ARTIGO ORIGINAL

O ser mãe de uma criança com microcefalia

Being mother of a child with microcephaly

 

Isnara Teixeira de Britto*, Fernanda Santana Alves**, Thaise Ferreira Santos***, Sumaya Medeiros Bôtelho****, Nayara Alves de Sousa****

 

*Docente do Colegiado de Fisioterapia, Departamento de Saúde da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) campus Jequié/BA, **Discente do Colegiado de Fisioterapia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, ***Mestranda em ciências da Saúde, pelo programa de Pós-Graduação em Stricto Sensu da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) campus Jequié/BA, ****Docente do Colegiado de Fisioterapia, Departamento de Saúde da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) campus Jequié/BA

 

Correspondência: Isnara Teixeira de Britto, Rua das camélias, 91, condomínio portal pindorama, São Judas Tadeu, Jequié BA, E-mail: isnara.britto@hotmail.com; Fernanda Santana Alves: ananda.ba@hotmail.com; Thaise Ferreira Santos: thaisefisio@live.com; Sumaya Medeiros Bôtelho: sumayamedeiros@hotmail.com; Nayara Alves de Sousa: nayara.sousa1@hotmail.com

 

Resumo

Essa pesquisa objetiva analisar o impacto de ser mãe de uma criança com microcefalia, identificando as mudanças ocorridas no seu cotidiano após o nascimento do filho. Participaram desse estudo cinco mães, com faixa etária de 21 a 45 anos, todas atendidas na atenção básica, que tinham filhos de qualquer idade e sexo, com diagnóstico de Microcefalia, residentes no município de Jequié/BA. Trata-se de um estudo de caráter descritivo e abordagem qualitativa. Foram realizadas 5 entrevistas, que foram gravadas e transcritas na íntegra para a análise de conteúdo, usando a metodologia de Bardin. Após análise foram geradas categorias e subcategorias: 1. Conhecimento prévio da microcefalia; 2. Diagnóstico da microcefalia (Descoberta do diagnóstico, Cuidado do profissional de saúde ao passar o diagnóstico e Falta de conhecimento dos profissionais de saúde para o diagnóstico); 3. O pai diante da microcefalia; 4. Alterações na rotina da mãe (Interferência no sono e Impacto na rotina) 5. Acolhimento dos serviços de saúde e profissionais de saúde. Com os resultados percebeu-se que são diversas as dificuldades enfrentadas pelas mães que mudam totalmente suas rotinas, abandonam emprego, abdicam de momentos de lazer, vivenciam a separação dos seus parceiros no momento de dificuldade e a abdicação de si para cuidar do filho. Quanto aos profissionais de saúde, os resultados apontaram que não dominam o conhecimento sobre a microcefalia e demonstram pouca sensibilidade ao passar o diagnóstico as mães. Conclui-se assim que as mães de filhos microcefálicos mudam totalmente sua rotina e se veem negligenciadas pela Rede de Assistência em relação a sua própria saúde e de seus filhos.

Palavras-chave: microcefalia, saúde pública, mãe.

 

Abstract

This study aimed to analyze the impact of being mother of a child with microcephaly, identifying the changes that occurred in their daily life after the child birth. Five mothers, aged between 21 and 45 years, all attended in primary care, who had children of any age and sex, with diagnosis of Microcephaly, living in the municipality of Jequié in Bahia, Brazil, took part of this study. This is a descriptive study with qualitative approach. Five interviews were carried out, which were recorded and transcribed in full for the content analysis, using Bardin's methodology. After analysis, categories and subcategories were generated: 1. Previous microcephaly knowledge; 2. Microcephaly Diagnosis (Diagnosis discovery, Health professional care when informing the diagnosis and health professionals lack of knowledge for the diagnosis); 3. The father facing microcephaly; 4. Changes in the mother’s routine (Sleep interference and Impact in the routine) 5. Reception of health services and health professionals. We observed several difficulties faced by mothers who totally change their routines, abandon their jobs, give up leisure time, experience separation from their partners at the difficulty moment, and abdicate themselves to care for their child. Regarding health professionals, the results indicated that they do not dominate microcephaly knowledge and show little sensitivity when informing the diagnosis to the mothers. We concluded that mothers of children with microcephalic change their routine completely and are neglected by the Care Network in relation to their own health and their children.

