ARTIGO
ORIGINAL
Crochetagem
miofascial no tratamento de cicatrizes de pacientes com sintomas
musculoesqueléticos
Myofascial
crocheting in the treatment of scars of patients with musculoskeletal symptoms
Bruna Aparecida Iga*, Francisco Martins Arrojo Junior*, Gabriel Gustavo Andrade Chum*, Ivan Luiz Pavanelli*, Kelvin Anequini Santos**, Paulo Roberto Rocha Júnior***, Bruno Gonçalves Dias Moreno***, Guilherme Batista do Nascimento***
*Graduado
em Fisioterapia, Unifai, Centro Universitário de
Adamantina/SP, **Graduado em Fisioterapia, Unisalesiano,
Lins/SP, ***Docente do Curso de Fisioterapia da Unifai,
Centro Universitário de Adamantina/SP
Correspondência: Bruno Gonçalves Dias Moreno, Rodovia Washington Luiz Km 445 s/n, Golden Park Residence 2 Quadra F2 Lote 34 15130-000 Mirassol SP, E-mail: bruno@ebrafim.com; Bruna Aparecida Iga: bruna_iga@hotmail.com; Francisco Martins Arrojo Junior: ju-marttins@hotmail.com; Gabriel Gustavo Andrade Chum: chumakerga@icloud.com; Ivan Luiz Pavanelli: ivanluiz_p@hotmail.com; Kelvin Anequini Santos: kelvinanequini@hotmail.com; Paulo Roberto Rocha Júnior: prochajr@terra.com.br; Guilherme Batista do Nascimento: guilhermefcav@gmail.com
Artigo selecionado pelo
Congresso Brasileiro de Osteopatia e Fisioterapia
Manipulativa organizado pela Escola Brasileira de Fisioterapia Manipulativa,
www.ebrafim.com, Salvador 2018.
Resumo
O Brasil apresenta
altas taxas de cesariana, uma das maiores do mundo. Com essa predominância,
ocorre consequentemente o aumento das cicatrizes. A técnica de crochetagem tem
como objetivo tratar tensões musculares e fasciais,
liberando aderências encontradas em patologias ortopédicas. O objetivo deste
trabalho foi avaliar o efeito da crochetagem miofascial sobre a intensidade de
dor, sensibilidade, amplitude de movimento e temperatura de superfície, quando
aplicada sobre cicatriz de cesariana. Para o estudo foram selecionadas 26
mulheres, matriculadas em cursos da área da saúde da universidade, com idade ≥
18 anos, que realizaram tal cirurgia. As mesmas foram avaliadas e receberam
aplicação da técnica, retornando no dia subsecutivo para a reavaliação. A
flexibilidade foi avaliada pelo teste de “Teste do Sentar e Alcançar”,
avaliação da dor do local através da algometria e
para análise térmica foi utilizado um sistema imageador.
Os resultados demonstraram uma diminuição da intensidade de dor (p = 0,0001),
dor ao movimento (p = 0,0001), flexibilidade (p = 0,01) e a avaliação da
temperatura no local dos sintomas não teve alterações (p = 0,70). A crochetagem
miofascial contribuiu para a diminuição da sensação de dor, assim como a
sensibilidade vertebral correspondente ao dermátomo,
e foi observado um ganho considerável na flexibilidade da amostra estudada.
Palavras-chave: sistema
musculoesquelético, terapia manual, fáscia, cicatriz, cesárea.
Abstract
Brazil
has high cesarean rates, one of the largest in the world. With this
predominance, consequently, the scars increase. The technique of crocheting
aims to treat muscular and fascial tensions, releasing adhesions found in
orthopedic pathologies. The objective of this study was to evaluate the effect
of myofascial crocheting on pain intensity, sensitivity, range of motion and
surface temperature when applied on cesarean section. For the study, 26 women,
students in health care courses, aged ≥ 18 years, who underwent cesarean
surgery were evaluated, before and after 24 hours of the application of the
technique. We assessed pain, with algometry and numerical scale, flexibility,
with tape measure by the test of sit reaching and vascular changes and by
thermography. For statistical analysis, the T-Student and Wilcoxon tests were
used for parametric and non-parametric variables. The level of significance was
5%. The results showed a decrease in pain complaints in general (p = 0.0001),
pain on movement (p = 0.0001), pain sensitivity (p = 0.005), flexibility (p =
0.01) did not change (p = 0.70). Myofascial sizing contributed to the reduction
of reported pain sensation and movement, improved spinal pain sensitivity in
the corresponding dermatome and increased overall flexibility in the studied
sample.
