.au). A escala, composta de 11 itens, foi desenvolvida para
classificar a qualidade metodológica (validade interna e informações estatísticas)
de ensaios clínicos aleatorizados. Cada item, exceto o item 1, contribui com um
ponto para a pontuação total da escala, que varia de 0 a 10 pontos. Para todos
os estudos, foi utilizada a pontuação já realizada e descrita no endereço
eletrônico da base de dados. A pontuação na escala PEDro
não foi considerada como um critério de exclusão para os estudos.
Quadro 1 – Estratégias de busca específica para cada base de dados.
Extração
de dados
A busca eletrônica
resultou em 693 artigos. Desses, 669 artigos foram excluídos após a leitura dos
títulos e 11 excluídos após a leitura dos resumos, restando 13 artigos
selecionados para a leitura completa do texto. Após a leitura, somente cinco
artigos foram incluídos nessa revisão, segundo os critérios de inclusão
estabelecidos [9,12,14-16]. A busca manual retornou quatro estudos e desses, um
foi excluído após leitura do resumo e os outros três excluídos após a leitura
completa do texto. Assim, um total de cinco artigos foram incluídos e descritos
no presente estudo. As principais razões para exclusão dos estudos foram:
artigos duplicados, artigos que não abordavam a IU na condição pós-AVE, e
estudos transversais. O fluxograma de inclusão dos artigos encontra-se na
Figura 1.
Todos os estudos foram
realizados com pacientes pós-AVE, sem limite de idade ou sexo. Os estudos
incluíram de 24 a 61 participantes com idade média de 62 anos, e tempo de lesão
de até 5 anos. Entre as intervenções encontradas, quatro estudos realizaram
exercícios para os músculos do assoalho pélvico, e um estudo utilizou
eletroestimulação. O tempo médio de intervenção foi de seis a 12 semanas, com
frequência de três a sete vezes/semana, durante 30 a 60 minutos. As medidas de
desfecho investigadas foram: força e resistência estática e dinâmica dos
músculos do assoalho pélvico (pressão máxima de compressão vaginal – Perineômetro – e palpação vaginal), atividade dos músculos
do assoalho pélvico (eletromiografia intravaginal),
frequência de micção, número de episódios de incontinência e número de
absorventes usados (diário miccional modificado), quantidade da perda de urina
(pad-test 24 horas), função do trato urinário
inferior (exame urodinâmico), sintomas da bexiga
hiperativa (Overactive Bladder Symptom Score), independência funcional (Índice de Barthel), impacto da incontinência (Incontinence Impact Questionnaire),
e sintomas urinários e qualidade de vida (Bristol
Female Lower Urinary Tract Symptom
Questionnaire e Short-Form-36). A descrição
detalhada de cada estudo encontra-se na Tabela II. Em geral os estudos
mostraram que os pacientes pós-AVE obtiveram melhora em todas as medidas de
desfecho investigadas, exceto na qualidade de vida e impacto da incontinência,
tanto a curto como a longo prazo.
Fonte: Elaborado pelas
autoras.
Figura 1 - Fluxograma de inclusão e exclusão dos estudos.
Qualidade
metodológica dos artigos selecionados
Todos os cinco estudos
incluídos na presente revisão são ensaios clínicos aleatorizados, com qualidade
metodológica média de 6,2 na escala PEDro, variando
de 5 a 7 (Tabela I).
Tabela I - Detalhamento dos
estudos na escala PEDro.
Fonte: Elaborado pelas
autoras, S = sim; N = não.
Tabela II - Características dos estudos incluídos (n = 5). (ver anexo em PDF).
Esta revisão objetivou
analisar os efeitos do fortalecimento muscular do assoalho pélvico na
reabilitação de pacientes com IU pós-AVE. A IU determina problemas econômicos,
físicos, sociais e psicológicos, alterando de forma importante a saúde do
indivíduo. De forma geral, foram encontrados efeitos positivos na força,
resistência estática e dinâmica e atividade dos músculos do assoalho pélvico,
frequência de micção, número de episódios de incontinência e número de
absorventes usados, quantidade da perda de urina, função do trato urinário
inferior, sintomas da bexiga hiperativa e independência funcional. No entanto,
não foram encontrados efeitos significativos para impacto da incontinência e
qualidade de vida nesta população, tanto a curto como a longo prazo.
