ARTIGO ORIGINAL

Influência de um protocolo de fisioterapia pélvica na função urinária e sexual de mulheres infectadas com vírus linfotrópico de células T humano tipo 1

Influence of a pelvic physiotherapy protocol in urinary and sexual function of women infected with human T-cell lymphotropic virus type 1

 

Carla Iasmin Lima Lemos*, Andreza Soares Nogueira*, Rayanne Mesquita Bendelack, M.Sc.**, Denise da Silva Pinto, D.Sc.**, Cibele Nazaré Câmara Rodrigues, D.Sc.**

 

*Discente de Fisioterapia da Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém/PA, **Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém/PA

 

Recebido em 7 de março de 2019; aceito em 19 de junho de 2020.

Correspondência: Carla Iasmin Lima Lemos, Rod. Augusto Montenegro Km 4,5, Ville Solare torre 3 apto 1001, Parque Verde, 66635-110 Belém PA

 

Carla Iasmin Lima Lemos: lemos.carla10@gmail.com

Andreza Soares Nogueira: andrezanogs@gmail.com

Rayanne Mesquita Bendelack: rayanne_lisboa@hotmail.com

Denise da Silva Pinto: denisefisio23@gmail.com

Cibele Nazaré Câmara Rodrigues: cibelecamara@hotmail.com

 

Resumo

Objetivo: Avaliar a influência da fisioterapia pélvica na função urinária e sexual de mulheres infectadas com HTLV-1. Métodos: Estudo quasi-experimental, com protocolo de 16 sessões em nove mulheres, que foram categorizadas em grupo sintomático e assintomático. Realizou-se teste de força muscular do assoalho pélvico com esquema PERFECT modificado, aplicou-se os questionários King's Health Questionnaire (KHQ) e Female Sexual Function Index (FSFI). O protocolo de fisioterapia pélvica consistiu em eletroestimulação do nervo tibial, eletroestimulação transvaginal e exercícios de cinesioterapia pélvica. Resultados: No grupo assintomático, segundo esquema PERFECT houve melhora da Endurance e Resistência do assoalho pélvico. No KHQ, verificou-se melhora geral no impacto da incontinência na qualidade de vida. No FSFI, houve aumento significativo no escore geral (p = 0,01), com influência nos domínios Desejo, Excitação, Lubrificação e Orgasmo. No grupo sintomático, o esquema PERFECT obteve melhora significativa em todos os domínios, assim como nos domínios de Limitação física, Sono/Energia e Medidas de Gravidade do KHQ e dos domínios de Desejo, Excitação e o Escore geral (p = 0,01) do FSFI. Conclusão: Sugere-se que o programa de fisioterapia pélvica aplicado melhorou a funcionalidade do assoalho pélvico, a qualidade de vida, reduziu os sintomas urinários e aprimorou a função sexual.

Palavras-chave: vírus linfotrópico T tipo 1 humano, Fisioterapia, incontinência urinária.

 

Abstract

Objective: To evaluate the influence of pelvic physical therapy on the urinary and sexual function of women infected with HTLV-1. Methods: A quasi-experimental study in 16 sessions with nine women, divided into a symptomatic and asymptomatic group. The muscle strength test was performed with modified PERFECT scheme and were applied the King's Health Questionnaire (KHQ) and the Female Sexual Function Index (FSFI). The protocol of pelvic physical therapy consisted of electrostimulation of the tibial nerve, transvaginal electrostimulation and pelvic kinesiotherapy exercises. Results: In the asymptomatic group, the main results in PERFECT scheme were the improvement of the endurance and pelvic floor strength. In relation to KHQ, we observed a general improvement in the impact of incontinence on quality of life. In the FSFI, there was a significant increase in the Overall Score (p = 0.01), with influence in the domains Desire, Excitation, Lubrication and Orgasm. In the symptomatic group, the PERFECT scheme obtained significant improvement in all domains. As well as in domains Physical Limitation, Sleep/Energy and Severity measures in KHQ and in domains Desire, Excitation and Overall Score (p = 0,01) of FSFI. Conclusion: The pelvic physical therapy protocol improved the pelvic floor functionality, quality of life, reduced urinary symptoms and improved the sexual function.