Key-words: microcephaly, public health, mothers

 

Introdução

 

A microcefalia é uma doença neurológica, onde os recém-nascidos apresentam como característica principal o perímetro cefálico menor que 32 cm. As causas mais comuns da microcefalia ramificam-se em duas vertentes, sendo uma pré-determinada por causas congênitas e outra por causas pós-natais. As congênitas são distribuídas em variadas causas como: traumas disruptivo, acidente vascular cerebral hemorrágico, infecções por sífilis, toxoplasmose, herpes simples, citomegalovírus, rubéola, HIV e outros vírus, além de teratogenicidade, álcool, diabetes da mãe mal controlada e radiação. A outra vertente aponta para as ocorrências pós-parto como lesão traumática cerebral, infecções, meningites, encefalite, encefalopatia congênita por HIV, toxinas, falência renal crônica e intoxicação por cobre [1].

No Brasil, segundo dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) do Ministério da Saúde, houve um aumento substancial na prevalência de microcefalia ao nascer no ano de 2015. Além disso, foram consolidadas evidências que corroboram o reconhecimento da relação entre a infecção pelo vírus Zika e o aumento da ocorrência de casos de microcefalia no País [2]. Desde então os olhares das diversas categorias da saúde pública têm se direcionado para os indivíduos acometidos e sua família.

O cuidado e o sucesso do tratamento do bebê com microcefalia passam por uma interação entre a unidade familiar e a equipe multidisciplinar, pois essa criança microcefálica, dependendo da área encefálica lesada, precisará do acompanhamento de uma equipe multiprofissional composta por médico, fisioterapeuta, enfermeiro, fonoaudiólogo, nutricionista, entre outros. Fora do ambiente hospitalar e ambulatorial, o ambiente familiar é um complemento fundamental das metodologias aplicadas no tratamento da doença.

Historicamente a mãe tem um papel de suporte e cuidado no seio familiar onde é a provedora dos deveres de casa, cuidados com os filhos e companheiro. A figura materna nos tempos atuais com toda essa bagagem histórica e a conquista de direitos adquiridos ao longo dos anos vêm acarretando em si uma sobrecarga cada vez maior. E quando um de seus descendentes nasce portador de alguma enfermidade logo recai sobre ela o papel de cuidadora, responsável absoluta sobre essa criança [3].

Nas famílias que têm uma criança com microcefalia, sua principal e mais frequente cuidadora vem a ser a mãe, e seu estado biopsicossocial influência de maneira significativa no processo de tratamento e desenvolvimento da criança. Assim se faz necessário estudar essas mães, pois, o papel do cuidador em caso de patologias de sequelas crônicas é de fundamental importância, inclusive na pediatria. Nesse contexto, um olhar humanizado e globalizado em todas as esferas como família, unidade de saúde, meio externo, e apoio multiprofissional repercute de modo bastante positivo na melhoria da qualidade de vida e perspectivamente de um bom prognostico da doença.

Dessa forma, esse estudo objetiva analisar o impacto de ser mãe de uma criança com microcefalia, identificando as mudanças ocorridas no seu cotidiano após o nascimento do filho.

 

Material e métodos

 

Trata-se de um estudo de caráter descritivo e abordagem qualitativa, que utilizou como técnica para coleta de dados a entrevista semiestruturada. Participaram do estudo cinco mães, com idades entre 21 a 45 anos que tinham filhos de qualquer idade e sexo, com diagnóstico de microcefalia, residentes no município de Jequié/BA.

Foram usados como critérios de inclusão as mães que eram atendidas nas unidades de saúde do município, APAE, NUPREJ e a Clínica Escola de Fisioterapia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Foram excluídas do estudo as mães que os filhos não eram atendidos nessas Unidades e/ou não responderam a solicitação de participação para a pesquisa.

O estudo foi realizado através de uma entrevista semiestruturada contendo 20 perguntas de cunho sócio demográfico, religioso e perguntas relacionadas ao conhecimento sobre a doença, percepção da família, relação conjugal, percepção de si mesma e o posicionamento dos profissionais de saúde durante o processo do diagnóstico ao cuidado.

As entrevistas foram realizadas nos domicílios das mães ou na Clínica Escola de Fisioterapia da UESB, NUPREJ e APAE, a depender da vontade e disponibilidade das próprias. Antecedendo as entrevistas foram entregues e assinados pelas mães o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), do qual alertava dos possíveis riscos da pesquisa e Termo de Autorização de Uso de Imagem e Depoimentos, permitindo que os depoimentos colhidos na entrevista fossem utilizados no estudo.

