RELATO DE CASO
Atuação da fisioterapia
no trismo secundário ao câncer de glândula salivar
Physical Therapy for trismus secondary to salivary gland cancer
André Marques de
Moraes*, Karissa Yasmim Araújo Rosa*, Luciana Lima
dos Santos da Silva, Ft.**, Aline Teixeira Alves***, Liana Barbaresco Gomide
Matheus***
*Discente do curso de
Fisioterapia da Universidade de Brasília (UnB), Brasília/DF, **Fisioterapeuta
da Unidade de Alta Complexidade em Oncologia do Hospital Universitário de
Brasília (HUB), Brasília/DF, ***Docente do curso de fisioterapia da
Universidade de Brasília (UnB), Programa de Pós-graduação em Ciências da
Reabilitação – UnB, Brasília/DF
Recebido em 27 de abril
de 2019; aceito em 18 de março de 2020.
Correspondência: André Marques de
Moraes, DF 150 Km 03, Condomínio Vivendas Paraíso 73090-900 Grande Colorado,
Brasília DF
André Marques de Moraes:
andremarquesm94@gmail.com
Karissa Yasmim Araújo Rosa:
karissayasminar@gmail.com
Luciana Lima dos Santos
da Silva: lucianalima177@gmail.com
Aline Teixeira Alves:
aline.urogineco@gmail.com
Liana Barbaresco Gomide
Matheus: lianagomide@unb.br
Resumo
Introdução: O trismo,
limitação da abertura da boca, é uma das morbidades que acarreta limitações
funcionais. Objetivo: Descrever o efeito da fisioterapia por meio da
terapia manual e exercícios com depressores de língua na abertura máxima bucal
de paciente com trismo secundário ao câncer de
glândula salivar. Métodos: Relato de caso de paciente com trismo cujo tratamento consistiu em 15 atendimentos de
fisioterapia por meio da terapia manual (liberação miofascial e mobilização
articular) e exercícios com depressores de língua, com 40 minutos de duração
cada, para ganho de abertura bucal. A abertura máxima bucal foi avaliada por
meio do paquímetro e números de depressores de língua. Resultados: A
paciente apresentou aumento da abertura máxima bucal entre o primeiro e o
último atendimento (11,5mm - 21,2mm) e aumento na quantidade de depressores de
língua utilizados (12 – 17,5). Conclusão: A atuação fisioterapêutica foi
eficaz para o tratamento do trismo.
Palavras-chave: trismo,
Fisioterapia, neoplasias de cabeça e pescoço.
Abstract
Introduction: Trismus, a mouth opening amplitude limitation, is one of the
morbidities that causes functional limitations. Objective: To describe
the effect of physical therapy intervention utilizing manual therapy and wooden
tongue depressors exercises in maximum mouth opening in a patient with trismus
secondary to salivary gland cancer. Methods: Case report of a patient
whose physical therapy intervention consisted in 15 sessions of manual therapy
(myofascial liberation and articular mobilization) and wooden tongue depressors
exercises, with 40 minutes duration each, to improve mouth opening. Maximum
mouth opening was assessed with a paquimeter and
number of wood tongue depressors. Results: The patient presented
improvements in maximal mouth opening between the first and last assessment (11,5mm
- 21,2mm) and increase in number of wood tongue depressors used. Conclusion:
Physical therapy approach was an effective treatment for trismus.
Keywords: trismus, Physical Therapy, head and neck neoplasms.
Aproximadamente 200 mil
casos novos de câncer de cabeça e pescoço são diagnosticados anualmente. Os
tumores malignos do trato aerodigestivo superior,
representam a quinta incidência de neoplasias malignas e a sétima causa de
morte no mundo [1-4].
O trismo
ocorre em cerca de 38% dos casos de câncer de cabeça e pescoço [3] e acarreta
prejuízos nas atividades de vida diária, como dificuldades para higienização da
boca, fala, mastigação e deglutição [6,7]. Ele é definido por limitação da
abertura da boca inferior à 35mm, entre os incisivos superiores e inferiores e
pode ser causado por infecção dentária, traumatismo nos músculos de fechamento
da boca, bloqueios do nervo mandibular, tétano, fibrose de submucosa e câncer
de cabeça e pescoço. Nesse caso, o trismo pode
ocorrer devido ao crescimento do tumor, dentro ou próximo aos músculos
responsáveis pelo fechamento da boca, ou devido ao tratamento, como, por
exemplo, a cirurgia, que pode levar a formação de tecido cicatricial e redução
da abertura da boca, bem como a radioterapia, que pode induzir fibrose nos
músculos de fechamento da boca [5].