Keywords: Human T-lymphotropic virus 1, Physical therapy, urinary incontinence.

 

Introdução

 

O vírus linfotrópico de células T humanas tipo 1 (HTLV-1) é um delta vírus agente etiológico da Leucemia/Linfoma de células T adulto (L/LAT) e da Paraparesia Espástica Tropical/Mielopatia Associada ao HTLV-1 (PET/MAH), condição inflamatória, progressiva e incapacitante associada à alta morbimortalidade. A persistência viral prolongada após um longo período de latência pode ter como consequência o desenvolvimento de uma das doenças mencionadas em cerca de 5% das pessoas infectadas [1,2].

Embora o número exato de infectados seja desconhecido, estima-se que 5 a 10 milhões de pessoas no mundo possuam o vírus. As regiões endêmicas do HTLV-1 são Ásia, América do Sul, regiões da África subsaariana, Caribe e partes centrais da Austrália, Oriente Médio e no continente europeu a Romênia. No Brasil, há aproximadamente 2,5 milhões de infectados sendo o território com o maior número absoluto de casos, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste. As principais formas de transmissão do HTLV-1 são por via parental, amamentação e predominantemente por intercurso sexual com risco de 61% maior para a infecção de mulheres [3-5].

A mielopatia classicamente associada ao HTLV-1 é caracterizada por um processo inflamatório de desmielinização da medula espinhal principalmente ao nível torácico que provoca alterações sensoriais e/ou motoras. As mulheres são majoritariamente infectadas e evoluem para manifestação da doença na quarta década de vida. Pacientes com PET/MAH podem apresentar distúrbios urinários e disfunção sexual. Queixas urinárias são encontradas em praticamente todos os indivíduos com PET/MAH e em cerca de 14% dos indivíduos HTLV-1 sem PET/MAH sendo essas manifestações um sinal de importante evolução do vírus e aumento da gravidade da infecção viral [5,6].

Os principais sintomas são a fraqueza progressiva de membros inferiores, urgência, Incontinência Urinária (IU), noctúria, diminuição da libido, presença de disfunção sexual e constipação. Todos contribuindo para uma piora na qualidade de vida. Embora a fisioterapia não possa afetar diretamente os aspectos patológicos da infecção, ela pode contribuir significativamente para o cuidado desses pacientes, para a melhora do estado funcional, redução dos sintomas e impacto positivo na qualidade de vida [5,7,8].

Dessa forma a fisioterapia pélvica atua nas disfunções do assoalho pélvico e disponibiliza de diversos recursos para a realização da reabilitação perineal. Segundo a International Consultation on Incontinence, o treinamento muscular do assoalho pélvico é o tratamento de primeira escolha para os diferentes tipos de incontinência urinária feminina. Assim, evidências apontam que a eficácia da fisioterapia pélvica sobre as disfunções urinárias e sexuais vem sendo demonstrada [9,10].

No entanto, há poucas evidências sobre programas específicos de fisioterapia pélvica para mulheres infectadas com HTLV-1, assintomáticas e sintomáticas da PET/MAH. Portanto, o objetivo deste estudo foi verificar se um protocolo de fisioterapia pélvica tem influência na função urinária e sexual de mulheres infectadas com HTLV-1.

 

Material e métodos

 

Trata-se de um estudo quasi-experimental de caráter transversal e de abordagem quantitativa, no qual foi realizada intervenção terapêutica em mulheres portadoras do HTLV-1 no período de maio de 2017 a agosto de 2018, respeitando as normas de conduta em pesquisa experimental com seres humanos descritas na resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. A pesquisa teve início a partir da aprovação do Comitê de Ética com número do parecer: 2.026.582 de 21/04/2017.

