ARTIGO
ORIGINAL
Relação
entre funcionalidade e fatores pessoais em idosos com lombalgia
Relation
between functionality and personal factors in the elderly with low back pain
Bruno Márcio Venâncio Guimarães*, Gilvânia Carlos Pinho*, Letícia Araújo dos Santos*,
Patrícia Aparecida Ribeiro*, Camila Medeiros Costa**, Wellerson
Costa Faria***, André Carvalho Costa***, Andrei Pereira Pernambuco****
*Graduados
em Fisioterapia pelo Centro Universitário de Formiga (UNIFOR/MG), Formiga/MG,
**Acadêmica do curso de Biomedicina do Centro Universitário de Formiga
(UNIFOR/MG), Formiga/MG, ***Docente do curso de Fisioterapia do Centro
Universitário de Formiga (UNIFOR/MG), Formiga/MG, ****Docente do curso de
Fisioterapia do Centro Universitário de Formiga (UNIFOR/MG), Formiga/MG,
Docente do curso de Fisioterapia da Universidade de Itaúna (UIT), Itaúna/MG
Recebido em 13 de junho de 2019; aceito em
25 de novembro de 2019.
Correspondência:
Andrei Pereira Pernambuco, Rua Araxá, 206, Residencial Morro do Sol, 35680-284
Itaúna MG
Bruno Márcio Venâncio Guimarães: brunovenancio178@outlook.com
Gilvânia Carlos Pinho: gilvaniacarlos12@gmail.com
Letícia Araújo dos Santos: leticia019.araujo@yahoo.com.br
Patrícia Aparecida Ribeiro: patriciaribeiro1400@gmail.com
Andrei Pereira Pernambuco: pernambucoap@ymail.com
Introdução: O
envelhecimento é um processo dinâmico, progressivo e irreversível, consequente
de alterações fisiológicas. Alguns fatores pessoais podem interferir no
processo e predispor os indivíduos idosos a comorbidades, tais como a
lombalgia, resultando em prejuízos funcionais. Objetivo: Avaliar a associação entre alguns fatores pessoais e a
funcionalidade de idosos com dor lombar. Métodos:
A amostra incluiu 26 idosos com dor lombar. A coleta de dados foi realizada por
meio da Ficha de Identificação e Triagem, MEEM, WHODAS 2.0, Escala de Tampa de Cinesiofobia, Questionário da dor de McGill, Escala de Pensamentos
Catastróficos sobre Dor, Escala de Satisfação com a Vida. Para análise de
associação entre as variáveis, utilizou-se o teste de correlação de Pearson e a
regressão múltipla do tipo Stepwise. Todos os testes
foram realizados com nível de significância ajustados para α = 0,05. Resultados: Sete modelos explicativos
foram criados, dos quais o modelo que continha as variáveis: AVD, cognição,
mobilidade, relacionamento interpessoal, autocuidado, participação e peso
explicou em 99,9% os níveis de funcionalidade dos participantes. Conclusão: Os níveis de funcionalidade
em idosos com lombalgia dependem de múltiplos fatores que se interagem. Esta
interação, apesar de importante, é negligenciada durante o pensamento e a
tomada de decisão clínica de fisioterapeutas.
Palavras-chave:
fatores pessoais, idosos, índice de massa corporal, lombalgia.
Abstract
Introduction: Aging is a dynamic, progressive and irreversible
process, resulting from physiological changes. Some personal factors may
interfere with the process and predispose elderly to comorbidities, such as low
back pain, resulting in functional impairment. Objective: To evaluate the association between some personal
factors and the functionality of the elderly with low back pain. Methods: The sample included 26 elderly
people with low back pain. Data collection was performed through the
Identification and Screening Card, MEEM, WHODAS 2.0, Kinesiophobia
Cover Scale, McGill Pain Questionnaire, Catastrophic Thoughts on Pain Scale,
Life Satisfaction Scale. For analysis of association between the variables, the
Pearson correlation test and the multiple stepwise regression were used. All
tests were performed with a significance level adjusted for α = 0.05. Results:
Seven explanatory models were created, and the model that contained the
variables: ADL, cognition, mobility, interpersonal relationships, selfcare,
participation and weight explained the participants' functional levels in
99.9%. Conclusion: Functional levels
in the elderly with low back pain depend on multiple interacting factors. This
interaction, although important, is neglected during the thinking and clinical
decision making of physiotherapists.
