ARTIGO ORIGINAL
Mapeamento das
incapacidades cinésio-funcionais de acordo com a CIF
em pessoas diagnosticadas com hanseníase
Mapping of functional movement related disabilities based on the ICF
model in persons with leprosy
Elisvânia Barroso Carregosa, Ft., M.Sc.*, Vivian Tais Cunha de
Souza, Ft., M.Sc.*, Lucimaria de Souza Santana, Ft. M.Sc.**, Suelane Rosa de Sales,
Ft.**, Mayara Santos Bomfim, Ft.**, Fernanda Paixão Amado, Ft.**, Aionara Figueirêdo
Oliveira***, Thaisa Soares Caldas Batista, Ft., M.Sc.****, Sheila Schneiberg, Ft.,
D.Sc.*****
*Programa de Pós Graduação em Ciências Aplicadas a Saúde (PPGCAS),
Universidade Federal de Sergipe (UFS), Campus Antônio Garcia Filho, Lagarto/SE,
**Departamento de Fisioterapia da Universidade de Federal de Sergipe (UFS), Campus
Antônio Garcia Filho, Lagarto/SE, ***Faculdade Estácio de Sergipe (FASE), Aracaju/SE,
****Programa de Pós Graduação em Biotecnologia e Departamento de
Fisioterapia da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Campus Antônio Garcia
Filho, Lagarto/SE, *****Programa de Pós Graduação em Ciências
Aplicadas a Saúde (PPGCAS), Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal de
Sergipe (UFS), Campus Antônio Garcia Filho, Lagarto/SE
Recebido em 17 de maio
de 2019; aceito em 20 de agosto de 2020.
Correspondência: Sheila Schneiberg, Universidade Federal de Sergipe, Departamento
de Fisioterapia, Campus Antônio Garcia Filho, Av. Governador Marcelo Déda,
Centro 49400-000 Lagarto SE
Elisvânia Barroso Carregosa: elisbarroso@hotmail.com
Vivian Tais Cunha de
Souza: viviantais@hotmail.com
Lucimaria de Souza Santana:
lucimariasouza@hotmail.com
Suelane Rosa de Sales:
suelanesalles@hotmail.com
Mayara Santos Bomfim:
mayfisioufs@gmail.com
Fernanda Paixão Amado:
nandapaixao_18@hotmail.com
Aionara Figueirêdo
Oliveira: aionara@yahoo.com.br
Thaisa Soares Caldas
Batista: thaisacaldas@hotmail.com
Sheila Schneiberg: sheilaschneiberg@gmail.com
Resumo
As sequelas da
hanseníase interferem no bem-estar físico, na vida pessoal e socioeconômica.
Devido a essa complexidade, fica difícil relatar objetivamente a abrangência do
impacto da hanseníase, porém, o modelo de Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) surgiu para classificar as condições
de doença e suas consequências biopsicossociais, facilitando o diagnóstico
clínico funcional de uma maneira mais realística, além da esfera biomédica. O
objetivo deste estudo foi mapear as incapacidades cinésio-funcionais
de pessoas com hanseníase utilizando a CIF. Trata-se de um
estudo transversal,
com amostra composta por pessoas com hanseníase, recrutadas no
Centro de
Especialidades Médicas de Aracaju e Hospital
Universitário. Para coleta de
dados foram utilizadas avaliações padronizadas e
validadas, representando cada
domínio da CIF. A análise foi descritiva e as
disfunções, que foram prevalentes
em 5% dos participantes, foram selecionadas como relevantes.
Participaram 29
voluntários, 44,9 (±13,72) anos, 60% sexo masculino. As
incapacidades
funcionais mais presentes foram: 1) Estrutura do corpo -
“Estrutura das áreas
da pele - s810” com 78%; 2) Função do corpo -
“Função tátil - b265” e
“Funções
relacionadas a força muscular - b730” com 100% de
presença; 3) Atividade -
“Levantar e carregar objetos - d430” e “Andar -
d450” apresentaram limitação em
100% dos participantes; 4) Participação
“Recreação e Lazer - d920” foi
observada em 89% dos participantes; 5) Impacto ambiental -
“Serviços, sistemas
e políticas de saúde - e580” em 56% dos
participantes e nos fatores pessoais o
estigma com 100% de presença. Este estudo determinou quais
aspectos
biopsicossociais são os mais relevantes em pessoas com
hanseníase e os seus
resultados podem ser usados como planejamento de
prevenção e tratamento dessa
doença.