As mulheres elegíveis para a pesquisa cadastradas no Laboratório de clínica e epidemiologia de doenças endêmicas do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pará foram convidadas a participar da pesquisa através de ligação telefônica. Como critérios de inclusão, as mulheres deveriam ter diagnóstico de infecção pelo HTLV-1, ser maiores de idade, alfabetizadas, ter parceiros sexuais, sem co-infecções com outros vírus ou outras manifestações clínicas que levassem à disfunção urinária e/ou sexual. Foram excluídas as grávidas e inativas sexualmente. A amostra foi composta por nove mulheres sendo divididas em dois grupos segundo a sintomatologia para a PET/MAH. Então, formou-se grupo de mulheres assintomáticas (n = 5) e de mulheres sintomáticas para PET/MAH (n = 4).

Na avaliação inicial, após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), foi preenchida a ficha de avaliação fisioterapêutica utilizada para obtenção do histórico clínico das pacientes. Em seguida, foi realizado o exame físico minucioso com inspeção, palpação e teste de força muscular com esquema PERFECT modificado [11]. Neste esquema– Power (P) é a contração graduada pela escala de Oxford, Endurance (E) refere-se ao tempo de sustentação da contração de 0 a 10 segundos, Resistência muscular (R) concerne ao número de contrações sustentadas de 0 a 10, Fibra rápida (F) tange ao número de contrações rápidas de 0 a 10, Elevação (E) representa a elevação do períneo perceptível e funcional pontuada como positiva ou negativa, Co-contração (C) aborda a utilização de musculatura acessória sendo positiva ou negativa e, Tosse (T) relaciona-se a perda de urina positiva ou negativa no momento da tosse.

Também foi solicitado que a paciente respondesse aos questionários de qualidade de vida relacionada à incontinência urinária King's Health Questionnaire (KHQ) e de avaliação da função sexual feminina Female Sexual Function Index (FSFI).

O questionário KHQ avalia a qualidade de vida relacionada com incontinência urinária mediante trinta questões distribuídas em nove domínios e geram um escore que varia de 0 a 100, considerando-se que quanto maior o número obtido pior a qualidade de vida [12,13]. Em seguida, de forma a avaliar a função sexual, aplicou-se o instrumento FSFI o qual é composto por dezenove questões que analisa a resposta sexual feminina sendo dividido em seis domínios. Os resultados variam de 2 a 36 e aqueles com pontuações mais altas indicam um grau melhor de função sexual e o ponto de corte utilizado para diferenciar mulheres com e sem disfunção sexual é 26,55 [14].

O protocolo de fisioterapia pélvica consistiu em dezesseis sessões de eletroestimulação do nervo tibial, eletroestimulação transvaginal e exercícios de cinesioterapia, com frequência de uma vez por semana. Por meio do aparelho Dualpex 961®, realizou-se a eletroestimulação com os programas específicos para inibição da hiperatividade do m. Detrusor e reforço muscular do assoalho pélvico. Para eletroestimulação do nervo tibial utilizaram-se dois eletrodos superficiais autoadesivos, posicionados no trajeto do nervo, com um eletrodo a 10 cm do maléolo medial e outro sobre o calcâneo, aplicou-se uma corrente de Estimulação Elétrica Nervosa Transcutânea (TENS) com os seguintes parâmetros: frequência de 8 Hz, largura de pulso 200 µs, modo continuo, duração de 30 minutos e intensidade conforme tolerância da paciente.

Na eletroestimulação transvaginal usamos um eletrodo intracavitário, posicionando aproximadamente no terço médio da vagina, com corrente de Estimulação Elétrica Funcional (FES) para auxiliar no fortalecimento muscular com os seguintes parâmetros: frequência 50 Hz, largura de pulso 500 µs, Tempo de subida 1 seg, Tempo de sustentação 5 seg, Tempo de descida 1 seg, Tempo de repouso 10 seg, intensidade conforme tolerância da paciente e duração total de 20 min. As pacientes realizavam contração voluntária dos músculos durante a passagem da corrente.