Key-words:
personal factors, elderly, body mass index, low back pain.
O
envelhecimento pode ser definido como um processo dinâmico, progressivo e
irreversível, consequente de alterações no organismo, demonstradas de forma
variável e individual. Caracteriza-se por ser um fenômeno fisiológico, de
comportamento social, ou um fato cronológico, que emerge com a progressão da
idade, estendendo-se da fase adulta até o fim da vida [1].
No
Brasil, considera-se idoso o indivíduo com mais de 60 anos [2]. Segundo dados
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o número de idosos no
Brasil é de 12,62 milhões, totalizando cerca de 6,06% da população brasileira
[3].
Com o
avançar da idade, as modificações corporais podem acometer diversas estruturas
e funções corporais que incluem: diminuição da força, tônus e desempenho
muscular; redução no número de sarcômeros; diminuição do metabolismo e taxas
hormonais; medo na realização de determinadas atividades; dores; redução do
equilíbrio; dentre outras. Além destas, já é bem descrito um aumento e
reorganização do tecido adiposo, sobretudo na região abdominal [1].
O
processo fisiológico do envelhecimento e todas as alterações dele podem
interferir negativamente na capacidade funcional de quem o vivencia
[4]. Pode inclusive, predispor o indivíduo a comorbidades, tais como a
lombalgia [5]. Esse problema é caracterizado por sintomas de dor na região da
coluna lombar, e sua etiologia é complexa e multifatorial [6]. Indivíduos que
apresentam lombalgia podem apresentar incapacidades funcionais diversas, tais
como dificuldade para se movimentar e ou trabalhar [7]. De acordo com a Organização
Mundial de Saúde (OMS), estima-se que a prevalência da dor lombar na população
em geral seja de 80% [8]. Contudo, a prevalência de lombalgia na população de
idosos não é objeto frequente de estudos, assim como os fatores que podem
interferir nesta condição [9].
Acredita-se
que alguns fatores pessoais podem atuar como facilitadores ou barreiras para o
desempenho funcional dos idosos com lombalgia [10]. O desempenho funcional refere-se
a atos e ou tarefas realizadas pelo indivíduo, em seu ambiente natural e pode
sofrer ação positiva de facilitadores ou negativa das barreiras [9,11].
Destaca-se que o termo funcionalidade, de acordo com a CIF, engloba a
integridade das funções e estruturas do corpo, bem como a atividade (contexto
individual) e participação (contexto social) dos indivíduos [12].
Ao
longo da vida a tendência é que ocorra um aumento das incapacidades, e de
acordo com a OMS, esse é um termo antagônico à funcionalidade. Essa situação
evidencia comprometimentos nas funções e estruturas corporais, atividade e
participação [9]. Neste sentido, torna-se necessário compreender de forma mais
adequada como os fatores pessoais interferem nesse processo. Para tanto, os
seguintes fatores pessoais serão considerados: cinesiofobia,
catastrofização, índice de massa corporal e
satisfação com a vida e dor percebida.
A cinesiofobia é considerada como o medo do movimento; um
estado no qual o indivíduo apresenta temor excessivo, debilitante e irracional,
devido a um dano ou receio de reincidência da lesão [13]. A catastrofização
pode ser definida como uma orientação negativa a determinado estímulo nocivo e
se relaciona a desfechos funcionais também negativos, que normalmente possui
caracterização de ruminação, magnificação e desamparo [14,15]. Por sua vez, o
Índice de Massa Corporal (IMC) é validado e amplamente empregado para avaliação
da adiposidade corporal, principalmente pela facilidade na sua aplicação, baixo
custo e utilização universal, pode ser calculado ao se dividir o peso do
indivíduo por sua altura ao quadrado (Peso/Altura²) [16]. Já a satisfação com a
vida é considerada um dos principais indicadores de bem-estar subjetivo. É
avaliada como uma medida geral ou como referência a áreas importantes da vida,
a exemplo do trabalho e da família [17]. Por fim, a dor pode ser definida como
uma experiência individual, sensorial e desagradável, resultante de dano real
ou potencial no tecido. Este sintoma geralmente é classificado de acordo com a
sua localização, tipo, intensidade, periodicidade, difusão e caráter [18]. Por
se tratar de uma experiência subjetiva, pode interferir de formas distintas na
funcionalidade de um indivíduo [19].
