REVISÃO

Efeitos do fortalecimento muscular do assoalho pélvico em pacientes pós-acidente vascular encefálico com incontinência urinária

Effects of pelvic floor muscle strengthening in post-stroke patients with urinary incontinence

 

Débora Alves da Silva, Ft.*, Waléria Aparecida Costa Ferreira, Ft.*, Patrick Roberto Avelino, Ft., M.Sc.**, Henrique Silveira Costa, Ft., D.Sc.***, Kênia Kiefer Parreiras de Menezes, Ft., D.Sc.****

 

*Fisioterapeuta pela Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira/MG, **Fisioterapeuta, Mestre em Ciências da Reabilitação pela Universidade Federal de Minas Gerais, ***Fisioterapeuta, Doutor em Medicina Tropical pela Universidade Federal de Minas Gerais, ****Fisioterapeuta, Doutor em Ciências da Reabilitação pela Universidade Federal de Minas Gerais

Estudo desenvolvido na Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira, Minas Gerais.

 

Recebido em 22 de fevereiro de 2019; aceito em 26 de abril de 2019.

Correspondência: Kênia Kiefer Parreiras de Menezes, Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Fisioterapia, Belo Horizonte MG, E-mail: keniakiefer@yahoo.com.br; Débora Silva: deboraalves23@yahoo.com.br; Waléria Ferreira: waleria_ap@hotmail.com; Patrick Roberto Avelino: patrickpk4@yahoo.com.br; Henrique Costa: henriquesilveira@yahoo.com.br

 

Resumo

Introdução: Pacientes pós-acidente vascular encefálico (AVE) apresentam alterações motoras, causando perda de força muscular, que afeta inclusive os músculos do assoalho pélvico. Essa perda de força pode levar a incontinência urinária que consiste na perda involuntária de urina. A Sociedade Internacional de Incontinência Urinária (SIC) indicou a fisioterapia como tratamento de primeira linha para a incontinência urinária, mas ainda não foram encontradas revisões sistemáticas da literatura que avalie o efeito do fortalecimento muscular do assoalho pélvico em pacientes pós-AVE com IU. Objetivo: Realizar uma revisão sistemática da literatura sobre os efeitos do fortalecimento do assoalho pélvico em pacientes pós-AVE com IU. Métodos: Buscas nas bases Medline, Lilacs, Scielo, PEDro, sem restrição de data ou idioma de publicação. Foram utilizadas combinações de palavras-chave, tais como: acidente vascular encefálico, reabilitação, incontinência urinária, fisioterapia, assoalho pélvico, além de seus respectivos termos em inglês. Os estudos foram analisados por dois avaliadores independentes. A qualidade metodológica dos estudos incluídos foi avaliada de acordo com a escala PEDro. Resultados: A estratégia de busca resultou em 693 artigos, e após a análise de títulos, resumos e textos completos, realizados por dois avaliadores independentes, foram excluídos 688, restando cinco artigos selecionados para a presente revisão sistemática. Em geral, os estudos mostraram que os pacientes pós-AVE obtiveram melhora em todas as medidas de desfecho investigadas (força, resistência e atividade dos músculos do assoalho pélvico, frequência de micção, número de episódios de incontinência, número de absorventes usados, quantidade da perda de urina, função do trato urinário inferior, sintomas da bexiga hiperativa e independência funcional), exceto na qualidade de vida e impacto da incontinência, tanto a curto como a longo prazo. Conclusão: Os resultados parecem promissores em relação à eficácia do fortalecimento muscular do assoalho pélvico como uma intervenção para a reabilitação de indivíduos com IU pós-AVE. No entanto, tais conclusões se baseiam em apenas cinco estudos, de qualidade metodológica moderada, necessitando de mais estudos sobre o assunto.

Palavras-chave: acidente vascular encefálico, reabilitação, incontinência urinária, fisioterapia, músculos do assoalho pélvico.

