ARTIGO
ORIGINAL
Avaliação
fisioterapêutica dos pés e do grau de risco de desenvolvimento de ulcerações em
indivíduos diabéticos fisicamente ativos
Physiotherapeutic
assessment of feet and risk degree of ulceration in physically active diabetic
individuals
Mayara Bueno Récchia, M.Sc.*, Ana Valéria de Souza, Esp*,
Cláudia Mirian de Godoy Marques, PhD*
*Centro
de Ciências da Saúde e do Esporte (CEFID), Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC), Florianópolis/SC
Recebido em 24 de julho
de 2019; aceito em 28 de novembro de 2019.
Correspondência: Cláudia Mirian de
Godoy Marques, Universidade do Estado de Santa Catarina, UDESC – CEFID, Rua
Paschoal Simone 358, 88080-350 Florianópolis SC
Cláudia Mirian de Godoy
Marques: claudia.maques@udesc.br
Mayara Bueno Récchia: maybueno93@gmail.com
Ana Valéria de Souza:
anavaleria63@gmail.com
Resumo
Evidências
epidemiológicas mostram um aumento do número de indivíduos diabéticos, sendo o
Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2) correspondente a 90% dos casos. O pé diabético
está entre as complicações mais graves e onerosas e pode ser prevenido com
estratégias de avaliação e cuidados básicos de saúde. Objetivo: Avaliar, detectar alterações morfofuncionais, classificar
o Grau de Risco (GR) em desenvolver ulcerações dos pés de indivíduos diabéticos
fisicamente ativos e orientar quanto aos autocuidados com os pés. Métodos: Doze indivíduos com DM2 foram
avaliados quanto ao tipo de calçados utilizados; perguntas sobre a presença de
ulcerações, dor, fraqueza muscular e outros incômodos nos pés e membros
inferiores, condição motora e da sensibilidade dos pés. Resultados: Com relação ao GR de ulceração e amputação,
verificou-se que 8% dos indivíduos estão inseridos no GR 0; 8% no GR 1; 25% no
GR 2; 25% no GR 3; e 34% já apresentavam ulceração. Conclusão: Apesar da realização de atividade física regular, a
grande maioria apresentou ausência de sensibilidade protetora plantar com
quatro indivíduos já apresentando ulcerações. Sugerem-se que mais estratégias
sejam desenvolvidas no sistema público de saúde para atendimento básico,
multidisciplinar e multiprofissional ao diabético.
Palavras-chave: diabetes, pé
diabético, grau de risco, avaliação, Fisioterapia.
Abstract
Epidemiological
evidence shows an increased number of diabetic individuals and type 2 diabetes
mellitus (DM2) accounts for 90% of cases. Diabetic foot is among the most
serious and costly complications which can be prevented by an assessment
strategy and basic health care. Objective:
To evaluate and detect morphofunctional changes, to
classify the Risk Degree (RD) in developing foot ulcers of physically active
diabetic individuals and to guide feet self-care. Methods: Twelve DM2 individuals were assessed based on observations
regarding the type of shoes wearing, questions about the presence of
ulcerations, pain, muscle weakness and other feet and lower limbs discomforts,
plantar feet sensibility and, motor condition. Results: About the RD of ulceration and amputation, we verified
that 8% of the individuals were included in the RD 0; 8% in the RD 1; 25% in
the RD 2; 25% in the RD 3; and 34% already had ulceration. Conclusion: Despite regular physical activity, most individuals
presented loss of protective plantar sensibility with four of them already
showing foot ulceration. It is suggested that more strategies should be
developed in the public health system for multidisciplinary and multiprofessional basic care for diabetics.
Key-words: diabetes,
diabetic foot, risk factors, assessment, Physical therapy.
Evidências
epidemiológicas mostram um aumento no número de indivíduos diabéticos devido ao
crescimento e ao envelhecimento populacional, à maior urbanização, à crescente
prevalência de obesidade e de sedentarismo, bem como à maior sobrevida de
indivíduos com Diabetes Mellitus (DM) [1]. O DM é um distúrbio metabólico
crônico, que envolve carboidratos, lipídios e proteínas pela falta e/ou redução
da ação ou secreção do hormônio insulina. De forma simplificada o DM pode ser
classificado em três tipos: DM tipo 1, DM tipo 2 e diabetes gestacional.
