ARTIGO ORIGINAL

Efeito da realidade virtual no recrutamento de fibras musculares e força muscular respiratória em pacientes com doença de Parkinson - estudo piloto

Effect of virtual reality on recruitment of muscle fibers and respiratory muscle strength in patients with Parkinson's disease - pilot study

 

Lurian Bastos Araújo, Ft.*, Ana Carolina Lima Freitas, Ft.*, Jéssica Amanda Campos**, João Pedro Kosour Guimarães***, Luciana Maria dos Reis, Ft. D.Sc.****, Andréia Maria Silva Vilela Terra, Ft. D.Sc.****, Carolina Kosour, Ft. D.Sc.*****

 

*UNIFAL, Alfenas/MG, **Fisioterapeuta discente do PPGCR/UNIFAL-MG, Alfenas/MG, ***Discente em Sistemas de Informação pela USP, São Carlos/SP, ****Docente do curso de Fisioterapia da UNIFAL, Alfenas/MG, *****Docente do curso de Fisioterapia da UNIFAL, Alfenas/MG, e Professora colaboradora da Disciplina de Fisiologia e Metabologia Cirúrgica, Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas (UNICAMP), Campinas/SP

 

Recebido em 21 de junho de 2019; aceito em 23 de maio de 2020.

Correspondência: Carolina Kosour, Av. Jovino Fernandes Sales, 2600 Prédio A, 37133-840 Alfenas MG

 

Carolina Kosour: carolina.kosour@unifal-mg.edu.br

Ana Carolina Lima Freitas: carollima_freitas@hotmmail.com

Lurian Bastos Araujo: lurianaraujo@yahoo.com.br

Jessica Amanda Campos: jessicaamcampos@outlook.com

João Pedro Kosour Guimarães: joaopedrokosour@hotmail.com

Luciana Maria dos Reis: reislucianamaria@gmail.com

Andreia Maria Silva: andreia.silva@unifal-mg.edu.br

 

Resumo

Introdução: A Doença de Parkinson compromete a mobilidade da caixa torácica, acarretando limitação progressiva da ventilação, devido ao padrão de flexão e rigidez e fraqueza muscular. A realidade virtual propicia interação em tempo real com atividades e ambientes tridimensionais. Objetivo: Avaliar o efeito da realidade virtual no recrutamento de fibras e forças musculares respiratória e postural em pacientes com doença de Parkinson. Métodos: Estudo clínico, piloto, prospectivo, com alocação por conveniência. Dez indivíduos foram selecionados e alocados em grupo estudo (GE n=5) constituídos por idosos com DP e grupo controle (GC n=5) formado por idosos na mesma faixa etária, sem condições clínicas neurológicas e respiratórias. As variáveis mensuradas foram: independência funcional, desempenho motor, força muscular respiratória, recrutamento de fibras musculares respiratórias e posturais, e qualidade de vida. Foram realizadas 16 sessões com realidade virtual. Resultados: As Pressões Inspiratória máxima (PImáx) e Expiratória máxima (PEmáx) melhoraram em alguns momentos da intervenção. O recrutamento de fibras musculares em esternocleidomastóideo diminuiu e o recrutamento de fibras musculares no diafragma aumentou. Conclusão: A PImáx e a PEmáx melhoraram em alguns momentos do tratamento, e houve diminuição do recrutamento de fibras musculares dos músculos respiratórios acessórios nos pacientes com DP.

Palavras-chave: doença de Parkinson, terapia de exposição a realidade virtual, músculos respiratórios, postura.