Palavras-chave: hanseníase,
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, avaliação
da deficiência.
Abstract
Leprosy
sequelae interfere with physical, personal and socioeconomic life. Due to this
complexity, it is difficult to objectively report the extent of the impact of
leprosy; however, the International Classification of Function, Disability
and Health (ICF) model classifies disease clinical conditions and their
biopsychosocial consequences, facilitating a more realistic functional clinical
diagnosis of leprosy, beyond the biomedical sphere. The objective of this study
was to map the functional movement related disabilities of people with leprosy
using the ICF. This is a cross-sectional study, with a sample composed of
people with leprosy, recruited at the Aracaju Medical Specialty Center and
University Hospital. For data collection, standardized and validated
evaluations were used, representing each ICF domain. The analysis was
descriptive, and the dysfunctions that were prevalent in 5% of the participants
were selected as relevant. Twenty-nine volunteers participated, 44.9 (± 13.72)
years, 60% male. The most present functional disabilities were: 1) Structure of
the body - "Structure of the skin areas - s810" with 78%; 2) Body
function - "Tactile function - b265" and "Functions related to
muscular strength - b730" with 100% presence; 3) Activity - "Lifting
and loading objects - d430" and "Floor - d450" presented
limitation in 100% of participants; 4) Participation "Recreation and
Leisure - d920" was observed in 89% of participants; 5) Environmental
impact - "Health services, systems and policies - e580" in 56% of the
participants and in the personal factors the stigma with 100% presence. This
study determined which biopsychosocial aspects are most relevant in people with
leprosy and its results can be used as planning for the prevention and
treatment of this disease.
Keywords:
leprosy, International Classification of Functioning, Disability and Health,
disability assessment.
A hanseníase é uma
doença infectocontagiosa, considerada um problema de saúde pública mundial [1].
Acomete principalmente nervos, pele, assim como, ossos, articulações, músculos
e olhos [2]. No Brasil o diagnóstico baseia-se principalmente em critérios
morfológicos e topográficos das lesões, associadas a alterações na
sensibilidade cutânea, espessamento e/ou dor de nervos periféricos. Quanto mais
tardio for o diagnóstico, maior o risco da infecção
poder causar lesões permanentes com grande possibilidade de comprometimento
morfológicos irreversíveis [3,4].
Apesar de todos os
esforços para erradicar a hanseníase no mundo [5], dados mostram que esta
doença ainda constitui uma ameaça para a saúde pública, particularmente no
Brasil, pois cerca de 30.000 novos casos são relatados por ano [6]. As deficiências
físicas consequentes da hanseníase podem evoluir para uma limitação em
atividade e restrição na participação social. Uma deficiência da mão, por
exemplo, gera limitação na realização de atividades manuais e restrição na
participação laboral e social [7,8]. Logo, a hanseníase por ser uma doença que
atinge múltiplos sistemas, tendo consequências devastadoras na vida de uma
pessoa, tais consequências abrangem além do fator biológico, os fatores
psicológicos e sociais. Tornando a hanseníase uma doença complexa, heterogênea
e difícil de ser avaliada nos serviços públicos [7,8].
A Classificação
Internacional de Funcionalidade (CIF) é um instrumento que classifica e pode
auxiliar na descrição da funcionalidade e incapacidade da hanseníase,
classificando-a nos contextos biológico, atividades, participação social,
fatores ambientais e pessoais. A CIF possibilita padronizar a linguagem
relacionada à deficiência, auxiliando a comunicação entre profissionais de
saúde, pesquisadores e formuladores de políticas públicas, facilitando a
apresentação e orientação do desenvolvimento de estratégias de prevenção,
reabilitação e mensuração de resultados [9,10].
O impacto
biopsicossocial da hanseníase não ocorre só na vida da pessoa diagnosticada,
mas também na vida de pessoas próximas a ela [7,8]. Há uma escassez de
registros classificando a hanseníase no âmbito biopsicossocial, principalmente
no Brasil, que é o segundo país na incidência e prevalência de casos de
hanseníase no mundo [6].
Objetivo
O objetivo do estudo
foi identificar as incapacidades funcionais mais relevantes que ocorrem nas
pessoas com hanseníase em dois centros de referência do Estado de Sergipe,
mapeando essas incapacidades através dos domínios da CIF.