Entre os artigos
incluídos, dois avaliaram a força muscular do assoalho pélvico, demonstrando um
aumento significativo nesta variável após o tratamento [9,14]. Além disso,
também foram encontrados resultados significativos para a resistência [9] e
ativação [14] destes músculos. A atividade e força dos músculos do assoalho
pélvico estão associadas com incontinência urinária de esforço e, portanto, o
treinamento desta musculatura geralmente está relacionado à melhora dos sintomas
de incontinência nesta população [17]. Além disso, a continência não está
relacionada somente à capacidade de contrair com adequada força a musculatura,
mas também à capacidade de manter esta força por determinado período de tempo.
Assim, a melhora da força e resistência dos músculos do assoalho pélvico em
indivíduos pós-AVE é um importante achado, uma vez que pode contribuir para
simples tarefas do dia a dia, como agachar, tossir, espirrar, subir e descer
degraus/escadas, além de ajudar na autoestima, sem que haja a perda de urina
[9,14]. Dessa forma, embora tais resultados se baseiem em somente dois estudos,
parece sugestiva e promissora a utilização do fortalecimento dos músculos do
assoalho pélvico em pacientes com IU pós-AVE para melhora da força, resistência
e ativação desta musculatura.
Um artigo avaliou
frequência de micção, número de episódios de incontinência, número de
absorventes usados e quantidade da perda de urina, e reportou resultados
positivos em todas estas medidas de desfecho [9]. Ir ao banheiro
frequentemente, perder urina, e a necessidade constante de uso de absorvente
são sintomas que limitam a independência dos indivíduos, podendo causar
problemas psicológicos, bem como a depressão, isolamento, tristeza e desânimo,
fatores que afetam a qualidade de vida nessa população [9]. A melhora destes
sintomas reportada pelo artigo pode estar relacionada à melhora da força já
comprovada anteriormente, uma vez que a maioria dos pacientes apresentava IU
mista, reforçando mais uma vez que o fortalecimento do assoalho pélvico é uma
ferramenta importante para o processo de reabilitação e um grande aliado dessa
população. No entanto, ainda são incertos os efeitos deste tratamento para
paciente sem incontinência urinária mista, em que a perda de urina acontece
somente devido à presença da bexiga neurogênica.
Dois estudos
investigaram os efeitos do fortalecimento dos músculos do assoalho pélvico na
função do trato urinário inferior, sintomas da bexiga hiperativa e sintomas
urinários [12,14]. Os autores reportaram melhora significativa em todas as
medidas avaliadas para o grupo tratamento, quando comparados ao grupo controle.
Como já discutido anteriormente, a melhora da força e resistência desta
musculatura está diretamente relacionada à também melhora dos sintomas do trato
urinário. Para indivíduos pós-AVE, os resultados são semelhantes e, portanto,
fortalecer os músculos do assoalho pélvico parece melhorar também os sintomas
urinários nesta população, o que pode interferir nas suas relações pessoais e
qualidade de vida. Além disso, para aqueles mais incapacitados, os resultados
também são importantes para seus cuidadores, que diminui o número de troca de
fraldas e de vestuários. No entanto, novamente, a generalização de tais
resultados ainda precisa ser cautelosa, uma vez que o número reduzido de
estudos ainda é insuficiente para afirmar que esta relação possui alto grau de
evidência. Além disso, ainda é incerto o mecanismo fisiológico que diminuiria
os sintomas da bexiga hiperativa somente através de exercícios de
fortalecimento do assoalho pélvico, uma vez que se trata de um distúrbio
neurológico.
A independência
funcional foi avaliada por um único artigo [12]. Os autores investigaram esta
variável através do questionário Índice de Barthel,
reportando melhora significativa no escore de tal instrumento. Essa melhora na
independência está relacionada à capacidade do indivíduo de realizar tarefas
antes evitadas devido à perda de urina e ao isolamento social. Assim, com o
aumento da força e, consequentemente, melhora dos sintomas, estes indivíduos se
sentem encorajados a voltar a realizar suas tarefas cotidianas, tornando-se
mais independentes em suas atividades funcionais.
