REVISÃO

Reabilitação dos membros inferiores na paralisia cerebral diplégica

Rehabilitation of lower limbs in diplegic cerebral palsy

 

Renata Kelen Alves Silva, Ft.*, Deisiane Oliveira Souto, Ft., M.Sc.**

 

*Pós-graduada em Fisioterapia Ortopédica e Desportiva UNI-BH, Fisioterapeuta especialista em Fisioterapia Intensiva Neonatal e Pediátrica pelo Instituto de Ensino e Pesquisa, Santa Casa de Belo Horizonte, Belo Horizonte/MG, **Doutoranda em Neurociências pela UFMG, Professora na Faculdade de Santa Luzia UNIESP, Professora no Instituto de Ensino e Pesquisa da Santa Casa de Belo Horizonte, Belo Horizonte/MG

 

Recebido em 25 de abril de 2019; aceito em 17 de dezembro de 2019.

Correspondência: Deisiane Oliveira Souto, Laboratório de Neuropsicológica do Desenvolvimento, Universidade Federal de Minas Gerais, Avenida Antônio Carlos, 6627, 31270-901 Belo Horizonte MG

 

Deisiane Oliveira Souto: deisiane.souto@gmail.com

Renata Kelen Alves Silva: rkfisio@yahoo.com.br

 

Resumo

A paralisia cerebral (PC) é uma das causas mais comuns de incapacidade motora na infância. Resulta de uma perturbação não progressiva no cérebro imaturo. A diplégica espástica (DE) é a forma mais comum de PC e cursa com deficiência nos membros inferiores e no padrão de marcha. Tal limitação tem impacto negativo no desempenho da criança para realizar tarefas básicas de vida diária. O presente estudo objetivou revisar a literatura científica acerca das principais técnicas utilizadas para reabilitar os membros inferiores de crianças com DE. A pesquisa bibliográfica foi realizada nas bases de dados Lilacs, Scielo, Pubmed e incluiu artigos publicados, entre 2010 e 2018, em inglês e português. Após aplicar os critérios de inclusão e exclusão, um total de 28 estudos foi selecionado para a revisão. As principais técnicas encontradas no tratamento da DE foram: método Pilates, Equoterapia, Esteira, Hidroterapia, Therasuit, Bobath, Estimulação Elétrica Funcional e Realidade Virtual. Todos os estudos encontraram efeitos positivos. Os resultados revelaram que o uso isolado de uma das técnicas não é tão eficaz quanto o uso concomitante de duas ou mais delas. A maioria dos estudos revisados são estudos de caso. Novos estudos controlados e com amostras maiores ainda são necessários.

Palavras-chave: paralisia cerebral, membros inferiores, Fisioterapia.

 

Abstract

Cerebral palsy (CP) is one of the most common causes of motor incapacity in childhood. It results from a non-progressive disorder in the immature brain. Spastic diplegia (SD) is the most common form of CP with deficits in the lower limbs and walking pattern. Such a limitation has a negative impact on the child's performance to perform basic tasks of daily living. The present study aimed to review the scientific literature about the main techniques used to rehabilitate the lower limbs of children with SD. This review was carried out in Lilacs, Scielo, Pubmed and included articles published between 2010 and 2018, in English and Portuguese. After applying the inclusion and exclusion criteria, 28 studies were selected. The main techniques found in the treatment of SD were Pilates, Equine Therapy, Treadmill, Hydrotherapy, Therasuit, Bobath, Functional Electrical Stimulation and Virtual Reality. All studies found positive effects. The results revealed that the isolated use of one of the techniques is not as effective as the concomitant use of two or more of them. Most of the studies reviewed are case studies. New controlled studies and larger samples are still needed.

Keywords: cerebral palsy, lower extremity, Physical Therapy Specialty.