Desenho do estudo e
amostragem
Este estudo é do tipo
observacional, transversal, prospectivo e descritivo. A pesquisa foi realizada
no Centro de Especialidades Médicas de Aracaju (CEMAR) e Hospital Universitário
de Sergipe (HU), centros de referência em diagnóstico e tratamento da
hanseníase do estado de Sergipe, localizados na capital Aracaju. A amostra foi
não-probabilística, poderiam participar do estudo os voluntários que possuíam o
diagnóstico de hanseníase, que tivessem iniciado tratamento clínico ou recebido
alta do mesmo, idade entre 18 e 65 anos e de ambos sexos. Foram excluídos do
estudo os voluntários com diagnóstico de outra doença, diferente da hanseníase,
que causasse comprometimento neuromotor.
A coleta de dados
ocorreu em períodos intermitentes de março de 2016 a novembro de 2016, um total
de 4 dias de coletas. Inicialmente, os prontuários foram avaliados para coleta
de dados pessoais, demográficos e clínicos. Posteriormente os voluntários foram
avaliados e responderam os questionários propostos. Fisioterapeutas,
enfermeiras e alunos de iniciação científica, previamente treinados e
capacitados, realizaram as entrevistas e avaliações, sendo cada examinador
responsável pela aplicação de um instrumento de avaliação. Os voluntários eram
avaliados no mesmo dia, passando por cada estação de avaliação. No final das
avaliações os voluntários passavam por uma estação onde era servido lanche e
recebia orientações para cuidados pessoais. Em média a duração do processo de
avaliação durava 1h e 30min para cada voluntário.
O trabalho foi aprovado
pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe (parecer
número 560.061 e 333.390 – CAAE 13327213.4.0000.5546). O estudo atendeu os
aspectos éticos de pesquisa com seres humanos (Resolução 466/12 do Conselho
Nacional de Saúde).
Instrumentos e
variáveis de análise
Para a coleta de dados
foram utilizadas avaliações padronizadas validadas e algumas avaliações
propostas pela OMS, cada instrumento de avaliação foi selecionado de acordo com
o modelo teórico da CIF (Figura 1).
Figura 1 - Instrumentos de
avaliação e sua classificação no modelo teórico da CIF.
Nos domínios função e
estrutura do corpo foi utilizada a avaliação neurológica simplificada, grau de
incapacidade [11], NRS- Numeric Rating Scale [12] e McGill Pain Questionnaire (MPQ)
[13]. Na avaliação referente ao domínio atividade e participação foi utilizado Box
and Block [14], Nine
hole pegs [15], escala
de equilíbrio avançado de Fullerton (EEAF) [16], teste de caminhada de 6
minutos (TC6) [17], Screening of Activity Limitation
and Safety Awareness (SALSA) [11] e escala de participação (PAR)
[11]. O domínio fatores ambientais foi avaliado utilizando a Craig Hospital Inventory of Environmental Factors (CHIEF) [18] e os fatores pessoais a escala de
estigma: Explanatory Model
Interview Catalogue - Community Stigma Scale (EMIC-CSS) [19].
Análise estatística
Os dados foram
registrados no programa Excel Windows 2010 para cálculo das médias, frequências
e porcentagens. Os dados normativos das escalas utilizadas foram selecionados e
usados para comparar e identificar a presença de incapacidade.
A partir da amostra de
168 prontuários analisados, 30 pessoas foram excluídas, 138 pessoas eram
elegíveis para o estudo e foi feito contato telefônico, 68 não atenderam o
telefonema, recusaram-se (n = 8), doentes (n = 12), não possuíam acompanhantes
(n = 5) e não apresentaram justificativa (n = 11), 34 pacientes confirmaram
presença para participar da coleta, contudo apenas 14 compareceram no local e
data marcada. Foram recrutados e selecionados 15 pacientes no momento da coleta
que estavam nos locais para consulta de rotina. No total 29 voluntários
participaram do estudo.
Dos 29 voluntários, 11
(62%) eram do sexo masculino, e ambos gêneros com idade média de 44,9 ± 13,6
anos. O estado matrimonial predominante foi de casados e os que compartilham
união estável com 55%. Quanto a educação, observou-se que 28% dos participantes
tinham concluído o ensino médio, em relação a ocupação 55% estavam empregados.
Em relação a localidade, (48%) dos participantes residem em Aracaju. A
classificação operacional da hanseníase, neste estudo, observou-se discreto
predomínio no tipo Multibacilar (45%), seguido do
tipo Paucibacilar (41%) (Tabela I).