O DM tipo 2 corresponde
a 90% dos casos de diabetes, ocorrendo geralmente em pessoas obesas com mais de
40 anos, entretanto, sua frequência vem aumentando em crianças e adolescentes
devido ao estresse, alimentação inadequada e, assim, pela obesidade [2]. Neste
tipo de diabetes, têm-se uma resistência à insulina que ocasiona diminuição da
eficácia das ações dos transportadores de glicose na membrana celular, levando
a menor absorção da glicose e aumentando sua concentração na circulação; ou pelo
decréscimo da secreção de insulina pelo pâncreas, que impossibilita a
manutenção da glicemia. No entanto, por ser pouco sintomático, o diabetes
permanece, na maioria das vezes, sem diagnóstico e tratamento por muitos anos,
o que favorece a ocorrência de suas complicações [3].
Segundo
o Grupo
Internacional de Trabalho sobre o Pé Diabético, o
pé diabético está entre as
complicações mais graves e onerosas do DM, principalmente
quando leva a
hospitalizações prolongadas, reabilitação e
maior necessidade de cuidados
domiciliares e de serviços sociais. O pé diabético
é a infecção, ulceração e/ou
destruição de tecidos profundos associados com
anormalidades neurológicas e
vários graus de doença vascular periférica no
membro inferior [4].
A causa mais frequente
de hospitalização entre os indivíduos diabéticos são as úlceras nos pés que
podem levar a uma amputação parcial ou total deste ou de uma parte do membro
inferior [5]. Os fatores mais importantes relacionados com o desenvolvimento
destas úlceras são: neuropatia periférica, deformidades, doença vascular
periférica e traumas no pé. A localização e o tipo de lesão nos pés estão
associados com diferentes regiões do mundo devido às diferenças sociais e
econômicas, padrões de cuidados com os pés e a qualidade do calçado [6].
No
entanto, através de
uma estratégia de atenção básica de
saúde que combine a prevenção e o
tratamento multidisciplinar das úlceras nos pés,
acompanhamento e educação das
pessoas com diabetes, e treinamento de profissionais da saúde,
incluindo
fisioterapeutas, é possível reduzir a taxa de
amputação entre 49% a 85% [7].
Quanto à prevenção, esta pode ser primária,
quando do início de DM, ou
secundária, relacionada à prevenção das
complicações agudas ou crônicas. Entre
as medidas de prevenção secundárias, encontram-se
o controle metabólico
restrito e a prevenção de ulcerações nos
pés e de amputações de membros
inferiores por meio de cuidados específicos que podem reduzir
tanto a
frequência e a duração de
hospitalizações, como a incidência de
amputações em
50% [8].
Portanto, para melhor
entender, analisar e detectar o desenvolvimento inicial das ulcerações é
necessário avaliar as condições morfofuncionais dos pés de indivíduos
diabéticos [9]. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi avaliar e detectar
essas alterações morfofuncionais nos pés destes indivíduos que fazem parte das
atividades de um programa de reabilitação cardíaca, bem como classificar o grau
de risco de ulcerações e orientar quanto aos cuidados com os pés.
A amostra foi composta
por doze indivíduos com DM tipo 2, participantes do Programa de Reabilitação
Cardíaca do Núcleo de Cardiologia e Medicina do Exercício do Centro de Ciências
da Saúde e do Esporte da Universidade do Estado de Santa Catarina
(CEFID/UDESC), em Florianópolis/SC. Todos os indivíduos foram convidados a
participar voluntariamente, concordando em assinar o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
Envolvendo Seres Humanos da UDESC, registro 216/2011. A avaliação foi baseada
no prosseguimento do Hospital Universitário Polidoro Ernani São Tiago da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, e constou em
anamnese, perguntas sobre a presença de ulcerações, dor, fraqueza muscular e
outros incômodos nos membros inferiores; e, exame físico.