 

Abstract

Introduction: Parkinson's disease commits the mobility of the rib cage, causing progressive ventilation limitation due to bending and stiffness. Virtual reality provides real-time interaction with activities and three-dimensional environments. Objective: To evaluate the effect of virtual reality on the recruitment of muscle fibers and respiratory and postural muscle strength in patients with Parkinson's disease. Methods: Clinical, pilot, prospective study, with allocation by convenience. Ten individuals were selected and allocated to a study group (EG n = 5) consisting of elderly people with Parkinson and a control group (CG n = 5) formed by elderly people in the same age group, without neurological and respiratory conditions. The measured variables were functional independence, motor performance, respiratory muscle strength, recruitment of respiratory and postural muscle fibers, and quality of life. 16 sessions were held with virtual reality. Results: The maximum inspiratory pressures (MIP) and maximum expiratory pressures (MEP) improved in some moments of the intervention. The recruitment of muscle fibers in the sternocleidomastoid decreased and the recruitment of muscle fibers in the diaphragm increased. Conclusion: MIP and MEP improved in some moments of treatment, and there was a decrease in the recruitment of muscle fibers from accessory respiratory muscles in patients with PD.

Keywords: Parkinson's disease, virtual reality exposure therapy, respiratory muscles, posture.

 

Introdução

 

A Doença de Parkinson (DP) é uma das doenças degenerativas mais frequentes que afetam o Sistema Nervoso Central [1], resultante da morte dos neurônios produtores de dopamina da substância negra [2]. Caracteriza-se por bradicinesia, tremor de repouso, rigidez, instabilidade postural, distúrbio da marcha e face “em máscara” [3]. Sua etiologia é tida como idiopática, porém alguns autores relacionam seu surgimento com fatores genéticos, toxinas ambientais, estresse oxidativo, anormalidades mitocondriais e/ou alterações do envelhecimento [4]. Com a progressão da doença, ocorrem alterações na postura e na marcha com aumento do risco de quedas, redução no nível de atividade e imobilidade. Os marcantes comprometimentos motores, a limitação física progressiva e a deficiência no desempenho funcional fazem dos aspectos físicos um dos grandes responsáveis pela perda contínua da qualidade de vida (QV) dos indivíduos [5].

A DP também causa alterações da função respiratória. A postura em flexão e a rigidez da musculatura intercostal comprometem a mobilidade da caixa torácica, acarretando limitação progressiva da ventilação. A capacidade vital também reduz devido à diminuição na expansão torácica [6].

A realidade virtual (RV) é uma nova estratégia de interação “homem-máquina”, que propicia a movimentação, a visualização dos movimentos, interação em tempo real com personagens, atividades e ambientes tridimensionais, criados pelo computador, com representações cada vez mais próximas da realidade [4]. A cada dia é mais consolidado o uso das tecnologias da área da informática aplicada à saúde, ampliando as possibilidades de estudo e aplicação de técnicas e procedimentos terapêuticos [4]. Entretanto, ainda existem poucos estudos que utilizam a RV em condições neurológicas, como a DP, principalmente no que se refere às alterações respiratórias observadas nestas condições. Com isso, o presente estudo foi desenvolvido para avaliar a influência da RV no tratamento de pacientes com DP.

A reabilitação de pacientes com DP, devido aos comprometimentos da musculatura respiratória e postural, é complexa e alvo de constantes investigações. A tecnologia de apoio, com recursos encontrados no cotidiano atual, pode promover melhora desses pacientes. Com esse interesse, o presente estudo busca elucidar o efeito da realidade virtual, como método de reabilitação, nas forças e no recrutamento de fibras musculares respiratórias e posturais e como consequência na qualidade de vida em pacientes com DP.

 

Material e métodos

 

O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alfenas (CEP/UNIFAL-MG), sob o parecer 923.464. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi obtido por escrito de todos os pacientes envolvidos na pesquisa.

Trata-se de estudo clínico piloto, prospectivo, com alocação por conveniência. Dezoito indivíduos foram selecionados para avaliação quanto a elegibilidade, porém oito foram excluídos do estudo, quatro indivíduos se recusaram a participar da pesquisa, um óbito, um acamado e dois cadeirantes com dificuldade de transporte. Cinco pacientes com doença de Parkinson foram incluídos devido aos critérios da pesquisa no grupo estudo (GE n=5) e outros cinco indivíduos supostamente saudáveis foram incluídos no grupo controle (GC n=5).

