Fisioter Bras
2021:22(2):216-32
REVISÃO
Intervenções
fisioterapêuticas para os músculos do assoalho pélvico no preparo para o parto:
revisão da literatura e proposta de manual de orientação
Physiotherapeutic interventions for
the pelvic floor muscles in preparation for childbirth: review of the literature
and proposed guidance manual
Eunice
Graziele de Souza Lima*, Driele
Damasceno Pisco*, Cláudia de Oliveira**, Patrícia Andrade Batista***, Rossana Pulcineli
Vieira Francisco****, Clarisse Tanaka*****
*Especialista
em Fisioterapia Obstétrica - Hospital das Clínicas HCFMUSP, Faculdade de
Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, **Docente Departamento de
Fisioterapia, Universidade Santa Cecília, Santos/SP, ***Docente
Departamento de Fisioterapia, Universidade Ibirapuera, São Paulo/SP,
****Disciplina de Obstetrícia e Ginecologia, Faculdade de Medicina FMUSP,
Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, *****Departamento de Fisioterapia,
Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (USP), São Paulo/SP
Recebido
em 28 de maio de 2019; aceito em 19 de abril de 2021.
Correspondência: Eunice Graziele
de Souza Lima, Alameda Terras Altas, 35/111E, Tamboré, 06544-515 São Paulo SP,
Brasil
Eunice Graziele de Souza Lima:
obstetricia.eunicelima@gmail.com
Driele Damasceno Pisco:
obstetricia.drielepisco@gmail.com
Claudia de Oliveira: claufisio2005@yahoo.com.br
Patricia Andrade Batista:
pab.fisio@gmail.com
Rossana Pulcineli
Vieira Francisco: rossana.francisco@hc.fm.usp.br
Clarice Tanaka: cltanaka@usp.br
Resumo
Introdução: As intervenções fisioterapêuticas
podem prevenir e minimizar as disfunções na musculatura do assoalho pélvico
durante a gestação. Objetivo: Verificar quais são as intervenções fisioterapêuticas
no assoalho pélvico durante a gestação e no preparo para o parto e elaborar um
manual com informações mais relevantes encontradas nessa pesquisa. Métodos:
Foi realizada uma revisão bibliográfica nas bases de dados: Pubmed,
Scielo e PEDro. Foram
selecionados 10 artigos relevantes publicados entre o período de 1997 a 2019. Resultados:
Os estudos sobre massagem perineal mostraram que houve redução de episiotomia,
dor perineal e laceração. Quanto ao treinamento dos músculos do assoalho
pélvico, houve aumento significativo da pressão desses músculos, menor taxa de
episiotomia e do tempo da segunda fase do trabalho de parto. O Epi-no® mostrou aumento significativo de períneo intacto e
taxas mais baixas de episiotomia quando realizados com auxílio do
fisioterapeuta. Conclusão: Os estudos mostram que o treinamento da
musculatura do assoalho pélvico supervisionado e massagem perineal são eficazes
para o preparo para o parto. O treinamento com Epi-no®
no pré
parto apontou ser eficaz na redução de laceração e episiotomia
intraparto, porém para determinar sua real eficácia, é necessário aumentar o
número amostral.
Palavras-chave: fisioterapia; diafragma da pelve;
gravidez.
Abstract
The physiotherapeutic intervention can prevent and
minimize dysfunction in the pelvic muscles floor during pregnancy. Aim: To
verify which are the physiotherapeutic interventions in the pelvic floor during
pregnancy and on the preparation to delivery, and to elaborate a manual with
more relevant information found in this process. Methods: A literature
review was performed in the databases: Pubmed, Scielo and PEDro. Nine relevant
published articles were selected between 1997 and 2019. Results: The
studies about perineal massage showed reductions of episiotomy, less perineal pain and laceration. For the kinesiotherapy, there was a
significant increase of muscle pressure, more strength and lower rate of the
second phase of labor. An imported increase in intact perineum and lower rates
of episiotomy was observed on Epi-no®, when performed by the physiotherapist. Conclusion:
Studies show that supervised pelvic musculature floor training and perineal
massage are effective to prepare for the childbirth. Epi-no® training in
pre-delivery is effective on the intrapartum period regarding laceration reduction
and episiotomy, but it is necessary more samples to determine the real
efficacy.
Keywords: physiotherapy; pelvic floor;
pregnancy.
O assoalho pélvico forma a porção inferior da cavidade
abdominal e pélvica [1], e é a única musculatura transversal do corpo humano
que suporta carga, sendo responsável por diversas funções como suporte dos
órgãos abdominais e pélvicos, manutenção da continência urinária e fecal,
auxílio no aumento da pressão intra-abdominal, na respiração e na estabilização
de tronco. Além disso, esses músculos permitem o intercurso sexual e o parto
[2]. Os eventos que ocorrem na vida da mulher como gravidez, parto, aumento de
peso, menopausa e envelhecimento acabam por afetar a força desses músculos
[1,2,3].