No exame físico, foi
verificada a área de risco para ulcerações, a formação desta por estresse
repetitivo, local da ulceração, pré-ulceração e
calosidade em oito áreas de apoio plantar em cada pé (Figura 1a). Além disso, a
sensibilidade protetora plantar, ou percepção da pressão, foi identificada com
auxílio do monofilamento 10g em quatro áreas (Figura
1b), e a sensibilidade dolorosa foi testada no dorso do pé com um palito de
madeira.
Figura 1 - Exame físico dos pés: (a) áreas de apoio plantar verificadas para
presença de calosidade, pré-ulceração e ulceração;
(b) áreas avaliadas com o monofilamento 10g para
verificação da sensibilidade protetora plantar.
A força muscular da
panturrilha foi verificada com o teste da caminhada na ponta dos pés, enquanto
que a força do músculo tibial anterior, pelo teste da caminhada sob os
calcanhares. Já, para a limitação da motilidade articular, foi utilizado o
sinal da prece. E, por fim, foram realizados testes vasculares para identificar
uma possível isquemia, através da palpação dos pulsos pedioso e tibial
posterior, e enchimento venoso/capilar. A adequação do tipo de meias e calçados
utilizados pelo indivíduo também foram observados.
Após esta avaliação foi
utilizado um critério para a classificação do pé com ou sem risco de ulceração.
Os pés foram classificados como em risco de ulceração segundo os critérios:
ausência de sensibilidade protetora plantar (com o monofilamento
10g), deformidade, ausência de pulsos tibial posterior e pedioso e história
prévia de úlcera, seguidos da presença de calosidade e/ou uso de calçado
inadequado, presença de micoses, rachaduras, fissuras e pele seca.
Com base neste
critério, os indivíduos foram classificados de acordo com a Classificação do
Risco das Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) 2015-2016 [10]
(Tabela I). Esta classificação foi proposta em quatro categorias, segundo os
principais agravos que levam à ulceração ou amputação (neuropatia diabética,
deformidades, doença arterial periférica, e história prévia de ulceração ou
amputação). O grau de risco foi, então, determinado como: 0 (ou sem risco) -
Perda da Sensibilidade Protetora (PSP) e Doença Arterial Periférica (DAP)
ausentes; 1- PSP e/ou deformidade presente; 2- PSP e DAP presentes; 3-
Histórico de úlcera ou amputação.
Tabela I -
Classificação do grau de risco, recomendações e acompanhamento periódico,
segundo as Diretrizes da SBD 2015-2016 [10].
Após a coleta, os
indivíduos foram orientados quanto aos autocuidados com os pés. Os casos que
necessitavam de maior atenção foram encaminhados para uma avaliação no Serviço
de Endocrinologia e Metabologia (antigo Grupo de Atendimento Multiprofissional
ao Diabético - GRUMAD) do Hospital Universitário da Universidade Federal de
Santa Catarina (HU/UFSC). Os dados foram tabulados no pacote estatístico
“Microsoft Excel” e analisados através de estatística descritiva.
A amostra consistiu em
doze indivíduos com idade média de 67,4 anos, que realizavam atividade física
no Programa de Reabilitação Cardíaca. Destes, 58,3% já tiveram seus pés
examinados por algum profissional da área da saúde, sendo 60% por enfermeiro e
40% por outros profissionais (angiologista, ortopedista ou endocrinologista).
Além do mais, 66,7% já receberam alguma orientação quanto aos cuidados com os
pés por conta do diabetes, 83,3% relatou ter o apoio da família ou de amigos
com relação à saúde, e 25% tinham o hábito de caminhar descalços. Todos os
indivíduos afirmaram não ser fumantes, entretanto 33,3% já foram tabagistas.
Todos os indivíduos da amostra possuíam prescrição médica para uso contínuo de
medicamentos de controle do DM e todos realizavam atividade física - caminhada,
dança ou ginástica, durante uma hora, três vezes por semana há pelo menos 1
ano. Além disso, 66,7% relataram realizar mais algum exercício ou atividade
física, com a mais frequente sendo a caminahada não
regular (75%), ±1h30min por semana (Tabela II).
Tabela II - Perguntas relacionadas ao diabetes, ao pé diabético e a hábitos de
atividade física.
*Valores expressos em
número de indivíduos (n=12).
Foi constatado, ainda,
que 67% já tinham verificado alguma complicação relacionada ao diabetes:
complicação vascular em 63%, seguida de retinopatia e alterações ortopédicas
(Figura 2).
