REVISÃO
Efeitos do treino de
equilíbrio na velocidade de marcha, mobilidade e qualidade de vida de
indivíduos pós acidente vascular encefálico
Effects of the balance training on walking speed, mobility and quality
of life of stroke survivors
Letícia Costa Queiroz,
Ft.*, Kênia Kiefer Parreiras de Menezes, D.Sc.**, Patrick Roberto Avelino, M.Sc.***
*Universidade Federal
de Minas Gerais, Belo Horizonte/MG, **Doutora em Ciências da Reabilitação,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/MG, ***Mestre em Ciências
da Reabilitação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte MG
Recebido em 15 de maio
de 2019; aceito em 18 de janeiro de 2020.
Correspondência: Kênia
Kiefer Parreiras de Menezes, Av. Pres. Antônio Carlos, 6627, Pampulha,
31270-901 Belo Horizonte MG
Kênia Kiefer Parreiras de
Menezes: keniakiefer@yahoo.com.br
Letícia Costa Queiroz:
leticiacq1@hotmail.com
Patrick Roberto
Avelino: patrickpk4@yahoo.com.br
Resumo
Introdução: O objetivo do
presente estudo foi realizar uma revisão sistemática da literatura investigando
os efeitos do treino de equilíbrio na velocidade de marcha, mobilidade e
qualidade de vida de indivíduos hemiparéticos. Métodos:
Foram realizadas buscas nas bases de dados Medline, Cinahl,
Web of Science, Lilacs e PEDro, sem restrição em relação ao idioma e ano de
publicação do estudo. Os artigos foram avaliados pelo título, resumo e
posteriormente pelo texto completo e, enfim, selecionados em relação à
elegibilidade por dois autores independentes. A qualidade metodológica dos estudos
experimentais incluídos foi avaliada de acordo com a escala PEDro.
Resultados: Oito artigos foram incluídos na presente revisão. A
descrição dos resultados sugere que o treino de equilíbrio pode ser eficaz para
aumentar a velocidade de marcha e melhorar a mobilidade de indivíduos hemiparéticos. Embora esses resultados sejam promissores,
os estudos apresentam uma qualidade metodológica entre moderada a baixa. Além
disso, os efeitos na participação social/qualidade de vida ainda são
inconclusivos, uma vez que apenas um estudo avaliou essa variável. Conclusão:
O treino de equilíbrio parece melhorar a velocidade de marcha e mobilidade de
indivíduos hemiparéticos, porém o efeito na
participação social ainda deve ser melhor investigado.
Palavras-chave: acidente vascular
cerebral, equilíbrio postural, participação social.
Abstract
Introduction: The aim of this systematic literature review was to investigate the
effects of balance training on walking speed, mobility and social
participation/quality of life of hemiparetic individuals. Methods:
Searches were conducted on Medline, Cinahl, Web of
Science, Lilacs and PEDro databases, without
restriction regarding the language and year of publication. The articles were
evaluated by title, abstract and full text and, finally, selected in relation
to the eligibility by two independent authors. The methodological quality of
the included experimental studies was evaluated according to the PEDro scale. Results: Eight articles were included
in the present review. The description of the results suggests that balance
training may be effective in increasing walking speed and improving the
mobility of hemiparetic individuals. Although these results are promising, the
studies show a moderate to low methodological quality. The effects on social
participation/quality of life are still inconclusive, since only one study
evaluated this variable. Conclusion: Balance training seems to improve
walking speed and mobility of hemiparetic individuals, but the effect on social
participation should still be better investigated.
Keywords: stroke, balance training, social participation.
O Acidente Vascular
Encefálico (AVE) é caracterizado por uma lesão cerebral que pode ser de origem
isquêmica ou hemorrágica, e que leva ao desenvolvimento rápido de sinais
clínicos com distúrbios focais e/ou globais da função cerebral. O AVE pode
provocar alterações nos planos cognitivo, sensório e motor, de acordo com a
área e a extensão da lesão [1]. As alterações encontradas nos adultos com AVE
afetam os três domínios da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF):
estrutura e função do corpo, atividade e participação [2]. As deficiências no
nível de estrutura e função do corpo são descritas como: hemiparesia,
caracterizada por fraqueza no hemicorpo contralateral à lesão, alteração do
equilíbrio e alinhamento corporal, alterações sensoriais unilaterais ou
bilaterais, hiperreflexia, hipertonia, dentre outros
[1]. Quanto ao nível de atividade, as limitações frequentes estão relacionadas
ao desempenho das Atividades de Vida Diária (AVD), como a locomoção, por exemplo,
diminuindo o comprimento do passo e a velocidade da marcha e aumentando a
incidência de quedas [3,4]. Essas alterações decorrentes do AVE podem
restringir a participação social desses indivíduos, como ir a eventos
familiares, frequentar a igreja, dentre outros [4].