Tabela I - Características
clínicas, sociais e demográficas dos participantes.
Nas avaliações do
domínio estrutura do corpo, foi observada presença de mancha (78%) e
espessamento do nervo mediano (33%) dos voluntários. No domínio função do corpo
uma diminuição da força do membro superior e da sensibilidade foi observada na
maioria dos voluntários. Na avaliação da sensibilidade do membro superior
direito encontramos 89% dos participantes e do membro superior esquerdo 81% dos
participantes com alteração da sensibilidade. Já a sensibilidade dos membros
inferiores encontramos 100% dos participantes com alteração de sensibilidade.
(Tabela II).
Tabela II - Deficiência dos
domínios função e estrutura.
No domínio Atividades,
todas as avaliações realizadas demonstraram ter mais de 5% dos voluntários com
limitação. Na motricidade manual grossa e fina, avaliada com o Box and Blocks e Nine hole pegs, foram observadas
limitações em 80% e 59% dos voluntários, respectivamente. Na avaliação do
equilíbrio, com a EEAF, apenas 7% dos participantes apresentaram déficit de
equilíbrio. Contudo, referente à capacidade de locomoção relativa a distância percorrida em 6 minutos, foi observada uma
diminuição da distância percorrida em todos voluntários do estudo (100%) quando
comparado com as normas da distância percorrida em sujeitos hígidos. A
limitação de atividades rotineiras foi presente em 76% dos voluntários
avaliados com a escala SALSA. A avaliação da participação social demonstrou que
66% dos voluntários apresentam escore > 13, caracterizando restrição à
participação social. A avaliação dos fatores ambientais como barreira /
problema com escala CHIEF demonstrou que todos os voluntários relataram um ou
mais fatores ambientais como um problema. O mesmo aconteceu com a avaliação da
presença de estigma em relação à hanseníase por parte da comunidade ou do
próprio indivíduo, todos os participantes (100%) relataram existir estigma da
comunidade e dele mesmo com relação a hanseníase (Figura 2).
Tabela III - Limitação e
restrição nos domínios - Atividade e Participação.
EEAF= Fullerton Balance Advanced; TC6= Teste de Caminhada de 6 min; SALSA= Screening of Activity
Limitation and Safety Awareness; PAR = Escala de
Participação; CHIEF= Craig Hospital Inventory of Environmental Factors; n=
número de categorias, (%)= porcentagem relativa, * valores
com prevalência >96%
Este estudo identificou
as incapacidades funcionais mais prevalentes em pacientes com hanseníase
através de um estudo clínico utilizando avaliações validadas e padronizadas
seguindo o modelo da CIF. Foram utilizadas avaliações preconizadas pela OMS e
outras avaliações padronizadas que possuíam valores normativos publicados
permitindo detectar a presença ou não de incapacidade. Os voluntários deste
estudo apresentaram incapacidades funcionais em todos os domínios da CIF.
Entre os domínios da
CIF, os fatores pessoais não são classificados e categorizados, devido à grande
variação social e cultural associada aos mesmos [10]. As variáveis idade e sexo
foram investigadas como fatores pessoais na nossa amostra, a qual se apresentou
em sua maioria composta por indivíduos do sexo masculino com hanseníase e em
idade produtiva financeiramente. De maneira similar, Ramos et al. também
observaram em seu estudo um predomínio de casos masculinos e da forma multibacilar
e atribuíram uma relação entre sexo e os
mecanismos fisiopatológicos da doença [20]. A
média da idade (44,9 anos) e o
predomínio do sexo masculino encontrado neste estudo, explica o
impacto
socioeconômico que pode ser atribuído a essa
doença, atingindo homens em idade
laboral produtiva [8]. Na amostra deste estudo, a maior parte dos
voluntários
era casada ou com união estável, dado que diverge em
relação ao estudo
realizado no Nepal, que afirma a interferência da
percepção da hanseníase com
relação ao início e manutenção de um
casamento. Esta percepção tem implicações
para o estigma que incluem crenças sobre a causa da
doença, como ela é
transmitida e as reações cognitivas que estimulam a
estigmatização dos
indivíduos, tornando-os pouco atraentes para o casamento [21].