 

Abstract

Introduction: Post-stroke patients present motor impairments, such as muscle weakness, which also affects the pelvic floor muscles. This loss of strength can lead to urinary incontinence (UI), which consists of involuntary loss of urine. The International Society for Urinary Incontinence has indicated physical therapy as a first-line treatment for UI, but no systematic reviews of the literature have yet found that evaluates the effects of pelvic floor muscle training in post-stroke patients with UI. Objective: To perform a systematic review of the literature investigating the effects of pelvic floor strengthening in post-stroke patients with UI. Methods: Searches in Medline, Lilacs, Scielo, PEDro, without restriction of date or language of publication were performed. The terms included the following descriptors: stroke, rehabilitation, urinary incontinence, physical therapy, pelvic floor, as well as these terms in Portuguese, with strategies specific to each base. The studies were analyzed by two independent evaluators. The methodological quality of the included studies was evaluated according to the PEDro scale. Results: The search strategy resulted in 693 articles, and after the analysis of titles, abstracts and full texts, 688 were excluded, resulting in five articles selected for the present systematic review. In general, studies have shown that post-stroke patients improved all investigated outcome measures (strength, endurance and pelvic floor muscle activity, urinary frequency, number of incontinence episodes, number of absorbents used, amount of loss of urine, lower urinary tract function, overactive bladder symptoms and functional independence), except for the quality of life and impact of incontinence, both short-term and long-term. Conclusion: As observed, the results seem promising regarding the efficacy of pelvic floor muscle training as an intervention for the rehabilitation of individuals with UI post-stroke. However, these conclusions are based on only five studies, of moderate methodological quality, requiring further studies.

Key-words: stroke, rehabilitation, urinary incontinence, physical therapy, pelvic floor muscles.

 

Introdução

 

A Organização Mundial da Saúde define o acidente vascular encefálico (AVE) como uma alteração neurológica de origem vascular, que pode envolver um ou mais vasos sanguíneos, ocasionando um comprometimento transitório ou definitivo na função cerebral [1]. Esse déficit neurológico é descrito como um distúrbio que leva à interrupção de fluxo sanguíneo para uma área específica do encéfalo, podendo ser classificado como isquêmico ou hemorrágico [1]. Dentre as alterações motoras, destacam-se a hemiplegia, caracterizada pela paralisia ou ausência de contração muscular, ou a hemiparesia, que é a perda de força muscular, ambas no hemicorpo contralateral à lesão encefálica [2]. O AVE tornou-se a segunda maior causa de mortes no mundo, sendo considerada também uma das principais causas de incapacidades em adultos [3].

Os déficits neurológicos decorrentes do AVE podem levar a perda de força e sensibilidade, diminuição da capacidade de movimentação e controle de diversas áreas corporais, além de gerar distúrbios como a perda do controle dos esfíncteres anal e vesical [4]. A perda ou diminuição de força e movimento muscular, por paralisia ou fraqueza dos músculos, resultam na produção de força insuficiente para a realização de movimentos voluntários, como a contração do assoalho pélvico, podendo levar a incontinência urinária (IU) [4]. A IU, principal distúrbio do assoalho pélvico, consiste na perda incontrolável de urina e é um dos mais constrangedores e estressantes sintomas urinários, provocando implicações sociais, ocupacionais, psicológicas, físicas, sexuais e econômicas [5]. A IU pode ser classificada como: esforço, quando normalmente ocorre aumento da pressão abdominal e esta pressão extra será transmitida à bexiga, culminando em perda de urina; urgência, caracterizada pela urgência miccional que pode ser seguida de perda urinária; e mista, que corresponde à combinação dos dois tipos de incontinência descritos acima. Além disso, é comum também encontrarmos em pacientes pós-AVE a bexiga neurogênica, que consiste na perda do funcionamento normal da bexiga provocada por lesões de uma parte do sistema nervoso.

A IU é um grande problema após AVE, com uma prevalência variando de 37% a 79% nos dias e semanas após lesão [6]. Além disso, estima-se que um ano após o AVE, aproximadamente um terço desses indivíduos permanece com IU [7]. Tais sequelas frequentemente comprometem a autoestima e autoimagem do indivíduo, bem como sua interação com a família e a sociedade [4], devendo ser um importante fator a ser considerado no processo de reabilitação destes pacientes. Exercícios para fortalecimento da musculatura do assoalho pélvico têm mostrado efeito significativo em indivíduos pós–AVE [8,9]. Os recursos fisioterapêuticos utilizados são: cinesioterapia, que se baseia em exercícios de fortalecimento da musculatura do assoalho pélvico, o qual aumenta o tônus e a resistência uretral; cones vaginais, com variações dos pesos e tem como objetivo aperfeiçoar os processos fisiológicos por meio da contração da musculatura perineal; e a eletroestimulação, que manda impulsos elétricos para o nervo eferente da musculatura perineal, aumenta o fluxo sanguíneo para os músculos, reestabelece as conexões neuromusculares e melhora a função da fibra, aumentando seu tônus e alterando seu padrão de ação [10].