 

Introdução

 

A Paralisia Cerebral (PC), também chamada de Encefalopatia Crônica não progressiva, é uma sequela resultante de uma lesão não progressiva no cérebro imaturo [1]. Tal lesão resulta em transtorno neuromotor persistente, com variação do tônus, da postura e do movimento [2-5]. As crianças com PC constituíram um grupo bastante heterogêneo, com comprometimentos sensório-motores variados. Os distúrbios motores na PC podem ser acompanhados por distúrbios de cognição, comunicação, comportamento, percepção e/ou epilepsia. Na tentativa de homogeneizar as crianças com PC, foram criadas algumas classificações, sendo a mais comum a topográfica, que leva em consideração as partes do corpo acometidas. De acordo com essa classificação, a PC pode ser subdividida em quadriplégica, hemiplégica e diplégica.

A forma mais frequente da PC é a diplegia espástica (DE) [1,6-10]. Nas crianças com diplegia os membros inferiores estão gravemente comprometidos, enquanto as alterações nos membros superiores são quase imperceptíveis [1,3,7,9-12]. As crianças com DE apresentam um padrão de marcha anormal, caracterizado por uma semiflexão de tronco, quadris e joelhos, [1,4,9,11] ligeira adução de quadris [1,10] e encurtamento acentuado de tríceps sural [10], resultando em “marcha em tesoura” [6,12]. Esse padrão anormal de marcha é responsável por um maior gasto energético e menor eficiência em tarefas de vida diária. Na prática clínica, as estratégias de reabilitação de indivíduos com DE buscam a melhora funcional nas atividades diárias e na mobilidade, reduzindo a necessidade de auxílio externo na deambulação [11]. É sabido que mesmo inseridas em um programa de reabilitação completo, envolvendo a fisioterapia, uso de toxina botulínica e órteses, as crianças com DE permanecem com algum nível de limitação funcional [13,14]. Dessa forma, a utilização de novas abordagens terapêuticas que visem potencializar os efeitos da terapia convencional é necessária a fim de reduzir limitações funcionais e melhorar a qualidade de vida dessas crianças.

Crianças com DE apresentam restrições no desempenho para realizar atividades básicas de vida diária, tais como autocuidados, higiene e alimentação, transferências posturais e locomoção. Dessa forma, a procura por diferentes técnicas de reabilitação que ampliem as habilidades funcionais vem ganhando cada vez mais destaque na pesquisa clínica. Atualmente existe uma preocupação em estudar diferentes estratégias de intervenções para que a reabilitação da criança com DE se volte para a melhora da sua capacitação funcional.

A presente revisão objetivou realizar um levantamento crítico das diferentes abordagens terapêuticas que podem ser utilizadas na reabilitação dos membros inferiores de criança com DE. Constitui objetivo ainda descrever os benefícios alcançados e o impacto dessas diferentes técnicas sobre o desempenho funcional da criança com DE.

 

Material e métodos

 

No presente estudo, empregou-se a pesquisa bibliográfica por meio da análise de artigos publicados em revistas científicas, nacionais e internacionais. A pesquisa crítica da literatura científica foi centrada em estudos que empregaram a reabilitação de membros inferiores na DE, utilizando as seguintes bases de indexação de dados: Publisher Medline (Pubmed), Literatura Latino-Americana em Ciências da Saúde (Lilacs) e Scientific Electronic Library Online (Scielo). A pesquisa foi limitada a artigos publicados nos idiomas inglês e português, entre os anos de 2010 e 2018, por ser um período amplo e atual, que contém os últimos estudos relativos ao tema. Para a pesquisa dos artigos, as palavras-chave utilizadas foram: paralisia cerebral diplégica (diplegic cerebral palsy), membros inferiores (lower members), fisioterapia (physical therapy). Foram incluídos na revisão os estudos experimentais ou estudos de caso. Os artigos foram selecionados seguindo os seguintes critérios de inclusão: a) os participantes do estudo deveriam ser diagnosticados com paralisia cerebral do tipo diplégica; b) estudos com indivíduos com idades entre 1 e 26 anos; c) estudos de intervenção com protocolo de treinamento no qual o foco deveria ser os membros inferiores. Foram excluídos os estudos transversais ou estudos experimentais que tiveram como tratamento o protocolo de terapia domiciliar não supervisionado.