De acordo com Bae et al. [5], o equilíbrio é a capacidade de um
indivíduo manter-se ou mover-se dentro de uma postura de suporte de peso sem
cair. Problemas de equilíbrio têm sido relacionados com baixo desempenho nas AVDs, redução da mobilidade e um maior risco de quedas [6].
As quedas podem trazer consequências psicológicas e sociais para os indivíduos
pós-AVE, podendo levar a isolamento social e redução da qualidade de vida [4].
De acordo com Ibrahimi et al. [7], o treino de
equilíbrio, uma recorrente opção de treinamento para esta deficiência, pode ser
realizado de várias maneiras. Os métodos usados incluem explorar os limites da
estabilidade por meio do deslocamento de peso, tais como: promover suporte de
peso no membro afetado, trabalhar perturbações posturais em diferentes
superfícies com alteração da base de suporte, dentre outros.
A mobilidade também
depende do equilíbrio, e está frequentemente ligada a qualidade de vida global
do indivíduo [8]. Estima-se que 60 a 80% dos pacientes com AVE são capazes de
caminhar após o AVE, porém, destes, apenas 7% conseguem andar uma distância de
500 metros com uma velocidade de 1,0 m/s [9]. Um estudo de Braun et al.
[4] avaliou a relação entre o nível de atividade física, o desempenho e a
confiança no equilíbrio e qualidade de vida nos indivíduos pós-AVE. O estudo
classifica o equilíbrio como um importante preditor, tanto para atividade como
para a participação dos indivíduos pós-AVE. De acordo com o estudo, o escore do
equilíbrio funcional foi fortemente relacionado ao nível de confiança dessa
população durante as atividades realizadas dentro e fora de casa, tais como:
atravessar um estacionamento, caminhar entre pessoas, indicando que estes
indivíduos possam restringir suas atividades por medo de quedas. O estudo
também discute que o baixo nível de equilíbrio está associado com diminuição da
qualidade de vida, afetando os domínios de saúde física e percepção geral da
saúde. Além disso, o equilíbrio também apresentou correlação moderada com
outros cinco domínios da qualidade de vida: papel familiar, autocuidado,
mobilidade, função do membro superior e visão [4]. Assim, o treino de
equilíbrio teria potencial não só de melhorar a capacidade de marcha desta
população, como também impactar na qualidade de vida e participação social.
Assim, embora o AVE
seja uma condição incapacitante e que um dos seus acometimentos é o déficit do
equilíbrio, que altera a capacidade da marcha e a participação social, faz-se
necessário um estudo que sumarize as informações contidas na literatura. No
entanto, não foram encontradas revisões sistemáticas sobre os efeitos do treino
de equilíbrio nestas variáveis. Dessa forma, o objetivo do presente estudo é
realizar uma revisão sistemática da literatura investigando os efeitos do
treino de equilíbrio na velocidade de marcha, mobilidade e qualidade de vida de
indivíduos hemiparéticos.
Design
Trata-se de uma revisão
sistemática com o objetivo de identificar se o treino de equilíbrio melhora a
velocidade de marcha, mobilidade e participação social dos indivíduos pós AVE.
Procedimentos
Para produção da
presente revisão sistemática da literatura, foram realizadas buscas nas bases
de dados Medline, Cinahl, Web of
Science, Lilacs e PEDro. A
busca utilizou as palavras chave “stroke”,
“hemiparetic”, “rehabilitation”
“training”, “balance”, "stability", e
"activity", além de seus respectivos
termos em português. A busca ocorreu sem restrição de data ou idioma, até o
período de maio de 2017.
A busca nas bases de
dados foi feita por dois examinadores que identificaram os estudos relevantes,
examinando o título e o resumo, além de buscar nas referências bibliográficas
outros estudos adicionais que poderiam ser incluídos. Posteriormente,
realizaram a leitura crítica do texto completo dos artigos selecionados na
etapa anterior. Em caso de discordâncias, um terceiro avaliador independente
foi o responsável por fazer a elegibilidade dos artigos realizada inicialmente
pelos dois primeiros avaliadores.