Os critérios de inclusão para o grupo estudo foram: indivíduos com o diagnóstico clínico de doença de Parkinson, classificados no nível III pela Escala Unificada de Avaliação para Doença de Parkinson (UPDRS), de ambos os sexos, com idade de 62 a 80 anos. Para o grupo controle foram considerados critérios de inclusão como: idosos de ambos os sexos, na mesma faixa etária do grupo estudo, sem disfunções clínicas neurológicas e respiratórias. Os critérios de exclusão foram: indivíduos com doenças neurológicas e respiratórias, pacientes fazendo mau uso de medicamentos para DP ou uso de relaxantes musculares.

 

Dados coletados

 

Para analisar o protocolo do estudo foram utilizados: manovacuometria, eletromiografia de superfície, Índice de Barthel, Escala Unificada de Avaliação de Parkinson (UPDRS) e Questionário da Doença de Parkinson (PDQ-39).

 

Manovacuometria

 

As mensurações da Pressão Inspiratória máxima (PImax) e da Pressão Expiratória máxima (PEmax) foram realizadas de acordo com as Diretrizes para Testes de Função Pulmonar da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia [7]. Foi utilizado o manovacuômetro analógico M120 da marca Globalmed. A PImáx foi mensurada a partir da expiração máxima, quando o volume de gás contido nos pulmões é o volume residual (VR). A PEmáx foi medida a partir da inspiração máxima, quando o volume de gás contido nos pulmões é a capacidade pulmonar total (CPT). Foram realizadas três medidas de PImáx e PEmáx e a maior medida foi utilizada como parâmetro. Os indivíduos foram convidados a se sentar, permanecendo com o tronco em ângulo de 90º com os membros inferiores apoiados. Nos casos em que houve dificuldade de realização da mensuração de força muscular respiratória, utilizou-se uma pinça nasal no nariz. Foram afrouxados ou removidos os vestuários que pudessem interferir com os esforços respiratórios máximos.

 

Eletromiografia de superfície

 

Para a colocação dos eletrodos de superfície, primeiramente foi realizada tricotomia e limpeza pela fricção com álcool 70% (Start) a fim de diminuir a impedância da pele evitando interferência e obtendo, assim, melhor aquisição do sinal [8]. O sinal eletromiográfico foi realizado na posição de repouso e em contração isométrica voluntária (CIV). Foi usado o comando verbal para relaxamento (“relaxe, relaxe”) e para contração isométrica voluntária máxima (CIVM) (“força, força”), durante cinco segundos para músculos posturais e dez segundos para músculos respiratórios. O eletrodo de referência foi posicionado na protuberância da vértebra C7. Foram realizadas três coletas e, posteriormente, a média das três. As atividades elétricas do músculo diafragma foram mensuradas com eletrodos posicionados na superfície da derme em região do processo xifoide e abaixo da margem costal direita no 7º espaço intercostal na linha mamilar. Para avaliar o músculo reto abdominal, os eletrodos foram posicionados sete centímetros acima da cicatriz umbilical e quatro centímetros da linha média. Para o registro da atividade eletromiográfica do músculo longuíssimo do dorso, o eletrodo ativo foi colocado dois centímetros lateral ao processo espinhoso da vértebra L1 bilateralmente. Para o registro da atividade eletromiográfica do músculo trapézio ascendente, o eletrodo ativo foi colocado dois centímetros lateral ao processo espinhoso da vértebra T8 bilateralmente. Para analisar a atividade eletromiográfica do músculo intercostal externo o eletrodo foi posicionado no terceiro espaço intercostal, três centímetros paraesternal.

