ARTIGO
ORIGINAL
Avaliação
do comportamento cardiovascular de gestantes durante o repouso e na fase de
relaxamento de um protocolo aquático terapêutico de moderada intensidade
Evaluation
of pregnant women’s cardiovascular behaviour during
rest and in the relaxation phase of an aquatic therapeutic protocol
Analice
Cardoso de Brito*, Andresa Lima Pereira*, Bianca Vasconcelos Aragão*, Cristiano
Sales Silva**, Baldomero Antonio Kato da Silva**
*Discente do curso de Fisioterapia da Universidade
Federal do Piauí (UFPI), Parnaíba/PI, **Docente do curso de Fisioterapia da
Universidade Federal do Piauí (UFPI), Parnaíba/PI
Recebido
6 de junho de 2019; aceito 15 de agosto de 2019
Correspondência: Analice Cardoso de
Brito, Universidade Federal do Piauí, Campus Ministro Reis Velloso, Av. São
Sebastião, 2819, 64202-020, Parnaíba PI, E-mail: analice.cbrito@hotmail.com;
Andresa Lima Pereira: andresalimafisio@gmail.com; Bianca Vasconcelos Aragão: biancaaragao7@gmail.com;
Cristiano Sales Silva: cristiano.silva@ufpi.edu.br; Baldomero Antonio Kato da
Silva: baldomero@ufpi.edu.br
Resumo
Objetivo: Avaliar o
comportamento cardiovascular de gestantes, durante o repouso e fase de
relaxamento de um protocolo aquático terapêutico de moderada intensidade. Métodos: Foram estudadas 10 gestantes,
com média de 21,8 ± 4,0 semanas de gestação. Antes e após o protocolo foram
aferidas a pressão arterial sistólica (PAS) e pressão arterial diastólica
(PAD), e posicionado o cardiofrequencímetro para
coleta das oscilações cardíacas dos intervalos RR. Em seguida, as gestantes
permaneceram em repouso, por um período de 5 minutos, e foram submetidas a um
protocolo de exercícios aquático terapêutico composto por aquecimento,
alongamento, fortalecimento e relaxamento. Resultados:
Completaram o estudo 10 participantes, com idade média de 23,8 ± 5,2 anos. Não
houve diferenças significativas (p < 0,05) entre os valores de PAS e PAD em
repouso e pós-protocolo. Em relação aos índices da variabilidade de frequência
cardíaca-VFC (Mean RR, Mean
HR, RMSSD, SD1) também não foi observado diferença significativa ao comparar o
período de repouso e a fase de relaxamento. Conclusão:
Dessa forma, os resultados do estudo e achados disponíveis atualmente sugerem
que a prática de exercício físico em intensidade moderada no meio aquático é
segura, visto que as gestantes apresentaram respostas autonômicas eficientes
nas fases de pós-exercício.
Palavras-chave: gestação,
hidroterapia, sistema cardiovascular, variabilidade da frequência cardíaca.
Abstract
Objective: To evaluate
pregnant women’s cardiovascular behaviour, during
rest and in the relaxation phase of an aquatic therapeutic protocol of moderate
intensity. Methods: 10 pregnant women
were studied, with an average of 21,8 ± 4,0 weeks of pregnancy. Before and
after the protocol, Systolic Blood Pressure (SBP) and Diastolic Blood pressure
(DBP) were assessed and the heart rate monitor (Polar – model V800) was
positioned to gather the heart oscillations of the RR breaks. Then, the
pregnant women remained at rest, for a period of 5 minutes, and were submitted
to a protocol of aquatic therapeutic exercise, composed by warming-up,
stretching, strengthening and relaxation. After the protocol, SBP and DBP were
checked again. Results: 10
participants completed the study, with the average ages of 23,8 ± 5,2 years
old. We did not point significant differences (p < 0,05) between the results
of SBP and DBP in rest and post-protocol, neither in relation to the Heart Rate
Variability indexes (Mean RR, Mean HR, RMSSD, SD1), when compared the resting
period to the relaxation phase of the protocol. Conclusion: Therefore, the results from the present study and the
recent research available suggests that the practice of moderate intensity
physical activity in the aquatic environment is safe, seeing that the pregnant
women exhibited efficient autonomic responses in the post-exercise phases.