A Sociedade Internacional de Continência (SIC) indicou a fisioterapia como tratamento de primeira linha para a incontinência urinária, devido à sua alta efetividade, baixo custo e riscos [11]. Estudos recentes têm demonstrado que o fortalecimento da musculatura do assoalho pélvico proporciona melhora nas atividades de vida diária e qualidade de vida, diminuição dos sintomas da IU, redução da frequência de micção e da perda urinária, melhora da função muscular pélvica, e resistência estática e dinâmica sendo, portanto, recomendado como ferramenta para o processo de reabilitação destes pacientes [9,12]. No entanto, embora estes resultados pareçam promissores, não foram encontradas na literatura revisões sistemáticas que tenham investigado os efeitos do fortalecimento do assoalho pélvico em pacientes com IU pós- AVE. Sabemos que as revisões sistemáticas são consideradas a melhor forma de sintetizar a informação existente sobre um determinado tópico, pois são realizadas seguindo um método de características sistemáticas e explícitas [13]. No entanto, não foram encontradas revisões sistemáticas sobre efeitos do fortalecimento dos músculos do assoalho pélvico em indivíduos pós-AVE.

Assim, o objetivo do presente artigo foi realizar uma revisão sistemática da literatura sobre os efeitos do fortalecimento do assoalho pélvico em pacientes com IU pós-AVE.

 

Material e métodos

 

Desenho

 

Este estudo trata-se de uma revisão sistemática, com o objetivo de descrever o que há na literatura sobre os efeitos do fortalecimento muscular do assoalho pélvico em paciente pós- AVE com IU.

 

Procedimentos

 

O período de abrangência foi qualquer estudo publicado até o período de março/2018. Foram conduzidas buscas nas seguintes bases de dados: Medline, Lilacs, Scielo e PEDro, com estratégicas específicas para cada base, acrescida de uma busca manual em todas referências dos artigos incluídos pela busca nas bases. Não houve restrição de data ou idioma de publicação. Foram utilizadas combinações de palavras-chave, tais como: acidente vascular encefálico, reabilitação, incontinência urinária, fisioterapia, assoalho pélvico, além de seus respectivos termos em inglês. As estratégias de busca específicas encontram-se no quadro 1. Os artigos foram selecionados de forma independente por dois avaliadores e, em caso de discordâncias, estas foram resolvidas por um terceiro avaliador. As cópias dos textos completos desses estudos foram obtidas e, para estudos não disponíveis online gratuitamente, uma cópia foi solicitada aos autores via e-mail.

 

Critérios de inclusão e exclusão

 

Foram incluídos estudos experimentais, obrigatoriamente ensaios clínicos aleatorizados, que tenham utilizado qualquer método fisioterapêutico como intervenção para o fortalecimento da musculatura do assoalho pélvico (cinesioterapia, eletroestimulação, uso de cones vaginais, etc.), em pacientes com IU pós-AVE, de ambos os sexos, sem restrição de idade. As medidas de desfecho de interesse foram todas as investigadas pelos estudos incluídos, tanto em nível de estrutura e função, atividade e/ou participação social. Foram excluídos estudos não-experimentais, estudos de revisão, estudos duplicados ou estudos que incluíssem mais de uma modalidade de intervenção no mesmo grupo de tratamento, além do fisioterapêutico.

As informações extraídas dos estudos foram: tipo de estudo, características dos participantes incluídos (como idade, tempo da lesão, tipo de AVE, tempo pós-lesão, etc.), objetivo do estudo, protocolo da intervenção (como tempo de duração, intensidade, frequência, descrição das atividades, etc.), medidas de desfecho utilizadas, relação investigada (comparação entre grupos) e os resultados encontrados. Quando informações necessárias não foram encontradas na versão publicada dos estudos, detalhes adicionais foram solicitados ao autor via e-mail.