Os exercícios de cinesioterapia têm por objetivo o ganho de força e resistência dos músculos do assoalho pélvico. Foi utilizado um protocolo baseado nas técnicas de reabilitação perineal método de Kegel [15], o qual consiste em contrações voluntárias do assoalho pélvico, e no programa de treino elaborado por [16]: a paciente realizava cinco contrações rápidas em decúbito dorsal com os quadris e joelhos flexionados simultaneamente e levemente abduzidos, em seguida relaxava por 10 seg; após realizava uma contração sustentada de 5 seg com 10 seg de relaxamento; e iniciava o ciclo de contração rápida. O tempo total do exercício foi de 5 min. Paciente em sedestação na bola suíça, joelhos alinhados com os tornozelos, MMII paralelos e abduzidos: com os pés firmemente posicionados, executava movimentos latero-laterais, movimentos ântero-posteriores, movimento em forma de oito com a pelve associado com a contração perineal (3 séries de 10 repetições); Paciente em bipedestação, realizava anteroversão e retroversão pélvica, associando à contração perineal na retroversão pélvica (3 séries de 10 repetições);

Os dados coletados foram tabulados em um banco de dados no programa Microsoft Excel 2007 ®. Para apresentação dos dados foi utilizada a média e desvio padrão dos momentos pré e pós, para ambos os grupos. Na verificação de normalidade da amostra aplicou-se o Teste de Shapiro-Wilk, o qual mostrou que os dados não são normais. Então a comparação entre os momentos pré e pós em ambos os grupos foi realizada com o teste Wilcoxon e o nível de significância adotado foi p ≤ 0,05. As análises foram realizadas utilizando o pacote estatístico R v.3.2.3.

 

Resultados

 

Participaram deste estudo nove mulheres infectadas com o vírus HTLV-1. A amostra foi dividida em grupo de mulheres assintomáticas (n = 5) e grupo de mulheres sintomáticas para PET/MAH (n = 4). Quanto às características sociodemográficas, a amostra foi composta por mulheres com baixos níveis educacional e econômico. O grupo assintomático apresentou idade média 63,8 ± 9,4 anos, tempo de infecção pelo vírus 103,2 ± 63,9 meses. No grupo PET/MAH a média de idade foi de 61,3 ± 3,9, tempo de infecção viral 63,0 ± 46,3 meses. Todas as mulheres eram multíparas e estavam na pós menopausa.

Na avaliação do assoalho pélvico através do esquema PERFECT modificado, o grupo assintomático apresentava uma contração moderada, endurance no valor mínimo, resistência baixa e fibra rápida satisfatória anterior ao tratamento. Houve aumento no escore final para todos os itens após a intervenção, tendo a contração perineal satisfatória, endurance boa, resistência média e fibra rápida satisfatória. Todas as pacientes apresentaram elevação perceptível e funcional, co-contração positiva (músculos glúteos, adutores, abdominais e respiratórios) e ausência de perda de urina durante a tosse.

O grupo sintomático, previamente ao tratamento, não apresentou contração dos músculos do assoalho pélvico, endurance, resistência, fibra rápida e elevação. Com co-contração e tosse positivas. Ao término das dezesseis sessões alcançou uma contração moderada, endurance mínima, resistência baixa, fibra rápida satisfatória, elevação perceptível e funcional, co-contração positiva e tosse negativa. Dessa forma, todos os domínios foram estatisticamente significativos com Power (p = 0,04), Endurance (p = 0,02), Resistência (p = 0,02) e Fibra rápida (p = 0,02). Além disso, há indicativo de melhora dada à magnitude da diferença e o fato de que o desvio padrão está estável (Tabela I).

 

Tabela IFunção dos músculos do assoalho pélvico pelo Esquema PERFECT.

 

Nível de significância adotado: p ≤ 0,05.