Acredita-se
que cada um dos fatores pessoais, mencionados acima, possa interferir no estado
funcional dos indivíduos, atuando como barreiras ou facilitadores do desempenho
funcional. A partir disso, torna-se importante o direcionamento de esforços que
verifiquem a existência da relação entre a funcionalidade de idosos com
lombalgia e algumas questões pessoais. Supõem-se que os dados obtidos poderão
ser relevantes para o processo de pensamento e tomada de decisão clínica por
parte de diversos profissionais da saúde. Neste sentido, o objetivo deste estudo
foi analisar a relação entre a funcionalidade e fatores pessoais (cinesiofobia, catastrofização,
IMC, satisfação com a vida e percepção da dor) de idosos com dor lombar.
Tipo
de estudo
Trata-se
de um estudo observacional, transversal e quantitativo, realizado com uma
amostra de idosos com dor lombar.
Cuidados
éticos
Todas
as etapas da pesquisa somente foram iniciadas após a aprovação do protocolo de
pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Humanos (CEPH), sob o parecer de
número: 3.163.490. As etapas do projeto foram elaboradas de acordo com a
resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) do Ministério da Saúde
(MS). Todos os participantes do estudo receberam informações sobre os
objetivos, riscos e benefícios decorrentes da participação, os que concordaram
assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em duas vias.
Amostra
A
amostra foi composta de forma não probabilística e por conveniência, por meio
de busca ativa em Unidades Básicas de Saúde (UBS) e em uma clínica escola de
fisioterapia. Todos os idosos com dor lombar encontrados pela equipe de
pesquisa foram convidados a participar e os que aceitaram assinaram o TCLE e
foram triados de acordo com os critérios de inclusão/não inclusão.
Critérios
de inclusão
Indivíduos
de ambos os sexos; faixa etária entre 60 e 75 anos; queixa em curso de dor na
região lombar; assinatura do TCLE; nível cognitivo adequado para a participação
no estudo (nota superior a 13 pontos no Mini Exame do Estado Mental – MEEM).
Critérios
de não inclusão
Idosos
acamados; idosos que utilizavam cadeira de rodas; idosos faziam uso de
dispositivos de auxilio como: muletas, bengalas, andador; idosos incapazes de
se comunicar verbalmente; idosos com grave déficit do rastreio cognitivo;
idosos com malformações congênitas ou adquiridas, idosos com diagnóstico de
doenças neurológicas e ou autoimunes.
Mini
exame do estado mental (MEEM)
Para o
rastreio cognitivo, foi utilizado Mini Exame do Estado Mental (MEEM), validado
e traduzido por Bertolucci et al.[20],
que tem como objetivo avaliar "funções" cognitivas
específicas
como a orientação temporal, orientação
espacial, registro de três palavras,
atenção e cálculo, recordação das
três palavras, linguagem e capacidade
construtiva visual abrange seis áreas da cognição:
linguagem, orientação,
habilidade construtiva, atenção/cálculo,
retenção e evocação, é um dos testes
mais utilizados na pratica clínica. O MEEM foi aplicado em forma
de
questionário, as questões foram realizadas na ordem
listada e o escore foi
calculado pela somatória dos pontos atribuídos a cada
tarefa completada com
sucesso. Para realização do teste o voluntário
permaneceu sentado, de forma
confortável, em ambiente tranquilo. A nota de corte
padrão é de 13 pontos para
indivíduos com baixa escolaridade, 18 pontos para média
escolaridade e 26
pontos para alta escolaridade [20]. Quanto maior a
pontuação no MEEM melhor é o
rastreio cognitivo do entrevistado [21].
WHODAS
2.0
O
questionário World Health Organization Disability Assessment
Schedule (WHODAS 2.0), versão de 36 itens, avalia o nível de funcionalidade
em seis domínios de vida (cognição, mobilidade, autocuidado, convivência com as
pessoas, atividades de vida e participação na sociedade) e fornece um resumo de
funcionalidade e incapacidade que são confiáveis e aplicáveis em diferentes
culturas, das diversas populações adultas. Pode ser aplicado por entrevista,
respondido por um cuidador/familiar ou auto-administrado.