A gravidez e o parto são conhecidos como fatores de risco
para o enfraquecimento e lesões no períneo e assoalho pélvico [4]. Devido aos
processos fisiológicos como mudanças na posição anatômica da pelve por meio de
influências hormonais, alterações biomecânicas e o crescimento uterino, tanto o
tônus muscular quanto a força muscular do assoalho pélvico podem diminuir [5].
Esta redução na força muscular pode facilitar o aparecimento de alterações
musculoesqueléticas e consequentemente incontinência urinária, laceração do
períneo no parto, dispareunia e disfunção sexual [4,5].
As intervenções fisioterapêuticas no assoalho pélvico
durante a gravidez buscam prevenir ou minimizar sintomas durante a gravidez,
parto e pós-parto proporcionando uma melhor qualidade de vida às gestantes. O
treinamento muscular do assoalho pélvico visa fortalecer a musculatura estriada
que faz parte do músculo esfíncter urogenital estriado, responsável pela
oclusão da luz da uretra após a contração correta do assoalho pélvico [6]. Contudo,
na literatura ainda não está claro de maneira conclusiva e significativa quais
seriam essas intervenções e qual sua relação com o parto. Portanto, o objetivo
do presente estudo é realizar uma revisão crítica da literatura sobre o assunto
para averiguarmos tal questionamento, além disso, a partir dessas informações,
construir uma cartilha informativa voltada para gestantes e puérperas
explicando sobre o papel da fisioterapia obstétrica.
Visando obter uma ampla revisão bibliográfica da literatura
sobre o tema desta pesquisa, este estudo foi realizado por meio da busca de
estudos randomizados, tendo em vista responder a seguinte pergunta: Quais as
intervenções fisioterapêuticas para os músculos do assoalho pélvico no preparo
para o parto?
O presente estudo foi realizado no período de 1997 a 2019
nos bancos de dados: Pubmed (National
Center for Biotechnology Information,
NCB); Scielo (Scientific
Eletronic Library Online) e PEDro (Physiotherapy Evidence Database).
Foram utilizadas as seguintes palavras-chave: “Physiotherapy”, “Physical Therapy Modalities”, “Perineal Massage”, “Pelvic Floor”, “Perineum”, “Pregnancy”, “Delivery”, “Perineal Trauma”, “Episiotomy”, “Prevent” tanto na
língua inglesa como na língua portuguesa, de acordo com os DeCS
(Descritores em Ciências da Saúde) e com os seguintes operadores booleanos:
AND. e OR. Foram encontrados 375 artigos (Figura 1).
Os critérios de inclusão foram ensaios clínicos
randomizados com mulheres gestantes e no pós-parto de qualquer idade
gestacional, que utilizaram de técnicas fisioterapêuticas para o preparo dos
músculos do assoalho pélvico para o parto.
Foram utilizadas três linhas de corte como fatores de
exclusão dos artigos: a primeira desconsiderou artigos cujos títulos não tinham
relação com o tema em análise; a segunda descartou artigos em que as
intervenções aconteceram no trabalho de parto; e a terceira excluiu estudos que
não possibilitavam acesso ao texto completo.
Para saber como selecionar os textos com o tema avaliado,
foram lidos os resumos de todos os artigos encontrados.
A análise dos dados foi realizada de acordo com os
critérios de seleção dos artigos pela análise da dualidade dos artigos que
foram delimitados segundo os critérios de inclusão como: identificação dos
autores, ano de publicação, título e periódico, declaração dos objetivos e
análise do conteúdo quanto as intervenções fisioterapêuticas no assoalho
pélvico no preparo para o parto.
A figura 1 a seguir lista as características de cada estudo
incluído na presente revisão.
Figura
1 - Fluxograma da seleção
de artigos selecionados para a revisão
A busca resultou em 375 artigos. Após exclusão dos estudos
repetidos e de acordo com os critérios de inclusão apenas 9 estudos
permaneceram para revisão final. As características dos estudos encontram-se no Quadro I.
Quadro
I - Características
e dados dos estudos incluídos (ver PDF)
A presente revisão apontou as principais intervenções
fisioterapêuticas para os músculos do assoalho pélvico no preparo para o parto.
Os principais métodos que tem sido descritos para avaliação
dos músculos do assoalho pélvico durante a gravidez são: eletromiografia de
superfície (EMG), considerado padrão ouro para o estudo da atividade elétrica,
o método de palpação bidigital (escala de Oxford
modificada ou Ortiz) que é uma escala simples, bem tolerada e minimamente
invasiva e a perineometria que é medida por meio do perineometro mostrando o valor da pressão dos músculos do
assoalho pélvico e permitindo com que a paciente veja sua contração no monitor
[17,18].
As intervenções fisioterapêuticas no assoalho pélvico
durante a gravidez buscam prevenir ou minimizar sintomas durante a gravidez,
parto e pós-parto proporcionando melhora da qualidade de vida das gestantes
[19].
A
massagem perineal ao ser realizada beneficia duas vezes a gestante, evitando
lacerações e melhorando a saúde do períneo [20].