A pesquisa foi realizada no dia 5 de novembro de 2018. Inicialmente, os pesquisadores foram exaustivamente treinados quanto ao uso dos bancos de dados, palavras-chave, filtros e critérios de exclusão e inclusão. A seleção dos artigos foi realizada nas seguintes etapas. Para garantir a legitimidade do estudo, a busca foi realizada individualmente, por cada pesquisador, e em seguida, as buscas foram comparadas. Posteriormente, foi realizada a leitura independente dos títulos e resumos pelos pesquisadores. Todos os artigos selecionados foram lidos por completo, individualmente e selecionados para o estudo.

 

Resultados

 

A busca inicial resultou em um total de 145 estudos. Após a leitura dos títulos, excluímos 58 estudos por serem transversais ou de revisão, resultando em 87 artigos. Destes, 59 foram excluídos após a leitura dos resumos por não se enquadrarem nos critérios de inclusão. Um total de 28 artigos (13 em língua inglesa e 15 em língua portuguesa) compôs a amostra final do estudo. A maioria das publicações científicas selecionadas foi publicada entre 2016 e 2018.

 

Todos os 28 artigos selecionados foram analisados e estão caracterizados na tabela I.

 

Tabela IArtigos selecionados entre 2016 e 2018. (Ver anexo em PDF)

 

Os artigos selecionados se diferem entre estudo experimental de caso único [3-6,9,14,16,17,22,23,26,28] e estudos experimentais ou quase-experimentais [1,2,11,12,13,18-21,29,30]. A amostra dos estudos selecionados foi constituída por voluntários com PC do tipo DE, com idade que variou de 1 a 26 anos. A amostra dos estudos variou de 1 a 48 voluntários. A maioria dos estudos utilizou o GMFM ou GMFCS para avaliação dos resultados da intervenção [2,4,6,9,12,14,15,18-22,25,26,29,30]. Todos os estudos encontraram resultados benéficos com as terapias empregadas.

 

Discussão

 

A presente revisão de literatura objetivou realizar um levantamento crítico das principais técnicas utilizadas na reabilitação dos membros inferiores na DE, ressaltando ainda os benefícios alcançados com a realização delas. A atuação da Fisioterapia é de total importância, tendo como objetivo melhorar a função dos membros inferiores, fazendo com que a criança desempenhe as tarefas cotidianas de modo funcional e independente [11]. Conforme o levantamento realizado, as principais técnicas de tratamento utilizadas na DE concentram-se na prevenção da incapacidade e melhoria do padrão de marcha, alcançando, assim, um maior nível de independência funcional. As principais abordagens utilizadas atualmente para esses fins são citadas a seguir.

 

Esteira: A fase de balanço da caminhada é uma das etapas mais afetadas da marcha em crianças com DE, tendo como principais características o contato inicial com antepé, aumento da rotação interna do quadril [1,5], flexão excessiva do quadril na fase de apoio e diminuição da fase de balanço [1]. O treinamento em esteira proporciona oportunidade de treinar todo o ciclo da marcha e facilitar um aumento da velocidade de caminhada e distância [1]. Como evolução do tratamento pode ser sugerida o treinamento em esteira retrógrada, ou seja, o caminhar para trás na esteira. A marcha para trás pode proporcionar vantagens que podem refletir na melhora da velocidade, tais como a melhora no equilíbrio e em parâmetros espaciais temporais e na qualidade do movimento [5].

 

Abordagem Neuroevolutiva Bobath: Trata-se de uma abordagem utilizada para resolução de problemas tanto para a avaliação quanto para o tratamento das disfunções neuromotoras. O princípio dessa técnica consiste na inibição dos padrões reflexos anormais e a facilitação dos movimentos normais [22]. As técnicas de facilitação e inibição são executadas através de pontos-chave e são modificáveis de acordo com o paciente [2]. Devido à plasticidade do sistema nervoso, ou seja, capacidade de reorganização e adaptação, o Bobath pode minimizar ou até mesmo reverter padrões atípicos de movimento [22].