Além de abranger plenamente os domínios da CIF, aplica-se a todas as doenças,
incluindo as dimensões física, mental e os transtornos secundários ao uso de
substâncias. O WHODAS 2.0 foi desenvolvido para refletir os componentes da CIF,
pois, em cada domínio há uma relação direta com os itens desta classificação.
Qualificadores da CIF: 0 a 4% (não há problema); 5 a 24% (problema leve); 25 a
49% (problema moderado); 50 a 95% (problema grave); 96 a 100% (problema
completo) [22]. O WHODAS é um instrumento validado no Brasil com base no modelo
biopsicossocial da CIF. Quanto maior a pontuação em cada um dos seis domínios,
bem como no instrumento completo, pior é o nível funcional do indivíduo [22].
Escala
de Tampa de Cinesiofobia
A
Escala de Tampa de Cinesiofobia, é um questionário
autoaplicável composto por 17 questões sobre dor e intensidade dos sintomas. Os
escores contemplam uma pontuação de um a quatro pontos, sendo assim, a resposta
"discordo totalmente" constitui um ponto, "discordo
parcialmente", a dois pontos, "concordo parcialmente", a três
pontos e "concordo totalmente", a quatro pontos. O escore final do
questionário pode variar de 17 a 68 pontos. Quanto maior pontuação obtida na
escala, pior será o grau de cinesiofobia [23]. Essa
escala foi traduzida e validada no Brasil em 2007 por Siqueira et al. [23].
Escala
de Pensamentos Catastróficos
A
Escala de Pensamentos Catastróficos sobre Dor é constituída de nove itens, com
respostas que variam de 0 (quase nunca) a 5 (quase sempre). O escore total foi
obtido pela soma desses itens, dividida pelo número de itens respondidos. A
menor pontuação possível é zero e a maior é cinco pontos. Quanto maior o escore,
maior a presença de pensamentos catastróficos [14]. Essa escala já foi
traduzida e validada no Brasil por Sarda et
al. [14].
Índice
de Massa Corporal (IMC)
Para o
cálculo do IMC, os indivíduos foram pesados e medidos. No momento da avaliação
eles utilizavam roupas leves, tais como shorts e blusas. O IMC foi calculado
através da divisão do peso corporal (em kg) pela altura do participante (em metros)
elevada ao quadrado (IMC = kg/m²). Para avaliação do peso corporal, foi
utilizada uma balança digital da marca Mondial, com
certificado de calibração válido para o período do estudo. Após o cálculo do
IMC, as seguintes classificações foram utilizadas: muito abaixo do peso (<
17 kg/m²), abaixo do peso (entre 17 - 18,49 kg/m²) magro ou baixo peso (<
18,5 kg/m²), peso normal ou eutrófico (entre
18,5-24,95 kg/m²), sobrepeso ou pré-obeso (entre
25-29,95 kg/m²), obesidade (entre 30 - 34,9 kg/m²), obesidade grave (> 40,05
kg/m²) [8].
Questionário
da dor de McGill
O
questionário de dor de McGill desenvolvido em 1975
por Melzack, na Universidade McGill,
em Montreal, Canadá, tem como objetivo avaliar as dimensões qualitativas da
dor. É um dos questionários mais conhecidos e utilizados ao redor do mundo,
tanto na prática clínica como na pesquisa. Possui validade e sensibilidade
adequadas à população brasileira [24]. Esse questionário é constituído por
quatro categorias: sensorial (propriedades mecânicas, térmicas e espaciais da
dor) 42 pontos; afetivo (nos aspectos de medo, tensão, emoções) 14 pontos;
avaliativo (avaliação global e experiência dolorosa) 5 pontos; miscelânea
(vários fatores) 17 pontos. Essas por sua vez são subdividas em 20
subcategorias sobre qualidade da dor. Cada palavra representa um descritor e
recebe uma pontuação de 1 a 6 em algumas subcategorias. A pontuação total do
questionário é de 78 pontos e o número máximo de descritores assinalados é de
20. Quanto maior a pontuação ou maior o número de descritores utilizados, pior
é a dor do participante [25].