Key-words: musculoskeletal
system, musculoskeletal manipulations,
fascia, scar, cesarean.
O Brasil apresenta
altas taxas de cesariana, uma das maiores do mundo. Dos 3 milhões de partos
feitos no Brasil em 2010, 55,5% foram cesáreas e 44,5%, partos normais. Em
2016, a tendência de estabilização se manteve com o mesmo índice de 55,5% de
cesáreas [1].
Com essa prevalência,
consequentemente ocorre o aumento das cicatrizes. Mandelbaum
[2] define a cicatrização como uma cascata de eventos celulares e moleculares
que interagem para que ocorra a reconstituição do tecido, um processo dinâmico
que envolve fenômenos fisiológicos e bioquímicos que se comportem de forma
homeostática a fim de garantir a restauração tissular.
A fáscia é um tecido
conjuntivo composto por fibras de colágeno que envolve toda a estrutura
corporal e visceral, dando forma e função para órgãos e tecidos. A fáscia
desempenha um importante papel na transmissão de tensão mecânica, devido sua continuidade
estrutural, participando assim do controle de um ambiente inflamatório, como
por exemplo, um processo de cicatrização [3,4].
O mecanismo de tensão
foi denominado como tensegridade por Richard Buckminster Fuller em 1961 [5],
que definiu como propriedade presente em objetos cujos componentes usam a
tração e a compressão combinada, proporcionando estabilidade e resistência,
assegurando sua integridade global. O termo traduz o fenômeno físico que
relaciona o equilíbrio de um sistema pela ação conjugada de forças de
compressão e de tensão. Estes sistemas independentes têm elementos rígidos e
elásticos que nunca se tocam e que se adaptam às forças compressivas e
tensionais a que o estão sujeitos. Portanto, tensegridade
é definida pela arquitetura equilibrada das tensões, por forças externas e
internas com distribuição das cargas de baixo gasto energético [4].
Os tecidos conjuntivos
fibrosos densos são propensos à fluência e relaxamento em resposta ao
carregamento mecânico. Em um estudo, autores demonstram que fragmentos in vitro
frescos de fáscia lombar de ratos podem ser provocados para realizar contrações
de tecido ativo, em resposta à estimulação com agentes farmacológicos que
estimulam células intrafásicas de músculo liso, como miofibroblastos [6]. Tais células são capazes de induzir
contração isométrica da matriz envolvente em resposta à estimulação
farmacológica e mecânica [7]. Com base nessas descobertas mais recentes,
sugeriu-se que a contratilidade fascial ativa,
facilitada pelas células contráteis intrafasciais,
pode, de fato, afetar a dinâmica musculoesquelética, alterando a rigidez do
tecido de forma semelhante a músculo liso [8,9].
Outra propriedade
física capaz de influenciar na mecânica tecidual é definida como Mecanotransdução, isto é, a capacidade de estímulos
mecânicos externos modificarem ações bioquímicas celulares [4,5].
A técnica de
crochetagem tem como objetivo tratar tensões musculares e fasciais,
liberando as aderências encontradas em patologias ortopédicas e traumatológicas
[4,5,10].
Considerando a relação
mecânica entre tensões de estrutura e função, uma cicatriz pode limitar um
correto funcionamento no local da restrição, ou repercutir sobre outros
sistemas fasciais [11,12].
O objetivo deste trabalho
foi avaliar o efeito da crochetagem miofascial sobre a intensidade de dor,
sensibilidade dolorosa, flexibilidade global e função vascular, quando aplicada
sobre cicatriz de cirurgia cesariana, em mulheres com sintomas
musculoesqueléticos.
Este estudo é do tipo
experimental, onde os valores pré e pós-intervenção foram comparados. Para
seleção da amostra foi realizada uma triagem entre alunas dos cursos de
graduação da área da Saúde do Centro Universitário de Adamantina/SP, após
autorização dos coordenadores dos cursos. Foram convidadas a participar da
pesquisa estudantes com idade igual ou superior a 18 anos, que tivessem
realizado cirurgia cesariana e possuíssem algum tipo de dor musculoesquelética.
Foram excluídas
mulheres com doenças reumáticas, autoimunes, câncer musculoesquelético e
síndromes dolorosas crônicas como fibromialgia.