As entrevistas foram realizadas de maneira espontânea e descontraída, utilizando da gravação, através de um gravador MP3, para a melhor qualidade da transcrição das falas e para que não se perdesse nenhuma informação. A transcrição foi realizada na íntegra a partir dos áudios, preservando sua fidedignidade, tais como repetições, pausa, falas de demais pessoas no ressinto, gírias e expressões inadequadas.

Para analisar os dados utilizou-se a Análise de Conteúdo Temática [4], que permite através dos diálogos coletados e categorizados uma melhor visão dos resultados encontrados.

Com a análise dos dados emergiram as seguintes categorias e subcategorias: 1. Conhecimento prévio da microcefalia; 2. Diagnóstico da microcefalia (Descoberta do diagnóstico, Cuidado do profissional de saúde ao passar o diagnóstico e Falta de conhecimento dos profissionais de saúde para o diagnóstico); 3. O pai diante da microcefalia; 4. Alterações na rotina da mãe (Interferência no sono e Impacto na rotina) 5. Acolhimento dos serviços de saúde e profissionais de saúde.

O estudo respeitou as normas da Resolução 466/12 a qual discorre sobre pesquisas envolvendo seres humanos. Apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da UESB, com número de parecer: 45204193. Foram garantidos o anonimato e a privacidade às mães e seus filhos, selecionadas para pesquisa. Desta forma, elas foram identificadas inicialmente por números e, posteriormente, por adjetivos escolhidos pelas pesquisadoras, de acordo com as características mais marcantes reveladas por elas, em suas entrevistas.

 

Resultados e discussão

 

Das 5 mães entrevistadas, todas residiam no município de Jequié/BA, com idades entre 21 a 45 anos, duas eram evangélicas e três católicas, todas recebiam o benefício do Governo Federal BPC (Benefício de Gestação Continuada) no valor de um salário mínimo e todas fizeram pré-natal, porém não especificaram se foram assíduas às consultas.

Os resultados serão apresentados nas seguintes categorias e subcategorias: 1. Conhecimento prévio da microcefalia; 2. Diagnóstico da microcefalia (Descoberta do diagnóstico, Cuidado do profissional de saúde ao passar o diagnóstico e Falta de conhecimento dos profissionais de saúde para o diagnóstico); 3. O pai diante da microcefalia; 4. Alterações na rotina da mãe (Interferência no sono e Impacto na rotina); 5. Acolhimento dos serviços de saúde e profissionais de saúde.

 

Conhecimento prévio sobre a microcefalia

 

Essa categoria discorre sobre o conhecimento das mães sobre a microcefalia. A partir dos diálogos colhidos durante as entrevistas, um dos primeiros questionamentos foi sobre essa informação, onde 80% das entrevistadas disseram que nunca ouviram falar sobre a microcefalia.

 

“Não, nunca tinha ouvido falar dessa microcefalia. Vim saber quando ela nasceu, aí depois que eu vim saber o que era e por que ela tinha nascido assim”. Nervosa

 

A microcefalia foi ganhar conhecimento nacional, a partir do grande número de casos ocorrido entre os anos de 2015 e 2016, onde a população começou a ter a percepção da doença, como relata a única mãe que diz ter ouvido falar sobre a Microcefalia.

 

“Sim, na época que estava gravida dela, da minha caçula tava nessa polêmica toda”. Renovada

 

O que foi expresso nessa categoria, corrobora com o estudo sobre os desafios e perspectivas de mães de crianças com microcefalia pelo vírus Zika, do qual mostra que a maioria das mães tinham conhecimento sobre o termo de forma errônea, ou não tinham compreensão satisfatória sobre a doença [5].

 

Diagnóstico da microcefalia

 

Essa categoria trata sobre a descoberta do diagnóstico da microcefalia, o cuidado do profissional de saúde ao passar o diagnóstico e a falta de conhecimento dos profissionais de saúde para o diagnóstico.

 

Descoberta do diagnóstico da microcefalia

 

Durante o período da gravidez, a maioria das mães idealizam sua rotina e expectativas a partir do nascimento do seu filho, e as fases do crescimento até a vida adulta. Quando ocorre alguma mudança nesse roteiro, como o diagnóstico de uma doença neurológica onde até o momento não há possibilidades de cura, toda uma idealização se cai por terra. As falas obtidas mostraram o susto apresentado pelas mães e o fim da fantasia criada pré-diagnóstico.