 

Ao avaliar a incontinência urinária relacionada à qualidade de vida, por meio do KHQ, identificou-se que os principais sintomas urinários da amostra foram aumento da frequência urinária, noctúria, urgência, urge-incontinência e perda de urina aos esforços. O grupo assintomático teve como domínio mais afetado a percepção geral de saúde no pré-tratamento e após teve escores mínimos em todos os itens. Sendo o domínio de Percepção geral de saúde estatisticamente significativo (p = 0,01) (Tabela II).

O grupo sintomático, antes do tratamento teve os domínios de percepção geral de saúde, impacto da incontinência, limitação de tarefa e limitação física afetados. Após o tratamento não apresentaram nenhum domínio com escore superior a 50, no entanto, acima dos escores do grupo não-sintomático. Contudo, não encontramos diferença estatística (Tabela II).

O índice de função sexual avaliado pelo FSFI evidenciou no grupo assintomático escores acima do ponto de corte para disfunção sexual, escore total de 30,2. Após a intervenção, houve um aumento do escore geral e de todos os domínios. Houve diferença significativa nos domínios de Desejo (p = 0,02) e Excitação (p = 0,01) (Tabela III).

No grupo sintomático, no momento anterior ao tratamento, o escore geral era 24,5, abaixo do ponto de corte, o qual sugere a presença de disfunção sexual. O grupo teve como domínio mais afetado o desejo sexual. Após o tratamento, o grupo alcançou um escore acima de 26,6, sugerindo ausência de disfunção sexual e teve aumento do escore de todos os domínios. Porém, não houve diferença estatística (Tabela III).

 

Tabela II - Qualidade de vida relacionada à incontinência urinária.

 

Nível de significância adotado: p ≤ 0,05.

 

Tabela III - Função sexual feminina.

 

Nível de significância adotado: p ≤ 0,05.

 

Discussão

 

Este estudo investigou a influência de um protocolo de fisioterapia pélvica na função urinária e sexual de mulheres infectadas com HTLV-1, sintomáticas e assintomáticas da Paraparesia Espástica Tropical/Mielopatia Associada ao HTLV-1 (PET/MAH).

As características sociodemográficas de pacientes com HTLV-1 encontrada na literatura são de mulheres acima de 50 anos, com baixa escolaridade e baixa renda. Tendo como fatores de risco o número de parceiros sexuais na vida, idade da coitarca, infecção sexualmente transmissível anterior, transfusão sanguínea e prática de sexo anal [17].

Acerca do encerramento da carreira reprodutiva e multiparidade, mulheres idosas não infectadas pelo HTLV-1 com IMC acima da normalidade, menopausadas e multíparas associada ao envelhecimento são fatores de risco para IU [18,19], visto que são influenciados pela ação do estrogênio os fatores determinantes da pressão intra-uretral, a mucosa da uretra, a vascularização, a musculatura e o tecido conjuntivo periuretral [20].

Sabe-se que o envelhecimento acarreta efeito sobre a função do trato urinário diminuindo a capacidade vesical, a capacidade de adiar a micção, a pressão máxima de fechamento uretral e a velocidade do fluxo de urina. Apesar de nenhuma dessas alterações relacionadas à idade serem a causa da incontinência, elas reduzem a capacidade do trato urinário inferior de resistir à agressão adicional [21].

Mulheres incontinentes idosas apresentam comumente a Incontinência Urinária de Esforço (IUE), independente da infecção pelo HTLV-1 [22]. A lesão do nervo pudendo pode ocasionar relaxamento importante da musculatura do assoalho pélvico e do esfíncter externo da uretra, permitindo a perda de urina. Portanto, a integridade neuromuscular desempenha papel fundamental na manutenção da continência e na integridade do assoalho pélvico [20,23].

Alterações uroginecológicas, coloproctológicas, e disfunções sexuais em mulheres não infectadas pela HTLV-1 mostraram relação com a contração perineal graduada como fraca [24]. Mulheres assintomáticas tinham graduação moderada de contração e após a intervenção ficaram com uma contração satisfatória. Já as mulheres sintomáticas da PET/MAH não apresentaram contração perceptível, porém com o tratamento conseguiram ganhar consciência perineal, fortalecer os músculos do assoalho pélvico e atingir uma contração moderada.