Critérios de inclusão e
exclusão
Os artigos incluídos
nesta revisão foram somente ensaios clínicos aleatorizados (ECAs),
que realizaram treino de equilíbrio em indivíduos pós AVE e tiveram velocidade
de marcha, mobilidade e/ou participação social/qualidade de vida como medida de
desfecho. Velocidade deveria ser reportada como a distância percorrida em
metros por segundo, mobilidade deveria ser reportada pelo teste Timed Up and
Go (TUG), e participação social como qualquer escala ou questionário que
avaliasse a participação ou qualidade de vida.
Qualidade metodológica
A qualidade
metodológica dos estudos incluídos foi avaliada de acordo com a escala PEDro, descrita na base de dados Physiotherapy
Evidence Database
(www.pedro.org.au). A escala, composta de 11 itens, foi desenvolvida para
classificar a qualidade metodológica (validade interna e informações
estatísticas) de ensaios clínicos aleatorizados. Cada item, exceto o item 1,
contribui com um ponto para a pontuação total da escala, que varia de 0 a 10
pontos. Foi utilizada a pontuação dos estudos descrita no endereço eletrônico
da base de dados. A pontuação dos estudos não incluídos na base de dados PEDro ou não pontuados foi realizada pelos autores deste
estudo.
A busca eletrônica
gerou um total de 1.202 estudos. Desses, 1.111 foram excluídos após a leitura
do título e 75 foram excluídos após leitura do resumo. Portanto, 15 estudos
foram potencialmente elegíveis após avaliação do título e resumo. Desses, oito
foram excluídos por não atenderem aos critérios de inclusão desta revisão. A
busca manual retornou um estudo que foi incluído após análise. Assim, um total
de oito estudos foram incluídos e descritos no presente estudo, que foram
sumarizados na Tabela I [2,7,10-15]. O fluxograma de busca dos estudos
encontra-se na Figura 1.
Figura 1 - Fluxograma de
inclusão e exclusão dos estudos.
Tabela I - Síntese dos
estudos avaliados. (ver anexo em PDF)
Tabela II - Detalhamento dos
estudos na escala PEDro.
A pontuação média na
escala PEDro dos estudos selecionados foi de 5.8
variando de 3 a 8. A classificação dos artigos quanto à qualidade metodológica
está sumarizada da Tabela II. As amostras dos oito estudos variaram de 12 a 82
indivíduos, totalizando 305 pacientes com ocorrência do episódio de AVE entre 3
e 9 meses. A idade dos participantes variou entre 54 e 68 anos, de ambos os
sexos. Em relação ao protocolo de treinamento de equilíbrio, houve uma
variabilidade grande entre os estudos selecionados. Dois estudos realizaram o
treino de equilíbrio em um equipamento denominado de Balance trainer [11,13], enquanto os outros estudos realizaram
os treinos com uso de plataforma vibratória [12], plataforma de força [15],
alteração sensorial por meio de mudança da superfície de suporte e alteração da
visão (olhos abertos e fechados) [10], atividades funcionais no minitrampolim [14], uso de plataforma de força com
deslocamento de peso [7] e uso de circuito com obstáculos [2]. A duração da
intervenção nos estudos variou de três a oito semanas com uma frequência de
dois a cinco dias por semana com duração das intervenções entre 30 minutos e 5
horas.
Em relação às medidas
de desfecho, sete estudos avaliaram velocidade da marcha: quatro utilizaram o
teste de caminhada de 10 metros [10-13], dois utilizaram o teste de caminhada
de 6 minutos [12,14] e dois realizaram análise da marcha tridimensional da
marcha [2,15]. Quatro estudos aplicaram o TUG para avaliar mobilidade
[2,11,13,14]. Apenas um estudo investigou a qualidade de vida, realizada
através do Stroke Specific
Quality of Life Scale [7].
Esta revisão objetivou
investigar os efeitos do treino de equilíbrio na velocidade de marcha,
mobilidade e qualidade de vida de indivíduos hemiparéticos.
A descrição dos resultados sugere que o treino de equilíbrio melhora a
velocidade de marcha e mobilidade, porém o efeito na participação social ainda
deve ser melhor investigado.
Os artigos de Bayouk et al. [10], Lau et al.