Figura 2 - Presença e tipo de complicação relacionada ao diabetes.
Na avaliação de
sinais/sintomas presentes nos pés ou membros inferiores, aproximadamente 42%
dos indivíduos responderam já ter apresentado algum tipo de úlcera nos pés; 50%
relataram sentir dor, principalmente noturna, que melhora quando caminha;
33,34% apresentar fraqueza muscular; 66,67% sentir pontadas, agulhadas,
formigamentos, dormência, câimbra ou incômodo ao toque do lençol; e 41,67%
sentir dor ao caminhar (Tabela III).
Tabela III - Presença
de sinais e sintomas nos membros inferiores.
*Valores expressos em
número de indivíduos (n=12) e porcentagem (%).
Na anamnese,
verificando-se as áreas de risco para aparecimento de ulcerações nos pés, foi
possível observar mais de uma área que poderia indicar um aumento de pressão
plantar em cada indivíduo. Encontrou-se uma frequência elevada de pé cavo,
dedos superpostos e dedos em garra. A presença de calos foi comum em quase
todos os indivíduos. Estas e demais alterações encontradas nos pés estão
descritas na Tabela IV.
Tabela IV - Alterações dos pés de indivíduos diabéticos.
*Valores expressos em
número de indivíduos (n=12) e porcentagem (%).
Foi identificada em
quase todos os indivíduos a formação de calo, em 33,3% a presença de hemorragia
subcutânea e em 41,7% abertura da pele. Em nenhum indivíduo foi encontrada
infecção do pé com osteomielite. As áreas mais comprometidas para estas três
alterações encontradas foram: área 1 (base da 1ª falange distal), 2 (cabeça da
1º falange proximal), 6 (cabeça da 5ª falange proximal) e 8 (calcâneo). Em
geral, os mesmos padrões das áreas comprometidas foram observados tanto para o
pé direito como para o esquerdo (Figura 3).
Figura 3 - Inspeção dos pés quanto à calosidade, pré
ulceração e ulceração nas diferentes áreas dos pés. Valores expressos em número
de indivíduos (n=12).
Para avaliar a
sensibilidade protetora plantar, utilizou-se o monofilamento
10g em quatro áreas. Foi registrado que 66,7% dos indivíduos não perceberam a
pressão em pelo menos uma área. Em adição, 25% dos indivíduos apresentaram
alguma alteração na sensibilidade dolorosa, 50% apresentaram alteração da
sensibilidade tátil no pé direito e 16,7% no pé esquerdo. O reflexo aquileu mostrou-se alterado em 41,7% no membro inferior
direito e 58,3% no membro esquerdo. Foi constatado, ainda, que 50% dos
indivíduos não conseguiram realizar o sinal da prece, todos apresentaram pele
seca em pés e pernas, e, quanto ao uso de meias e calçados, 66,7% faz uso de
meias e 41,7% de calçados inadequados (Tabela V).
Tabela V - Exame físico dos indivíduos diabéticos.
*Valores expressos em
número de indivíduos (n=12) e porcentagem (%).
Quanto ao teste de
caminhada na ponta dos pés, 75% dos indivíduos conseguiram realizar com membro
inferior direito e 83,3% com o esquerdo, e no teste de caminhar sob os
calcanhares, os resultados foram de 83,3% e 58,3%, respectivamente. Cinquenta
por cento dos indivíduos apresentaram alterações no pulso pedioso no pé direito
e 50% no pé esquerdo, e 83,3% alteração no pulso tibial posterior nos pés
direito e esquerdo. Houve alteração em 50% quanto ao enchimento venoso em ambos
os membros inferiores, e 50% no enchimento capilar no membro inferior direito e
33,3% no esquerdo (Figura 4).
Figura 4 - Exame dos pés e avaliação da sensibilidade motora e vascular. Valores
expressos em número de indivíduos (n=12).