 

Integração sensorial: Tal abordagem se baseia na promoção de estímulos sensoriais proporcionados por brincadeiras e atividades lúdicas com objetivo de aumentar as habilidades e auxiliar na coordenação e planejamento dos movimentos durante as atividades. Engloba atividades de coordenação motora e sensibilidade tátil, como também treino proprioceptivo de membros inferiores. Os resultados do estudo de Vieira et al. [4] evidenciaram avanço nos ajustes posturais compensatórios e antecipatórios para o controle do equilíbrio postural dinâmico em ambientes de superfícies estáveis e instáveis e melhor equivalência motora em atividades funcionais [4].

 

Toxina botulínica tipo A e fisioterapia convencional: Utilizadas no manejo da espasticidade em crianças com DE para reduzir o tônus muscular, melhorar a função motora, facilitar o uso de órteses e retardar a necessidade de cirurgia ortopédica corretiva [6,26]. A toxina é injetada no ventre muscular difundindo rapidamente para a junção neuromuscular. A toxina injetada interfere na liberação da acetilcolina, reduzindo, assim, o espasmo muscular. O retorno da espasticidade no músculo aplicado deve-se ao efeito transitório do botox e à reativação da liberação de acetilcolina pelo terminal pré-sináptico e da atividade da placa motora [26]. Os resultados observados na literatura recomendam que haja sempre o uso da terapia combinada entre TB-A e fisioterapia [6]. O uso da toxina botulínica deve ser associado ao alongamento intensivo e ao uso de órtese de posicionamento. Após a aplicação, orienta-se que a criança aumente as sessões de fisioterapia a fim de aumentar os ganhos na flexibilidade muscular.

 

Hidroterapia: É uma abordagem terapêutica que se utiliza da água sob suas diversas formas e diferentes temperaturas. Acredita-se que a estabilidade postural, geralmente prejudicada na DE, pode ser aumentada reduzindo o efeito da força gravitacional usando água. A força do empuxo diminui a atuação da gravidade, facilitando a execução dos movimentos [7,19]. No ambiente aquático e aquecido, os diplégicos conseguem praticar exercícios por maior tempo e condicionar grupos musculares [19]. A temperatura aumenta quando o corpo é imerso em água morna (32º-35ºC), o que leva a uma redução na atividade das fibras gama, que diminuem a atividade do fuso muscular, facilitando o relaxamento da musculatura e a redução da espasticidade. Como resultado, há aumento da amplitude de movimento, melhora do alinhamento postural, refletindo melhora na marcha [19].

 

Marcha com órtese: Estudo comparativo experimental mostra que o treinamento com órteses ativas pode ter uma influência positiva na melhora do equilíbrio em crianças com PC [8]. Porém, outro estudo [14] insinua que as órteses suropodálicas não proporcionam melhora significativa no desempenho em tarefas de mobilidade de crianças com PC.

 

Pilates: Consiste em um método de treinamento que é capaz de estimular o controle muscular [9,20]. O método é capaz de desenvolver as funções corporais de maneira uniforme, corrigindo posturas incorretas e estimulando a vitalidade física. Permite trabalhar em sequências de movimentos controlados precisos. A base do método está no fortalecimento do centro de força Power house, proporcionando suporte ao tronco, ajudando a melhorar a postura [9,20]. O objetivo é alcançar o equilíbrio muscular reforçando os músculos fracos e alongando os músculos encurtados, aumentando, assim, o controle postural, a força muscular, a flexibilidade, a resistência muscular, a coordenação motora, a consciência corporal e o equilíbrio [20]. Contudo, apesar dessa gama de benefícios, o Pilates é pouco utilizado em pacientes com neurológicas devido à escassez de literatura que suporte sua eficácia [20].

 

Bandagem: Após uso continuado da bandagem, ocorre melhora do ajuste e alinhamento postural na diparesia espástica [6,26].