 

Qualidade metodológica

 

A qualidade metodológica dos estudos incluídos foi avaliada de acordo com a escala PEDro, descrita na base de dados Physiotherapy Evidence Database (www.pedro.org.au). A escala, composta de 11 itens, foi desenvolvida para classificar a qualidade metodológica (validade interna e informações estatísticas) de ensaios clínicos aleatorizados. Cada item, exceto o item 1, contribui com um ponto para a pontuação total da escala, que varia de 0 a 10 pontos. Para todos os estudos, foi utilizada a pontuação já realizada e descrita no endereço eletrônico da base de dados. A pontuação na escala PEDro não foi considerada como um critério de exclusão para os estudos.

 

Quadro 1Estratégias de busca específica para cada base de dados.


 

 

Resultados

 

Extração de dados

 

A busca eletrônica resultou em 693 artigos. Desses, 669 artigos foram excluídos após a leitura dos títulos e 11 excluídos após a leitura dos resumos, restando 13 artigos selecionados para a leitura completa do texto. Após a leitura, somente cinco artigos foram incluídos nessa revisão, segundo os critérios de inclusão estabelecidos [9,12,14-16]. A busca manual retornou quatro estudos e desses, um foi excluído após leitura do resumo e os outros três excluídos após a leitura completa do texto. Assim, um total de cinco artigos foram incluídos e descritos no presente estudo. As principais razões para exclusão dos estudos foram: artigos duplicados, artigos que não abordavam a IU na condição pós-AVE, e estudos transversais. O fluxograma de inclusão dos artigos encontra-se na Figura 1.

Todos os estudos foram realizados com pacientes pós-AVE, sem limite de idade ou sexo. Os estudos incluíram de 24 a 61 participantes com idade média de 62 anos, e tempo de lesão de até 5 anos. Entre as intervenções encontradas, quatro estudos realizaram exercícios para os músculos do assoalho pélvico, e um estudo utilizou eletroestimulação. O tempo médio de intervenção foi de seis a 12 semanas, com frequência de três a sete vezes/semana, durante 30 a 60 minutos. As medidas de desfecho investigadas foram: força e resistência estática e dinâmica dos músculos do assoalho pélvico (pressão máxima de compressão vaginal – Perineômetro – e palpação vaginal), atividade dos músculos do assoalho pélvico (eletromiografia intravaginal), frequência de micção, número de episódios de incontinência e número de absorventes usados (diário miccional modificado), quantidade da perda de urina (pad-test 24 horas), função do trato urinário inferior (exame urodinâmico), sintomas da bexiga hiperativa (Overactive Bladder Symptom Score), independência funcional (Índice de Barthel), impacto da incontinência (Incontinence Impact Questionnaire), e sintomas urinários e qualidade de vida (Bristol Female Lower Urinary Tract Symptom Questionnaire e Short-Form-36). A descrição detalhada de cada estudo encontra-se na Tabela II. Em geral os estudos mostraram que os pacientes pós-AVE obtiveram melhora em todas as medidas de desfecho investigadas, exceto na qualidade de vida e impacto da incontinência, tanto a curto como a longo prazo.

 

 

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Figura 1 - Fluxograma de inclusão e exclusão dos estudos.

 

 

Qualidade metodológica dos artigos selecionados

 

Todos os cinco estudos incluídos na presente revisão são ensaios clínicos aleatorizados, com qualidade metodológica média de 6,2 na escala PEDro, variando de 5 a 7 (Tabela I).

 

Tabela I - Detalhamento dos estudos na escala PEDro.

 

Fonte: Elaborado pelas autoras, S = sim; N = não.

 

Tabela II - Características dos estudos incluídos (n = 5). (ver anexo em PDF).