Com base nas avaliações
anteriores e utilizando a Classificação do Grau de Risco, um indivíduo foi
classificado em risco 0, um indivíduo em risco 1, três indivíduos em risco 2,
três indivíduos em risco 3 e foi verificado que quatro indivíduos já
apresentavam ulceração. Sendo assim, após serem avaliados, estes indivíduos
foram orientados a realizar exercícios dos membros inferiores para melhora da
circulação sanguínea e aconselhados quanto aos cuidados na escolha de meias e
calçados adequados, além de outras orientações gerais sobre saúde.
Figura 5 - Risco de ulceração e amputação segundo a Classificação do Risco do Consenso
Internacional sobre Pé Diabético.
Os indivíduos que
apresentaram necessidade de acompanhamento contínuo ou de caráter de urgência
(como por exemplo, ulceração já instalada), foram encaminhados ao HU/UFSC para
serem reavaliados e direcionados a sessões de fisioterapia, aconselhamento, e
acompanhamento por demais profissionais da saúde.
Neste estudo avaliamos
as alterações morfofuncionais dos pés e classificamos o grau de risco de
desenvolver ulcerações plantares em indivíduos diabéticos que realizam as
atividades de um programa de reabilitação cardíaca. A orientação quanto aos
autocuidados com os pés destes indivíduos também foi realizada.
Todos os indivíduos
praticavam atividade física, pelo menos três vezes por semana há mais de um ano
e estavam em tratamento medicamentoso para controle glicêmico, o que tornam
fatores positivos para o controle do diabetes. Porém, mesmo assim, mais da
metade possuía complicações relacionadas com a doença.
A avaliação inicial
constou da inspeção da vestimenta de meias que se mostrou inapropriada na
maioria dos indivíduos, em contrapartida, mais da metade destes utilizava
calçados adequados prevenindo de certa forma lesões nos pés.
Sinais e sintomas, como
a presença de ulceração, dor e incômodos, sensação de agulhadas nos pés,
câimbras e dormência, comumente presentes em estudos com DM [11,12] foram
relatados pela maioria dos presentes em nossa amostra. E, assim como nos
resultados de Dietrich et al. [12],
as complicações encontradas foram, em grande parte, devidas ao comprometimento
vascular. Somando-se isto à inspeção dos pés ter demonstrado pele seca em todos
os indivíduos, ressalta-se a importância da orientação para hábitos de
hidratação da pele. Como a alteração do fluxo sanguíneo leva ao seu
ressecamento e diminuição de suor, possibilita o surgimento de fissuras que, se
não tratadas, poderão resultar em feridas [13].
Além
do mais, a
diminuição do fluxo sanguíneo capilar reduz a
nutrição e oxigenação dificultando
a cicatrização de lesões [13]. Desta forma, o
registro do comprometimento
vascular pelas medições do pulso pedioso, tibial
posterior e enchimento venoso
e capilar se faz necessário. Assim, como registrado por outros
autores [14,15],
foi possível observar semelhança entre os dois pés
dos nossos indivíduos. Estes
resultados, se detectados precocemente, além de poderem reduzir
o risco do
desenvolvimento de ulcerações, permitem a
avaliação da necessidade de
acompanhamento com equipe especializada.
Outras características
simétricas encontradas entre os pés direito e esquerdo em nosso estudo
consistem na presença de deformidades, calos, hemorragias subcutâneas e
abertura da pele. No entanto, e felizmente, não foi encontrado nenhum caso de
osteomielite. Esta simetria nos resultados, também é relatada no estudo de Karino e Pace [11], no qual sugerem como causa a obesidade
e, desta forma, a distribuição anormal de peso, com consequente alteração da
pressão plantar. Acrescentando que a nossa amostra consiste de praticantes
regulares de exercício físico, o aumento de pressão constante em áreas pontuais
pode ocasionar o desenvolvimento de úlceras, e a utilização de meias e calçados
inadequados pode incrementar ainda mais essa pressão [13].
A análise da sensibilidade
protetora dos pés identificou as áreas mais comprometidas como sendo
supostamente as relacionadas à de maior descarga de peso durante a marcha -
parte anterior e médio-lateral dos pés. Embora a pressão plantar não tenha sido
avaliada, sabe-se que a presença de deformidades nos pés pode resultar em
regiões de alta pressão plantar relacionada ao tipo e região da deformidade.