 

“Você esperando uma filha perfeita né, pra você brincar, ai você assim de cara a médica fala assim sua filha tem um probleminha que só um neuro pode te explicar, ai a pessoa já fica logo foi o que?” Nervosa

 

O relato de Nervosa mostra a reação de espanto e preocupação da mãe quanto ao possível diagnóstico. Essas reações só se intensificam diante da confirmação do diagnóstico e assim imediatamente após perceberem a deficiência do filho, um dos sentimentos mais comuns evidenciados pelas mães é um complexo de culpa, choro, revolta, rejeição e medo do futuro [6].

 

Cuidado do profissional de saúde ao passar o diagnóstico

 

O Profissional de Saúde é a pessoa da qual a família busca orientação, cuidado e perspectiva de prognóstico e se possível solução para suas enfermidades. Quando se é passado e como é passado o diagnóstico a um paciente repercute completamente na família e como a situação vai ser enfrentada. Diversas falas abordavam o pouco cuidado e a falta de informação em relação à microcefalia e como as mães e familiares se sentiam perdidos em relação ao diagnóstico e prognóstico, numa situação tão delicada.

 

“Por que ela me deu papel falando mais tava escrito lá na linguagem de médico, eu não entende não. Ai eu peguei e fui olhar na Internet o que era, foi ai que eu fui entender o que era microcefalia”. Nervosa

 

“E, as vezes a gente acha muito um despreparo sabe, falta de informação mesmo sabe, acho que todos são iguais né, e leva né”. Dedicada

 

É sabido que durante a vivência do diagnóstico de uma doença crônica é necessário que a comunicação torne as explicações compreensíveis, proporcionando também conforto frente os sentimentos de culpa, incerteza, luto e medo. Essas primeiras informações são imprescindíveis para que os cuidadores planejem suas rotinas, compreendendo de maneira mais completa os aspectos de saúde da criança [7].

Porém, a fala da Nervosa relatada acima, reafirma resultados apresentados sobre a reação das mães em relação ao comunicado de diagnósticos de doenças de cunho neurológico, na qual os profissionais de saúde diversas vezes usam de linguagem técnica, falas distantes da realidade vivida pelas mães. Percebe-se que os profissionais da saúde, durante a apresentação do diagnóstico às mães, fazem uso de termos técnicos desconhecidos na linguagem comum [8].

 

Falta de conhecimento dos profissionais de saúde

 

As informações sobre a microcefalia devem ser passadas de forma clara e os profissionais de saúde da atenção básica à alta complexidade devem se munir de conhecimento à cerca da patologia, passando segurança, certeza e facilitando desta forma o processo de aceitação e enfrentamento do tratamento.

Quando ocorre um equívoco ou falta de clareza nas informações passadas durante esse processo os envolvidos encaram ainda mais dificuldades nos processos de cuidado e tratamentos do enfermo. Os diálogos encontrados nas entrevistas mostram a falta de conhecimento dos profissionais ao diagnóstico e informação em relação à microcefalia.

 

“Até o médico aqui disse que ele tinha Down, eu disse Down ele não tem não, eu já com posse desse cariótipo eu até dava uma aula às vezes ao médico.” Dedicada

 

“Não, eles só falaram assim “oh mãe sua filha tem um probleminha, é você vai ter que passar por uma neuropediatrica, pra neuropediatra ti explicar direitinho o que é”. Nervosa

 

Desde que os pais e demais familiares sejam bem orientados, aos poucos o impacto causado pelo diagnóstico pode ser substituído por aceitação, superação e alegria pela existência da criança [9].

Portanto, a forma como será fornecido o diagnóstico deve ser planejada, com o objetivo de dar apoio e esclarecer as dúvidas das famílias, para que elas possam ter compreensão da doença. A sensibilidade do profissional de saúde que comunica o diagnóstico aos pais pode ser um fator determinante para a aceitação e adaptação da família à nova realidade, diante de um filho com microcefalia.

 

O pai diante da microcefalia

 

Essa categoria é importante, pois retrata sobre o pai diante da microcefalia. A cumplicidade do marido proporciona segurança, levando a mãe a se sentir protegida e compreendida. Entretanto, nem sempre o pai e a família aceitam e apoiam a criança com microcefalia.

As relações pessoais, como familiares, amigos e a conjugal é de fundamental apoio para a mulher/mãe numa realidade de cuidado de um filho com um processo crônico e que na maioria das vezes elas são as cuidadoras principais. Na revisão de Ribeiro et al. [10] sobre estresse parental em famílias de crianças com Paralisia Cerebral as mães foram maioria em todas as amostras, confirmando elas serem as cuidadoras principais.