 

 

Discussão

 

Esta revisão objetivou analisar os efeitos do fortalecimento muscular do assoalho pélvico na reabilitação de pacientes com IU pós-AVE. A IU determina problemas econômicos, físicos, sociais e psicológicos, alterando de forma importante a saúde do indivíduo. De forma geral, foram encontrados efeitos positivos na força, resistência estática e dinâmica e atividade dos músculos do assoalho pélvico, frequência de micção, número de episódios de incontinência e número de absorventes usados, quantidade da perda de urina, função do trato urinário inferior, sintomas da bexiga hiperativa e independência funcional. No entanto, não foram encontrados efeitos significativos para impacto da incontinência e qualidade de vida nesta população, tanto a curto como a longo prazo.

Entre os artigos incluídos, dois avaliaram a força muscular do assoalho pélvico, demonstrando um aumento significativo nesta variável após o tratamento [9,14]. Além disso, também foram encontrados resultados significativos para a resistência [9] e ativação [14] destes músculos. A atividade e força dos músculos do assoalho pélvico estão associadas com incontinência urinária de esforço e, portanto, o treinamento desta musculatura geralmente está relacionado à melhora dos sintomas de incontinência nesta população [17]. Além disso, a continência não está relacionada somente à capacidade de contrair com adequada força a musculatura, mas também à capacidade de manter esta força por determinado período de tempo. Assim, a melhora da força e resistência dos músculos do assoalho pélvico em indivíduos pós-AVE é um importante achado, uma vez que pode contribuir para simples tarefas do dia a dia, como agachar, tossir, espirrar, subir e descer degraus/escadas, além de ajudar na autoestima, sem que haja a perda de urina [9,14]. Dessa forma, embora tais resultados se baseiem em somente dois estudos, parece sugestiva e promissora a utilização do fortalecimento dos músculos do assoalho pélvico em pacientes com IU pós-AVE para melhora da força, resistência e ativação desta musculatura.

Um artigo avaliou frequência de micção, número de episódios de incontinência, número de absorventes usados e quantidade da perda de urina, e reportou resultados positivos em todas estas medidas de desfecho [9]. Ir ao banheiro frequentemente, perder urina, e a necessidade constante de uso de absorvente são sintomas que limitam a independência dos indivíduos, podendo causar problemas psicológicos, bem como a depressão, isolamento, tristeza e desânimo, fatores que afetam a qualidade de vida nessa população [9]. A melhora destes sintomas reportada pelo artigo pode estar relacionada à melhora da força já comprovada anteriormente, uma vez que a maioria dos pacientes apresentava IU mista, reforçando mais uma vez que o fortalecimento do assoalho pélvico é uma ferramenta importante para o processo de reabilitação e um grande aliado dessa população. No entanto, ainda são incertos os efeitos deste tratamento para paciente sem incontinência urinária mista, em que a perda de urina acontece somente devido à presença da bexiga neurogênica.

Dois estudos investigaram os efeitos do fortalecimento dos músculos do assoalho pélvico na função do trato urinário inferior, sintomas da bexiga hiperativa e sintomas urinários [12,14]. Os autores reportaram melhora significativa em todas as medidas avaliadas para o grupo tratamento, quando comparados ao grupo controle. Como já discutido anteriormente, a melhora da força e resistência desta musculatura está diretamente relacionada à também melhora dos sintomas do trato urinário. Para indivíduos pós-AVE, os resultados são semelhantes e, portanto, fortalecer os músculos do assoalho pélvico parece melhorar também os sintomas urinários nesta população, o que pode interferir nas suas relações pessoais e qualidade de vida. Além disso, para aqueles mais incapacitados, os resultados também são importantes para seus cuidadores, que diminui o número de troca de fraldas e de vestuários. No entanto, novamente, a generalização de tais resultados ainda precisa ser cautelosa, uma vez que o número reduzido de estudos ainda é insuficiente para afirmar que esta relação possui alto grau de evidência. Além disso, ainda é incerto o mecanismo fisiológico que diminuiria os sintomas da bexiga hiperativa somente através de exercícios de fortalecimento do assoalho pélvico, uma vez que se trata de um distúrbio neurológico.

A independência funcional foi avaliada por um único artigo [12]. Os autores investigaram esta variável através do questionário Índice de Barthel, reportando melhora significativa no escore de tal instrumento. Essa melhora na independência está relacionada à capacidade do indivíduo de realizar tarefas antes evitadas devido à perda de urina e ao isolamento social. Assim, com o aumento da força e, consequentemente, melhora dos sintomas, estes indivíduos se sentem encorajados a voltar a realizar suas tarefas cotidianas, tornando-se mais independentes em suas atividades funcionais.