Um fator pessoal
que pode ser uma barreira para o controle e tratamento da
hanseníase é o
estigma, pois ele como citado acima influencia o isolamento social e a
não
procura por tratamento. Estigma é considerado fator pessoal na
classificação da
CIF se ele é intrínseco, ou sentido pela própria
pessoa com hanseníase, mas
também pode ser considerado fator ambiental, se ele acontece por
parte da
comunidade na qual o indivíduo está inserido [19]. Nesse
estudo, a presença de
estigma foi avaliada com uma escala que considera o estigma do
próprio
indivíduo com a doença e o estigma da comunidade com a
doença [19]. Todos os
voluntários deste estudo relataram ter estigma com a
hanseníase e sofrerem
estigma da comunidade.
A avaliação das partes
anatômicas do corpo afetadas pela hanseníase, representando o domínio estrutura
do corpo, foi investigada através da avaliação neurológica simplificada. A OMS
recomenda essa avaliação como uma das estratégias para o controle e erradicação
da hanseníase no mundo [11]. De acordo com os resultados deste estudo, foi
possível observar que a pele e os nervos foram as principais estruturas
afetadas, corroborando o estudo de Santos et al. que apresentou 18% dos
participantes com mais de 2 nervos afetados [22]. Apesar da hanseníase ser uma
doença que acomete principalmente a pele, são poucos ainda os estudos que
relatam a forma e a quantidade de manchas na pele em pessoas com hanseníase. Em
contrapartida com os achados da pele e nervos, apenas 4% dos participantes
deste estudo apresentaram lesão da estrutura do olho, representada pelo
ectrópio e nenhum dos participantes desenvolveu triquíase.
No Acre, o estudo de Moreno et al. [23] relatou que 100% dos participantes
apresentaram alguma alteração ocular, entre elas o ectrópio apareceu em 1,9%
dos participantes e triquíase em 3,5% dos
participantes.
Das avaliações do
domínio função da CIF usadas neste estudo, a classificação do grau de
incapacidade é a mais recomendada pela OMS para prevalência de casos e controle
diagnóstico da hanseníase. Este estudo corrobora estudos nacionais que
demonstram majoritariamente a presença de graus 1 e 2 de incapacidade física,
indicando que a maioria dos casos de hanseníase no Brasil possui alterações de
sensibilidade, força muscular ou alguma deformidade [24]. Ainda no domínio
função, ao avaliar a função dos olhos, Moreno et al. [23] observaram que a
diminuição da sensibilidade do olho estava presente em 65% dos voluntários e a
diminuição da acuidade visual estava presente em 38%, valores semelhantes aos
encontrados neste estudo. As duas disfunções oculares são as principais
afetadas no paciente com hanseníase, a acuidade funcional dimensiona a
gravidade do risco das alterações oculares, e, a hipoestesia
da córnea aumenta o risco de lesão do globo ocular por causa da diminuição
protetora sensorial. Salem também no seu estudo observou 15,9% dos
participantes apresentavam hipoestesia da córnea
[25].
Apesar de haver uma
percepção generalizada de que as perdas sensoriais não permitiriam que o
portador de hanseníase apresente a sensação dolorosa [26,27], a dor é uma
queixa frequente entre os pacientes. Esta percepção é tão real que causa
isolamento e diminuição da qualidade de vida. Em um estudo realizado também no
estado de Sergipe, 75% dos pacientes com hanseníase relataram sentir dor,
classificada como do tipo neuropática [22]. No nosso estudo a quantidade de
voluntários que relataram dor foi mais baixo, apenas 38%, talvez essa diferença
possa ser explicada por que os pacientes estavam em tratamento para hanseníase
ou para tratamento das reações, diferente desse estudo, no qual metade dos
voluntários foi convidado a participar da coleta e não estava mais em
tratamento. Outra diferença é que no estudo de Santos et al. [22] os sujeitos
eram avaliados com instrumentos diferentes dos utilizados neste estudo,
incluindo avaliações nociceptivas com estímulos de pinçamento
e estímulo mecânico para testar alodinia. Os domínios
atividades e participação descrevem, respectivamente, a capacidade do indivíduo
realizar as atividades e o desempenho dessas atividades em um contexto social,
influenciando sua vida social geral [10]. Seguindo as definições da CIF,
utilizamos instrumentos como Box and Blocks, nine hole pegs, EEAF, TC6, Salsa para avaliar diversas atividades
e utilizamos a escala PAR para avaliar a participação social. Corrobando os achados de disfunção sensorial e de força nos
membros superiores, os voluntários neste estudo também apresentaram uma
limitação importante nas atividades manuais grossas e finas avaliadas pelo Box
and Blocks e nine hole pegs. Esse foi o
primeiro estudo a utilizar essas escalas de destreza manual em pessoas com
hanseníase. A escala Salsa [11] foi utilizada com o objetivo de abranger o
maior número de atividades rotineiras, pois ela investiga diversas atividades
do dia a dia propostas pelo grupo de pesquisa da CIF para pessoas com
neuropatias periféricas. Ao avaliar as atividades avaliadas pela Salsa
observamos que 76% dos voluntários neste apresentaram alguma limitação.