Assim, sugere-se que o programa de fisioterapia pélvica utilizado melhora a contração muscular voluntaria dos músculos do assoalho pélvico. Sabe-se que vários tratamentos surgiram com o intuito de restabelecer a função dos músculos e dos nervos que compõem o assoalho pélvico. Entre as técnicas não cirúrgicas destacou-se a eletroestimulação e os exercícios para os músculos do assoalho pélvico [20,21,23]. A eletroestimulação perineal em baixas frequências gera supressão da atividade eferente na pelve através da inibição central, fisiologicamente ativa o reflexo inibitório, diminui o número de micções tardias, aumenta a capacidade da bexiga e reduz os sintomas de urgência e incontinência [8].

Considerando que aproximadamente 30% das mulheres não têm consciência corporal de sua região pélvica, cabe ao fisioterapeuta despertar na paciente a propriocepção dessa região [18,23-26]. Visto isso, realizou-se a eletroestimulação do nervo tibial visando diminuir a urgência, urge-incontinência e noctúria, a eletroestimulação transvaginal para fortalecimento muscular e conscientização perineal e a cinesioterapia com treinamento muscular.

Considerando que a disfunção urinária é altamente prevalente em indivíduos com HTLV-1 e pode preceder sintomas neurológicos ressalta-se a elevada frequência de queixas urinárias e sexuais em pacientes, não apenas no grupo PET/MAH, mas também em indivíduos considerados como assintomáticos [17,27]. Esses sintomas urinários influenciam negativamente na qualidade de vida dos indivíduos infectados pelo HTLV-1. Em 118 indivíduos portadores do HTLV-1 observou-se a frequência de noctúria, ocorrendo em 84,6% dos casos, urgência 63,5%, aumento da frequência 53,8%, incontinência urinária ao esforço 51,9% e urge-incontinência 42,3% [6].

A presença de IU foi relatada por 41,9% dos pacientes com PET/MAH e houve impacto significativo nos seguintes domínios: impacto da incontinência, limitação das atividades de vida diária, limitações físicas e sociais, relações sociais, emoções, sono e disposição e medidas de gravidade [7]. Observamos que portadores do HTLV-1 geralmente têm o domínio percepção geral de saúde afetado.

Em relação à resposta na qualidade de vida, é mais afetada em pacientes com IUM e nas mulheres incontinentes e soropositivas para HTLV-1 quando comparado com mulheres incontinentes não infectadas com HTLV-1 [28,29]. Na presente pesquisa, comparou-se infectadas pelo vírus HTLV-1, sintomáticas e assintomáticas para PET/MAH e a qualidade de vida foi mais afetada no grupo sintomático para PET/MAH. Dessa forma, demonstra-se que o a perda de qualidade de vida pode estar associada ao tipo de incontinência urinária e à infecção pelo HTLV-I, sendo a sintomatologia um complicador do quadro.

A ocorrência de disfunção sexual em mulheres infectadas pelo HTLV-1 ainda não está clara. Foi investigada a relação entre infecção pelo HTLV-1 e disfunção sexual em mulheres infectadas assintomáticas, sintomáticas de PET/MAH e mulheres não infectadas. A prevalência geral de disfunção sexual foi de 53,7%, sendo maior no grupo sintomático. Esses dados evidenciam que a diminuição da função sexual está relacionada à PET/MAH em mulheres infectadas pelo HTLV-1 em idade reprodutiva [5]. Mostrou-se que mulheres com a carreira reprodutiva encerrada e sintomáticas para PET/MAH também apresentam disfunção sexual. Porém, neste caso, sugere-se que esteja associada com a infecção viral e/ou menopausa.