Por fim, três estudos investigaram os efeitos do fortalecimento no impacto da IU e na qualidade de vida [14-16]. Em relação ao impacto da IU, nenhum dos estudos que investigaram tal variável encontrou resultados significativos [15,16]. No entanto, ambos os estudos tratam da mesma amostra, submetida ao mesmo tratamento, em que os resultados foram publicados em dois artigos distintos, sendo o primeiro relacionado aos resultados imediatos [15] e o segundo aos resultados a longo prazo, seis meses após o término da intervenção [16]. Tais autores utilizaram para avaliação do impacto da IU o Incontinence Impact Questionnaire. O problema de tal questionário é que ele não oferece a possibilidade de responder "não relevante". Isso força o indivíduo a responder "sem impacto/nenhum problema", quando solicitado a indicar o impacto em uma determinada atividade que ele não executa. Tal falha pode levar a resultados superestimados e, como nos estudos reportados anteriormente, não encontrar um efeito significativo.

Em relação à qualidade de vida, os mesmos dois estudos não encontraram resultados significativos nem a curto nem a longo prazo [15,16]. Outra falha que pode ser apontada é a utilização do questionário Short-Form 36. Embora este seja um questionário amplamente utilizado na pesquisa e prática clínica, é um questionário geral, não específico para sintomas de IU. Dessa forma, novamente, os resultados da intervenção podem ser interpretados erroneamente, devido à escolha do instrumento. Um achado importante que corrobora tal afirmação é o estudo de Shin et al. [14], que investigou os efeitos do fortalecimento muscular do assoalho pélvico na qualidade de vida de pacientes pós AVE, utilizando um questionário específico para este sintoma (Bristol Female Lower Urinary Tract Symptom Questionnaire), e encontrou resultados positivos significativos [14]. Baseado no exposto anteriormente, ainda são confusos e conflitantes os resultados de tal intervenção para o impacto da IU e qualidade de vida nesta população e, portanto, mais estudos ainda são necessários a fim de se esclarecer seus reais efeitos.

Referente às limitações desta revisão, podemos citar a inclusão de apenas cinco estudos heterogêneos entre si, que avaliaram medidas de desfecho distintas. Além disso, três artigos apresentaram qualidade metodológica moderada, com razoável pontuação na escala PEDro (escore 6,2), o que também pode influenciar nos resultados encontrados. Por fim, vale ressaltar que três dos cinco estudos incluídos pertencem ao mesmo grupo de autores, que publicaram três estudos com o mesmo protocolo de treinamento na mesma amostra, diferenciando somente as medidas de desfecho investigadas em cada publicação e o tempo de acompanhamento pós-intervenção (follow-up).

 

Conclusão

 

O objetivo do presente estudo foi avaliar os efeitos do fortalecimento muscular do assoalho pélvico em pacientes com IU pós-AVE. De acordo com os resultados encontrados, houve melhora significativa com fortalecimento do assoalho pélvico em paciente pós-AVE para força, resistência, ativação muscular, frequência de micção, número de episódios de incontinência, número de absorventes usados, quantidade da perda de urina, função do trato urinário inferior, sintomas urinários e independência funcional. No entanto, tais resultados, embora significativos, devem ser interpretados com cautela, uma vez que para cada uma destas variáveis, somente de um a dois estudos, em geral de qualidade metodológica moderada, utilizaram-nas como medida de desfecho, número pequeno para confirmarmos a eficácia da intervenção. Além disso, não foram encontradas evidências para impacto da IU e qualidade de vida. Dessa forma, mais estudos, com maior rigor metodológico, ainda são necessários a fim de se investigar os reais efeitos do fortalecimento muscular do assoalho pélvico em pacientes pós-AVE, para estabelecer os reais efeitos desta intervenção nesta população, com elevado grau de evidência.