Key-words: pregnancy,
hydrotherapy, cardiovascular system, Heart Rate Variability.
A gravidez é uma
condição fisiológica com mudanças profundas no sistema cardiovascular, que
incluem o aumento da volemia e do débito cardíaco, diminuição da resistência
vascular sistêmica, e alterações na pressão arterial (PA). Durante o primeiro e
segundo trimestre, a pressão arterial sistólica (PAS) costuma cair ou não se
alterar, enquanto a pressão arterial diastólica (PAD) pode apresentar um
declínio de 10 a 15 mmHg. Contudo, a partir do terceiro trimestre, a PA sobe
até os níveis pré-gravídicos [1-4]. O Sistema Nervoso
Autônomo (SNA) tem um papel importante nessas adaptações do sistema
cardiovascular durante a gravidez, sobre o qual é notada uma modulação vagal
alta e simpática baixa no primeiro trimestre da gestação, ao passo que, no
final da gravidez, ocorre uma modulação vagal baixa e simpática alta [1,5].
Sabe-se que, a partir
da análise da Variabilidade de Frequência Cardíaca (VFC) em gestantes, é
possível observar as modificações autonômicas, cardiopulmonares e metabólicas.
Essa é uma medida simples e não-invasiva dos impulsos autonômicos, que descreve
oscilações dos intervalos entre os batimentos cardíacos consecutivos. Alterações
nos padrões dessa medida indicam comprometimentos na saúde [6-8]. Um indivíduo
considerado saudável com mecanismos autonômicos eficientes representa um sinal
de boa adaptação, apresentando alta VFC, enquanto que baixa VFC representa um
indicador de adaptação insuficiente do SNA. Tal forma de avaliação pode ser
utilizada em diversos grupos populacionais, com diferentes condições
fisiológicas ou patológicas, durante o repouso ou exercício [8-10].
Simultaneamente ao
exercício físico, adaptações autonômicas decorrem para manter a homeostasia e
suprir a demanda metabólica. Tais alterações ocorrem de acordo com o tipo,
intensidade e duração da atividade [11]. A prática regular de atividade física
em intensidade leve a moderada promove diversos benefícios durante a gestação.
A hidroterapia tem se destacado pelas vantagens da imersão em água aquecida,
associada às suas características físicas, como a pressão hidrostática que gera
um aumento no retorno do sangue venoso para o sistema cardiovascular, elevando
a produção de peptídeo natriurético atrial, com consequente efeito sobre o
débito urinário, reduzindo assim a PA e o edema. Outra vantagem da imersão é o
menor impacto articular durante o exercício, pois essa diminui a força
gravitacional, melhorando a mobilidade e a dor pós-exercício [4,12].
Neste contexto,
conhecendo as alterações benéficas provocadas pela imersão em água aquecida
sobre o sistema cardiovascular em gestantes, o objetivo deste estudo foi
avaliar o comportamento cardiovascular de gestantes submetidas a um protocolo
aquático terapêutico de intensidade moderada, durante o repouso e na fase de
relaxamento.
Casuística
As gestantes foram
recrutadas para a pesquisa por meio de panfletos virtuais, divulgações no Grupo
de Apoio as Mães Gestantes Universitárias (GAMA) e no Curso Multiprofissional
de Educação em Saúde para Gestantes e Acompanhantes (MATERNAR). Vinte e cinco
voluntárias entraram em contato e receberam informações quanto aos objetivos,
métodos, riscos e benefícios da pesquisa. Foram também realizadas algumas
recomendações, e no dia da coleta as participantes foram submetidas à avaliação
fisioterapêutica obstétrica. Dessas, dez gestantes concluíram todas as etapas
da pesquisa. O fluxograma geral da seleção das participantes está apresentado
na figura 1.
Figura 1- Fluxograma ao longo do estudo.
As voluntárias
assinaram o termo de consentimento mediante as explicações dos objetivos do
trabalho, que foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade
Federal do Piauí, parecer nº 2.868.955, em 03 de setembro de 2018, de acordo
com as recomendações das diretrizes de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos,
resolução CNS 466/12.