Por fim, três estudos
investigaram os efeitos do fortalecimento no impacto da IU e na qualidade de
vida [14-16]. Em relação ao impacto da IU, nenhum dos estudos que investigaram
tal variável encontrou resultados significativos [15,16]. No entanto, ambos os
estudos tratam da mesma amostra, submetida ao mesmo tratamento, em que os
resultados foram publicados em dois artigos distintos, sendo o primeiro
relacionado aos resultados imediatos [15] e o segundo aos resultados a longo
prazo, seis meses após o término da intervenção [16]. Tais autores utilizaram
para avaliação do impacto da IU o Incontinence Impact Questionnaire. O
problema de tal questionário é que ele não oferece a possibilidade de responder
"não relevante". Isso força o indivíduo a responder "sem
impacto/nenhum problema", quando solicitado a indicar o impacto em uma
determinada atividade que ele não executa. Tal falha pode levar a resultados
superestimados e, como nos estudos reportados anteriormente, não encontrar um
efeito significativo.
Em relação à qualidade
de vida, os mesmos dois estudos não encontraram resultados significativos nem a
curto nem a longo prazo [15,16]. Outra falha que pode ser apontada é a utilização
do questionário Short-Form 36. Embora este seja um
questionário amplamente utilizado na pesquisa e prática clínica, é um
questionário geral, não específico para sintomas de IU. Dessa forma, novamente,
os resultados da intervenção podem ser interpretados erroneamente, devido à
escolha do instrumento. Um achado importante que corrobora tal afirmação é o
estudo de Shin et
al. [14], que investigou os efeitos do fortalecimento muscular do assoalho
pélvico na qualidade de vida de pacientes pós AVE, utilizando um questionário
específico para este sintoma (Bristol Female Lower Urinary
Tract Symptom Questionnaire), e encontrou resultados positivos
significativos [14]. Baseado no exposto anteriormente, ainda são confusos e
conflitantes os resultados de tal intervenção para o impacto da IU e qualidade
de vida nesta população e, portanto, mais estudos ainda são necessários a fim
de se esclarecer seus reais efeitos.
Referente às limitações
desta revisão, podemos citar a inclusão de apenas cinco estudos heterogêneos
entre si, que avaliaram medidas de desfecho distintas. Além disso, três artigos
apresentaram qualidade metodológica moderada, com razoável pontuação na escala PEDro (escore 6,2), o que também pode influenciar nos
resultados encontrados. Por fim, vale ressaltar que três dos cinco estudos
incluídos pertencem ao mesmo grupo de autores, que publicaram três estudos com
o mesmo protocolo de treinamento na mesma amostra, diferenciando somente as
medidas de desfecho investigadas em cada publicação e o tempo de acompanhamento
pós-intervenção (follow-up).
O objetivo do presente
estudo foi avaliar os efeitos do fortalecimento muscular do assoalho pélvico em
pacientes com IU pós-AVE. De acordo com os resultados encontrados, houve melhora
significativa com fortalecimento do assoalho pélvico em paciente pós-AVE para
força, resistência, ativação muscular, frequência de micção, número de
episódios de incontinência, número de absorventes usados, quantidade da perda
de urina, função do trato urinário inferior, sintomas urinários e independência
funcional. No entanto, tais resultados, embora significativos, devem ser
interpretados com cautela, uma vez que para cada uma destas variáveis, somente
de um a dois estudos, em geral de qualidade metodológica moderada,
utilizaram-nas como medida de desfecho, número pequeno para confirmarmos a
eficácia da intervenção. Além disso, não foram encontradas evidências para
impacto da IU e qualidade de vida. Dessa forma, mais estudos, com maior rigor
metodológico, ainda são necessários a fim de se investigar os reais efeitos do
fortalecimento muscular do assoalho pélvico em pacientes pós-AVE, para
estabelecer os reais efeitos desta intervenção nesta população, com elevado
grau de evidência.