Entretanto, o estudo realizado apresentou limitações relacionadas ao número reduzido de participantes, a ausência de um grupo controle e a falta de acompanhamento para analisar as possíveis alterações após o protocolo de reabilitação. Ressalta-se a dificuldade em recrutar participantes para o estudo por se tratar de uma população específica, bem como a falta de artigos indexados relacionados ao tema.

 

Conclusão

 

Mulheres infectadas pelo vírus HTLV-1 assintomáticas e sintomáticas para PET/MAH ao participarem de um protocolo de 16 sessões de fisioterapia pélvica composto por eletroestimulação do nervo tibial, fortalecimento muscular e cinesioterapia pélvica obtiveram melhora geral na contração dos músculos do assoalho pélvico, continência urinaria e na função sexual.

 

Referências

 

  1. Tagaya Y, Gallo R C. The exceptional oncogenicity of HTLV-1. Front Microbiol 2017;8:1425. https://doi.org/10.3389/fmicb.2017.01425
  2. Gross C, Wiesmann V, Millen S, Kalmer M, Wittenberg T, Gettemans J, Thoma-Kress AK. The tax-inducible actin-bundling protein fascin is crucial for release and cell-to-cell transmission of human t-cell leukemia virus type 1 (HTLV-1). PLoS Pathog 2016;12(10):e1005916. https://doi.org/ 10.1371/journal.ppat.1005916
  3. Mata ECG, Bezerra RM, Júnior AAP, Pamplona LKS, Gomes LO, Corrêa VC et al. HTLV-1/2 prevalence in two Amazonian communities. Journal of Virus Eradication 2018;4(3):174.
  4. Cristine C, Pereira C, Souza L, Ferreira C, Pâmela C, Almeida S et al. Moderada endemicidade da infecção pelo vírus linfotrópico-T humano na região metropolitana de Belém, Pará, Brasil. Rev Bras Epidemiol 2018;21:e180018. https://doi.org/10.1590/1980-549720180018
  5. Lima A, Martins L, Fernanda M, Grassi R. Human T-Lymphotropic Virus-1 associated myelopathy / tropical spastic paraparesis is associated with sexual dysfunction in infected women of reproductive age. Sexual Medicine 2018. https://doi.org/10.1016/j.esxm.2018.07.002
  6. Andrade R, Tanajura D, Santana D, Carvalho EM. Association between urinary symptoms and quality of life in HTLV-1 infected subjects without myelopathy. Int Braz J Urol 2013;39(6):861-6.
  7. Gascón MRP, Mellão MDA, Mello SH, Negrão RM, Casseb J, Oliveira ACPD. The impact of urinary incontinence on the quality of life and on the sexuality of patients with HAM/TSP. Braz J Infect Dis 2018;22(4):288-93. https://doi.org/10.1016/j.bjid.2018.07.003
  8. Sá KN, Macêdo MC, Andrade RP, Mendes SD, Martins J V, Baptista AF. Physiotherapy for human T-lymphotropic virus 1-associated myelopathy?: review of the literature and future perspectives. J Multidiscipl Healthc 2015;8:117-25.
  9. Sacomori C, Berghmans B, de Bie R, Mesters I, Cardoso FL. Predictors for adherence to a home-based pelvic floor muscle exercise program for treating female urinary incontinence in Brazil. Physiother Theor Pract 2018;36(1):186-95. https://doi.org/10.1080/09593985.2018.1482583
  10. Radzimińska A, Strączyńska A, Weber-Rajek M, Styczyńska H, Strojek K, Piekorz Z. The impact of pelvic floor muscle training on the quality of life of women with urinary incontinence: a systematic literature review. Clin Interv Aging 2018;13:957. https://doi.org/ 10.2147/CIA.S160057
  11. Laycock JO, Jerwood D. Pelvic floor muscle assessment: the PERFECT scheme. Physiotherapy 2001;87(12):631-42. https://doi.org/10.1016/S0031-9406(05)61108-X