 

Índice de Barthel

 

O Índice de Barthel foi utilizado para avaliar o grau de independência funcional dos indivíduos, em dez tarefas: alimentação, banho, vestuário, higiene pessoal, eliminações intestinais, micção, uso do vaso sanitário, transferência cadeira/cama, deambulação e escadas. Cada item foi pontuado com as opções: independente, dependente ou com alguma ajuda, de acordo com o desempenho do paciente em realizar as tarefas [9]. A pontuação total varia de 0 a 100, pontuações maiores significam maior independência.

 

Escala Unificada de Avaliação de Parkinson (UPDRS)

 

A Escala Unificada de Avaliação de Parkinson contém domínios que avaliam itens como o comportamento e humor, atividade de intervenção de vida diária (AVD), exame motor, complicações da terapia e complicações gerais, pontuando cada item de zero a quatro pontos, e o valor mínimo indica normalidade e o valor máximo, maior progressão da doença. Tal escala é dividida em quatro sessões, e, neste estudo, foi utilizada a sessão III: Exame motor.

Questionário da Doença de Parkinson (PDQ-39)

O questionário PDQ-39 foi utilizado para avaliar a qualidade de vida dos pacientes com DP. Dividido em oito domínios: mobilidade, atividades de vida diária, bem-estar emocional, estigma, apoio social, cognição, comunicação e desconforto corporal. Compreende 39 itens, que podem ser respondidos com cinco opções diferentes (“nunca”; “de vez em quando”; “às vezes”; “frequentemente”; “sempre”). A pontuação total varia de 0 (nenhum problema) a 100 (máximo nível de problema) [10].

 

Protocolo do estudo

 

O estudo foi composto por quatro etapas. A primeira foi de seleção e recrutamento dos indivíduos, no qual foi realizado o convite para participar da pesquisa. Na segunda etapa foi realizada a avaliação, com aplicação da UPDRS, Índice de Barthel, manovacuometria, eletromiografia de superfície e PDQ-39. A terceira etapa consistiu nas intervenções para o grupo estudo, na qual foram realizadas duas intervenções semanais, com duração média de cinquenta minutos, durante oito semanas, totalizando dezesseis sessões. As sessões foram iniciadas com mensurações de pressão arterial e força muscular respiratória pela manovacuometria. Em seguida, os pacientes foram submetidos a uma série de alongamentos passivos de membros superiores e cervical mantidos por trinta segundos. Logo após, os pacientes iniciaram o jogo de equilíbrio utilizando o Wii Fit Plus® com o auxílio da plataforma e um jogo de tênis de mesa utilizando o Wii Resorts® utilizando uma raquete. A progressão foi realizada a cada quatro intervenções, e, a cada quatro, foi aumentada uma partida de cada jogo, iniciando com uma partida e finalizando com quatro. Ao final, foram realizadas novamente as mensurações de pressão arterial e manovacuometria. Na etapa quatro foi realizada reavaliação dos dois grupos com aplicação da manovacuometria, eletromiografia de superfície e PDQ-39. O grupo controle foi conscientizado em relação à importância de sua participação como parâmetros da pesquisa e informado que eles permaneceriam com atendimento convencional de fisioterapia na Clínica Escola de Fisioterapia da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL/MG).

 

 

Figura 1Fluxograma do estudo.

 

Análise estatística

 

Para a análise estatística foram utilizados valores de recrutamento de fibras musculares com medidas de amplitude eletrônica pela voltagem no decorrer da coleta, em repouso e em contração efetiva (contração-repouso). Foram utilizados média e desvio padrão para analisar todos os dados. Todos os resultados foram inicialmente submetidos ao teste de homogeneidade de Shapiro Wilk. Para comparação entre grupos foi utilizado Wilcoxon. Para análise, foi utilizado o programa SPSS versão 15. Em todos os casos, os valores de p ≤ 0,05 foram considerados significantes.