A família é a instituição de alicerce para os momentos de dificuldade de qualquer indivíduo, e a mulher busca apoio em seu cônjuge para enfrentar esse momento de necessidade, porém nas falas apresentadas, 3 das 5 mães relatam que após a descoberta do diagnóstico do filho, ocorreram casos de separação e abandono da parte dos companheiros implicando em mais uma dificuldade enfrentada por elas.

 

“Logo no início, ele, quando era menorzinha que não demonstrava muito, ele ainda dava atenção a ela, tinha cuidado, saía com ela, mais depois que ela foi crescendo, que começou a perceber né, que ela foi ficando diferentezinha, apesar que ela não mostra muito né, só se prestar atenção no rosto, ai ele começou a ir se afastando, se afastando, eu me retei com ele e mandei ele ir pra (...)”. Nervosa

 

“Não, o pai dela na hora que soube ele foi o primeiro a jogar a gente no canto”. Renovada

 

O impacto é tão grande que dificulta o estabelecimento de vínculo, a aceitação do filho, a compreensão das informações, afeta a rotina diária, compromete os sonhos e projetos de cada membro da família, que se desestrutura, sendo necessário longo processo para que retome o equilíbrio [11].

 

Alteração na rotina das mães

 

Essa categoria aborda a alteração na rotina das mães, pois a chegada de um filho gera diversas mudanças de comportamentos no meio familiar, principalmente na sua rotina que passa a ter um novo papel no âmbito familiar, o de mãe.

Essa rotina pode ficar ainda mais alterada quando se tem filhos que apresentem um quadro de dependência funcional por sequelas de doenças neurológicas. Muitas vezes esses filhos requerem um cuidado por períodos integrais, a mãe tem que renunciar a suas atividades corriqueiras para atender as demandas do cuidar, interferindo por diversas vezes em sua rotina de vida.

As dificuldades enfrentadas por mães de crianças com microcefalia, como a sobrecarga, a abdicação, o abandono, a exaustão, provocam o sofrimento diante da situação vivenciada. Além das pressões familiares com as quais têm que lidar, elas também têm que enfrentar as pressões exercidas pelas forças sociais, uma vez que a sociedade tem dificuldades de conviver com as diferenças [12].

 

Interferência no sono

 

Após o nascimento de qualquer filho diversas mães reclamam sobre o sono, em sua qualidade e quantidade, noites em claro, a preocupação e todos os anseios durante esse período são comuns.

Nos bebês com algum acometimento neurológico isso acarreta a mãe um cuidado especial, onde ela permanece muitas vezes em claro e o sono se torna momentos de raro descanso.

Durante as conversas muitas mães relataram não dormirem bem, estarem sempre em alerta para qualquer movimento ou sinais que os filhos poderiam apresentar. Apenas uma mãe desse estudo falou não ter a rotina de sono alterada.

 

“Oh, na hora que tu pensa que eu to dormindo, eu to acordada, mais é assim mesmo”. Nervosa

 

“Ah, ao meu sono, ah mãe, ohhh (risos)..depois que tem filhos nunca mais dorme despreocupada, só no dia que tá muito cansada que apaga.” Dedicada

 

“(risos) Ohhh, mudou totalmente, acorda cedo, a noite ela não acorda, mas acorda cedo”. Prática

 

Dormir bem é essencial não apenas para ficar acordado no dia seguinte, mas, para se manter saudável, melhorar a qualidade de vida e até aumentar a longevidade. Nosso desempenho físico e mental está diretamente ligado a uma boa noite de sono [13].

 

Impacto na rotina

 

A partir da notícia que o filho tem Microcefalia, a vida das mães entrevistadas deu um salto, a chegada de um filho que requer cuidados especiais causa apreensão, medo, ansiedade e por diversas vezes insegurança. A demanda de tempo e cuidado requer muitas vezes mudança de hábitos, as mães passam a abdicar muitos costumes e prazeres dos quais estavam acostumadas.

A convivência diária com uma criança que tenha um quadro crônico altera o funcionamento familiar e desta forma o apoio social será um importante fator de proteção e promoção de saúde mental aos pais dessas crianças. Assim surge o grande desafio atual do SUS, que é garantir o subsídio aos responsáveis através de apoio psicológico e de assistência social [14].