  12. Hebbar S, Pandey H, Chawla A. Understanding King’s Health Questionnaire (KHQ) in assessment of female urinary incontinence. International Journal of Research in Medical Sciences 2017;3(3):531-8.
  13. Fonseca ESM, Camargo ALM, Castro RA, Sartori MGF, Fonseca MCM, Lima GR et al. Validação do questionário de qualidade de vida (King’s Health Questionnaire) em mulheres brasileiras com incontinência urinária. Rev Bras Ginecol Obstet 2005;27(5):235-42.
  14. Wiegel M, Meston C, Rosen R. The female sexual function index (FSFI): cross-validation and development of clinical cutoff scores. J Sex Marital Ther 2005;31(1):1-20. https://doi.org/10.1080/00926230590475206
  15. Kegel AH. Progressive resistance exercise in the functional restoration of the perineal muscles. Am J Obstet Gynecol 1948;56(2):238-48. https://doi.org/10.1016/0002-9378(48)90266-x
  16. K. Pelvic floor muscle exercise for the treatment of stress urinary incontinence: an exercise physiology perspective. Int Urogynecol J 1995;6(5):282-91.
  17. Moxoto I, Boa-Sorte N, Nunes C, Mota A, Dumas A, Dourado I, et al. Sociodemographic, epidemiological and behavioral profile of women infected with HTLV-1 in Salvador, Bahia, an endemic area for HTLV. Rev Soc Bras Med Trop 2007;40(1):37-41. https://doi.org/10.1590/S0037-86822007000100007
  18. Souza Baracho ELL, Dias RC, Saleme CS, Geo MS, Laranjeira CLS, Lima RSBC. Impacto sobre a quantidade de urina perdida de uma intervenção fisioterapêutica em idosas com incontinência urinária. Fisioter Pesqui 2006;13(1):23-9. https://doi.org/10.1590/fpusp.v13i1.76157
  19. Baracho E. Fisioterapia aplicada à obstetrícia, uroginecologia e aspectos de mastologia. 4a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2007.
  20. Moreno A. Fisioterapia em Uroginecologia. 2ª ed. Barueri: Manole; 2009.
  21. Bent AE. Uroginecologia e disfunções do assoalho pélvico. 5ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006.
  22. Souza CEC, Lima RM, Bezerra LMA, Pereira RW, Moura TK, Oliveira RJ. Estudo comparativo da função do assoalho pélvico em mulheres continentes e incontinentes na pós menopausa. Rev Bras Fisioter 2009;13(6):535-41. https://doi.org/10.1590/S1413-35552009005000060
  23. Araujo SEA. Disfunções do assoalho pélvico: abordagem multiprofissional e multiespecialidades. 1a ed. Rio de Janeiro: Atheneu; 2017.
  24. Batista N, Oliveira A, Nunes E, Latorre G. Força e coordenação motora da musculatura do assoalho pélvico e a função sexual feminina. IJHE-Interdisciplinary Journal of Health Education 2017;2(1).
  25. Ferreira M, Santos P. Princípios da Fisiologia do exercício no treino dos músculos do pavimento pélvico. Acta Urológica 2009;26(3):31-8.
  26. Ribeiro ATA, Ankier C. A relação do grau de força muscular do assoalho pélvico com a satisfação sexual feminina. Rev Latinoam Med Sex 2012;1(1):14-22.
  27. Oliveira P, Castro NM De, Carvalho EM. Urinary and sexual manifestations of patients infected by HTLV-I. Clinics 2007;62(2):191-6. https://doi.org/10.1590/S1807-59322007000200015
  28. Dedicação A, Haddad M, Saldanha M, Driusso P. Comparação da qualidade de vida nos diferentes tipos de incontinência urinária feminina. Rev Bras Fisioter 2009;13(2). https://doi.org/10.1590/S1413-35552009005000014
  29. Diniz MSC. Impacto da infecção pelo HTLV I na qualidade de vida e em parâmetros uroginecológicos em mulheres com incontinência urinaria [Dissertação]. São Paulo: Unifesp; 2008.