 

Resultados

 

A idade média e desvio padrão do grupo estudo e do grupo controle foram 73 ± 6 anos e 70 ± 7 anos, respectivamente. Ambos os grupos foram compostos por três indivíduos do sexo masculino e dois do sexo feminino. A independência funcional com o Índice de Barthel e o desempenho motor com a escala UPDRS de ambos os grupos foram avaliados e apresentados na Tabela I.

 

Tabela I - Dados do Índice de Barthel e Escala Unificada de Avaliação de Parkinson (UPDRS).

 

DP = Desvio padrão.

 

Com relação às medidas de força muscular respiratória (Tabela II), foi observado melhora no tempo T3 da Pressão inspiratória máxima (PImáx), e melhora da Pressão expiratória máxima (PEmáx) nos tempos T2, T4 e T5.

 

Tabela II - Dados médios de força muscular respiratória, comparados pré e pós- intervenção.

 

DP = Desvio padrão; Pimax = Pressão Inspiratória Máxima; Pemax = Pressão Expiratória Máxima.

 

No grupo estudo, observou-se diminuição do recrutamento de fibras musculares do músculo esternocleidomastoideo, sugerindo diminuição do uso de musculatura acessória no grupo de pacientes com doença de Parkinson. Ao comparar o recrutamento de fibras do músculo diafragma na contração, houve aumento no grupo estudo (Tabela III).

 

Tabela III - Dados eletromiográficos do pico máximo dos músculos respiratórios durante repouso e contração nos períodos de avaliação e reavaliação.

 

DP = Desvio padrão; IC = Intervalo de confiança.

 

Com relação aos músculos posturais, quando comparadas as avaliações com as reavaliações (Tabela IV), foi observada significância (p=0,016) entre os grupos estudo e controle em contração do músculo longuíssimo do dorso esquerdo, indicando aumento do recrutamento de fibras musculares no grupo controle e diminuição no recrutamento de fibras musculares no grupo estudo. No repouso do músculo trapézio ascendente direito, foi observada significância (p=0,04), indicando diminuição do recrutamento de fibras no grupo controle e grupo estudo em repouso, foi observada, também, diminuição da contração do músculo trapézio ascendente direito e longuíssimo do dorso direito no grupo estudo.

 

Tabela IV - Dados eletromiográficos do pico máximo dos músculos posturais durante repouso e contração nos períodos de avaliação e reavaliação para ambos os grupos.

 

 DP = Desvio padrão; IC = Intervalo de confiança; D = direito; E = esquerdo.

 

Conforme a Tabela V, no domínio “Atividades de Vida Diária” (AVD) do questionário PDQ-39, observou-se significância (p=0,031) entre os grupos na avaliação, indicando que o desempenho em atividades de vida diária dos parkinsonianos é inferior se comparado ao desempenho dos indivíduos saudáveis, e essa diferença entre os grupos se manteve na reavaliação, com significância (p=0,045). No domínio “Comunicação”, foi observada significância (p=0,032) entre os grupos na avaliação, mostrando que a comunicação dos parkinsonianos foi inferior se comparado aos indivíduos saudáveis, e na reavaliação foi obtida melhora no grupo estudo, diminuindo, assim, a diferença entre os grupos. Em relação ao escore total, não foi observada significância entre os grupos na avaliação.

 

Tabela V - Dados do Questionário da Doença de Parkinson (PDQ-39).

 

DP= Desvio padrão; IC= Intervalo de confiança.

 

Discussão

 

Buscando traçar o perfil de idosos com DP, foi adotada faixa etária de 62 a 80 anos para os participantes da pesquisa. A idade média e desvio padrão do grupo de parkinsonianos foi 73 ± 6 anos. No estudo de Bueno et al. [11] a idade média foi calculada por grupos, sendo de 69,92 ± 6,31; 70,90 ± 7,65 e 72,77 ± 6,13, corroborando, assim, com a média da presente pesquisa e demostrando que o perfil demográfico de pessoas com doença de Parkinson é na maioria de idosos. Segundo Navarro- Peternella e Marcon [12], cerca de 1 a 3% da população idosa é atingida pela DP. Considerando a predominância de gênero, maior parte dos indivíduos em estudo foram do sexo masculino, tendo consonância com Gonçalves et al. [13], que citam que há certa predominância da DP no sexo masculino, o que pôde ser observado também em outros estudos [12,14-17].