Neste estudo, registramos que mais de 50% da nossa amostra apresentou
deformidades nos pés. Estas podem levar a lesões, como, também, podem
necessitar de correção cirúrgica, o que reduziria o grau de risco no qual o
indivíduo foi classificado [16].
O sinal da prece, que
verifica alterações osteoarticulares das mãos, avalia
o seu limite de amplitude articular (LMA) como um reflexo da função neuropática
e está relacionado à possibilidade de lesões nos pés. Semelhante ao valor
encontrado por Karino e Pace [11] que avaliaram o
risco para complicações em trabalhadores com DM, observamos a LMA em 50% dos
indivíduos, o que sugere comprometimento vascular e neuropático.
De acordo com as
avaliações realizadas, a metade da amostra foi classificada como grau de risco
2 e 3, e um terço apresentou ulceração. Isto demonstra a grande necessidade do
desenvolvimento de novas medidas na área de atendimento básico à saúde, sendo
necessária a orientação quanto ao controle glicêmico e aos autocuidados com os
pés, com um enfoque maior naqueles que realizam atividade física. Neste
sentido, o amparo da família e de amigos tem papel fundamental, pois além de
apoiá-los, auxiliam em verificações diárias do pé, em caso de impossibilidade
da realização independente, ou mesmo, incentivando a dieta e a prática de
exercícios físicos [17,18].
A dieta apropriada para
o controle glicêmico e do peso corporal, adicionados a boas práticas de
exercícios – desde que devidamente prescritos para cada indivíduo, de acordo
com o seu estado de saúde -, podem contribuir para melhor condição vascular dos
pés, e prevenir o desenvolvimento de complicações como a doença renal,
retinopatia, deficiência circulatória em órgãos vitais e de membros superiores
e inferiores. Além disso, podem auxiliar a prevenir o aparecimento de outros
problemas de saúde a longo prazo, melhorar o bem-estar e a qualidade de vida e
favorecer a sociabilidade [19-21].
É importante salientar a importância da Fisioterapia [22,23] no estudo e tratamento de doenças metabólicas ou crônico-degenerativas como o diabetes mellitus atuando nas várias dimensões como a avaliação, reabilitação, orientação, e prescrição de exercícios supervisionados para a melhoria da qualidade de vida. Ainda assim, a Fisioterapia pode auxiliar em várias condições patológicas dos membros inferiores associados ao diabetes como na instabilidade postural, sarcopenia e neuropatia periférica [24] e na manutenção da força da musculatura do tornozelo e pés de idosos diabéticos [25]. A atuação do fisioterapeuta pode contribuir para o bem-estar de pacientes em todas as idades através de intervenções não-farmacológicas para prevenir e oferecer terapias coadjuvantes para as várias patologias e complicações associadas ao diabetes mellitus.
Limitações do estudo
Nosso estudo apresentou
resultados preocupantes, ainda que com amostra reduzida, devido ao elevado
número de indivíduos apresentando algum tipo de acometimento vascular e/ou
neuropático, deformidades e ulceração. Embora a prática de atividade física
regular seja um fator de auxílio no controle glicêmico, a atenção à saúde dos
pés de indivíduos diabéticos deve ser considerada com mais cautela. O fato do diabetes ser uma doença com pouca expressão clínica e
silenciosa e de desenvolvimento lento para as complicações tardias, sugere-se
um planejamento e medidas de prevenção das complicações que se convertam em
resultados reais de controle da doença e melhora nos autocuidados. Ainda assim,
devem ser realizados investimentos em estratégias de orientação e atendimento
multidisciplinar e multiprofissional especializados regulares, proporcionando
melhor atenção e encaminhamento para a melhoria da qualidade de vida dos
diabéticos.
A pesquisa não recebeu
recursos financeiros institucionais e/ou privados para sua realização.
Esta pesquisa foi possível graças à enfermeira Rita de Cássia Bruno Sandoval e ao Serviço de Endocrinologia e Metabologia (antigo Grupo de Atendimento Multiprofissional ao Diabético - GRUMAD) do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (HU/UFSC), que forneceram treinamento para a avaliação dos pés de indivíduos com diabetes mellitus. Agradecemos também a todos os pacientes que voluntariamente fizeram parte deste estudo.Não existe conflito de interesse.