Escala
de Satisfação com a Vida
A
Escala de Satisfação com a Vida (ESV) é constituída de cinco itens que avaliam
o bem-estar cognitivo de maneira subjetiva do participante. Os participantes
respondem à cinco perguntas, utilizando-se de uma escala de sete pontos, no
qual 1 (discordo totalmente) e 7 (concordo totalmente). Os parâmetros da ESV
são: 5 – 9 (extremamente insatisfeito); 10 – 14 (insatisfeito); 15 – 19
(razoavelmente insatisfeito); 20 – 24 (razoavelmente satisfeito); 25 – 29
(satisfeito); 30 – 35 (extremamente satisfeito). Essa escala foi desenvolvida
por Diener (1985), já foi testada e validada no
Brasil [26]. Quanto maior a pontuação na escala, maior é a satisfação com a
vida do participante [26].
Procedimentos
Após a
aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, foi apresentado aos voluntários o
TCLE contendo os objetivos, riscos e benefícios da pesquisa. Em sequência o
participante foi medido e pesado, para posterior cálculo do IMC. Em seguida foi
aplicado o Mini Exame do Estado Mental, Questionário de WHODAS 2.0, a Escala de
Cinesiofobia de Tampa, a Escala de Pensamentos
Catastróficos sobre Dor – EPCD, Questionário da dor de McGill
e a Escala de Satisfação com a vida, sempre na sequência apresentada acima. Todos
os questionários foram aplicados por um pesquisador cegado para os objetivos do
estudo, o avaliador foi previamente treinado para a aplicação de cada um dos
questionários.
Análise
de dados
Os
dados foram tabulados e armazenados em planilhas do programa Microsoft Excel
2010 e transferidos em sequência para o programa SPSS versão 19.0. Os dados
foram trabalhados primeiramente na estatística descritiva por meio de medidas
de tendência central (média) e de dispersão (desvio-padrão) (DP). Para
verificação da distribuição dos dados foi utilizado o teste de Shapiro Wilk que atestou a normalidade dos dados. A associação
linear entre as variáveis de interesse foi realizada por meio dos testes de
correlação de Pearson. Também foi realizada uma análise de regressão múltipla
do tipo Stepwise, nesta análise, a variável
dependente foi o nível de funcionalidade e as demais variáveis foram
consideradas variáveis independentes. Foram incluídas no modelo inicial apenas
as variáveis independentes que se associaram linearmente com a variável
dependente.
A
amostra final foi composta por 26 participantes, 16 do sexo feminino (61,54%) e
10 do sexo masculino (38,46%), com média de idade de 68,25 ± 4,14 anos, peso
médio de 65,05 ± 12,65 kg e altura média de 1,60 ± 0,10 m. Em relação ao IMC, a
média foi de 24,27 ± 4,89 kg/cm², faixa que corresponde à normalidade ou eutrofismo. Já em relação ao MEEM, o escore médio foi de
24,23 ± 2,77 pontos, que se refere a indivíduos com baixa e média escolaridade.
Dados detalhados encontram-se apresentados na Tabela I.
Tabela
I
- Análise descritiva dos dados
relacionados ao peso, altura, idade, IMC, e pontuação no MEEM dos participantes
do estudo.
Características dos participantes no
momento da coleta de dados. Legenda: IMC = índice de massa corporal; MEEM =
mini exame do estado mental.
A
tabela II demonstra o escore obtido pelos participantes nos instrumentos de
pesquisa destinados a mensurar os níveis de funcionalidade, cinesiofobia,
catastrofização, dor e satisfação com a vida.
Observa-se que a pontuação média no instrumento WHODAS foi de 35,73 pontos o
que corresponde a níveis moderados de incapacidade. Já no questionário de cinesiofobia a média de pontuação foi de 54,50 ± 7,41
pontos, que significa que a maioria dos participantes apresenta um grau elevado
de cinesiofobia. A pontuação no questionário de catastrofização foi de 2,99 ± 0,89 pontos, isso demonstra
que grande parte dos indivíduos em algum momento da vida catastrofizam
sua dor. O escore médio no questionário da dor foi de 37,11 ± 10,91 pontos.