 

Suspensão: Além de atuar como uma ferramenta de integração sensorial, a terapia de suspensão pode ser combinada com exercícios seletivos e contribuir para o ganho de força dos pacientes com DE [18], promovendo o ganho de habilidades motoras quando associada à esteira [12]. O treinamento de suspensão com peso corporal promove a estabilidade postural adequada, bom controle do equilíbrio e menor esforço, o que facilita a marcha segura e eficiente.

 

Plataforma Biodex Balance System: Usada geralmente dentro da avaliação, afere a capacidade de deslocamento do centro de gravidade sem perda de equilíbrio. No entanto, foi usada por El-Gohary et al. como instrumento de treino de equilíbrio em graus variados de instabilidade. Verificou-se, então, que seu uso (como método de treinamento proprioceptivo) associado à fisioterapia convencional é mais efetivo que um treino convencional de equilíbrio associado à fisioterapia [13].

 

Terapia Neuromotora Intensiva (TNMI): Constitui protocolos terapêuticos desenvolvidos com o auxílio de um traje ortopédico para promover o realinhamento biomecânico [15,21]. Acredita-se que os exercícios intensivos promovem efeitos em tempos menores do que os realizados em pequenas intensidades. O protocolo é realizado durante 4-5 semanas, por 5 dias na semana, por mais de duas horas diárias. Para o tratamento fisioterapêutico, deve-se considerar o alongamento muscular, estabilidade articular e a força para a realização das atividades diárias, visando manter ou adquirir diferentes posturas e a realização de movimentos. Alguns protocolos de fisioterapia intensiva associada ao uso de suits (órtese dinâmica em forma de trajes) têm sido indicados, entre eles, o PediaSuit®, o TheraSuit®, o PinguinSuit®, e o AdeliSuit® [21].

 

Fortalecimento muscular: Pesquisas demonstram que o treino de força muscular eficiente na melhoria do desempenho motor na DE [16,25]. Contudo, devido à diversidade de protocolos utilizados pelos estudos, não é possível definir a quantidade de séries e repetições que resultaria em maiores ganhos. A fraqueza muscular pode ser considerada como um dos principais problemas nesses pacientes, sendo explicada por fatores como a diminuição no recrutamento das unidades motoras, aumento da co-ativação do antagonista durante contrações do agonista, a imobilidade e variações no tipo de fibra muscular. Em decorrência disso, contraturas, atrofias musculares e deformidades articulares podem acometer esses pacientes, prejudicando a deambulação [16]. O fortalecimento muscular proporciona o aumento do recrutamento de unidades motoras, melhorando a capacidade de geração de força e diminuindo a rigidez articular [16]. Algumas evidências sugerem maiores ganhos de funcionalidade após treinamento funcional comparado ao fortalecimento muscular isolado [25].

 

Equoterapia: Consiste em um método terapêutico, que utiliza o cavalo dentro de uma abordagem multidisciplinar cujo objetivo é o desenvolvimento biopsicossocial de crianças com disfunções neuromotoras variadas [17]. Emprega impulsos de locomoção que são emitidos durante a andadura de um cavalo. Esses impulsos estimulam reflexos posturais e afetam múltiplos sistemas simultaneamente, como os sistemas sensitivo, musculoesquelético, límbico, vestibular e ocular [29]. A presença de desequilíbrio de tronco em crianças com DE pode ser devida à discrepância funcional do comprimento dos membros inferiores, mau alinhamento da pelve e tronco, fraqueza muscular e reflexos posturais fracos. Em cima do cavalo, essas crianças aprendem automaticamente a adaptar-se ao padrão de marcha do cavalo. De acordo com a teoria dos sistemas dinâmicos de desenvolvimento motor, os ritmos e variações no movimento do cavalo imprimem no praticante o estímulo necessário para desenvolver estratégias posturais e se auto-organizar [29]. Acredita-se que a equoterapia pode proporcionar muitos ganhos: regulação do tônus muscular, controle postural, melhora da força muscular, coordenação motora, dissociação de cinturas, equilíbrio, propriocepção, autoconfiança e autoestima [17].