Os parkinsonianos participantes da pesquisa obtiveram boa pontuação no Índice de Barthel, se encaixando como independentes, considerando a pontuação abaixo de setenta pontos como dependentes [18]. Isso corrobora com outros estudos que também apresentaram pacientes com DP com boas pontuações [18,19]. O desempenho motor do grupo de portadores de DP do presente estudo, avaliado pela UPDRS- seção III, apresentou valor de 14 ± 7,6, semelhante ao estudo de Filippin et al. [20] que obteve valor 15,6 ± 7,47 na seção III, observando, assim, que o desempenho motor dos indivíduos com DP é bem inferior ao desempenho dos indivíduos saudáveis, que obtiveram no presente estudo valor 2,4 ± 2,3 na seção III-UPDRS, resultado já esperado, como consequência dos principais sintomas motores da doença tais como rigidez muscular, bradicinesia, tremor de repouso e instabilidade postural [21]. Segundo Filippin et al. [20], quanto maior o comprometimento motor, pior a percepção da qualidade de vida, devido a relação encontrada em seu estudo entre qualidade de vida e UPDRS motora, dado que se confirma com os valores de qualidade de vida dos indivíduos com DP do presente estudo, que se mostraram elevados no PDQ-39, e baixa percepção de qualidade de vida.

Dentre as disfunções respiratórias na DP está a redução da força muscular respiratória. A avaliação da PImáx e PEmáx realizada pela manovacuômetria é o método para aferir a força dos músculos respiratórios. Em indivíduos parkinsonianos a PImáx e PEmáx encontram-se abaixo do limite preconizado de normalidade para a idade e sexo, observando fraqueza muscular respiratória dessa população. Essa redução se associa negativamente com a gravidade dos sintomas respiratórios e com a progressão da DP [21]. A principal causa de óbito em pessoas DP é a disfunção respiratória, que pode ser causada por vários motivos, como aumento da rigidez da musculatura respiratória, disfunções posturais e alterações na ativação e coordenação da musculatura [22]. Dessa maneira, a avaliação da força muscular respiratória, da função pulmonar, e suas repercussões na funcionalidade dessas pessoas, prova ser importante para que se estabeleçam intervenções terapêuticas que reduzam os comprometimentos e favoreçam a melhora da qualidade de vida [23]. Os resultados encontrados no presente estudo demonstraram aumento dos valores de PImáx e PEmáx em alguns momentos durante as dezesseis sessões de intervenção com indivíduos com DP, vislumbrando a realidade virtual como método de reabilitação desses pacientes. É importante salientar a escassez de estudos relacionando manovacuometria e uso de realidade virtual na DP na literatura, dificultando a comparação com os resultados obtidos nesse estudo.

Segundo Ramos et al. [24], os comprometimentos pneumofuncionais surgem devido a alterações posturais adquiridas no parkinsoniano, como a cifoescoliose que projeta o seu tronco para anterior e a consequente fibrose pleural, que contribuem para as limitações da extensão de tronco, da amplitude articular do tórax e da coluna vertebral, a qual tem seu eixo alterado e é capaz de gerar alterações no fluxo inspiratório e expiratório.