Nota-se ainda que o domínio da dor mais acometido foi o sensorial, com média de
21,03 ± 7,02 pontos e o menos acometido foi o avaliativo, com média de 2,88 ±
2,65 pontos, o mesmo possui pontuação total de 5 pontos. Já o escore no
questionário de satisfação com a vida correspondeu a 27,19 ± 3,42 pontos, significando
que os participantes do estudo estão satisfeitos com a vida.
Tabela
II
- Pontuações médias, DP, Máximo, Mínimo e
porcentagem de: Cinesiofobia, Catastrofização,
WHODAS, Satisfação com a vida.
Pontuação em cada um dos questionários
utilizados no estudo, bem como nos domínios do Questionário de McGill. Os valores estão apresentados em número absoluto.
A
tabela III apresenta o escore obtido pelos participantes em cada um dos seis
domínios do WHODAS. Observa-se que o domínio participação foi o que apresentou
o maior nível de incapacidade com 16,80% em média. Já o domínio relacionamento
interpessoal foi o que apresentou os níveis mais baixos de incapacidade com
3,73% em média.
Tabela
III
- Caracterização da amostra de acordo com
as médias dos domínios do WHODAS.
Pontuação em cada um dos domínios do
WHODAS. Os valores estão apresentados em número absoluto.
Os
resultados das análises de regressão múltipla do tipo Stepwise
incluíram todas as combinações possíveis entre as variáveis do estudo, se associaram
linearmente com a variável dependente e resultaram em sete modelos explicativos
e significativos para a pontuação obtida no questionário WHODAS. Cada um dos
modelos explica parcialmente a variável de desfecho (WHODAS). O modelo 1 (AVD)
explica em 55,4%; o modelo 2 (AVD + Cognição) explica em 82,2%; o modelo 3 (AVD
+ Cognição + Mobilidade) em 93,2%; o modelo 4 (AVD + Cognição, + Mobilidade +
Relacionamento Interpessoal) em 96,3%; o modelo 5 (AVD + Cognição, + Mobilidade
+ Relacionamento Interpessoal + Autocuidado) em 98,9%; o modelo 6 (AVD +
Cognição, + Mobilidade + Relacionamento Interpessoal + Autocuidado +
Participação) em 99,9% e, por fim, o modelo 7 (AVD + Cognição, + Mobilidade +
Relacionamento Interpessoal + Autocuidado + participação + Peso) que explica em
99,99% a pontuação total obtida pelos participantes do estudo no WHODAS.
Tabela
IV
– Modelo da análise de regressão.
Modelos explicativos do desfecho gerados
pela análise de regressão múltipla do tipo Stepwise.
Na tabela foram apresentados apenas os modelos que apresentaram significância
estatística (p ≤ 0,05).
O
objetivo deste estudo foi analisar as relações entre a funcionalidade e alguns
fatores pessoais capazes de interferir no contexto do idoso com dor lombar.
Observou-se que a funcionalidade deste grupo de pessoas é influenciada por múltiplos
fatores, que cada variável possui um determinado peso e, quando associadas,
podem explicar quase que completamente os níveis de funcionalidade evidenciados
na pesquisa.
Neste
estudo a amostra foi composta principalmente por mulheres, segundo o trabalho
desenvolvido por Veiga et al. [27]
que investigaram 28 indivíduos de ambos os sexos, apontou que as mulheres
tendem a apresentar maiores níveis de incapacidades que os homens. Segundo os
autores, essas diferenças podem ocorrer principalmente pela manifestação de certas
doenças crônicas que acometem preferencialmente as mulheres, bem como pelas
piores condições socioeconômicas [27]. Também é necessário ressaltar que no
Brasil, segundo o IBGE, 51,03% da população é composta por mulheres [3]. Neste
sentido, apesar da amostra ter sido formada por conveniência, de forma não
probabilística, se assemelhou em termos percentuais a realidade nacional.
Também deve-se destacar que historicamente, as mulheres procuram mais pelos
serviços de saúde do que os homens, como já destacado por Bertolucci et al.
[20]. Como no presente estudo, o recrutamento foi realizado principalmente em
serviços de saúde, poderia ser esperado a predominância feminina na amostra
[20].