O equilíbrio que é a
atividade de manter o corpo em postura ereta e durante distúrbios do ambiente,
também pode ser alterado na hanseníase, pois este é mantido pela integração das
informações sensoriais e integridade das respostas motoras para ajustes
posturais. Pessoas com hanseníase com disfunções no sistema sensório-motor,
principalmente nos membros inferiores são esperadas de ter disfunções na
manutenção do equilíbrio [27]. Apesar da maioria dos pacientes deste estudo
apresentarem diminuição da sensibilidade e da força muscular, apenas 8% dos
participantes apresentaram déficit de equilíbrio detectados pela Escala de
Equilíbrio Avançada de Fullerton. No estudo de Mendes et al. [28], no
qual o equilíbrio de pessoas com hanseníase também foi testado, a conclusão foi
a mesma que neste estudo, com a escala clínica de equilíbrio miniBestTest poucos participantes com hanseníase
demonstraram alteração. Contudo, apesar de poucos participantes mais de 5% da
amostra possuiam disfunções de equilíbrio e, por
isso, considerou-se o equilíbrio como uma limitação de atividade. A marcha é o
equilíbrio dinâmico, a locomoção é essencial para várias atividades sociais, a
capacidade de se locomover pode estar afetada por desordens neuromotoras
causadas pela hanseníase, causando alteração da biomecânica da marcha. Essa
incapacidade ficou evidente nesse estudo quando foi observado através do TC6
(17) que os voluntários com hanseníase possuem uma menor distância percorrida
quando comparado a valores normativos de pessoas hígidas.
Diante de todas as
disfunções do corpo e das limitações de atividades, a participação social de
pacientes com hanseníase é enormemente afetada. As sequelas e incapacidades
provocam o isolamento social. A escala de participação mensura a participação
social, quantificando as restrições à participação percebidas por pessoas com
hanseníase [11]. Em nossa população, 70% dos participantes apresentaram algum
tipo de restrição da participação. Dados de estudo na Indonésia, assemelham-se
ao encontrado neste estudo, quando 62% dos participantes apresentam algum tipo
de restrição da participação social [29]. Os fatores ambientais, de acordo com
a CIF, constituem o ambiente físico, social e o apoio externo, seja ele
familiar ou social que as pessoas precisam para conduzir suas vidas [10]. A
escala CHIEF avalia as barreiras ambientais norteando ações locais e globais
visando promover a participação social [30,31]. No presente estudo, ao avaliar
a presença de problema ambientais e a sua magnitude, todos os voluntários
(100%) relataram alguma barreira ambiental como sendo de grande impacto para
sua vida.
O mapeamento das
incapacidades funcionais da hanseníase realizado por este estudo foi intenso,
baseado nas principais incapacidades referidas na literatura, mas foi
principalmente direcionado a área da reabilitação física, e, portanto, não foi
exaustivo, podendo não ter investigado algumas incapacidades consideradas
importantes para outras áreas de especialidades diferentes. A amostra deste
estudo foi recrutada em dois centros de referencia
importantes na capital do estado de Sergipe, e seria interessante que mais
centros de referência em outros estados fossem inseridos, possibilitando dessa
maneira ter uma percepção das incapacidades no âmbito biopsicossocial de
pessoas diagnosticadas com hanseníase nas principais regiões do Brasil.
Este estudo mapeou as
incapacidades de pessoas com hanseníase utilizando o modelo da CIF. Foi
observado que todos os voluntários apresentaram ao menos um tipo de
incapacidade em todos os domínios da CIF, refletindo a complexidade dos sinais
e sintomas da hanseníase. Os instrumentos de avaliação clínica, utilizados
neste estudo, podem ser utilizados para orientar a avaliação de pessoas com
hanseníase por equipes multidisciplinares da saúde.
Agradecimentos
Aos estudantes de
Fisioterapia da UFS (Lagarto) e aos profissionais de saúde e servidores do
Centro de Especialidades Médicas de Aracaju e Hospital Universitário de
Sergipe.