Critérios
de inclusão e exclusão
Seriam incluídas
gestantes, com faixa etária de 18 a 35 anos, que estivessem entre 13 a 35
semanas de gestação e residentes na cidade de Parnaíba/PI. E seriam excluídas
as participantes com distúrbios cardiorrespiratórios, neurológicos, reumáticos
ou endócrinos; aquelas com dificuldade na compreensão das orientações; que
realizassem atividade física regular ou que apresentassem contraindicação para
a prática de atividades na piscina (exemplos: hipertensão arterial sistêmica,
primeiro trimestre de gestação, infecção do trato urinário, hipersensibilidade
ao cloro).
Protocolo
aquático terapêutico
O protocolo foi
realizado no setor de hidroterapia, do Serviço Escola de Fisioterapia-UFPI, com
temperatura da água entre 33 a 36ºC. Inicialmente, foi posicionado o relógio do
cardiofrequencímetro (Polar – modelo V800) no pulso
dominante e a cinta ajustada na região inframamária,
com sensor de captação centralizado na linha correspondente ao corpo esternal. Em seguida, as gestantes permaneceram em repouso
em sedestação na cadeira, por um período de 5
minutos, e foram submetidas ao protocolo descrito na tabela I. Antes e após a
execução do protocolo foram aferidos os seguintes sinais vitais: PA, Saturação
de Oxigênio (SatO2) e Frequência Cardíaca (FC).
Tabela I - Descrição e duração do protocolo aquático terapêutico.
Análise
dos dados
As oscilações cardíacas
dos intervalos RR foram coletadas através do cardiofrequencímetro
(Polar – modelo V800). Após a coleta, os dados foram transferidos para o
computador, via USB para o software Polar
FlowSync e extraídos em formato .txt, sendo renomeados de acordo com a identificação de cada
voluntária. Em seguida, no programa Microsoft
Office Excel, foi realizada a transformação dos intervalos RR de segundos
para milissegundos e uma primeira filtragem dos dados, caracterizada pela
inspeção visual dos intervalos RR e exclusão de intervalos anormais.
A segunda filtragem foi
realizada por meio do próprio software Polar.
A correção de erros não ultrapassou a porcentagem de corte de no máximo 5%.
Após essas etapas, foi realizada a análise dos resultados VFC no software Kubios HRV, no qual foram selecionados 256
pontos, que correspondiam a aproximadamente 2 minutos do traçado, e emitidos os
documentos em formato de arquivo pdf. A análise foi
realizada de acordo com as fases selecionadas da coleta: repouso inicial e
relaxamento. Neste estudo optou-se por analisar os seguintes índices de VFC,
descritos na tabela II.
Tabela II - Descrição dos índices de VFC.
As medidas das
variáveis numéricas foram expressas em mediana e amplitude interquartílica
quando se observou distribuição não-normal dos dados, e média e desvio padrão
nos dados de distribuição normal. Para comparações entre os momentos do estudo,
utilizou-se o teste de Wilcoxon ou o teste t de Student para amostras relacionadas, de acordo com a
normalidade dos dados. O teste de normalidade utilizado foi o Shapiro-Wilk. Para análise dos dados categóricos utilizou-se o
Teste Binomial G. Considerou-se como significantes valores de p < 0,05. A
análise dos dados foi realizada no programa Bioestat 5.0.
Completaram o estudo 10
participantes, com idade média de 23,8 ± 5,2 anos (18 a 32 anos), com média de
21,8 ± 4,0 semanas de gestação, FC máxima 186,2 ± 5,2 e FC reserva 95,6 ± 9,9.
A Tabela III ilustra a medida dos valores de PAS e PAD em repouso e
pós-protocolo. Não foram observadas diferenças significativas (p < 0,05)
entre essas variáveis.
Tabela III - Medidas dos valores de PAS, PAD. Parnaíba-PI, 2019 (n = 10).
Os índices da VFC
analisados no estudo estão descritos na tabela IV. Em relação a esses valores
também não houve diferença significativa ao comparar o período de repouso e
relaxamento.
Tabela IV - Comparação dos valores de Mean HR, Mean RR, RMSSD e SD1 entre os dois momentos do estudo.
Parnaíba/PI, 2019 (n = 10).