[12], Lee et al. [13]
e Park et al. [2] sugeriram melhora da velocidade de marcha após o
treino de equilíbrio, indicando relação positiva entre essas duas variáveis. O
estudo de Langhmmer et al. [8] confirma esses
achados uma vez que identificou que a marcha está igualmente relacionada ao
equilíbrio estático e dinâmico principalmente no estágio inicial de pacientes
pós-AVE [8]. O estudo de Cromwell et al. avaliou 17 idosos saudáveis e
identificou que a diminuição do equilíbrio nessa população gera aumento da fase
de apoio durante a marcha e diminuição da velocidade de marcha. Essas
alterações são compensações realizadas com objetivo de aumentar a estabilidade
e se protegerem contra quedas. Porém, essas estratégias prejudicam a capacidade
dos idosos de se moverem rapidamente, como, por exemplo, para atravessarem uma
rua [16]. O estudo de Perry et al. avaliou 147 indivíduos pós-AVE
crônico e correlacionou a velocidade de marcha com a independência no domicílio
e na comunidade e caracterizou essa variável como forte para diferenciar deambuladores domésticos de comunitários. Perry et al.
demonstraram que uma velocidade de caminhada de 0,4 ± 0,18 m/s ou menos
restringe a capacidade do indivíduo para a deambulação na comunidade [17].
Os estudos de Park et
al. [2], Goljar et al. [11] e Lee et al. [13] apresentaram
aumento da mobilidade avaliada pelo TUG após o treino de equilíbrio. O estudo
de Podsioadlo et al. [18] que apresentou
achados semelhantes com os encontrados na presente revisão, avaliou a
mobilidade de 60 pacientes idosos e identificou que os participantes que
realizaram o TUG em menos de 20 segundos foram considerados independentes no
equilíbrio e nas habilidades de mobilidade necessárias para atividades da vida
diária. Em comparação, aqueles que gastaram 30 segundos ou mais para realização
do teste apresentaram maior dependência na maioria das atividades de vida
diária e nas habilidades de mobilidade [18]. O estudo de Perry também reforça
esses achados uma vez que identificou que uma limitação na habilidade de
caminhar restringe a independência na mobilidade do paciente tanto no domicílio
quanto na comunidade. Perry et al. afirmam que a incapacidade de andar pode
interferir na capacidade do indivíduo de participar das atividades de vida
diária, uma vez que o mesmo apresenta dificuldades para se deslocar em torno
dos locais onde as atividades são realizadas, exemplo: ir até a cozinha para
comer, se dirigir ao banheiro para realizar a higiene pessoal. Esses achados
sugerem a necessidade de identificarmos intervenções que melhorem a mobilidade,
uma vez que essa variável está relacionada com a independência do indivíduo
[17].
Dos oito estudos
selecionados, apenas Ibrahimi et al. [7]
aplicaram uma avaliação específica para mensurar a qualidade de vida e
identificou melhora significativa do SSQOL. No estudo de Desrosiers
et al. [19], que analisou os preditores para a participação social, foi
demostrado que o escore para equilíbrio funcional apresenta uma maior
correlação com a medida de participação social. Além disso, observou-se que o
decréscimo na pontuação do equilíbrio funcional está associado com um maior
risco de quedas, podendo aumentar a restrição dos indivíduos à participação. De
acordo com esse autor, o medo de queda leva a restrição de atividade [19]. No
entanto, embora a melhora da qualidade de vida do paciente deva ser o objetivo
final da reabilitação, visando o retorno da sua participação social [20], os
resultados dessa revisão ainda são escassos e, portanto, inconclusivos sobre os
efeitos do treino de equilíbrio na qualidade de vida.
Uma das limitações
desta revisão é a qualidade metodológica dos estudos, que variaram de qualidade
baixa a alta. Apesar de todos os estudos selecionados serem ensaios clínicos
aleatorizados, apenas Lau et al. [12], Lee et
al. [13] e Miklitsch et al. [14]
apresentaram escore 8 na escala PEDRo. Os outros
estudos apresentaram as notas ≤ 6. Outra limitação é que apenas um estudo
aplicou um instrumento específico para avaliar qualidade de vida, o que limitou
os achados encontrados sobre essa variável. Além disso, muitos estudos
aplicaram, também no grupo controle, protocolos distintos, mas que também
incluíram treino de equilíbrio, o que impossibilita a afirmação da
superioridade da técnica quando comparada a nada ou outra intervenção. Dessa
forma, mais ensaios clínicos randomizados com adequada qualidade metodológica
são necessários, com o objetivo de investigar os efeitos do treino de
equilíbrio, principalmente sobre a qualidade de vida de indivíduos pós-AVE.
Esta revisão
sistemática evidenciou que o treino de equilíbrio pode ser eficaz para aumentar
velocidade de marcha e melhorar a mobilidade de indivíduos hemiparéticos
crônicos. Embora esses resultados sejam promissores, alguns dos estudos
incluídos apresentaram uma qualidade metodológica de moderada a baixa. Além
disso, os efeitos na qualidade de vida ainda são inconclusivos, uma vez que
apenas um estudo avaliou essa variável após a realização do treino de
equilíbrio.