 

Referências

 

  1. Powers WJ, Rabinstein AA, Ackerson T, Adeoye OM, Bambakidis NC, Becker K, et al. Guidelines for the early management of patients with acute ischemic stroke: a guideline for healthcare professionals from the American Heart Association/American Stroke Association. Stroke 2018;49(3):e46-e110. https://doi.org/10.1161/STR.0000000000000158
  2. Daher CR, Mota WG, Moura GJ, Lopes DP, Moura RM. A importância da imagem corporal na assimetria da postura em pacientes hemiplégicos e hemiparéticos. Scire Salutis 2012;2(2):16-28.
  3. Carr J, Shepherd R. Reabilitação neurológica: otimizando o desempenho motor. Rio de Janeiro: Manole; 2008.
  4. Tuong NE, Klausner AP, Hampton LJ. A review of post-stroke urinary incontinence. Can J Urol 2016;23(3):8265-70.
  5. Rett MT, Simões JA, Herrmann V, Gurgel MSC, Morais SS. Qualidade de vida em mulheres após tratamentoda incontinência urinária de esforço com fisioterapia. Rev Bras Ginecol Obstet 2007;29(3):134-40. https://doi.org/10.1590/S0100-72032007000300004
  6. Van Kuijk AA, Van Der Linde H, Van Limbeek J. Urinary incontinence in stroke patients after admission to a post-acute inpatient rehabilitation program. Arch Phys Med Rehabil 2001;82:1407-11. https://doi.org/10.1053/apmr.2001.25992
  7. Kolominsky-Rabas PL, Hiltz M, Neundoerfer B, Heuschmann PU. Impact of urinary incontinence after stroke: results from a prospective population-based stroke register. Neurourol Urodyn 2003;22:322-27. https://doi.org/10.1002/nau.10114
  8. Oliveira IM, Carvalho VCP. Pelvic organ prolapse: etiology, diagnosing and conservative treatment, a bibliographic survey. Femina 2006;35(5):285-94.
  9. Tibaek S, Gard G, Jensen R. Pelvic floor muscle training is effective in women with urinary incontinence after stroke: a randomized, controlled and blinded study. Neurourol Urodyn 2005;24(4):348-57. https://doi.org/10.1002/nau.20134
  10. Bravo CV. Incontinência urinária. Rev Esp Geriatra Gerontol 2010;45(5):298-300.
  11. Castro AP, Pereira VS, Serrão PRMS, Driusso P. Eficácia do biofeedback para o tratamento da incontinência urinária de esforço: uma revisão sistemática. Sci Med 2010;20(3):257-63.
  12. Guo ZF, Liu Y, Hu GH, Liu H, Xu YF. Transcutaneous electrical nerve stimulation in the treatment of patients with poststroke urinary incontinence. Clin Interv Aging 2014;23;9:851-6. https://doi.org/10.2147/CIA.S61084
  13. Padula RS, Pires RS, Alouche SR, Chiavegato LV, Lopes AD, Costa LOP. Analysis of reporting of systematic reviews in physical therapy published in Portuguese. Braz J Phys Ther 2012;16(4):381-8. https://doi.org/10.1590/S1413-35552012005000040
  14. Shin DC, Shin SH, Lee MM, Lee KJ, Song CH. Pelvic floor muscle training forurinary incontinence in female stroke patients: A randomized, controlled and blinded Trial. Clin Rehabil 2016;30(3):259-67. https://doi.org/10.1177/0269215515578695
  15. Tibaek S, Jensen R, Lindskov G, Jensen M. Can quality of life be improved by pelvic floor muscle training in women with urinary incontinence after ischemic stroke? A randomised, controlled and blinded study. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct 2004;15(2):117-23. https://doi.org/10.1007/s00192-004-1124-1
  16. Tibaek S, Gard G, Jensen R. Is there a long-lasting effect of pelvic floor muscle training in women with urinary incontinence after ischemic stroke? A 6-month follow-up study. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct 2007;18(3):281-7. https://doi.org/10.1007/s00192-006-0137-3
  17. Luginbuehl H, Baeyens JP, Taeymans J, Maeder IM, Kuhn A, Radlinger L. Pelvic floor muscle activation and strength components influencing female urinary continence and stress incontinence: A systematic review. Neurourol Urodyn 2015;34(6):498-506. https://doi.org/10.1002/nau.22612