Neste
estudo, a idade média dos participantes se aproximou dos 70 anos. De acordo com
Silveira et al. [22], a idade pode
apresentar uma relação inversamente proporcional com os níveis de
funcionalidade, ou seja, quanto maior a idade pior os níveis funcionais do
idoso. Contudo, destaca-se que com o desenvolvimento da medicina, fisioterapia
e outras profissões da área da saúde, as pessoas atingem idades avançadas com
excelentes níveis de funcionalidade, como constatado por Siqueira et al. [23]. Neste sentido é necessário
destacar o papel das equipes multiprofissionais, bem como do seu impacto sobre
a saúde e os estados relacionados à saúde das pessoas, incluindo a prevenção e
o tratamento de comorbidades decorrentes do envelhecimento.
O peso
corporal, a altura e consequentemente o IMC são variáveis que podem influenciar
os níveis de funcionalidade [28]. É de conhecimento geral que indivíduos obesos
apresentam incapacidades diretamente associadas ao IMC [29]. Os participantes
deste estudo foram classificados como eutróficos, já
que se encontravam na faixa entre 20 kg/m² e 25 kg/m² [8]. Para Heunch et al.[28],
alterações no IMC podem prejudicar a saúde dos
indivíduos, acentuarem
casos de dor lombar e reduzirem a funcionalidade. Neste contexto, o
Brasil
passou por um período de transição nutricional,
já que há alguns anos se
preocupava muito com os casos de desnutrição e hoje a
inquietação maior é com a
obesidade [30]. Desse modo, ao se conhecer as comorbidades, inclusive
os
déficits de funcionalidade que acompanham os quadros de
obesidade, é possível e
necessário pensar em ações de
prevenção e promoção de saúde para
os idosos.
Apesar do eutrofismo dos participantes da amostra,
medidas preventivas em relação à obesidade sempre são bem-vindas e necessárias.
De
acordo com a CIF, o peso, a altura, a idade, o IMC, o gênero, dentre outros,
são parte dos fatores pessoais. Estes elementos pessoais, juntamente com os
ambientais, compõe a segunda parte da CIF, denominada componentes dos fatores
contextuais [12]. Os fatores pessoais não possuem categorias na versão atual da
CIF, mas segundo a própria OMS devem ser analisados e considerados durante o
processo de pensamento e tomada de decisão clínica, pois podem influenciar os
demais componentes do modelo biopsicossocial [12].
Segundo
Kovacs et al.
[31], há uma relação direta entre os fatores pessoais, a incapacidade funcional
e a dor lombar. Embora seja pequena, essa combinação é importante do ponto de
vista clínico. Diante disso, Kovacs et al. [32] investigaram a associação
entre catastrofização e incapacidade em pacientes com
dor lombar e observaram que há uma correlação estatisticamente significativa
entre estas variáveis nos indivíduos com idade média de 52,5 anos. Por outro
lado, o estudo de Thomas et al. [33] não demonstrou associação significativa
entre catastrofização, AVD e cinesiofobia
com os níveis funcionais de pessoas com idade média de 45 anos. A discordância
entre os achados aponta para a heterogeneidade e individualidade clínica quando
se trata de funcionalidade, além disso, reforça a necessidade da utilização do
modelo biopsicossocial ao se pensar em saúde e estados relacionados à saúde
[12].
Outro
dado avaliado foi a dor apresentada pelos participantes. Observa-se que o
domínio sensorial foi o mais acometido dentre todos os que integram o
questionário de McGill. A dor lombar pode ter
múltiplas causas, dentre elas: osteoartrose, baixo nível de atividade física
diária, menopausa, fraturas vertebrais, altos níveis de creatina, dentre outros
[34-36]. Isso torna o manejo dessa condição extremamente complexo [32]. É
importante destacar também que, segundo Silva et al. [37], a dor pode impactar negativamente a funcionalidade.
Atualmente, é consenso que cerca de 80% das pessoas experimentarão a dor lombar
em algum momento de suas vidas [3]. Evidências demonstram que o tratamento deve
ser interdisciplinar e multimodal [38], embora em muitos casos a terapêutica
seja ineficaz ou de baixa resolutividade [36]. Com isso, os pacientes ficam
desmotivados e frequentemente abandonam o tratamento [39]. A descrença com a equipe
médica vai se tornando maior e frente a condição vivenciada, muitos desenvolvem
comportamentos depressivos em decorrência da dor lombar [40]. Neste sentido, as
estratégias de terapia cognitivo comportamental, programas de educação em
saúde, psicoterapia, também devem integrar o programa de tratamento [38].