O tratamento do trismo pode envolver medicamentos [7,8] bem como
fisioterapia [9,10]. No entanto, poucos estudos são encontrados na literatura
envolvendo o tratamento fisioterapêutico do trismo
por meio de terapia manual associada aos depressores de língua [10]. Nesse
sentido, o objetivo do presente estudo é descrever o efeito de atendimentos de
fisioterapia por meio da terapia manual e exercícios com depressores de língua
sobre a amplitude de abertura máxima bucal de paciente com trismo
secundário ao câncer de cabeça e pescoço.
O estudo foi realizado
na Unidade de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON) do Hospital Universitário
de Brasília (HUB-UnB) em Brasília/DF. A participante selecionada assinou um
termo de consentimento livre esclarecido autorizando o uso de imagens e a
realização da participação na pesquisa, que foi aprovada sob número 031/12,
obedecendo aos princípios éticos para pesquisa envolvendo seres humanos,
conforme resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.
Participou da pesquisa
uma paciente do sexo feminino, 33 anos de idade, professora afastada devido ao
tratamento do câncer. Foi diagnosticada com neoplasia de glândula salivar, em
janeiro de 2017. Após cirurgia de maxilectomia
apresentou dificuldade de respirar devido ao acúmulo de saliva, cefaleia ao
forçar a abertura de boca, dificuldade na deglutição e dificuldade na fala,
devido a dor e restrição ao movimento de abertura de boca. Após finalização da
radioterapia, apresentou dor cervical com irradiação para membro superior e
dificuldade na deglutição. Realizou cirurgia em gengiva inferior direita,
devido a formação de área necrótica após a radioterapia. Foi encaminhada para o
ambulatório de fisioterapia, sem uso de medicamentos e com dificuldade de
abertura bucal.
O tratamento consistiu de
15 atendimentos de fisioterapia, compostos por liberação miofascial intra e extraoral de masseter e
mobilização articular com movimento ativo da articulação temporomandibular em
sentido latero-lateral e ântero-superior
(Figura 1), de forma a favorecer o relaxamento muscular, a redução da tensão
local e consequentemente o aumento da abertura bucal; exercícios ativos de
lateralização de mandíbula, protusão e abertura de boca sustentada com
depressores de língua, associado à técnica de contração e relaxamento (Figura
2).
Após a intervenção
fisioterapêutica foi observado aumento da abertura máxima bucal (11,5 mm -
21,2 mm) e aumento na quantidade de depressores de língua utilizados (12 –
17,5). Os detalhes são expressados de acordo com os atendimentos na tabela I.
Tabela I - Valores
de abertura máxima bucal em milímetros e quantidade de
depressores de língua utilizados em cada atendimento.
Figura 1 - Exercício de lateralização de mandíbula associado a mobilização.
Figura 2 - Exercício de abertura de boca sustentada com depressores de língua.
As técnicas de terapia
manual escolhidas para a intervenção mostraram eficácia para aumento da
abertura máxima bucal. A paciente apresentou limitação da abertura de boca após
procedimento cirúrgico e tratamento radioterápico. A retirada da glândula
salivar e a radioterapia acarretaram dificuldade de abertura bucal devido a
possível lesão nervosa e atrofia dos músculos mastigatórios e ATM [11].
A terapia manual e os
exercícios ativos e ativo-assistidos proporcionaram liberação muscular e
mobilização articular. Esses exercícios são intervenções de fácil
aplicabilidade e baixo custo, que podem ser considerados como opção em casos de
distúrbios da ATM [12].
Alguns pesquisadores e
clínicos orientam a utilização de um dispositivo denominado Therabite®
[3,13] objetivando aumento da abertura máxima bucal. No entanto, por ser um
dispositivo de alto custo, neste estudo de caso foi substituído por depressores
de língua, que demonstraram ser úteis tanto para realização do tratamento
quanto para quantificação da evolução da abertura bucal, pois a melhora do
paciente pode ser percebida de acordo com o aumento da quantidade de
depressores utilizados [14]. Maloney [15] relatou
superioridade do instrumento Therabite® sobre os depressores
de língua de madeira para aumento da abertura máxima bucal. No entanto, neste
estudo de caso demonstrou-se eficácia mesmo com a utilização dos depressores de
língua, sendo um instrumento de baixo custo e fácil aplicação.
No presente estudo foi
percebido aumento da quantidade de depressores utilizados em cada intervenção,
simultaneamente aos ganhos nas medidas da paquimetria,
reforçando o uso deste instrumento como ferramenta de avaliação e tratamento em
pacientes com trismo [7,10,14].
Durante o
acompanhamento fisioterapêutico, houve descontinuidade dos exercícios. Nesse
sentido, é importante ressaltar a importância da continuidade dos exercícios
domiciliares, de forma a preservar os ganhos e/ou ampliar os efeitos da
intervenção fisioterapêutica, uma vez que foi observada piora do quadro quando
a paciente interrompeu os exercícios [16,17].
A terapia manual
associada aos exercícios com depressores de língua foi eficaz para o tratamento
do trismo.