Durante as entrevistas, houve relatos de que tiveram abandonos de trabalho e estudos, pois uma das mães ainda frequentava o ensino médio, o que já mostra um comprometimento na vida financeira da família. Reuniões em convívios sociais como festas, igrejas, e lugares onde havia aglomerados eram evitadas, pois as crianças não se sentiam confortável ou até mesmo relato de olhares preconceituosos.

 

“Tudo, tudo, até o horário de almoçar, tomar café, eu só almoço depois que ela almoça, eu só tomo café depois que ela toma”. Nervosa

 

“O pai mesmo quando é São João que tem tudo o pai fala “você vai levar, você vai fazer ele sofrer”, porque o coração fica, aaah saindo pela boca, e aquilo pra ele é muito sofrido, então assim tem lugares que né onde ele pode ser aceito, que eu sei que ele vai curtir, que eu sei que ele vai se encaixar”. Dedicada

 

“Mudou a rotina justamente porque ele faz a fisioterapia de segunda a sexta feira”. Religiosa

 

“Deixo, já não saía, não gostava, mais agora tem vezes que eu tenho oportunidade de sair e eu não saio por causa dela, porque ela não fica com ninguém, só comigo”. Prática

 

Os relatos supracitados concordam com o estudo que diz que, devido à demanda de cuidado com a criança, as cuidadoras dificilmente conseguem deixá-la sob a responsabilidade de outras pessoas, acarretando uma ruptura com sua própria vida pessoal e uma obrigatoriedade no cuidar [15], onde abdicam diversas funções comumente feitas para exercer a função do cuidar.

 

Acolhimento dos profissionais de saúde

 

Essa categoria ressalva sobre o acolhimento dos profissionais de saúde. Do diagnostico ao tratamento as mães passam por diversas fases, desde variados conflitos e busca por respostas pelo melhor tratamento e qualidade de vida para os seus filhos, ao anseio por respostas eficientes e um apoio e orientação nesse momento delicado em suas vidas.

Os profissionais de saúde têm o papel de ajudar a mãe nesse caminho, para melhor adesão e progressão do tratamento proposto que só será eficaz se os dois andarem de mãos dadas. Porém a dificuldade de acesso aos serviços públicos de saúde é uma triste realidade a ser enfrentada [16].

A indignação aos descasos para com a mãe é muitas vezes relatada nas entrevistas colhidas, mostrando o quão pouco eficiente os profissionais de saúde estão sendo no acolhimento e orientação às mães, onde por diversas vezes elas reclamaram sobre desconhecimento do diagnóstico e da falta de visão em relação a elas, pois o profissional busca apenas focar na patologia do paciente e não tem uma visão direcionada à mãe.

 

“Nunca passei por um psicólogo, só nela”. Prática

 

“Foi bem, sossegado. Todo lugar você se estressa, mais tem que ter muita paciência”. Nervosa

 

As cuidadoras, quando sobrecarregadas, estressadas, ou desgastadas, podem apresentar problemas de saúde como cansaço, irritabilidade, impotência e, por isso, a equipe de saúde precisa voltar-se para essas pessoas a fim de promover a qualidade de vida e a manutenção da sua saúde [9].

 

Conclusão

 

O estudo buscou analisar o impacto de ser mãe de uma criança com microcefalia, identificando as mudanças ocorridas no seu cotidiano após o nascimento do filho.

Com os resultados percebeu-se que são diversas as dificuldades enfrentadas pelas mães que mudam totalmente suas rotinas, abandonam emprego, abdicam de momentos de lazer, vivenciam a separação dos seus parceiros no momento de dificuldade e a abdicação de si para cuidar do filho.

Quanto aos profissionais de saúde, os resultados apontaram que não dominam o conhecimento sobre a microcefalia e demonstram pouca sensibilidade ao passar o diagnóstico as mães.

Conclui-se assim que as mães de filhos microcefálicos mudam totalmente sua rotina e se veem negligenciadas pela Rede de Assistência em relação a sua própria saúde e de seus filhos.

Espera-se que os resultados aqui apontados contribuam para uma melhor qualidade de vida para as mães das crianças com microcefalia, bem como com a mudança de comportamento dos profissionais de saúde, almejando um convívio com vistas a promover um cuidado mais humanizado.

Em decorrência de ter-se encontrado poucos estudos relacionados às mães de crianças com microcefalia, faz-se necessário novos estudos, como uma população maior, para melhor visualização da qualidade de vida apresentadas por essas mães.

 

Referências

 

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  2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Protocolo de atenção à saúde e resposta à ocorrência de microcefalia. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2016.
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