Foi
utilizado o modelo biopsicossocial para conhecer a situação dos participantes
deste estudo e observou-se que dentre os seis domínios do questionário WHODAS
2.0 (cognição, mobilidade, autocuidado, relacionamento interpessoal, AVD e
participação) os mais impactados foram: participação social e AVD. De acordo
com a OMS, a participação social se refere ao envolvimento do indivíduo em
situações de vida comunitária e cívica, bem como sua interação com terceiros,
seja para atividades de lazer, laboral, religiosa e outras [12]. Já as
atividades se referem à execução de uma tarefa ou ação por um indivíduo e não
envolvem o contexto social [12]. Observa-se também que os níveis de
incapacidade apresentados pelos participantes desta pesquisa impactam tanto nas
tarefas cotidianas como nas tarefas mais elaboradas. Já os domínios autocuidado
e relacionamento interpessoal foram os menos impactados. Ressalta-se que estes
ainda não se encontram comprometidos, afinal, de acordo com a CIF, problemas
iguais ou menores a 4% devem ser interpretados como nenhum problema [12]. Sendo
assim, tornam-se muito importantes as ações de prevenção e promoção de saúde, a
fim de evitar que tais domínios passem a ser impactados com o avançar da idade.
As análises
de regressão múltipla resultaram em sete modelos explicativos significativos. O
modelo 7 foi o que melhor explicou a pontuação total obtida no WHODAS 2.0,
pelos participantes. Esse modelo explicativo foi composto pelos seis domínios
do WHODAS mais a variável peso. Já era esperado que os domínios do WHODAS
compusessem o modelo explicativo, afinal, a pontuação em cada domínio do
questionário interfere no escore total [41]. Contudo, a estratégia de se
incluir os domínios do instrumento na análise de regressão visou identificar
quais dos domínios mais impactavam o estado funcional dos participantes. E,
portanto, quais deles deveriam receber mais atenção das equipes de saúde. Neste
sentido, verifica-se que os domínios AVD, Cognição e Mobilidade carecem de
maiores cuidados profiláticos ou terapêuticos. Para aprimorar o desempenho
nesses domínios sugere-se tratamentos multimodais, como os já mencionados acima
[38].
A
única variável do estudo, que compôs o modelo explicativo da funcionalidade e
que não compunha o WHODAS 2.0, foi o peso dos participantes. Esse dado
corrobora pesquisas anteriores, que demonstram uma associação significativa e
negativa entre o peso e a funcionalidade [26,42]. Neste sentido, políticas
públicas que estimulem a adoção de hábitos saudáveis e o enfrentamento do
sedentarismo [43] seriam benéficas para conscientizar a população sobre os
riscos e consequências do sobrepeso e da obesidade.
Os
achados apresentados apoiam a premissa de que a funcionalidade humana é
influenciada por múltiplas causas e que a intervenção sobre fatores isolados,
possivelmente resultará em insucesso terapêutico. Neste sentido, chama-se a
atenção para a necessidade de se pensar e fazer saúde de acordo com as
premissas do modelo biopsicossocial da OMS.
As
principais limitações relacionadas ao estudo estão relacionadas ao desenho
transversal e ao número reduzido de participantes. Isso impede que os
resultados obtidos possam ser generalizados. Por fim, há de se ressaltar que,
durante a análise da atividade e participação, apenas o desempenho foi
avaliado, e em nenhum momento a capacidade do indivíduo. Além disso, também não
foi realizada uma comparação entre os níveis de desempenho e capacidade dos
participantes. Com isso, a realização de futuros estudos que se ocupem com tais
questões, é recomendada.
Os
dados deste estudo demonstram que a funcionalidade de indivíduos com lombalgia
é influenciada por múltiplos fatores tais como: atividade de vida diária,
cognição, mobilidade, relacionamento interpessoal, autocuidado, participação e
peso corporal. Além disso, demonstram que a associação entre os fatores é capaz
de explicar quase que completamente os níveis de funcionalidade dos
participantes do estudo. Contudo, dado o desenho transversal desse estudo e o
tamanho amostral reduzido, sugere-se que novas investigações com elevado teor
metodológico sejam conduzidas.