O
treinamento muscular do assoalho pélvico
O treinamento muscular do assoalho pélvico (TMAP) visa
fortalecer a musculatura estriada que faz parte do músculo esfíncter urogenital
estriado, responsável pela oclusão da luz da uretra após a contração correta do
assoalho pélvico. Assim, o treinamento muscular do assoalho pélvico pode ser
uma ferramenta auxiliar para aliviar as alterações musculoesqueléticas gerais
observadas durante a gravidez e no período puerperal e que podem prevenir ou
tratar a incontinência urinária [7,12,20,21]. Além de todos os benefícios
citados é uma intervenção simples e de baixo custo, pois as gestantes após
orientação podem realizar em casa todos os dias se desejarem.
Para que esse treinamento tenha sucesso é necessária
habilidade de contrair os músculos do assoalho pélvico de forma eficaz,
entretanto grande parte das mulheres realizam a contração dessa musculatura de
forma insatisfatória [22]. Assim percebemos que além dos exercícios em casa,
para resultados mais efetivos é muito importante que esse treinamento seja
supervisionado por um profissional especializado.
Massagem
perineal
A massagem perineal é utilizada como técnica de preparação
pré-parto durante o último mês de gravidez. Esta técnica visa aumentar a
flexibilidade dos músculos perineais e reduzir a resistência muscular o que
possibilitará o períneo alongar-se durante o expulsivo sem lesões e sem
necessidade de episiotomia. É um procedimento simples executado usando os dedos
indicador e médio, colocados na vagina e fazendo movimentos em “U’’, com
pressão para baixo estirando o períneo de um lado para o outro [16].
Podemos ver que esta é uma técnica simples e que pode ser
realizada pelo profissional e orientada a gestante ou ao seu parceiro para ser
feita em casa. Observamos que em alguns estudos que a taxa de laceração foi
maior em região anterior, onde não é realizada a massagem, e menor em região
lateral ou posterior [11]. Alguns autores também relatam que pacientes do grupo
intervenção tiveram menos dor perineal após o parto [15,20]. Também podemos
perceber que as técnicas combinadas podem ter um melhor resultado e que mais
pesquisas com esse formato seriam muito interessantes. Atualmente a massagem é
feita a partir de 34°semanas gestacionais, de 3 a 4 minutos, uma vez ao dia, e
é uma intervenção útil na prevenção de trauma perineal espontâneo e provocado
na hora do parto [16,23,24].
Epi-no
Outro método utilizado com intuito de diminuir as taxas de
trauma perineal é o Epi-no, dispositivo criado pelo
médico alemão Wilhelm Horkel, que consiste em um
balão inflável ligado a uma bomba manual de pressão com intuito de alongar
gradualmente a vagina e o períneo para reduzir o risco de laceração perineal
durante o parto vaginal, além de diminuir o segundo estágio do trabalho de
parto, e diminuir a necessidade da utilização de analgésicos para alívio da dor
[9]. Grávidas sem restrição médica podem realizar o Epi-no
a partir da 28° semana gestacional, visto que a musculatura para ter um
alongamento efetivo leva em torno de 12 semanas de treinamento e com a
frequência de 5 a 7 vezes por semana [25].
Algo
interessante nesse dispositivo é que a gestante pode
ter a “noção” de como seria a
coroação na hora do expulsivo não sendo
“pega” de
surpresa. Observamos que algumas mulheres querem experimentar o Epi-no apenas para “matar” a curiosidade e depois acabam
não aderindo ao treinamento contínuo, relatando incomodo e aflição.
Poucos estudos clínicos bem desenhados têm sido realizados
com este dispositivo e houve resultados discordantes entre os ensaios em
relação a redução da taxa de episiotomia e laceração perineal, mas vimos que se
o treinamento for feito de forma supervisionada por um fisioterapeuta
especializado e se o balão inflado atingir circunferência maior que 20.8 cm
podemos obter chances maiores da integridade perineal [25]. Contudo,
salientamos a necessidade de mais estudos controlados e randomizados sobre o
assunto, assim como estudos feitos com as técnicas que temos discutido de forma
combinada, buscando o máximo de consciência, propriocepção e preparo da
musculatura do assoalho pélvico.
A presente pesquisa que analisou quais seriam as
intervenções fisioterapêuticas para os músculos do assoalho pélvico no preparo
para o parto, conclui que:
-
O treinamento muscular do assoalho pélvico quando supervisionado por um
fisioterapeuta especializado e a massagem perineal são eficazes para o preparo
para o parto, principalmente quando feitas de forma conjunta. Esse treinamento
também demonstrou que pode diminuir o tempo do segundo estágio de parto.
-
O treinamento muscular do assoalho pélvico realizado de forma intensiva durante
a gravidez previne a IU durante a gravidez e após o parto.
-
O treinamento com o Epi-no no pré parto sinalizou ser
eficaz na redução de laceração e episiotomia no pós-parto em alguns casos, mas
precisa de mais estudos controlados randomizados com maiores números amostrais
para determinar a sua real eficácia.
Manual de orientação