O aumento do esforço inspiratório, em função das alterações posturais, desencadeia o padrão ventilatório apical, elevando os potenciais de ação de músculos como o esternocleidomastóideo, resultando, assim, em encurtamento, perda de flexibilidade e alterações no posicionamento da cabeça. A rigidez característica da DP propicia o encurtamento dos sarcômeros musculares, comprometendo a atividade contrátil nas fases inspiratória e expiratória, acarretando deterioração da força muscular respiratória. A força muscular respiratória está relacionada aos volumes pulmonares, principalmente a força do diafragma (principal músculo inspiratório). Alguns autores referem que o encurtamento do diafragma e dos intercostais ocasiona mudanças de volume pulmonar [24,25]. Quando o diafragma está com sua função comprometida, os músculos acessórios assumem essa função, porém são menos eficientes, resultando em falta de ar com esforço respiratório [26]. Nesse estudo, foi observado aumento do pico máximo de EMG de recrutamento de fibras do músculo diafragma e diminuição do recrutamento de fibras do músculo esternocleidomastóideo, sugerindo diminuição do uso de músculos acessórios e aumento da musculatura principal respiratória, melhorando o padrão ventilatório dos indivíduos com DP após a intervenção.

Além da função respiratória, o diafragma também contribui para a estabilização mecânica da coluna vertebral, funcionando como a estrutura superior de estabilização [26]. Pereira et al. [27] ressaltam que o fisioterapeuta pode intervir com técnicas de reeducação diafragmática, respiração costal, mobilização torácica, da região cervical e da cintura escapular, alongamento da musculatura acessória respiratória, exercícios de inspiração profunda e utilização de equipamentos como o inspirômetros de incentivo, além de programa de cinesioterapia motora, o qual associado com a cinesioterapia respiratória promove o aumento da expansibilidade torácica e da complacência pulmonar e mantém suas capacidades funcionais. Alguns estudos relatam que a fraqueza da musculatura respiratória, em especial da expiratória, pode ocasionar redução da pressão expiratória máxima, menores fluxos expiratórios e aumento do volume residual, estando possivelmente relacionada ao agravamento da doença [24,28-30].

Segundo Nogaki et al. [31], os músculos extensores podem enfraquecer mais que os músculos flexores a medida que a DP progride, então, sugere-se que a diminuição do pico máximo dos músculos posturais nos parkinsonianos da presente pesquisa seja devido a progressão proveniente da doença. O comprometimento físico, mental, emocional, social e econômico decorrente dos sinais e sintomas da DP interferem na capacidade do indivíduo e podem afetar negativamente a qualidade de vida, induzindo o indivíduo ao isolamento, diminuindo sua participação na vida social [32,33]. A reabilitação pulmonar a curto prazo pode melhorar alguns parâmetros respiratórios e a capacidade de exercício em paciente com DP ambulatorial, com expectativa de melhora na qualidade de vida [34]. As intervenções do estudo com RV refletiram essa melhora, resultando em enriquecimento da qualidade de vida dos pacientes com DP, mensurada pelo PDQ-39, porém sem significância estatística.

O número pequeno de indivíduos participantes do estudo e de intervenções realizadas, além da necessidade de jogos virtuais específicos para a DP, são algumas limitações encontradas no estudo. Ressalta-se a escassez de estudos na literatura com utilização de realidade virtual e avaliação com força muscular respiratória e recrutamento de fibras respiratórias e posturais em indivíduos com DP.

Sugere-se a realização de novos estudos abordando o tema, uma vez que faltam estudos que avaliem e tratem os indivíduos com DP com uso da RV.

 

Conclusão

 

Neste estudo, as intervenções com realidade virtual usando Wii® diminuíram o recrutamento de fibras de musculatura acessória, como a do músculo esternocleidomastoideo e aumentaram a do músculo diafragma, demonstrando melhoria do padrão ventilatório de pacientes com DP. Além disso, aumentou a força muscular respiratória, observado pelas medidas de PImáx e PEmáx, quando comparado pré e pós-intervenção em alguns momentos do tratamento. Quanto à musculatura postural, foi observada diminuição do recrutamento de fibras musculares na contração dos músculos longuíssimo do dorso direito e esquerdo e no repouso do músculo trapézio ascendente direito.

 

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