1teste t de Student para amostras relacionadas, media ± desvio padrão;
2teste de Wilcoxon, mediana ± amplitude
interquartílica.
Durante a imersão em
água aquecida, a gestante sofre diversas adaptações fisiológicas. Em relação ao
sistema cardiovascular, o presente estudo demonstrou que os índices da VFC não
apresentaram diferenças significativas ao comparar a fase de repouso com a de
relaxamento. É importante destacar que outros estudos mostram que a
profundidade, temperatura da água e a posição corporal, exercem influência
sobre a FC. A pressão hidrostática é um dos principais fatores para a redução
da FC, visto que a imersão aumenta o volume sanguíneo central em decorrência da
redistribuição do sangue venoso e líquido extracelular dos membros inferiores
para a região central, ocasionando um aumento no volume plasmático nessa
região. Dessa forma, estimula receptores de pressão e volume presentes no
coração e nos vasos, provocando uma readaptação no sistema cardiovascular,
aumentando o debito cardíaco e volume sistólico para, enfim, diminuir a FC
[13,14].
Um estudo realizado por
Katz et al. [15] evidenciou taxas
mais baixas de FC após o exercício aquático do que após o exercício em terra em
um grupo de gestantes. Assim como Aidar et
al. [16], mostrou que as atividades aquáticas em relação as atividades
terrestres expressam valores menores de FC, apresentando maior segurança para
idade gestacional entre 16 e 32 semanas, intervalo similar ao do grupo estudado
nesta pesquisa.
Os índices RMSSD e SD1
da VFC não apresentaram redução significante entre repouso e fase
pós-exercício. A literatura mostra que, à medida que a gravidez progride, a
balança entre as atividades do sistema nervoso parassimpático e simpático sofre
alterações. No primeiro trimestre, a modulação vagal se apresenta alta, e a
simpática baixa. Enquanto isso, no final da gravidez, essa relação se inverte
para uma modulação vagal baixa e simpática alta, sugerindo um controle
parassimpático atenuado com diminuição de RMSSD [1, 2]. Assim, um dos fatores
que podem ter contribuído para uma recuperação satisfatória no pós-exercício do
grupo da pesquisa, seria a idade gestacional (média 21,8 ± 4,0 semanas).
O estudo desenvolvido
por Bocalini et
al. [17] teve como objetivo comparar a eficácia do exercício em cicloergômetro no meio aquático e terrestre na recuperação
pós-exercício. Tal pesquisa demonstrou que a VFC é gradualmente recuperada como
resultado da perda do comando central e da ativação barorreflexa, que
contribuem para um aumento do tônus vagal, durante o pós-exercício em ambiente
aquático.
Em nosso estudo,
observou-se uma recuperação satisfatória da PAS e PAD ao comparar o repouso e o
pós-protocolo, evidenciando respostas autonômicas eficientes, pois essas
variáveis voltaram a seus valores de repouso. Estudos prévios obtiveram
resultados semelhantes. Hartmann et al.
[18] aplicaram protocolos de exercícios em ambiente aquático e terrestre em
gestantes, e monitoraram a PA durante repouso inicial e exercício. Os autores
observaram que a imersão não afetou a PA arterial nesses períodos. No entanto,
PAS e PAD sofreram uma redução mais relevante no pós-exercício na água do que
na terra.
De acordo com Katz et al. [15], as vantagens da imersão na
água estão associadas às suas características físicas. Durante a imersão, a
força hidrostática atua proporcionando o deslocamento do fluido extravascular para o espaço vascular, sendo que esta força
se eleva à medida que a profundidade da piscina aumenta. A elevação na pressão
hidrostática provoca um aumento no retorno do sangue venoso para o sistema
cardiovascular, ocasionando um aumento na produção de peptídeo natriurético
atrial com efeito sobre o débito urinário, reduzindo desta forma a PA e o edema
[19-21].
Dessa forma, os
resultados do presente estudo e achados disponíveis atualmente sugerem que a
prática de exercício físico em intensidade moderada no meio aquático é segura,
visto que as gestantes apresentaram respostas autonômicas eficientes nas fases
pós-exercício. Porém, ainda há a necessidade de mais estudos que envolvam a
prática de atividades físicas no meio aquático durante a gestação.