 

Realidade Virtual (RV): Consiste em uma tecnologia de interface capaz de estimular a ativação e controle muscular por meio de um ambiente virtual, criado a partir de um sistema computacional [24]. Este novo paradigma de intervenção pode ser utilizado como uma forma de intervenção física, cognitiva ou psicológica que se baseiam no uso de jogos e ambientes virtuais para viabilizar função a diferentes deficiências. A realidade virtual é uma abordagem lúdica capaz de induzir efeitos visuais, sonoros e táteis, o que contribui para maior envolvimento da criança no tratamento. Por meio desse recurso, o paciente consegue executar tarefas que não tem habilidade para desempenhar no ambiente real [23]. Uma das vantagens da realidade virtual é possibilidade de oferecer controles clínicos sobre a duração do exercício, a intensidade e o ambiente. Além disso, a RV pode ser empregada na reabilitação domiciliar e fornecida para escolas especiais para ajudar crianças que não praticam atividades esportivas devido a sua deficiência física [24].

 

Estimulação Elétrica Funcional (FES): A FES é uma modalidade de corrente alternada de baixa frequência que provoca contrações musculares e estimula o fortalecimento dos grupos musculares estimulados [27]. Essa técnica é benéfica, pois facilita a ativação do grupo muscular adequado no momento apropriado. Assim, o FES pode ser usado para controlar os músculos dorsiflexores e prevenir a queda do pé na fase de balanço da marcha ou nos músculos quadríceps durante a extensão de joelho, para reduzir o padrão de marcha agachada [31]. Recomenda-se um ciclo temporal de cinco segundos ligado e dez segundos em repouso e intensidade de acordo com a tolerância do paciente ao estímulo por 40 minutos [27].

 

Educação postural: Consiste em uma técnica que se utiliza de posturas específicas para o alongamento de músculos organizados em cadeias musculares [30]. Acredita-se que as cadeias musculares são constituídas por músculos gravitacionais que trabalham de forma sinérgica para manter o equilíbrio do corpo. Posturas de alongamentos globais associadas à respiração e a estímulos proprioceptivos visam o equilíbrio das tensões miofasciais e de toda a postura. Portanto, o correto posicionamento das articulações e o fortalecimento dos músculos proporcionado por essa técnica pode ser uma alternativa de conduta fisioterapêutica para pacientes com DE [30]. Porém, resultados mais eficazes com esse método podem estar associados com o tratamento contínuo, uma vez que se observou no estudo de Silva [30] uma diminuição do equilíbrio durante os intervalos da intervenção.

 

Conclusão

 

Com o aumento da expectativa de vida na DE, há uma maior preocupação com dependência funcional e qualidade de vida. Em geral, a perda da funcionalidade está relacionada à diminuição da flexibilidade, força, resistência, aumento da espasticidade e outras alterações musculoesqueléticas, que resultam em limitações na marcha. A fim de reduzir essas incapacidades e melhorar o padrão de marcha, diversas técnicas podem ser utilizadas a fim de potencializar os efeitos da fisioterapia convencional. Os indivíduos acometidos pela DE apresentam deficiências neuromotoras variadas, constituindo um grupo heterogêneo, apesar disso, consideramos os participantes deste estudo como um grupo, e como tal, verificamos que as deficiências motoras dos membros inferiores podem ser minimizadas com a aplicação de diferentes terapias. Apesar de todas as terapias revisadas mostrarem resultados positivos, é importante destacar que a maioria dos estudos são estudos de caso. Além disso, os estudos realizados até o momento apresentam limitações significativas no que se refere ao design experimental, bem como ao tamanho amostral reduzido. Estudos experimentais randomizados, com amostras que sejam representativas da população e com maior controle de variáveis que possam influenciar nos resultados ainda são necessários a fim de confirmar sua efetividade na reabilitação da DE.

 

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