As voluntárias foram
avaliadas em sala climatizada onde foi controlada a temperatura, umidade do ar
e velocidade de corrente de vento ambiente para coleta de dados para isso, foi
utilizado um Laboratório do curso de Fisioterapia, que atendesse as
necessidades propostas. A coleta de dados foi realizada em dois períodos, no
segundo semestre de 2018.
O presente estudo foi
submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) via Plataforma
Brasil. Todos os indivíduos participantes foram esclarecidos sobre as propostas
do trabalho e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Para avaliar a
intensidade da dor foi utilizada a escala visual analógica, onde cada paciente
classificou sua percepção sobre a dor em uma escala de 0 a 10, sendo que 0
corresponde a ausência total de dor e 10 o nível de dor máxima suportável pelo
indivíduo [13].
O teste de “Sentar e
Alcançar” foi utilizado na avaliação da flexibilidade global seguindo a
padronização canadense para os testes de avaliação da aptidão física do Canadian Standardized Test
of Fitness [14]. A paciente permaneceu sentada
sobre a maca, mantendo membros inferiores em extensão com dorsiflexão plantar
de aproximadamente 45º graus, com as mãos paralelas e com os dedos à frente. O
avaliador registrou em centímetros com a fita métrica a distância que faltou
para o indivíduo tocar a ponta do pé (escore negativo) ou a distância que
ultrapassou (escore positivo). Os pontos de referência utilizados foram o meio
do primeiro dedo do pé e o terceiro dedo da mão [15].
A avaliação da
sensibilidade dolorosa foi realizada com auxílio de um Algômetro
PainTest™ FPX 25 sobre do processo espinhoso
vertebral, do nível correspondente ao dermátomo da
região de sintoma do paciente. Nos casos de sintoma na região da coluna
vertebral o nível estabelecido foi o de maior sensibilidade. Neste procedimento
foi realizada uma pressão no local até que o paciente relatasse o início da
sensação de dor e registrado valor expresso em kg/cm2. As medidas
foram coletadas por três vezes e para o cálculo foi utilizada a médias das
avaliações [16].
Para análise térmica foi
utilizado um sistema imageador, dotado de recursos
para a análise e medição de distribuições de sobreaquecimentos, sinalizando
pontos denominados de hiperradiação ou hiporradiação (Termovisor T-530, da Flir®), que assim como nos equipamentos fotográficos,
possuem visor adaptável para cada campo de observação. As imagens foram
registradas em escala de cores (infravermelho), com sensibilidade de 14 µm,
digitalmente em microcomputadores, para posterior processamento das
informações.
A termografia descreveu
a imagem do local dos sintomas, sendo capturada uma imagem da região da
cicatriz e outra imagem global, antes e depois da intervenção. Esse
procedimento foi realizado antes da intervenção e foi reavaliado após 24 horas
[17].
Para o tratamento utilizou-se
o gancho paralelo à cicatriz, realizando em média 10 movimentos curtos de
tração em todo trajeto longitudinal da direita para esquerda, e da esquerda
para direita, bilateralmente, e depois realizado em eixo perpendicular a
cicatriz por todo seu trajeto longitudinal, estas trações foram feitas de
maneira que se cruzassem sobre a cicatriz. Logo depois as participantes
receberam a orientação para retornar no dia subsecutivo para reavaliação [18].
Para a análise
estatística, os dados sociodemográficos foram tabulados e apresentados em
média, desvio padrão e frequência relativa.
Para comparação de
antes e após a intervenção foi realizado um teste de normalidade Shapiro-wilk. Foram considerados significativos valores de p <
0,05.
A análise descritiva
das variáveis quantitativas foi realizada considerando os valores de médias e
desvios-padrão, na variável qualitativa foi apresentado o valor de mediana e o
intervalo interquartil (IIQ). Todas as variáveis quantitativas mensuradas no
estudo atenderam as pressuposições de normalidade por meio do teste de Shapiro-Wilk, sendo então avaliadas por meio do teste paramétrico
de T-Student. Para a variável Dor foi utilizado um
teste não paramétrico, devido a seu caráter qualitativo, sendo adotado o teste
de Wilcoxon. Como os resultados foram colhidos na
mesma unidade experimental antes e após a aplicação do tratamento, em ambas as
análises os dados foram considerados como pareados. As análises foram
realizadas por meio do Software R [14], sendo adotado um nível de significância
igual a 5%.
Para a realização deste
trabalho foram convidadas 50 mulheres, porém apenas 30 aceitaram participar da
pesquisa, e posteriormente quatro pacientes foram excluídas por não
comparecerem na reavaliação. Dessa forma, 26 mulheres concluíram o estudo. A
idade média das participantes foi de 29,7 ± 7,6 anos e o tempo médio da última
cesariana realizada foi de 6,43 ± 5 anos. A caracterização das participantes
selecionadas está descrita na Tabela I.
Tabela I - Caracterização da amostra selecionada.
n = valor absoluto; % =
valor relativo.
Em relação ao perfil
das participantes, observou-se que a maioria da amostra possui apenas um filho
(61,54%) e são casadas (57,69%). Quanto à escolaridade e suas atividades
laborativas, a maioria relatou possuir ensino superior incompleto (76,93%) e
estarem ativas no mercado de trabalho (53,85%).
Tabela II
- Média (M), desvio padrão (DP) e significância
das variáveis analisadas antes e após o tratamento pela crochetagem.
M/DP = média/desvio
padrão; IIQ = intervalo interquartil; *valores estatisticamente significantes.
Foi possível observar
uma melhora evidente na flexibilidade global avaliada pelo Teste “Sentar e
Alcançar”, onde na pré-intervenção obteve-se uma média de 1,80 cm e
pós-intervenção -0,19 cm, a sensação dolorosa relatada pelas participantes,
inicialmente teve uma média de dor nível 7, e após 3, assim como a melhora da
dor ao movimento, ambos tiveram diferenças estatisticamente significantes.
No presente estudo, a
crochetagem miofascial foi utilizada como proposta de tratamento nas cicatrizes
das cesáreas de mulheres com sintomas musculoesqueléticos. Apresentando
resultados significativos como em várias outras pesquisas evidenciando sua
eficácia [19,20].
Segundo dados do IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e estatística) nos anos de 2000 e 2010,
mostrou que mulheres com ensino superior completo obtiveram um índice de 1,14
filho, comparado ao índice superior daquelas sem instrução e com ensino
fundamental incompleto de 3,43 filhos (2000) para 3 (2010), no presente estudo obtivemos
uma amostra de 61,54% de mulheres com apenas um filho, 26,93% com dois filhos,
7,69% com mulheres que tem três filhos e 3,84% com quatro filhos. Apresentando
um nível de ensino superior incompleto de 76,93% e 23,07% para nível superior
completo [21].
A seleção da amostra
com indivíduos estudantes da área da saúde se deu por conta dos variados
sintomas que essa população apresenta. Em estudo recente realizado por Sanches et al. [22], que teve como amostra
estudantes de um curso de odontologia, apresentou um índice de 2,8%
apresentando dores incapacitantes nos últimos 12 meses, 20% procuraram
atendimento devido sintomas e 51% apresentaram algum tipo de dor em um período
de sete dias, tais sintomas foram atribuídos a fatores de risco como postura
estática prolongada, movimentos repetitivos, mau posicionamento, estresse
mental, condicionamento físico, idade e predisposição genética.
A termografia é capaz
de informar sobre o mecanismo de termorregulação através da temperatura
corporal, sabe-se que áreas em condição álgica crônica são propensas a hiporradiação e, áreas em condição álgica aguda a hiperradiação, sendo assim após a aplicação de uma técnica
é possível avaliar diferenças térmicas positivas e negativas, ambas
evidenciando possível melhora dos sintomas [23].
Os achados de um estudo
de caso que após intervenção com crochetagem aplicada na região tóraco-lombar e quadril em oito mulheres, apontaram
relevante destaque na melhora da flexibilidade em 75% delas, e redução da dor
em 87,5% das mesmas, do mesmo modo que é observado no presente estudo [19].
Em estudo de caso onde
foi utilizada crochetagem em cicatriz abdominal foi possível observar
considerável ganho de amplitude de movimento de ombro em flexão e abdução, bem
como aumento da flexibilidade de tronco, tais achados condizem com o presente
estudo [20]. Do mesmo modo em relato de caso com utilização de crochetagem em
cicatriz de mamoplastia, houve melhora dos parâmetros
avaliados, potencializando a efetividade da técnica [24].
A limitação deste
estudo dá-se pela ausência de um grupo controle para referência-padrão.
Conclui-se que a
crochetagem miofascial contribuiu significativamente para a diminuição da
sensação de dor relatada, dor ao movimento, assim como a sensibilidade
vertebral correspondente a esse dermátomo, sobretudo
foi observado um ganho considerável na flexibilidade da amostra estudada.